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Da Independência

à Guerra de 14

A minha ligação histórica e sentimental com Juazeiro tem dois esteios importantes. Primeiro, pelo lado paterno. A família Sobreira vinda de Portugal chegou à região do Cariri em 1750 e obteve uma “data de terra”, concedida pelo Presidente da Província de Pernambuco que ia do sítio São José, na Missão do Miranda –hoje Crato – até o Sítio Ossos na Vila de Missão Velha. Já no início de 1800, desempenharam ativa atividade cultural na pessoa do padre Joaquim Eduardo Sobreira, de sólida formação cultural e tradutor de clássicos gregos e latinos. Ele teve entre os seus alunos o jovem José Antonio Pereira, que se preparava para ingresso na Faculdade de Direito de Recife/Olinda, e que seria anos depois, como o Padre Mestre Ibiapina, o maior e único missionário nordestino a pregar pelos sertões e autor da maior obra social da Igreja Católica no Brasil.

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Em 1822, mesmo com o grito do Ipiranga, o presidente da Província do Ceará, Raimundo Porbém, de naturalidade portuguesa e em razão de ter jurado fidelidade à Constituição de Portugal, não reconheceu a Independência do Brasil. Diante disto, uma comitiva do Sul do Ceará saiu para Fortaleza, composta por José Pereira Figueiras, por Tristão Gonçalves e pelo padre José Joaquim Xavier Sobreira, com o objetivo de destituir Raimundo Porbém do cargo de Presidente da Província do Ceará. O padre José Joaquim Xavier Sobreira depois da deposição do presidente da província do Ceará seguiu para reunir-se com a corte no Rio de Janeiro para que houvesse a designação de novo Presidente da província que fosse fiel ao Império do Brasil. Dom Pedro I nomeou Costa Barros presidente da província.

Outro grande vulto da família que teve forte influência na minha formação foi o padre Azarias Sobreira que dedicou a vida na defesa do padre Cícero. Ele fez desse ideário sua razão de viver.

O lado materno teve também uma influência muito grande na minha formação. Meu avô materno, Antonio Gonçalves Magalhães, era um médio e bem sucedido proprietário rural, na Vila de União dos Palmares, Estado de Alagoas. Já tinha vindo em romaria ao Juazeiro logo após a divulgação dos fatos maravilhosos ocorridos com a Beata Maria de Araújo. Em setembro de 1913, toda a região da Serra da Barriga, divisa dos Estados de Pernambuco e de Alagoas, foi sacudida pela terrível notícia de que o Governo, como fez em Canudos na Bahia, iria invadir o Juazeiro, destruir tudo, até mesmo a Casa da Mãe de Deus, a capela do povoado, e matar o Padre Cícero e a cabeça dele seria levada para Fortaleza espetada na ponta de uma baioneta de um fuzil. Diante da tragédia anunciada meu avô reuniu a família e comunicou sua decisão: “Se meu Padim vai morrer, eu não tenho razão de viver. Vou vender tudo o que tenho e irei defender o Juazeiro”. Foram dias agitados preparando a longa travessia de 150 léguas – cerca de 900 km – em carro de boi e tropa de burro, trazendo os “trens” de casa, utensílios domésticos, roupas, mantimento e água. Além do núcleo familiar – a

Geov Sobreira

esposa e oito filhos menores – diversas pessoas, romeiros e devotos do Padre Cícero, foram se agregando à comitiva do meu avô para defender Juazeiro. Foi uma lenta caminhada, a pé, rezando o Rosário da Mãe de Deus e cantando o Ofício de Nossa Senhora durante quarenta dias. No curso da jornada a comitiva parava duas vezes por dia, uma para o almoço ao meio dia e outra na “boca da noite”, em lugar seguro, que desse para repouso e alimentação dos animais. Em uma das paradas do comboio, na agitação natural de se providenciar refeição para todos, uma mula estradeira separou-se do lote de animais e seguiu andando estrada afora. Aquela mula tinha como arreios dois caçuás bem forrados por redes e lençóis e dentro dos caçuás vinham duas crianças, uma criança de pouco mais de três anos e um bebê de um ano e meses. Momentos depois, a minha avó foi procurar as duas crianças para alimentá-las e não encontrando nem as crianças nem a mula caiu em aflito desespero. Toda a comitiva em pânico com a tragédia saiu pelas estradas e caminhos e pelos matos à procura das crianças e somente no outro dia um dos tropeiros da comitiva reconheceu no oitão de uma casa a mula estradeira que havia fugido e então meus avós foram para lá. Uma senhora relatou que viu o animal andando sozinho e duas crianças se esgoelando dentro dos caçuás. Então recolheu as crianças, deu banho nelas e fez uma papinha com leite de cabra e as alimentou. Limpinhas e bem alimentadas as duas crianças dormiam tranquilamente numa rede. Aquela criança de pouco mais de três anos iria ser anos mais tarde a minha mãe.

A comitiva chegou a Juazeiro no meio do mês de novembro de 1913 e o Juazeiro naquela época

Mãe de Deus” ao redor da cidade impedindo que as tropas do Governo invadissem o Juazeiro.

Na casa do Padre Cícero, a Beata Mocinha comandava um batalhão de mulheres cozinhando em imensos tachos e panelões de alimento para os romeiros. De quando em vez ecoavam gritos alucinantes: - “Madrinha Mocinha, mande comida. ,Estamos morrendo de fome”. Era uma azáfama desesperada.

Meu avô, Antonio Gonçalves Magalhães, logo que chegou a Juazeiro, dirigiu-se para a casa do Padre Cícero e ficou esperando ser recebido pelo Patriarca de Juazeiro. Na curta e meninas, andando no meio de jagunços e romeiros, tendo que cozinhar de cócoras em trempe de pedra debaixo de uma grande mangueira. O coração de mãe não aguentou aquele tormento. Um infarto fulminante foi fatal. Meu avô, Antonio Gonçalves Magalhães, reuniu os filhos e parentes e aos prantos pedia aos filhos que naquele momento de aflição ajudassem uns aos outros porque a mãe tinha ido para o céu implorar a Deus e a Nossa Senhora pela vitória de Juazeiro.

Finda a Guerra de 1914, Juazeiro vitorioso e estava salva a vida do Padre Cícero. A Beata Mocinha acolheu, sob sua proteção, toda a família

Naquele clima de agitação social e cultural por sugestões e orientação de amigos decidi dedicar-me a estudos do Movimento Religioso Popular de Juazeiro sob enfoques modernos da Antropologia Cultural, buscando entender o fascinante universo do sincretismo cultural radicado em Juazeiro só tinha umas três pequenas ruas com cerca de mil residências. O local estava transformado em agitada praça de guerra com mais de vinte mil romeiros vindos de todo o nordeste para defender o Juazeiro e o Padre Cícero. A multidão estava acampada no largo espaço da Praça da Liberdade – hoje Praça Padre Cícero –e nos átrios da capela do Socorro e na Igreja de Nossa Senhora das Dores. Toda aquela multidão estava se abrigando debaixo de árvores. Havia a mobilização total de todos os romeiros trabalhando noite e dia cavando o “valado da entrecortada conversa meu avô disse que tinha vindo com a família inteira defender o Juazeiro e entregou todo o dinheiro que havia trazido para ajudar a financiar a guerra. Informou ao Padre Cícero que a família de oito filhos menores estava provisoriamente alojados na Rua do Brejo e logo depois da guerra construiria uma casa para abrigar a família.

No entanto, a minha avó, Maria Rosa de Lima Magalhães, entrou em estado de choque logo que chegou a Juazeiro vendo os filhos dormindo debaixo de árvores, suas quatro filhas, ainda

Magallhães, educou a todos e encaminhou-os pela vida ajudando financeiramente a todos.

Juazeiro, também coito de poetas

Saí do Seminário Salesiano no início de década de 1960 e voltei para Juazeiro. Fascinado vivi aqueles grandes eventos dos “annuus adminirabilis - Anos Extraordinários”: Celebração do “Cinquentenário”, Eletrificação com energia gerada pela Usina de Paulo Afonso, Anuência do

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Ministério da Educação para o funcionamento dos cursos do 2º grau – clássico e científico -, Construção de uma belíssima sede para a Prefeitura, Construção do 2º maior estádio de futebol do Ceará, edificação da Estátua do Padre na Colina do Horto - o segundo maior monumento do Brasil depois do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Houve também uma avalanche de produção e publicação de livros com ensaios históricos e biográficos de Juazeiro e sobre aspectos diversos da vida do Padre Cícero. No entanto, duas obras que podem ser consideradas clássicas, modificaram a narrativa do movimento religioso popular liderado pelo Padre Cícero: O Patriarca de Juazeiro, do Padre Azarias Sobreira e Milagre Em Joaseiro, de Ralph Della Cava.

Estavam, então, escancarados os baús da intolerância, que foram mantidos escondidos a sete chaves por dezenas e dezenas de anos nas Arquidiocese do Ceará, na Cúria Diocesana do Crato e num depósito da tralhas velhas no Colégio Salesiano de Juazeiro.

Naquele clima de agitação social e cultural por sugestões e orientação de amigos decidi dedicar-me a estudos do Movimento Religioso Popular de Juazeiro sob enfoques modernos da Antropologia Cultural, buscando entender o fascinante universo do sincretismo cultural radicado em Juazeiro. Percebi por acaso a evasão de bens culturais indo para o exterior e de modo especial para os Estados Unidos. Então resolvi adquirir tudo o que eu fosse encontrando ligado às nossas raízes culturais e principiei pela literatura de cordel e pelas xilogravuras. Saí farejando os clássicos ou os pioneiros do cordel desde Silvino Piraruá, Leandro Gomes de Matos, João Martins de Athayde e dos demais poetas. Comecei a divulgar escrevendo que os sertões não eram só coito de jagunços e cangaceiros e já no início da década de 1970 já tinha catalogado mais de 4.000 poetas com folhetos de cordel publicado. Assim a minha coleção de folhetos de cordel tornou-se referência para pesquisadores. Os sertões não era apenas coito de cangaceiros e sim a pátria de poetas...

Mesmo sem querer tornei uma dissidência entre os estudiosos da literatura de cordel porque professores de diversas Universidades foram para a Universidade de Sorbonne levados pelos ensaios do Professor Raymond Cantel com

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projetos de tese relacionando o cordel com “ La littérature populaire em France du XVII au XIX siècle – conhecida como “Bibliothèque Bleu”. Procurei ver na literatura de cordel a influência das Mil e uma Noites, da cultura e da música moura, além de sólidas e concretas influências africanas.

Centra-se aí a fisionomia atípica da formação do núcleo populacional de Juazeiro: o locus do distrito onde estava situada a fazenda Joaseiro era de propriedade de Nossa Senhora das Dores, por doação em testamento pelo Padre Pedro Ribeiro. Em 1872 numa ida ocasional do Padre Cícero para celebrar a festa do Natal ele teve ali a um sonho escatológico no qual o próprio Cristo determina que o Padre Cícero tomasse conta daquele exército de flagelado. O padre Cícero aceitou a missão recebida em sonho mítico e com aquele povo flagelado José Turco, Zé Quintino, Maria Izidoro, Pedro Fumaça ,Tereza do Padre, Maria de Araújo, beato Elias, Zé Lourenço, beata Bichinha, Izabel da Luz, Soledade, beato João da Cruz, Beata Mocinha constrói o maior centro urbano, comercial e industrial dos Sertões.

O aspecto mais marcante da trajetória de Juazeiro não é o seu passado e sim o que Juazeiro vai ser. Exemplo concreto e típico: em 1918 estava iniciando no mundo o aeroplano (o avião) e no primeiro testamento do Padre Cícero já havia área destinada para campo de pouso de aviões.

Como Patriarca o Padre Cícero revestiu a História de Juazeiro de uma singularidade muito especial: tudo em Juazeiro está voltado para o futuro. Juazeiro ainda era um simples distrito, pressionado e perseguido por toda

Com relação ao Crato, houve uma distinção histórica. Ali morava uma elite portuguesa, que era regalista, imperialista, viva dos bens do Estado e da nação. Uma elite cultural que repudiava essas tradições populares burocracia da Igreja, o Padre Cícero tendo como “excomungado”, com a Matriz – hoje Basílica – fechada por 24 anos, pois nem vigário ou capelão tinha, mesmo assim é construída a completa e moderna infra-estruturar para a Cúria Episcopal.

Esta é a característica social da Terra do Padre Cícero tanto para os filhos da terra, para os romeiros, para os adventícios atraídos por qualquer razão. Juazeiro só tem um sentido: um futuro melhor. Juazeiro é a Terra do Futuro.

Padre Ibiapina

A História Eclesiástica Brasileira tem três imensos vultos: Padre Ibiapina, Padre Cícero e Padre Helder Câmara – todos eles cearenses. Todos eles legaram à História do Brasil as maiores obras sociais da Igreja em todo o território nacional.

O Padre Ibiapina nasceu na cidade de Sobral (CE). Seus pais vieram para o Cariri em 1816. Ele fez seus estudos propedêuticos para ingressar na Faculdade de Direito do Recife (PE) com o Padre Joaquim Eduardo Sobreira. Apaixonou-se pela filha de Tristão Gonçalves – herói e mártir da Confederação do Equador. Seu pai, Francisco Miguel Pereira e o seu irmão, Raimundo, foram líderes da Revolução no Ceará. Seu pai e seu irmão foram tragicamente executados por ordem do Imperador Pedro I. O pai foi fuzilado no “Campo da Pólvora”, hoje o atual Passeio Público em Fortaleza (CE) e o seu irmão, Raimundo, foi executado pelo Coronel Mercenário Jacob Niemeyer em Fernando Noronha (PE).

O Padre Ibiapina buscou por diversos caminhos meios para as populações mais desassistidas do Nordeste quer como Deputado Federal, como Advogados dos pobres, como Magistrado.... Sentindo-se frustrado tomou a decisão de tornar-se padre e como padre ser “missionário” pelos sertões nordestinos. Fundou 26 Casas de Caridade no Nordeste com escolas para crianças órfãs, com hospital. A Casa de Caridade do Crato hoje de propriedade da Diocese do Crato e Reitoria da Universidade Regional do Cariri (URCA) foi a sua obra mais importante: tinha um grande colégio, uma banda de música, um jornal A Voz da Religião no Cariri, que dispunha de oficina gráfica própria e curso de tipografia, além de ter reunido uma magistral equipe: Padre Ibiapina, Padre Inácio Rolim fundador do Colégio em Cajazeiras (PB) o mais importante Colégio de todo o Nordeste naquela época, Antonio Vicente Mendes Maciel que entrou na história como Antonio Conselheiro, José Joaquim Teles Marrocos, um dos mais importantes líderes da Campanha Abolicionista do Brasil e jovem sacerdote Padre Cícero Romão Batista. Foi o Padre Ibiapina quem fundou a ordem dos Beatos...

O Bispo do Ceará, Dom Antonio Luís dos Santos, sequestrou todos os bens das Casas de Caridade do Ceará e expulsou do Ceará o Padre Ibiapina, José Marrocos e Antonio Vicente Mendes Maciel. Dom Antonio Luís dos Santos. No entanto poupou de sua degola o jovem sacerdote Padre Cícero por ter sido seu aluno no Seminário da Prainha em Fortaleza (CE).

O Padre Cícero fez do povoado de Juazeiro o grande celeiro do projeto pastoral do Padre Ibiapina.

Sincretismo cultural

Eu guardei a documentação católica do Padre Azarias Sobreira e fui buscar estudar Juazeiro sob os diversos aspectos - histórico e cultural. Recuperei toda a documentação que estava perdida desde a década de 60 do século passado. Reuni esse material para uma interpretação histórica da cidade de Juazeiro. Temos aqui o maior sincretismo histórico da história do Brasil. Possuímos três pólos da cultura no Brasil, só encontrados em Salvador e Rio de Janeiro. Falo da fusão da cultura africana, da cultura islâmica e da cultura portuguesa. A cultura africana teve um viés muito rico - a maioria dos escravos vieram para Juazeiro da Serra da Barriga, em Alagoas, onde morou Zumbi. Depois vieram os refugiados da revolta dos Malês, na Bahia, em 1835 . Era tão interessante que os escravos, em sua maioria, eram médicos e engenheiros, enquanto seus donos eram analfabetos. Juazeiro tem esse precioso sincretismo cultural. Um exemplo é a tradição católica das renovações. Essa prática religiosa não é católica, nem européia, mas sim celta, incorporada à religião humana há dois mil anos. A cultura romana criou o culto aos deuses nos lares - que é a nossa renovação. Quando o jovem romano ia casar, escolhia o Deus para proteger a sua casa - os deuses lares - reverenciados todos os anos. Essa é a origem da nossa renovação. Outro exemplo é a práticas dos penitentes - que viviam se flagelando nas

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estradas. No alcorão essa prática se chama achurra, ainda hoje praticada na Europa oriental. O Padre Cícero apreendeu essa grande prática cultural e, com esse pessoal, conseguiu fazer um movimento religioso popular, que fugia às práticas católicas instituídas pela Igreja, o padrão da burocracia católica. Os beatos nunca foram reconhecidos, não é uma ordem reconhecida pelo Vaticano. A pessoa se intitulava beato e vivia de outra coisa, até de pedir esmolas. Veja. A bijuteria de Juazeiro, uma das fontes de renda da população, ainda em 1990, era praticada pelos descendentes muçulmanos vindos da África. Em Juazeiros, já existia o Beco do Ouro. Como um analfabeto ia ter noção de liga de materiais preciosos? Um semianalfabeto produzir ouro 12, 18, 24. Criar instrumentos para produzir as jóias, as medalhas, os anéis. Em 1990 já exportávamos para Recife jóias feitas em Juazeiro do Norte. Com relação ao Crato, houve uma distinção histórica. Ali morava uma elite portuguesa, que era regalista, imperialista, vivia dos bens do Estado e

Joaquim Vieira, arcebispo do Ceará, veio em visita pastoral à região, na sua comitiva veio também o monsenhor Tabosa. Ele começou o sermão pedindo desculpas ao povo ilustre e culto do Crato para falar do povo imundo, sujo e analfabeto de Juazeiro. Essa distinção ficou para sempre. Eram dois tipos de sociedade, uma era elite; outra popular..i

Mestre Noza

O grande artista Mestre Noza veio para Juazeiro sobreviver, fazer qualquer coisa. Em que ele foi trabalhar? Ele tinha sido aprendiz de funileiro, mas não tinha dinheiro para comprar matéria prima, Então, ele achou um toco de pau e fez a sua primeira estatueta. Quando ele criou um conjunto de estatuazinhas na década de 20, foi vender na Praça Padre Cícero, antigamente Praça da Liberdade. Ocorreu que Padre Cícero estava visitando as bancas de cada feirante e,

Comecei a divulgar escrevendo que os sertões não eram só coito de jagunços e cangaceiros e já no início da década de 1970 já tinha catalogado mais de 4.000 poetas da nação. Uma elite cultural que repudiava essas tradições populares. O José de Figueiredo, o pai de José de Figueiredo Filho, foi prefeito do Crato e proibiu as manifestações de danças popularesreisados, bumba meu boi. Agora, o Juazeiro veio de Alagoas, de Pernambuco, descendentes de escravos. Os personagens de Juazeiro da época - Mané Chiquinha, Zé Turco, Elias Beato, Beato José Lourenço, pessoas quase marginais da elite social. Da Serra da Barriga, entre Pernambuco e Alagoas, onde viveu Zumbi. A grande sabedoria do Padre Cícero foi juntar essa massa, e fazer um movimento religioso. O Ralph Della Cava conta no livro dele a procissão das Candeias - ele mandava o povo fazer candeeiros para a procissão das Candeias. Plantem flores, vamos fazer uma procissão das rosas. Com isso, ele girava a economia, a economia popular. Como é até hoje. A distinção entre Juazeiro e Crato é grande. Vou citar um exemplo, um momento histórico para a região. Quando, em 1909, Dom quando viu o Noza, na época não era o Noza, mas sim Inocêncio, disse, após pegar uma estátua: ‘Inocêncio, eu sou tão feio assim?’. O artista replicou: ‘Meu padim, qual o romeiro que vai lhe achar feio?’. Ele era descendente de holandês com índio ou africano, já era caboclo. Noza chegou aqui fugido de Pernambuco, ainda garoto. Ele era descendente de holandês com índio ou africano, já era caboclo.

O Mário de Andrade escreveu que esse foi o maior achado, uma descoberta que transformou o artesão em artista. Era o que tinha que fazer, transformar um toco de árvore em arte. Os artesãos eram pobres - faziam candeeiros, peças de tocos e barros. Tinham que ganhar dinheiro. Uma coisa que até hoje não foi estudada bem pela universidade, o design caboclo que, agora, com o Espedito Seleiro está chamando a atenção. Em 1825, foi dado ao Imperador D. Pedro I um trono de um imperador africano e ficou no Museu Histórico Nacional e depois passou para o Museu da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que pegou fogo. Entre os objetos destruídos, estava o trono do imperador africano. O que me chamou a atenção, para menos para mim, foi que o pé do trono tinha duas coisasuma chinela currulepe e uma bolsa igual ao que o Espedito Seleiro produz. Quer dizer, a currulepe vigorou até 1960, quando apareceu à sandália japonesa, criada também em Juazeiro, o mesmo estilo da Havaiana, que conquistou o mundo. Foi Juazeiro que lançou as sandálias Havaianas no mundo, o mesmo modelo do design da sandália corrulepe.

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