O Lugar da Cultura Indígena na História Gráfica do Brasil - Casa Origem e Cultura Pataxó

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI Beatriz de Souza Alcalde Hiris Pinheiro Geryn Luana Mota Henrique Marja Barbosa

O LUGAR DA CULTURA INDÍGENA NA HISTÓRIA GRÁFICA DO BRASIL Casa Origem e A Cultura Pataxó

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de título de Bacharel em Design Gráfico pela Universidade Anhembi Morumbi.

ORIENTAÇÃO:

Professor Ricardo Borovina Balija

São Paulo / 2021

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Beatriz de Souza Alcalde Hiris Pinheiro Geryn Luana Mota Henrique Marja Barbosa

O LUGAR DA CULTURA INDÍGENA NA HISTÓRIA GRÁFICA DO BRASIL Casa Origem e A Cultura Pataxó

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção de título de Bacharel em Design Gráfico pela Universidade Anhembi Morumbi. São Paulo, ____ de ______________ de_____.

BANCA EXAMINADORA ____________________________________ Professor Ricardo Borovina Balija ORIENTADOR ____________________________________ AVALIADOR ____________________________________ AVALIADOR

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AGRADECIMENTOS

Agradecemos primeiramente aos nossos familiares, amigos e companheiros que acreditaram no nosso potencial de transformação social e que estiveram presentes durante todo esse processo de pesquisa durante esse último ano e aos nossos animais de estimação que nos deram suporte emocional. Um agradecimento especial a José Alcalde, que acreditou e sempre incentivou os estudos e formação, para que as adversidades da vida não se tornassem obstáculos para atingir o objetivo que temos em conjunto.

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Janaron Uhãy e Thyara Pataxó, que cederam seu tempo para a realização de entrevistas e compartilharam conosco suas vivências, experiências e métodos com toda atenção e cuidado, ajudando a termos acesso a informações concretas e reais de tudo que aconteceu e acontece na etnia Pataxó. Agradecemos também Arissana Pataxó por contribuir como base e referência na construção de boa parte de nossa pesquisa. Ao nosso querido professor Eduardo Takemi Yamamoto que nos auxiliou com seus conhecimentos e livros, nos possibilitando ter acesso a informações aqui apresentadas. Agradecemos também nosso orientador Ricardo Borovina Balija, sempre muito paciente, solícito, apresentando um mar de ideias que nos auxiliaram a desenvolver o projeto e acreditando no potencial desta pesquisa para gerar uma reflexão dentro design nacional. E a nós, individualmente, pela paciência e suporte no projeto em meio a um período de pandemia.


RESUMO

Este projeto apresenta uma pesquisa sobre a relação entre o design gráfico brasileiro e a produção indígena, trazendo uma reflexão sobre a ausência de referências indígenas na história do design gráfico nacional. No conteúdo a seguir será abordado a cultura da etnia Pataxó, dando ênfase em suas produções artísticas e históricas, como forma de exemplificar através de suas criações as características que estão relacionadas aos princípios e fundamentos do design. Para evidenciar a produção da etnia Pataxó e com a intenção de não generalizar ou unificar as diversas etnias indígenas presentes no país, nasce a Casa Origem – a idealização de um projeto para disseminação de informações corretas, bem como debates conscientes e responsáveis sobre a cultura indígena nacional com pessoas convidadas, palestrantes, artistas, membros de aldeias e organizações. No local será possível participar de oficinas, palestras e exposições com acesso a conteúdos educativos, sempre com o intuito de desmistificar as culturas apresentadas. Através desta pesquisa e da idealização da Casa, fica explícita a necessidade de evidenciarmos as relações existentes nas produções do design gráfico brasileiro e na cultura gráfica indígena originária. Palavras-chave: Indígena • História do Design Gráfico Brasileiro • Pataxó • Relação • Reflexão.

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ABSTRACT

This project presents a research on the relationship between Brazilian graphic design and indigenous production, reflecting on the absence of indigenous references in the history of national graphic design. In the following content, the culture of the Pataxó ethnic group will be approached, emphasizing their artistic and historical productions, as a way of exemplifying through their creations the characteristics that are related to the principles and foundations of design. In order to highlight the production of the Pataxó ethnic group and with the intention of not generalizing or unifying the various indigenous ethnicities present in the country, Casa Origin was created - the idealization of a project for the dissemination of correct information, as well as conscious and responsible debates about Brazilian indigenous culture with invited people, speakers, artists, village members and organizations. On the location will be possible to participate in workshops, lectures and exhibitions with access to educational content, always with the aim of demystifying the cultures presented. Through this research and the idealization of the Casa, the need to highlight the existing relationships in the production of Brazilian graphic design and in the indigenous graphic culture is explicit. Keywords: Indigenous • History of Brazilian Graphic Design • Pataxó • Relationship • Reflection.


LISTA DE FIGURAS

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Figura 1 - Impresso brasileiro datado de 1747. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 Figura 2 - Xilogravuras do século XVI ilustrando a confecção da xilogravura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Figura 3 - Prensa mecânica em uso, xilogravura, século XV (1568), por Jost Amman. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 Figura 4 - Máquina para a impressão de padrões contínuos em tecidos e/ou papel. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Figura 5 - Primeira fotografia permanente do mundo por Nicéphore Niépce, entre 1826 e 1827. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 Figura 6 - William Morris (1834-1896). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Figura 7 - Selo do centenário da Associação Deutscher Werkbund, em 2007. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Figura 8 - História Geral do Brazil, 1876, de E. & H. Laemmert. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Figura 9 - Catálogo da Semana de Arte Moderna, 1922, por Di Cavalcanti. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Figura 10 - Pôster da Semana de Arte Moderna, 1922, por Di Cavalcanti. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Figura 11 - Fotografia realizada na exposição de Tarsila do Amaral no Rio de Janeiro, em 1929. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Figura 12 - Ariel, revista de cultura musical, n°3, 1924. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Figura 13 - Jogos Pataxó de Coroa Vermelha, abril de 2010. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Figura 14 - Tanga de taboa exposta para venda, 2011. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Figura 15 - Tanga de biriba ou estopa, 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Figura 16 - Cinto feito com a trança do aricuri, enfeitado com sementes e penas, com detalhes de piaçava. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 17 - Cinto feito de sementes tento ou pau-brasil, como alguns denominam. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 18 - Cinto de sementes (tento e milagre) com detalhes de coco nas pontas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 19 - Cinto feito com fios de lã. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 20 - Cocar de taboa com rabo, Jogos Pataxó 2010. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 21 - Cocar de taboa sem rabo, Jogos Pataxó 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 22 - Cocar com aberturas entre as penas, 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 Figura 23 - Cocar com aberturas entre as penas, 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 24 - Cocar de penas coloridas, Pataxó da aldeia Pé do Monte. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 25 - Cocar de taboa com longas penas, durante desfile da Ihé Baixú. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 26 - Cocar de penas durante participação nos Jogos Nacionais em Tocantins, 2011. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 27 - Cocar de penas de galinha natural, na Semana Pedagógica dos Professores em Cumuruxatiba, 2011. . . . . . 44 Figura 28 - Cocar de penas tingidas, em estilo coroa, Jogos Pataxó de Coroa Vermelha, 2010. . . . . . . . . . . . . . . . .44 Figura 29 - Cocar de penas tingidas, em estilo coroa, Jogos Indígenas Nacionais, Tocantins, 2011. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 30 - Indicação e separação das características visuais especialmente presentes nos adereços Pataxó. . . . . . . . . . . . . . . 44 Figura 31 - Cartaz para o aniversário de 60 anos da USP e 31 anos do MAC-USP. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Figura 32 - Colares Pataxó feitos de diversas sementes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 33 - Colar Pataxó que envolve o pescoço e passa embaixo dos braços, 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 34 - Colar Pataxó feito de tento, 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 35 - Colar Pataxó feito de tento, 2012. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 36 - Colar Pataxó feito de sementes de pau-brasil, 2020. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 37 - Colar Pataxó feito de sementes de pau-brasil e lágrima-de-nossa-senhora, 2020. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 38 - Colar Pataxó feito de sementes de pau-brasil, 2020. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 Figura 39 - Identidade Visual para Soneas, por Peltan-Brosz Studio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Figura 40 - Pôster para concurso de design, por Florencia Romero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Figura 41 - Pôster para concurso de design, por Florencia Romero. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Figura 42 - Loja do Parque Indígena, Coroa Vermelha, 2011. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 Figura 43 - Jenipapeiro (árvore do jenipapo). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Figura 44 - Fruto do jenipapo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Figura 45 - Urucuzeiro (árvore do urucum). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Figura 46 - Fruto do urucum. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Figura 47 - Fase crescente da Lua. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Figura 48 - Jenipapo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Figura 49 - Jenipapo sendo ralado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 50 - Extração da tinta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 51 - Tinta pronta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 52 - Fruto do urucum. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 53 - Tinta do urucum. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Figura 54 - As primeiras formas de pintura Pataxó. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Figura 55 - Pakuyo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Figura 56 - Ãko. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 57 - Ãko. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 58 - Kakuseka. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 59 - Beketxia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 60 - Kitok. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54


Figura 61 - Kitokʼihe. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 62 - Exemplo de pintura das costas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 63 - Exemplo de pintura das costas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 64 - Exemplo de pintura das costas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 65 - Exemplo de pintura das costas em mulheres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 66 - Exemplo de pintura nas costas de mulheres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 67 - Diferenças entre as pinturas nos braços dos homens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 68 - Diferenças entre as pinturas nos braços das mulheres. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 69 - Pintura do besouro nas costas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 70 - Besouro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Figura 71 - Onça pintada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Figura 72 - Pintura da onça pintada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Figura 73 - Borboleta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Figura 74 - Pintura de borboleta. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Figura 75 - Pedra de argila do Barreiro da Reserva Jaqueira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Figura 76 - Batismo do Barro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Figura 77 - Incensário tradicional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Figura 78 - Incensário tradicional. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Figura 79 - Representação de padronagem Pataxó. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 Figura 80 - Medalhões de cerâmica Pataxó. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Figura 81 - Etapas da produção de tintas industriais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 Figura 82 - Arte Pataxó, Tapurumã Pataxó, Cargo Collective. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Figura 83 - Arte Pataxó, Tapurumã Pataxó, Cargo Collective. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Figura 84 - Modelo de estampa em labirinto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62 Figura 85 - Arte Pataxó. Tapurumã Pataxó. Cargo Collective. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Figura 86 - Sem título, 2009, acrílica sobre tela, 80x80cm. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Figura 87 - “Mikay”, 2009, escultura de cerâmica, 60cm. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Figura 88 - Logotipo da Casa Yandara. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 Figura 89 - Grafismos e ilustrações da Casa Yandara. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 90 - Logotipo do projeto Anaê, Desfrute o Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 91 - Material gráfico do projeto Anaê, Desfrute o Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 92 - Logotipo do projeto Orígenes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 93 - Imagem de reprodução do projeto Orígenes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 Figura 94 - Estudo de grafismos com guache, folhas e gravetos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Figura 95 - Estudo do logotipo da Casa Origem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 Figura 96 - Fachada da Casa Origem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Figura 97 - Área externa da Casa Origem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 Figura 98 - Cartaz de inauguração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Figura 99 - Material impresso da Casa Origem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Figura 100 - Marca-páginas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Figura 101 - Redes sociais da Casa Origem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Figura 102 - Site Casa Origem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 Figura 103 - Cartazes de dvulgação da ocupação vigente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 Figura 104 - Cartazes de dvulgação dos artistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74 Figura 105 - Material impresso sobre o artista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Figura 106 - Promgração / Pôster. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Figura 107 - Linha do tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Figura 108 - Ambientação inerna da casa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Figura 109 - Ambientação inerna da casa. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Figura 110 - Publicação Oríginavoz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 Figura 111 - Publicação Oríginavoz. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

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SUMÁRIO

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1. INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 2. PROBLEMATIZAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12 3. DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 4. PRESSUPOSTO TEÓRICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 5. OBJETIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 6. OBJETIVOS ESPECÍFICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 7. PRODUÇÕES GRÁFICAS: UMA CONTEXTUALIZAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 8. CONTEXTO HISTÓRICO DO DESIGN. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 9. CONTEXTO HISTÓRICO DO DESIGN BRASILEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 10. METODOLOGIA APLICADA AO DESIGN GRÁFICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 11. PRODUÇÃO INDÍGENA: UMA NEGAÇÃO SOBRE A PRODUÇÃO GRÁFICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 11.1 A DIFERENÇA ENTRE AS ARTES GRÁFICAS DE CADA ETNIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 12. ETNIA PATAXÓ: A HISTÓRIA DO SEU POVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 12.1. ATUALMENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 12.2. ESTILO DE VIDA E PRODUÇÃO DE TRIBOS PATAXÓ BAIANAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 12.3. ADEREÇOS PATAXÓ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 12.3.1. Adereços Atualmente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40 12.3.2. Tipos De Adereços e Confecções . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 12.3.2.1. Tangas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 12.3.2.2. Cintos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 12.3.2.3. Cocares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 12.3.2.4. Colares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 12.3.5. Produção e Comercialização dos Adereços Pataxó: Confecção, Matéria-Prima e Renda . . . . . . . . 47 12.4. PRODUÇÃO ARTÍSTICA E GRÁFICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 12.5. RELAÇÃO DO ARTESANATO COM A PINTURA CORPORAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 12.5.1. MATERIAIS UTILIZADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 12.5.2. PREPARAÇÃO DA TINTA PATAXÓ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 12.5.3. PINTURAS CORPORAIS E SEUS SIGNIFICADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 12.6. CERÂMICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 12.7. PRODUÇÃO DE TINTAS INDUSTRIAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 12.8. ARTE CONTEMPORÂNEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 13. ESTUDOS DE CASO E PROJETOS DE REFERÊNCIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64 14. RAFES E ESTUDOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 14.1. CASA ORIGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 15. OCUPAÇÃO PATAXÓ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72 16. PUBLICAÇÃO ORÍGINAVOZ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76 17. CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 18. NOTAS FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 19. REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

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INTRODUÇÃO Três séculos de silêncio foi um dos castigos impostos pela Coroa Portuguesa à sua principal colônia. Durante os séculos XVl, XVII e XVIII, qualquer atividade impressa em terras brasileiras era proibida. (DE MELO, 2012, p. 25)

Até o século XVIII, o Brasil sofreu diversos impedimentos sobre a circulação de impressos em território nacional. O governo português tomou medidas controladoras a fim de evitar a “contaminação de ideias” por parte de influências políticas e filosofias originárias da França. (FERREIRA, 2018) Tais impedimentos promoveram o enfraquecimento das produções gráficas nacionais, inclusive as não consideradas, como a produção indígena. Somente em 1808, com a chegada da família real, foi criada a Impressão Régia – primeira editora instalada no Brasil, no Rio de Janeiro –, quando se deu início ao funcionamento das máquinas tipográficas inglesas trazidas com João VI. Em relação às primeiras publicações permitidas no território brasileiro, o alemão Henrique Fleiuss e o italiano Angelo Agostini, profissionais que chegaram junto com a corte e foram radicados brasileiros, destacam-se como primeiros responsáveis envolvidos na publicação de materiais impressos, revistas e livros.


As primeiras publicações não possuíam um padrão visual, sendo difícil distinguir o que era livro, o que era revista e o que era jornal. Após alguns anos cada modalidade editorial passou a ter suas próprias identidades gráficas. Os livros tiveram suas impressões iniciadas com identidade sóbria e, no fim do século, passaram a ser divididos em duas vertentes: uma responsável pela comunica-

ção voltada para a nobreza; outra destinada a um público mais amplo, com maior apelo visual. As revistas mantitveram suas publicações focadas em atrair a atenção do leitor, tornando-se as pioneiras da memória gráfica brasileira do século XIX. Para entender como se deu o início da produção gráfica no Brasil, é preciso conhecer sua linha do tempo.

1816

Chegada da Missão Artística Francesa, liderada pelo intelectual, político e administrador Joachim Lebreton (1760-1819), acompanhado do pintor Debret (17681848), do paisagista Nicolas Antoine Taunay (1755-1830) e de seu irmão, o escultor Auguste-Marie Taunay (1768-1824), do arquiteto Grandjean de Montigny (1776-1850) e do gravador de medalhas Charles-Simon Pradier (1783-1847), responsáveis pela fundação do ensino formal de artes no Brasil.

1825

Os livros passam a ser editados com capas.

1833

Eduardo Laemmert inaugura a primeira livraria nacional, chamada Livraria Universal. Após cinco anos, fundou a Typographia Universal, oficina tipográfica a qual os irmãos Laemmert passaram a editar livros também.

1889

12

É publicada na primeira página do jornal “A Província de São Paulo” a proclamação da República do Brasil.

1890

A Companhia Melhoramentos inicia o funcionamento da sua primeira fábrica de papel brasileira nos arredores da cidade de São Paulo. O Rio de Janeiro já contava com 45 livrarias, 67 tipografias, 16 litografias e três fundidoras de tipos. Cerca de 30 revistas possuem circulação regular em território nacional.

Figura 1 - Impresso brasileiro datado de 1747, “Relação da entrada...”.

Apesar da censura de publicações até o século XVIII, existe um impresso considerado pioneiro, com data de 1747 (Figura 1), considerado uma das peças gráficas mais raras produzidas durante os três séculos de proibição da tipografia no Brasil. Com isto, percebe-se que desde a época colonial os indígenas em suas diversas etnias são apagados e sobrepostos por referências não-indígenas, tendo suas artes tratadas como exóticas. A presença de escolas de arte estrangeiras no século XIX desenvolveu projetos com mestres europeus aos quais foram os únicos considerados importantes dentro da história do design gráfico brasileiro.


PROBLEMA TIZAÇÃO

Este projeto pretende gerar uma reflexão sobre a lacuna existente na história do design gráfico nacional referente à produção gráfica indígena. Cardoso (2005, p. 7) explica que existe um mito na consciência nacional de que o design brasileiro teve seu início na década de 1960, e desmistifica esta fala revelando que o que ocorreu foi uma ruptura no conceito do que era e o que se tornou o design nacional. Desta ruptura se deu o movimento modernista, dominando boa parte da produção artística internacional entre as décadas de 1910 e 1960, que iniciou o design como atividade relacionada à produção e ao consumo em escala industrial, distinguindo-se do design como conceito, profissão e ideologia.


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No âmbito do design gráfico nacional é importante conhecer o verdadeiro início de sua história, uma vez que é tido como referência apenas o europeu e o americano. A cultura gráfica indígena, esquecida enquanto modelo para o princípio do design brasileiro, já existia em nosso território antes da colonização, onde culturas locais foram subjugadas por este processo. As diferentes etnias produziam peças gráficas de vestimenta e artesanais através de seus estudos, técnicas e matérias-primas extraídas da flora e fauna local, produções estas consideradas exóticas dentro do campo da história do design. Será feita uma relação entre a arte e a cultura indígena com o design gráfico construído com bases estrangeiras, sem excluir referências europeias, americanas e outras existentes. Artistas relevantes dentro da cultura gráfica indígena contemporânea serão citados, com o intuito de evidenciar a produção cultural indígena, construindo um olhar aprofundado sobre a expansão do eurocentrismo durante o processo de colonização.


DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA DE PESQUISA -

Sabemos que a colonização do nosso país veio de origens bárbaras e pouco comentadas dentro das escolas. É necessário pautar que toda a população originária do país sofreu com ataques de colônias europeias.

(...) O barbarismo legitimava a guerra justa e a escravidão do ameríndio, porque os nativos eram incapazes de entender os ensinamentos divinos e de receber a conversão. Portanto, foram forjados por Deus para servir aos europeus, usando a sua força bruta em favor dos empreendimentos coloniais. (RAMINELLI, 1996, p.17)

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Os europeus fundaram um programa para ter controle sobre a invasão deles nas Américas, fazendo um misto entre seus valores e os valores das tribos indígenas presentes nos territórios. Houve uma sequência de atos dos europeus que ocasionou o apagamento histórico desta população que habitava pacificamente o país, tornando-os cada vez mais conceituados como bárbaros ou “o bom selvagem” (CASTRO, 2012). Segundo Rafael Cardoso, – PhD em história da arte pela Universidade de Londres (Courtlaud Institute of Art) e professor do Departamento de Artes & Design da Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro. –, os estudos sobre design no Brasil são recentes, datados a partir da década de 1920 e intensificados a partir de estudos acadêmicos em 1940. Sabe-se que nas primeiras histórias do design já existia um dogma “do que era e o que não era considerado design”, isto por conta de regras impostas que não eram seguidas à risca para a composição de um projeto artístico, excluindo as demais formas de demonstração de arte ou criação. A missão do design é transmitir a abertura de possibilidades que amplie os horizontes, de forma que use de exemplo as criações do passado para novas formas criativas no presente. Desta forma, pensando em enfatizar informações esquecidas e com um novo olhar dentro do design gráfico brasileiro, a partir de histórias artísticas de nossos povos originários, foi delimitada a etnia Pataxó para estudos de estruturas artísticas. Com isso, será mostrada uma relação entre sua produção com os processos criativos e fundamentos do design gráfico.


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PRESSUPOSTO TEÓRICO Como podemos gerar uma reflexão construtiva sobre a lacuna existente dentro da história do design gráfico nacional quanto às produções gráficas indígenas e seu apagamento durante e depois da época colonial?


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OBJETIVO Essa pesquisa tem o intuito de trazer uma reflexão sobre a falta de referências indígenas dentro da história do design gráfico brasileiro. A fim de não generalizar e reconhecer as diferenças entre as culturas indígenas nacionais, foi delimitada a etnia Pataxó para estudo, no qual será evidenciada a história do povo originário, suas técnicas para produções artísticas e a luta que é imposta à etnia diariamente, proveniente de uma visão colonizadora. Como proposta para promover esta reflexão e o fortalecimento da cultura étnica, será idealizada a Casa Origem, um espaço que tem como objetivo promover projetos sociais e culturais para disseminação de informações corretas sobre a cultura indígena. Para que isto ocorra, a Casa também estimulará a fortificação do conhecimento sem apropriação cultural, através de pessoas convidadas: palestrantes, artistas, membros de aldeias e organizações representantes da própria etnia, se tornando, assim, uma das maiores propagadoras de conteúdos e eventos do tema. Como projeto inicial, a Casa Origem trará uma ocupação da cultura Pataxó.


OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Resgatar a cultura gráfica indígena presente na etnia Pataxó; • Enfatizar a importância da etnia dentro da história do design gráfico brasileiro, relacionando sua produção artística com a produção do design gráfico nacional; • Promover reflexões que questionam a importância da cultura indígena como protagonista e originária nas produções gráficas; • Idealização de uma casa para disseminação de informações corretas sobre a cultura indígena como parte da história do design gráfico nacional, através de workshops, palestras e conteúdos educativos.

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PRODUÇÕES GRÁFICAS:

UMA CONTEXTUALIZAÇÃO Para compreender como funcionam as diferentes produções gráficas é preciso entender o que é a produção e o que é o gráfico. Pelo ponto de vista etimológico, produção é: o ato ou efeito de criar/produzir/prover algo; resultante de trabalho humano; obra literária, artística e/ou científica (MICHAELIS, 2020). Já o gráfico pode ser destrinchado em diferentes caminhos: uma representação gráfica, algo gravado em determinada superfície, seja bidimensional ou tridimensional; um esquema/diagrama/conjunto de dados estruturados de forma visual para melhor compreensão; ser relativo à disposição de imagens, caracteres, cores, etc. (MICHAELIS, 2020).


Com base nestes significados e tentando unificar o que ambos representam, pode-se definir produção gráfica como uma concepção na qual independentemente de superfície, seja bidimensional ou tridimensional, provê o entendimento da informação que precisa ser passada de maneira visual. A partir disto, é possível refletir sobre o que consiste as produções gráficas desde seus princípios e, assim, buscar entender o porquê de alguns processos serem considerados produções enquanto outros são colocados em classificações distintas por “não estarem de acordo com as regras necessárias”. Voltando um pouco à história, a escrita é entendida com o surgimento do gráfico, com os primeiros traçados humanos datados em 5.500 A.E.C. “A escrita é a contrapartida visual da fala. Marcas, símbolos, figuras e letras traçadas ou escritas sobre uma superfície ou substrato tornaram-se o complemento da palavra falada ou do pensamento mudo.” (MEGGS, 2009, p.18).

Sendo assim considerada a invenção que mudou o destino da civilização, possibilitando a preservação e o registro de conhecimento, aprendizado, experiências e demais atribuições que os antepassados iam adquirindo com o tempo, além de ser um dos marcos mais importantes e significativos para a separação entre a história e a pré-história. O desenvolvimento da escrita e da linguagem visual teve suas origens mais remotas em simples figuras, pois existe uma ligação estreita entre o desenho delas e o traçado da escrita. Ambos são formas naturais de comunicar ideias e os primeiros seres humanos utilizavam as figuras como um modo elementar de registrar e transmitir informações. (MEGGS, 2009, p.19)

Os primeiros registros de traços humanos foram encontrados na África, há mais de 200 mil anos. Entre o período Paleolítico e o período Neolítico, de 35.000 A.E.C. a 4.000 A.E.C., povos africanos e europeus registravam as cavernas com pinturas que representavam caçadas, ritos, pessoas e animais. A presença do que parece ser marcas de lanças nos flancos de alguns desses animais, indica que a “arma” era usada em ritos mágicos destinados a obter poder sobre animais e sucesso na caçada. Sinais geométricos abstratos, como pontos, quadrados e outras configurações, mesclam com os animais em muitas pinturas de cavernas. (MEGGS, 2009, p.19)

A partir dos primeiros registros humanos citados, nota-se a necessidade de se expressar e registrar fatos visualmente, seja através de pinturas ou escritas, uma espécie de produção usando os grafismos possíveis de serem reproduzidos na época. Este comportamento pode ser configurado como produção gráfica. “Desde os tempos pré-históricos, as pessoas buscam maneiras de dar forma visual a ideias e conceitos, armazenar conhecimento sob a forma gráfica e trazer ordem e clareza às informações”. (MEGGS, 1983) Com o avançar dos anos e com as evoluções humanas, sempre em busca de otimizar tempo e inventar novas maneiras de criar, surgiram diferentes formas de reproduzir conteúdo e se comunicar, principalmente através da escrita, usando figuras e ilustrações. Gravuras eram criadas em matrizes de diversos materiais, em baixo relevo, em alto relevo e/ou em superfícies planas. Tingidas por pigmentos e usando de técnicas de tinta óleo e água, eram pressionadas em suportes sólidos ou têxteis, onde sua imagem gravada era revelada. Algumas destas principais técnicas foram chamadas de xilografia, calcografia, tipografia e litografia. A xilografia é o termo técnico que se dá para a impressão sob qualquer suporte ou superfície a partir de uma matriz de madeira gravada, seja com texto, figuras e/ou ilustrações. Apesar do uso de técnicas similares por povos antigos egípcios em papiros e pergaminhos, a xilogravura (gravura feita a partir da técnica de xilografia) só se difundiu depois da invenção do papel, na China em 105 A.E.C., sendo seu suporte mais característico, e é tida como técnica mais antiga para gravar informações. Posteriormente na Europa, no século XV, houve o surgimento da calcografia, um processo semelhante a xilografia no propósito de gravar algo, porém com a utilização de uma matriz de metal para sua reprodução. Aproximadamente na mesma época surgiam os primeiros tipo móveis (matrizes que continham letras individuais), de Johannes Gutenberg, para reprodução da chamada tipografia, que seria considerada um marco para o início das impressões e produções gráficas, uma vez que seus tipos móveis de vários tamanhos, pesos e estilos possibilitaram o grande avanço da reprodução em “massa”. A invenção da tipografia pode ser classificada ao lado da criação da escrita como um dos avanços mais importantes da civilização. Escrever deu à humanidade um meio de armazenar, recuperar e documentar conhecimento e informações que transcendem o tempo e o espaço; a impressão tipográfica permitiu a produção econômica e múltipla da comunicação alfabética. (MEGGS, 2009 p.91)

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No fim do século XVIII, em 1796, o autor bávaro Aloys Senefelder buscava uma forma barata de imprimir suas próprias obras e, através de vários experimentos, começou a culminar a invenção da litografia, que teria como matriz uma pedra/rocha.

Figura 2 - Xilogravuras do século XVI ilustrando a confecção da xilogravura. No primeiro quadro é mostrado o que seria o esboço da gravura, no segundo é usado um buril1 para cavar o bloco de madeira que receberá a tinta. Reprodução: via internet – domínio público.

A litografia se baseia em um princípio químico simples de que óleo e água não se misturam. A imagem é desenhada numa superfície plana de pedra com crayon, caneta ou lápis de base oleosa. A água é espalhada sobre a pedra para umedecer todas as áreas, exceto a imagem de base oleosa, que repele a água. Em seguida, uma tinta também de base oleosa é passada com um rolo sobre a pedra, aderindo à imagem, mas não às áreas molhadas. Uma folha de papel é colocada sobre a imagem e utiliza-se uma prensa para transferir a imagem entintada para o papel. (MEGGS, 2009 P.189)

Todas as gravuras citadas, marcam os inícios e formas de produções gráficas no qual o homem percorreu na história até chegar no que existe atualmente. Diante de várias maneiras de reprodução de conteúdo e informação, houve também a busca da união de funcionalidades das criações com a estética.

Figura 3 - Prensa mecânica em uso, xilogravura, século XV (1568), por Jost Amman, “Descrição detalhada de todas as classes na terra, altas e baixas, espirituais e seculares, todas as artes, trabalhos e ofícios ...” Reprodução: via internet – domínio público.


CONTEXTO HISTÓRICO DO DESIGN Como apresentado anteriormente, surgido desde que o homem começou a fazer seus primeiros registros, pode e deve ser considerado gráfico toda e qualquer manifestação visual que transmita uma informação independentemente de sua superfície, buscando seu melhor entendimento. O design possui a mesma definição como significado literal, apesar de ser um termo relativamente recente. Partindo novamente da etimologia das palavras, design é um substantivo vindo do inglês que significa plano, desígnio, intenção, arranjo, estrutura, desenho; Desenho é uma maneira visual de demonstrar algo, através de formas, cores, texturas dentre outros; Uma maneira de proporcionar entendimento de maneira visual. Sua origem mais remota vem do latim designare, sendo um verbo que abrange “o designar” e “o desenhar”. Percebendo assim que design pode conter uma série de definições e em determinados contextos, deixa de ser apenas uma palavra que traz um significado e torna-se um conceito para distinguir várias ações.


Design é o processo de pensamento que compreende a criação de alguma coisa. (...) é a atividade de criação, compreendida em oposição ao produto de uma criação. É uma sequência ou um conjunto de eventos e procedimentos, preenchidos pelo pensamento, que levam à criação daquilo que está sendo projetado. Esse processo de pensamento envolve também as várias atividades comumente associadas ao pensar – contemplar, falar, escrever, desenhar, modelar, construir, etc. – e que são utilizadas para transportar uma “imagem de possibilidade” ao longo do percurso que se inicia na concepção original de um produto, e termina em sua realização. (MILLER, 1988, p. 10)

No geral, essa maioria de definições é tida como uma junção entre um aspecto abstrato de conceber/projetar/atribuir, e outro concreto de registrar/configurar/formar (CARDOSO, 2000), portanto, é uma ação que gera projetos, a partir de planejamentos com modelos e esboços, possuindo um resultado diferente dos mesmos gerados por outras áreas distintas como a arquitetura e/ou a engenharia.

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Apesar do estudo da história do design ser relativamente recente, como citado anteriormente, produções gráficas no qual podemos inserir dentro do design sempre estiveram presentes na história do homem, e essa amplitude muitas vezes prejudica a concepção do seu surgimento e do que realmente representa ou é. É necessário entender que, na concepção atual, impor o que é ou não design limita e invalida outras produções que se adequam ao termo. A história do design não deve ter como prioridade a transmissão de dogmas que restrinjam a atuação do designer, mas sim a abertura de novas possibilidades que ampliem os seus horizontes, sugerindo a partir da riqueza de exemplos do passado formas criativas e conscientes de se proceder no presente. (CARDOSO, 2000, p. 15)

Esses atritos entre definições e significados acabam distanciando outras atividades que geram projetos como: artesanato, artes gráficas e plásticas, entre outros. Esse distanciamento mostra uma espécie de complexo de superioridade, o qual profissionais se recusam a reconhecer o “fazer artesanal e/ou artístico” que um projeto de design pode abranger, como parte da concepção do mesmo, se concentrando apenas no funcionalismo. Embora essas diferenças estejam cada vez menos presentes nos dias atuais, historicamen-

te um dos fundamentos para a caracterização do design é a existência de uma separação entre projetar e fabricar. Assim, por essa lógica tradicional, design, artes gráficas, plásticas e artesanato se diferem no: profissional que se limita a projetar algo para ser produzido através de terceiros por meios mecânicos (o designer); e o profissional que executa todos os processos até a finalização do produto/arte/artefato (artista e artesão). Mesmo com esta distinção, é entendido que já existiam técnicas básicas de produção para materiais no passado, porém são apenas considerados meios mecânicos, que apesar de discutível, pode ter como marco a invenção da tipografia com tipos móveis, já citada acima. Após a grande reprodução que a tipografia proporcionou, alguns anos depois multiplicaram-se as mecanizações de produções antes feitas de maneira braçal até o ápice da primeira Revolução Industrial, no século XVII, onde tivemos o primeiro emprego da palavra designer (registado pelo Oxford English Dictionary). No entanto, mais de um século se passou sem que a palavra fosse usada de fato, até o início do século XIX, quando trabalhadores ligados principalmente à confecção de padrões ornamentais para industrial têxtil começaram a se autointitular designers. Tanto do ponto de vista lógico quanto do empírico, não resta dúvida de que a existência de atividades ligadas ao design antecede a aparição da figura do designer. Os primeiros designers, os quais têm permanecido geralmente anônimos, tendem a emergir de dentro do processo produtivo. Eram aqueles operários promovidos por quesitos de experiência ou habilidade à uma posição de controle e concepção em relação às outras etapas da divisão de trabalho. (CARDOSO, 2000 p.18)

Nesse momento, começou a transformação da figura do trabalhador operário em um profissional liberal. Esse processo deu início às primeiras escolas de design ainda no século XIX e estendeu a institucionalização do campo ao longo do século XX. A separação de concepção e execução gerou um enorme desdobramento de etapas que exigiu o emprego de profissionais com um grau de capacitação técnica elevada, assim, inúmeros artesãos foram substituídos muitas vezes por apenas um profissional (chamado designer) para gerar o projeto. Houve também uma grande economia de tempo e investimento por parte dos contratantes/fabricantes que empregavam designers.


Até o final do século XIX era gritante a necessidade e o sucesso de empresas que buscavam acabamentos padronizados para seus produtos, mostrando o êxito comercial, estratégia mercadológica e expansão internacional tudo a partir do serviço prestado pelo designer, que não focava mais apenas no produto em si, mas também na propaganda do mesmo, a chamada publicidade.

Figura 4 - Máquina para a impressão de padrões contínuos em tecidos e/ou papel, um dos tipos patenteado em 1830. Usadas para imprimir decalques para aplicar em decorações de louças e/ou cerâmicas. Reprodução: via internet – domínio público.

Conforme as novas tecnologias surgiam, mais campos de trabalhos se abriam. As fábricas eram ampliadas, novas formas de locomoção foram inventadas e, consequentemente, pessoas se deslocavam até as mesmas. A população começou a crescer de forma incontrolável e a implementação de uma nova infraestrutura que comportasse áreas de lazer foi necessária. Todas essas novas mudanças geraram inúmeras necessidades básicas como sinalizar a geografia da cidade, ampliar espaços de compras – mais tarde unificando consumo e lazer nas grandes lojas de departamentos, os chamados shoppings –, e também trouxeram ideias consumistas de como comunicar pessoas comuns sobre os benefícios de um produto totalmente desconhecido, convencendo-as de que precisavam daquilo mesmo sem a necessidade ou condições, muitas vezes resultando na compra de mercadoria supérflua. Essa comunicação se dava em massa pela embalagem dos produtos, cartazes, publicidades, anúncios em revistas e outros meios além dos não gráficos, como o famoso “boca a boca”.

Nessa época, diversos avanços de ordem tecnológica juntaram-se à ampliação do público leitor, possibilitando não somente a expansão de meios tradicionais como livros e jornais, mas também a criação de veículos impressos novos ou pouco explorados anteriormente, como o cartaz, a embalagem, o catálogo e a revista ilustrada. A primeira dessas inovações é o uso da polpa de madeira para fabricar papel, procedimento já empregado no século XVIII, mas que só se generalizou após a década de 1840. (CARDOSO, 2000 p.41)

Esse crescimento constante ao mesmo tempo que trouxe aumento de trabalhadores nas indústrias gráficas – no geral, tipógrafos e impressores –, artesãos especializados começaram a ficar ultrapassados, e o papel do designer adquire mais valor, visto que a qualidade dos produtos, principalmente impressos, se dava a exclusividade e originalidade do projeto e não somente a habilidade da execução. Nesse final do século XIX, as grandes elites urbanas cresceram também, junto com a ampliação de atividades culturais e, consequentemente, produção e veiculação de imagem, a qual teve grandes evoluções de extrema importância no campo da reprodução. A proliferação de jornais e revistas ilustrados deu início a um rápido processo de avanços nas tecnologias disponíveis para a impressão de imagens, culminando na fotogravura na década de 1880. Cada etapa dessa evolução exigiu muita criatividade da parte de tipógrafos, compositores, desenhistas e gravadores para gerarem uma linguagem gráfica adequada às novas possibilidades de reprodução. Entre as tentativas toscas de justapor textos e imagens características do início do século XIX e as sofisticadas programações do final do mesmo, existe um mundo de diferenças não somente de ordem tecnológica, mas também em termos de cultura visual. (CARDOSO, 2000 p.45)

As primeiras experiências de registro imagéticos através de exposições a luz, por meio de chapas preparadas quimicamente, têm suas aparições no fim do século XVIII com o século XIX. Ao redor do mundo inteiro, inventores testavam inúmeros processos na busca por fixar imagens obtidas no uso da câmera obscura e/ou da câmera lúcida, espécies de aparelhos óticos populares que ajudavam na ilustração topográfica por meio de projeções feitas através de lentes, prismas e espelhos, em superfícies diversas, principalmente o papel. Esses experimentos marcavam o início da era fotográfica, com vários nomes como Carl


Wihelm Scheele, Luois Daguerre e Foz Talbot, mas a invenção de fato foi atribuída ao francês Joseph Nicéphore Niépce, entre 1826 e 1827, quando capturou a vista da janela em Le Gras, em Saint-Loup-de-Varennes, obtendo a primeira fotografia permanente capturada em betume tratado a óleo, no tamanho 20X25cm. Apesar das evoluções, esse impacto da fotografia não foi imediato no design, ela foi durante muitos anos um privilégio de poucas pessoas, além de uma curiosidade e estudo tecnológico, por seu difícil acesso, valor alto e manuseio complicado. Somente na década de 1860 a modalidade começou a se difundir através de outros meios mais acessíveis e de fácil confecção, o que possibilitou mais contato com a técnica e facilidade de reprodução.

Nunca dantes existirá ou circulará tamanha quantidade de imagens: qualquer pessoa merecia ser retratada; qualquer paisagem precisava ser vista; qualquer incidente acabava sendo registrado. A fotografia completou o processo de transformar a imagem em mercadoria abundante e barata mas, ironicamente, essa abundância toda acabou por esvaziar as imagens de uma parte do seu poder simbólico tradicional. Quanto maior o valor atribuído ao universo total de imagens, menor o valor que se imputa a qualquer uma delas individualmente. Nesse paradoxo apenas aparente, reside uma característica fundamental da lógica da circulação de informações e signos na modernidade e, mais ainda, na pós-modernidade: o esvaziamento do sentido não pela sua supressão mas pela sua propagação ilimitada. (CARDOSO, 2000 p. 55)

Com o notável andamento e reprodução de imagens e impressos, devido a facilidade que os outros meios de produção trouxeram, a ampliação do público aumentava, apesar da maioria ser urbano, assalariado e cada vez mais alfabetizado. O barateamento dos produtos impressos também permitiu gerar diversas soluções e opções voltadas às especificidades e necessidades que eram exigidas. Simultaneamente, com a acessibilidade foi se criando um complexo de individualidade e superioridade em classes médias/altas e elites urbanas na sociedade, enfatizando então o desejo em diferenciar-se no meio de tantos grupos, destacar-se e ser considerado único. Assim, trazendo os primeiros resquícios de fato do que seria mais tarde um projeto de identidade visual.

Figura 5 - Primeira fotografia permanente do mundo por Nicéphore Niépce, entre 1826 e 1827. Reprodução: College of Liberal Arts Office of Information Technology, University of Minnesota.

É na moradia de classe média, na intimidade do lar, nas mesas, estantes, gavetas e armários da burguesia grande e pequena que se encontra um dos primeiros focos históricos importantes para a personalização do design. A preocupação com a aparência

– primeiramente, da própria pessoa e, por extensão, da moradia – como indicador do

status individual serviu de estímulo para a formação de códigos complexos de significação em termos de riqueza, estilo e acabamento de materiais e objetos. Para atingir os padrões convencionados, fazia-se cada vez mais necessária a intervenção de um profissional voltado para esses aspectos do projeto. (CARDOSO, 2000 p. 57)

Em meados do século XIX e ganhando força no início do século XX, surgiu o movimento de reforma social, artístico e estético Art and Crafts (tradução livre para artes e ofícios, porém mais conhecido pelo nome “original” em inglês). Principado por diversas organizações e oficinas dedicadas a confeccionar artefatos/artes de maneira artesanal e/ou semi-artesanal, o movimento buscava promover revalorização e integração igualitária e democrática entre projeto e execução, obtendo um resultado autêntico e significativo para defender o artesanato como mais uma alternativa para mecanização e produção em massa industrial, e não só como um trabalho manual e/ou artístico. William Morris (18341896), designer têxtil, artista, poeta, tipógrafo e grande ativista socialista inglês, teve grande participação no movimento como um dos principais líderes, seguindo as ideias do crítico de arte


John Ruskin e do medievalista Augustus W. Northmore Pugin. Na defesa de uma arte “feita pelo povo e para o povo”, lutava com o principal ideal de tornar o trabalhador-artista, para atribuir valor estético ao trabalho desqualificado da indústria, trazendo o conceito de Guilda Medievais, o qual os artesãos desenhavam e executavam obras dentro de espaço coletivo.

elemento da afirmação de identidade nacional; A cooperação entre arte, indústria e ofícios artesanais; A padronização de qualidade na indústria; Divulgação de produtos alemães no mercado mundial; E a promoção da cultura alemã.

Figura 7 - Selo do centenário da Associação Deutscher Werkbund, em 2007. Reprodução: via internet – domínio público.

Figura 6 - William Morris (1834-1896). Reprodução: Lebrecht Music & Arts.

A partir de 1890, o movimento começa a conectar-se com o estilo art nouveau (tradução livre do francês para “arte nova”) presente pela Europa, que também se preocupava com a autenticidade e originalidade da forma, além de buscar a exploração de novas criações a partir de outros materiais e novas tecnologias. Depois de difundir entre diversos países, principalmente europeus, inúmeros grupos formados por artistas, artesãos e designers entre 1897 e 1914, sobretudo em países de língua alemã, juntaram-se para produzir já nos novos princípios e ideias de design. Sucessivo ao movimento, nasce o estilo Art Déco (abreviação das palavras francesas arts décoratifs, em tradução livre “arte decorativa”), sendo literalmente um estilo decorativo, voltado às artes visuais, arquitetura e design internacional, representando em seu auge o luxo, a exuberância, o glamour, a ostentação e a fé no progresso social e tecnológico. No início do século XX, no ano 1907, foi fundada a Deutscher Werkbund (tradução livre do alemão “Confederação Alemã do Trabalho”), porém popularmente conhecida como Associação Alemã de Artesãos, uma organização pioneira tendo como objetivos: a promoção do design como

Na prática a Werkbund funcionava como um fórum reunindo empresários, políticos, artistas, arquitetos e designers em torno de encontros e exposições periódicas. Através dessas atividades, a confederação se propunha a estimular uma política setorial de aplicação do design à indústria, a pressionar as autoridades competentes para realizar uma melhoria dos padrões técnicos e estéticos da indústria alemã e a educar o consumidor para exigir o cumprimento desses padrões. (CARDOSO, 2000 p. 112)

Dessa forma, há quem concorde que a “verdadeira história do design” comece com a organização Deutscher Werkbund, por conta do destaque que Peter Behrens, um arquiteto alemão, teve devido a projetos realizados e, de fato, não se pode negar o marco que essas contribuições tiveram para o desenvolvimento do design modernista, principalmente no contexto alemão, mas é explícito a profunda ignorância em ter este como “início da história do design”, visto que desconsidera e invalida toda a história anterior já citada. Após a eclosão e fim da Primeira Guerra Mundial, no ano de 1919, fundou-se por Walter Gropius, arquiteto alemão, a famosa Staatliches Bauhaus – ou comumente conhecida como Bauhaus. Formada a partir da junção e unificação de duas outras escolas existentes (a Academia de Belas-Artes e a Escola de Arts & Crafts), a Escola de Arte Vanguardista é considerada um dos maiores e mais importantes espaços de expressão


do modernismo e também a mais renomada e influente instituição de ensino da história nas áreas de arquitetura, arte e design. Durante seu período de funcionamento, de 1920 a 1933, a Bauhaus foi crucial para promover mudanças nos âmbitos sociais por usar a modernidade e tecnologia nos projetos, trazer integração entre áreas como engenharia, arquitetura e arte (tinham uma grande concentração de alunos de diferentes países também), além de mostrar a possibilidade de executar de um design mais simples e efetivo. (...) A Bauhaus esteve sempre preocupada em agregar pessoas e propostas das mais diversas tendências. Suas portas estavam abertas para praticamente qualquer novidade, e essa receptividade acabou atraindo figuras e ideias inovadoras relacionadas ao fazer artístico e arquitetônico de toda a Europa. Passaram pelo corpo docente da Bauhaus pelo menos dois dos principais pintores da época, o russo Wassily Kandinsky e o alemão Paul Klee, além de outros nomes mais ou menos conhecidos – Gunta Stolzl, Herbert Bayer, Joost Schmidt, Johannes Iuen, Josef Albers, László Moholy-Nagy, Lothar Schrcyer, Lyonel Feininger, Marcel Breuer, Marianne Brandt e Oskar Schlemmer – das áreas de pintura, design, arquitetura, fotografia, escultura, literatura e todas as combinações intermediárias dessas profissões, advindos de diversas origens nacionais e pregando uma variedade de filosofias e crenças. (CARDOSO, 2000 p. 120)

Entretanto, a escola nasceu e se desenvolveu entre acontecimentos políticos que mudaram a história da humanidade, o fim e o início das duas grandes guerras. Foi alvo de inúmeras oposições e perseguições, principalmente por parte do governo nazista, que a considerava uma frente comunista, visto que muitos artistas que trabalham e/ou estudavam lá eram de origem russa, além de vários outros possuírem diferentes ideologias e crenças. Intitulada “anti-germânica” por escritores e jornalistas nazistas, a Bauhaus acabou sendo fechada em 1933. Durante a segunda grande guerra, o design e propaganda acabaram sendo os grandes trunfos de ampliação do discurso e política nazista – cartazes, bandeiras, anúncios, murais. O rosto e ideologia de Adolf Hitler estavam em todos os lugares, e a maneira como o design era usado para pregar as convicções do “Führer”2 como forma de doutrinação era devastadora e ridiculamente efetiva. Após o término da Segunda Guerra Mundial até os dias atuais, as tendências e movimentos do

design passaram por muitas mudanças. O conflito trouxe um enorme avanço tecnológico que modificou todo o cenário de produção mundial. Contudo, quando se trata da história do design, a tradição sempre vem à tona, e essas raízes acabam levando ao modernismo passado na Bauhaus, ensinado até hoje como um dos princípios do design. Mas, como já mencionado, afirmar que “este” ou “aquele” período é o começo da história, visto que o homem vem estudando formas de se expressar e passar informação desde os primórdios da população, desconsidera o que de fato é o início da história do design. Sob uma visão geral, o design é composto por infinitas metodologias para criação de linhas criativas, onde podem ser tanto fundamentadas em estudos, quanto “dicas” do que “se deve ou não” fazer. Em resumo, são um conjunto de regras que buscam conceber um projeto em etapas lineares. Mesmo sendo compreendido que, quando se trata da concepção de qualquer peça, cada processo de produção se difere de indivíduo para indivíduo, ainda é entendido como projeto gráfico ou peça gráfica aqueles criados a partir destas metodologias. Seguindo este pensamento, pode-se abrir inúmeros questionamentos como: De que forma é definido um projeto gráfico? O que é entendido como projeto gráfico? Por que algumas criações são consideradas projetos gráficos e outras não? Por que quando levado para o campo nacional, existe mais dificuldade em “identificar” e “classificar” projetos gráficos? Por que há mais adversidades em reconhecer projetos gráficos nacionais? Por que existem dificuldades em identificar a própria origem gráfica nacional? Procurando entender esses questionamentos e achar meios de justificá-los, é necessário dessa vez voltar à história do design gráfico no Brasil.


CONTEXTO HISTÓRICO DO DESIGN BRASILEIRO Como citado na introdução deste trabalho, qualquer atividade impressa em terras brasileiras era proibida pela Coroa Portuguesa como uma forma de “castigo” para evitar a “contaminação de ideias” por parte da população letrada, políticos e filosóficos, resultado em três séculos de silêncio, entre 1500 a 1800.


Em 1808, com a chegada da família real portuguesa, foi criada a Impressão Régia, exclusiva para impressos reais através de máquinas tipográficas inglesas. Nestes primeiros anos, os recursos para impressão eram escassos, o que limitava a tipografia de chumbo e os arsenais de tipos, vinhetas, fios, capitulares e molduras. Logo depois, surgiram gravuras em madeira, metal e pedra. A litogravura representou uma revolução por sua rápida difusão, permitindo cores em ilustrações até o auge da fotografia. Estes primeiros cem anos de atividade gráfica brasileira são marcados por três grandes símbolos, são eles: o conjunto de selos conhecidos como “Olhos de Boi”, que circularam em postais por todos o mundo; A primeira página do jornal “A Província de São Paulo”, publicado em 1889; E o que é considerado um dos maiores projetos de identidade visual do Brasil, a bandeira da república.

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Um dos primeiros registros sobre povos originários brasileiros está em um livro de E.& H. Laemmert, com 480 páginas, chamado HISTÓRIA GERAL DO BRAZIL (1876), que traz um apanhado de observações sobre o “dia a dia indígena” através da visão estereotipada e preconceituosa dos portugueses. Nesse livro é possível observar grafismos em forma de molduras e tipografia disposta como vinheta (Fig. 8), sendo uma “cena da mata transformada em moldura ‘viva’ para o título da publicação” (CHICO, 2012). Assim terminaria o século XIX.

Figura 8 - História Geral do Brazil, 1876, de E. & H. Laemmert.

Na primeira década do século XX, a tecnologia gráfica contou com o surgimento de duas produções importantes que seriam consideradas revoluções: a difusão da zincografia e a autotipia. Estas possibilitaram que os desenhos originais de desenhistas de pedras litográficas fossem feitos sobre papel pelos próprios e que, através da viabilização da retícula, fotografias de meios-tons fossem reproduzidas, sendo a mudança total da linguagem do design gráfico nos anos seguintes.

Figura 9 - Catálogo da Semana de Arte Moderna, 1922, por Di Cavalcanti. Figura 10 - Pôster da Semana de Arte Moderna, 1922, por Di Cavalcanti.

Na segunda década de 1900, a Semana de Arte Moderna, mais conhecida como “Semana de 22”, foi realizada em São Paulo entre os dias 11 e 18 de fevereiro de 1922, nas festividades do centenário da Independência do Brasil. O Teatro Municipal da cidade abrigaria a primeira e emblemática grande manifestação coletiva de artistas brasileiros na história do país, em prol de um movimento e/ou jeito moderno, vanguardista, inovador e brasileiro de fazer arte. Do ponto de vista artístico: um dito do que era “nosso” de fato, uma nova forma de arte que valorizasse a identidade brasileira, se opondo ao teor conservador e europeu predominante desde antes do século XIX – e chocando a sociedade conservadora da época. Esse desejo de “emancipação artística” surge nos meados da década de 1910 em exposições e textos artísticos em revistas, como os de Anita Malfatti, que traziam discussões sobre a necessidade de renovação nas artes. Assim como, em 1921, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia já mostravam a intenção de realizar tal feito nos momentos de comemoração ao centenário, no ano seguinte.


Em geral todos ali presentes desejam em seus discursos a liberdade de expressão, usar de diferentes materiais e técnicas, descobrir estéticas, criticar padrões considerados obsoletos, autonomia, fim das regras para fazer arte, sendo muito mais do que uma desconstrução e rejeição ao conservadorismo, além de trazer pontos sobre a valorização do “índio” brasileiro como povo originário, na chamada 1ª fase do modernismo brasileiro.

Figura 12 - Ariel, revista de cultura musical, n°3, 1924. Ilustração: PAIM.

Figura 11 - Fotografia realizada na exposição de Tarsila do Amaral no Rio de Janeiro, em 1929. Da esquerda para a direita: Pagu, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Elsie Houston, Benjamin Péret e Eugênia Álvaro. Reprodução: Tarsila: sua obra e seu tempo (São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 280); Anita Malfatti no tempo e no espaço (São Paulo: Edusp, Ed 34, 2006, p. 358).

Algumas tentativas do feito: manifesto “Pau-Brasil” escrito por Oswald de Andrade, publicado no jornal “Correio da Manhã”, em 1924, apresentando uma proposta de literatura vinculada à realidade e às características culturais do povo brasileiro; Exposições de quadros de Vicente do Rego Monteiro, em Recife e no Rio de Janeiro, onde o artista explorou a temática indígena brasileira principalmente na série de quadros “Lendas, Crenças e Talismãs dos Índios do Amazonas” (1921); Valorização da língua tupi; E outras. Mais tarde, artistas como Victor Brecheret, escultor itálo-brasileiro (descendente de italianos), apresentou uma paixão e extrema curiosidade por povos originários, desenvolvendo uma espécie de estilo próprio de marajoaras (cerâmicas) em esculturas de sua própria autoria. Todas as tentativas apresentadas mostram, apesar de estereotipadas, várias formas de ter como referência os povos indígenas. Porém, nenhuma arte traz o artista indígena como protagonista dos seus próprios trabalhos e história. Na figura 12, essa generalização fica explícita, uma vez que o indígena é retratado de forma genérica – alguém utilizando arco e flecha.

Dentro deste contexto, percebe-se que o design brasileiro mais próximo da percepção atual foi construído com raízes europeias, fortificado pelo crescimento da indústria e fixado pela inauguração da primeira escola de desenho industrial3 no Brasil, em 1951: o Instituto de Arte Contemporânea (IAC). O espaço trouxe como primeira exposição as obras de Max Bill. Um dos renomados designers que estudou nesta escola é o Alexandre Wollner, conhecido por ter um grande destaque no design brasileiro e influenciando as diversas formas que vivenciamos hoje. Wollner comenta que o design precisa sempre ter diálogos para mudar, caminhando e crescendo dentro de sua vertente. Ou seja, levantar questionamentos de como é o design hoje – ao invés de simplesmente aceitá-lo da forma que é – para impulsionar mudanças positivas e significativas para a área. Dentro destes marcos da história, o primeiro escritório de design gráfico “Forminform” – criado por Geraldo de Barros, Ruben Martins e Alexandre Wollner – teve trabalhos como a marca “Coqueiro e Elevadores Atlas”. Mais tarde, em 1962, foi fundada a Escola Superior de Design Industrial (ESDI) no Rio de Janeiro, considerada uma das primeiras instituições a oferecer um curso de graduação de nível superior no Brasil. O local ajudou a disseminar o conhecimento de design e criação no país, junto com a IAC, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). A partir desse período, principalmente com as evoluções tecnológicas e exigências do mercado, o campo do design cresceu exponencialmente.

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METODOLOGIA APLICADA AO DESIGN GRÁFICO Entendendo processos como uma das linhas de definição do que é design, é possível perceber diferentes fatores que os compõem e que são usados para facilitar as criações de produções gráficas, tais fatores – em conjuntos específicos – são caracterizados como métodos. Estes, são caminhos para execução e entendimento de ações, e quando usados em sequência e/ou frequência são estudados como metodologias.


Sob uma visão geral, o design é composto por infinitas metodologias para o desenvolvimento de linhas criativas, as quais podem ser tanto fundamentadas em estudos, quanto “dicas” do que “se deve ou não” fazer. Em resumo, são um conjunto de regras que buscam conceber um projeto em etapas lineares. Mesmo sendo compreendido que, quando se trata da concepção de qualquer peça, cada processo de produção se difere de indivíduo para indivíduo, projeto gráfico ou peça gráfica ainda são tidos como aqueles criados a partir destas metodologias. Atualmente, por exemplo, uma das metodologias mais conhecidas e aplicadas em agências, startups, estúdios e pelos próprios designers é o Design Thinking. Apesar de ganhar mais força e visibilidade nos últimos anos, as noções deste método começaram a ter suas origens traçadas no fim da década de 1960, através da ciência, por Herbert A. Simon. Em seu livro “The Science Of the Artificial” e mais tarde na engenharia, no início da década de 1970, com Robert McKim, filósofo, definiram o design como uma “forma de pensar”. Assim, posteriormente o termo Design Thinking foi popularizado por Rolf Faste, designer e professor da Universidade de Stanford. Design Thinking também é entendido como a disciplina que usa a sensibilidade do designer e os métodos de inovação para que coincidam as necessidades das pessoas com o que é tecnicamente possível e financeiramente viável para a organização e, assim, criar valor ao cliente (BROWN, 2008). Segundo o mesmo autor, seriam maneiras de “inovação centrada na pessoa” (BROWN, 2010), onde através do design busca-se compreender as preocupações, necessidades e desejos do indivíduo, para assim melhorar e/ou criar serviços e produtos, um conceito de empatia com o usuário visando atender o maior número de pessoas correspondentes a um público. Através destas definições, a metodologia segue algumas características em seu processo que podem ser divididas – mas não-sequenciadas – por: imersão (imersão preliminar e imersão profunda), análise e síntese, ideação (fase que chamamos de brainstorming – que seria uma “chuva de ideias” para inicialização do projeto), prototipação/prototipagem e implementação. Dessa forma, uma sequência de processos “prevê” uma metodologia que pode ser usada nas criações de projetos, e a partir disso o mesmo é classificado como projeto gráfico.

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PRODUÇÃO INDÍGENA:

NEGAÇÃO SOBRE A PRODUÇÃO GRÁFICA

O homem ocidental tende a julgar as artes dos povos indígenas como se pertencessem à ordem estática de um Éden perdido. Dessa forma, capta, usufrui e inclui no contexto das artes contemporâneas, em pé de igualdade, manifestações estéticas de grande beleza e profundo significado humano. (VIDAL, 2000, p.13)

A partir do pensamento de Vidal, é possível reestruturar as palavras da autora entendendo que as artes gráficas indígenas acabam sendo consideradas “obras de um mundo perdido” ou “além da compreensão moderna”. O que existe é uma visão “exótica’’ sobre as produções indígenas, que são colocadas em um patamar de “raro”, “incomum”, “em extinção”, para que sejam tidas como outro tipo de arte, uma arte que “não deve” estar no “comum” junto ao contemporâneo, pois vem de outro ambiente que não é entendido como habitual.


Ainda assim, atualmente é possível ver uma crescente atração pelas artes indígenas, ou por grafismos visualmente semelhantes. Tais grafismos são reconhecidos em peças domésticas ou decorativas, objetos com ornamentos, texturas, formas, tecidos, vestimentas, símbolos, padrões em tatuagens, além de confecções propriamente indígenas. Porém muitos que adquirem ou replicam linguagens indígenas raramente possuem algum tipo de ligação direta com as etnias da qual o grafismo pertence, ou até mesmo não sabem como identificá-las. A justificativa para o uso de tais símbolos é pautada pelo “visualmente atrativo e bonito”, pela curiosidade sobre os povos – se referindo novamente a atração pelo “exótico” – e pelos seus significados, que acabam por serem designados por pessoas não-indígenas, devido à falta de verificação da veracidade de informações na internet, perdendo assim sua real essência. Com relação a importância de um resgate da cultura gráfica indígena, é imprescindível que sejam feitos estudos com espaços de fala para que os próprios indígenas fortaleçam os valores de suas produções. Valores esses que não se dão apenas no espiritual, mas também na arte, magnitude histórica, conceitual, social e como ato político, diante de como os povos são tratados desde o início da colonização, como é citado brevemente por Vidal:

(...) mesmo neste século, apesar da riqueza de material disponível, o estudo da arte e da ornamentação do corpo foi relegado a segundo plano, durante muitos anos, no que diz respeito às sociedades indígenas do Brasil. As razões para essa recusa se explicam pelo fato de a arte ter sido considerada como esfera residual ou independente do contexto no qual aparece. Com isso, ignorou-se o tipo de evidência que o estudo da arte aporta à análise das ideias subjacentes a campos e domínios sociais, religiosos e cognitivos de um modo geral. (VIDAL, 2000, p.13)

Partindo de outro viés, a artista plástica Daiara Tukano4, como é popularmente conhecida, fala sobre não existir a palavra “arte” dentro dos povos indígenas e que em cada etnia “a arte” será chamada e significada de outra forma. No dialeto de seu povo tucano, a arte seria “Mira”, que, em suas palavras, são visões/mirações sobre o universo. Quanto ao material para realizar a produção, antigamente os indígenas usavam a superfície que estivesse ao seu alcance para a realização de suas artes, como é citado por Vidal:

A pintura e as manifestações gráficas dos grupos indígenas do Brasil foram objeto de atenção dos cronistas e viajantes desde o primeiro século da descoberta, e de inúmeros estudiosos que nunca deixaram de registrá-las e de se surpreender com essas manifestações insistentemente presentes ora na arte rupestre, ora no corpo do índio, ora em objetos utilitários e rituais, nas casas, na areia e, mais tarde, no papel. (VIDAL, 2000, p. 13)

Ainda que as intenções de cada arte nas superfícies diversas fossem diferentes, como, por exemplo, as rupestres para registros e as corporais como rito ancestral e/ou místico é indiscutível que houve um preparo anterior a essas produções, processo que pode-se considerar como um pré-projeto. Dessa forma, antes de observar como as produções gráficas atuais são entendidas pelos indígenas, primeiro é necessário compreender como os indígenas são vistos pela sociedade. A figura indígena no Brasil passa por diversas associações, como: antepassado, “índio”, personificação da história, entidade que estava aqui antes de todos “e, por isso, a terra deveria ser dele e assim ele deveria ser respeitado”, entre outras. Essas associações transparecem o não conhecimento sobre atualidades e coloca uma expectativa de “trejeitos primitivos” que “justificam” a exclusão da sociedade, como cita Arissana, – artista plástica brasileira, nascida em Porto Seguro, Bahia – “cada pessoa tem um índio fictício na cabeça. Essa imagem é construída pelos livros de literatura, pelas escolas e pela mídia. Mas nós somos um povo que vive na floresta e na cidade”. Esse discurso colonial traz um profundo impacto para estes povos, desde a visão exótica dos seus corpos, até as suas produções artísticas, que ficaram conhecidas como “arte primitiva”. É na luta contra este olhar etnocêntrico que hoje os artistas indígenas buscam uma representação individual de suas culturas, tentando trazê-las para a sua singularidade, com os conhecimentos passados através dos anciões, para tentar diminuir a perda de identidade.

11.1 A DIFERENÇA ENTRE AS ARTES GRÁFICAS DE CADA ETNIA Quando se trata da criação de qualquer peça ou elemento, independentemente de área, é evidente as diferenças de suas produções. Mesmo com

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temas, propostas e briefings iguais, o resultado nunca será idêntico. Visualmente pode até ser possível identificar equivalências, porém a maneira como é executada será sempre diferente. Podemos justificar essas diferenças na pluralidade e individualidade de cada artista, seja quem for, cada indivíduo possui uma maneira única de entender e efetuar suas necessidades ou tarefas, não importando as plataformas de execução. Partindo desse pensamento, parece indelicado e ignorante unificar as artes gráficas indígenas, assim como qualquer outro tipo de arte, projeto, etc. Entretanto, inúmeras vezes dentro da construção da história da sociedade, houveram momentos em que indígenas foram definidos como apenas uma única tribo, com um único dialeto e uma única forma de produzir e criar. É ensinado desde o início da nossa formação escolar que o indígena (chamado comumente de “índio”) se comporta da mesma maneira: sempre dançando, fazendo barulhos com a boca, usando penas na cabeça, folhas como vestimenta, descalço, tinta no rosto, etc.

(...) Eu acho que o racismo contra os povos indígenas nasce na escola no Dia do Índio, quando colocam as crianças com cocarzinho de cartolina, tinta guache no rosto para cantar musiquinha da Xuxa e isso é uma coisa que você encontra basicamente em todas as escolas brasileiras. (Tukano5, 2020, Min.1:41:40)

É apresentada uma falsa imagem de um povo selvagem, que vive na mata, “não civilizado”, que caça e não fala nosso idioma. Tudo nos primeiros anos de aprendizado. “Fazer o ‘redface’, assim como o ‘blackface’, é um ato terrível de racismo que acaba se tornando estrutural dentro da nossa sociedade (...)”. (Tukano, 2020, Min.1:42:10) Sabendo disto, é preciso acabar com a unificação das culturas indígenas, compreendendo que cada etnia possui uma vivência e estilos de vida distintos graças a seu repertório cultural e individual, costumes, técnicas e demais fatores já citados acima. “(...) Uma função fundamental da educação artística, do ensino da arte na escola”. (Tukano, 2020, Min. 1:42:20) Nesse aspecto da cultura estrutural, o ensino primário é indispensável para não produzir esse racismo contra povos indígenas, desmistificar a figura estereotipada e unificada sobre as culturas dos mesmos e para que sejam entendidos como parte histórica pertencente ao contexto em que vivemos.

Com base em todos estes fatos, foi escolhida a etnia Pataxó como tema deste trabalho, por conta de sua grande presença nos meios artísticos e de comunicação, pela enorme recepção quando contatados e pelo forte histórico de resistências dentro do meio indígena em frentes ativistas.


ETNIA PATAXÓ:

A HISTÓRIA DO SEU POVO O povo Pataxó é originário da Aldeia de Barra Velha, pertencente ao município de Porto Seguro localizado no extremo sul da Bahia, que hoje é comumente conhecida como aldeia-mãe, onde encontram-se 36 pequenas aldeias – são elas: Juerana, Aldeia Velha, Imbiriba, Xandó, Bujigão, Barra Velha, Pará, Campo do Boi, Meio da Mata, Boca da Mata, Cassiana, Pé do Monte, Jitaí, Guaxuma e Aldeia Nova; Em Santa Cruz Cabrália, as aldeias Coroa Vermelha, Aroeira, Mata Medonha e Nova Coroa; Em Prado: Tawá, Cravero, Águas Belas, Corumbauzinho, Cahy, Alegria Nova, Monte Dourado, Maturembá, Tibá e Pequi; Em Itamaraju, a aldeia Trevo do Parque; E também nos municípios de Carmésia, Fazenda Guarani: Sede, Retirinho e Imbiruçu; Arassuaí: aldeia Cinta Vermelha Jundiba; Açucena, aldeia Jeru Tukumã; E Itapecerica, aldeia Moãmimati, em Minas Gerais, que se deslocou para lá a partir de 1951. A população atual é de cerca de 15.000 indígenas.


Possuem como data de contato – sendo a mais antiga que se possui dados históricos – com os europeus o ano de 1500 E.C. – ano em que os portugueses chegaram nas terras brasileiras –, era uma das etnias nômades que mais conhecia a mata local de Porto Seguro, distrito de Caraíva, localizado na Bahia, e que aparecia habitualmente no litoral para pegar alguns mariscos. Apesar de resistirem às tentativas de extermínio sofridas pelos colonizadores, assim como diversos povos, os Pataxós foram massacrados e quase dizimados durante a colonização brasileira. Na época da chegada dos colonizadores, lutavam contra as implantações de colônias, que eram uma jogada política para que os portugueses pudessem se apropriar das terras Pataxó e assim realizar os projetos de aldeamento indígena, facilitando a colonização. Com resistência em abandonar suas terras, eles sofreram grande pressão com armas de fogo, doenças, conflitos e estratégias de dominação.

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Em 1764, foi fundada a Vila de Prado, uma vila com o intuito de barrar os índios do sertão do Monte Pascoal, onde os Pataxós se encontravam. A fundação desta vila e os conflitos acumulados até 1951 levaram ao acontecimento conhecido como “Fogo de 51”, uma tentativa de domínio e apropriação de terras Pataxó pelos moradores da vila que se encontravam em meio a demarcação de terras e a criação do Parque Nacional do Monte Pascoal. Há muito os indígenas da região já eram hostilizados pela ganância dos não-indígenas em possuírem suas terras. Na tentativa de resolver as disputas territoriais, o Capitão Honório, cacique da Aldeia de Barra Velha na época, foi ao Rio de Janeiro (capital do Brasil na data), buscar reconhecimento legal das terras Pataxó. O cacique não recebeu nenhum retorno do governo por quase 2 anos, quando em 1951, “supostos engenheiros” apareceram para realizar a demarcação das terras. Envolta do clima de defesa do território, iniciou-se um conflito armado entre os representantes do governo e os indígenas. Alguns fugiram para as florestas, outros ficaram e lutaram. Os que resistiram viram suas casas sendo incendiadas, foram espancados, chicoteados e mortos. Esse massacre causou violência física e moral ao povo Pataxó, junto da dispersão de muitas famílias para outros territórios, que gerou a criação das 36 aldeias que atualmente estão localizadas no extremo sul da Bahia. O massacre também teve grande impacto cultural, como por exemplo na língua pataxó, que foi se esvaindo do uso cotidiano, sendo sobreposta pelo português.

Em meio a conflitos, o povo Pataxó seguiu reconstruindo suas vidas e, em 1999, resolveu retomar ao seu território originário, iniciando um processo de remarcação. Hoje o território da terra indígena Pataxó Barra Velha abrange um limite de 52.748 hectares, mas o governo demarcou apenas 8.627. Na esperança de continuar com seu povo, os Pataxós resistiram mesmo sendo obrigados a deixar seu território por conta das capitanias espalhadas pelo litoral adentro, que tinham como objetivo explorar os bens naturais do Brasil para o benefício de Portugal. O povo abandonou Porto Seguro e percorreu em busca de uma terra própria por Ilhéus, Canavieiras, entre outras cidades do extremo sul baiano.

Mas como todo índio é apegado ao solo primitivo, eles voltaram e se distribuíram por algumas aldeotas perto de Porto Seguro – cerca de doze quilômetros. Viveriam em paz até hoje se por volta de 1961 o governo federal não tivesse criado o Parque Nacional do Monte Pascoal. Depois que surgiu o PNMP, os Pataxós nunca mais tiveram paz. Eles viviam uma vida de aculturalizados, mas sem as mínimas condições. (Folha 78, Prot: Nº 2556\82, FUNAI)

Hoje o povo Pataxó não apenas está vivenciando a remarcação territorial, como também passando por um processo de retomada de sua língua e cultura que se dissiparam entre tantos conflitos, mas que se mantém nas canções e na memória dos mais velhos, e é com a ajuda destes que o processo de reavivamento cultural segue.

12.1. ATUALMENTE Hoje o povo Pataxó está localizado em 40 aldeias na região do extremo sul da Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro6. Apesar de falarem português, desde 1998 eles passam por um resgate da sua língua nativa, pataxôhã, processo que só é possível ser realizado graças aos indígenas mais velhos das aldeias que preservaram algumas palavras. Os indígenas se mantém hoje com a produção e venda de artesanatos, pesca, agricultura, pecuária, turismo e etnoturismo, de proventos de funcionários municipais e estaduais de escolas indígenas, na saúde como funcionários da SESAI (Secretaria Especial da Saúde Indígena) e de pequenos comércios locais. No âmbito da educa-


ção, as escolas são em sua grande maioria municipais, possuindo apenas algumas estaduais, com seus corpos docentes e discentes formados por indígenas das próprias comunidades. Na saúde possuem a SESAI, que atende os indígenas promovendo consultas, marcação de exames, atendimento odontológico, entre outros procedimentos e médicos variando entre aldeias, uma vez que algumas possuem posto de saúde e outras não. A realidade de cada aldeia Pataxó varia muito, existindo aldeias de fácil acesso a estradas, assim como aldeias que estão completamente isoladas, onde cada comunidade precisou se adaptar da sua maneira. Seus rituais possuem uma variedade de acordo com cada aldeia: algumas os realizam com mais frequência e outras apenas em épocas festivas. Há rituais que são realizados em determinadas comunidades, mas em outras não. Um exemplo são as Festas das Águas nas aldeias de Minas Gerais, o Luau Ritual em Noite de Lua Cheia, os Jogos e o Aragwaksã (Ritual da Vitória) em aldeias baianas. Na religião, acreditam que Deus é tudo que existe na natureza, água, ar e na terra. Existe hoje uma forte presença da igreja nas aldeias Pataxó, enfraquecendo assim a prática religiosa própria da etnia. A organização interna das aldeias geralmente segue um padrão onde existe um cacique e um vice-cacique, tendo suas lideranças compostas por indígenas mais velhos da aldeia ou por um jovem que possua aptidão para liderar um grupo. Há também as associações, cooperativas, conselhos e institutos que integram as aldeias. Tais instituições buscam trazer projetos de melhoria para as comunidades e são mantidas e administradas pelos próprios indígenas.

12.2. ESTILO DE VIDA E PRODUÇÃO DE TRIBOS PATAXÓ BAIANAS Os mais velhos dentro das tribos Pataxó contam que o comportamento de utilizar o que a natureza lhes dá como material para a criação de suas coisas existe há muitos anos e foi passado de geração a geração dentro das tribos. Dentro destes materiais naturais, podemos citar folhas, fibras, cascas de árvores, raízes, entre outros. Cada um tinha um papel importante para a sobrevivência dos Pataxó.

Durante as entrevistas realizadas com os mais velhos, foi comum ouvir que dessas extrações faziam os seus kijeme7, armadilhas para pegar animais, samburás8, panacum9, peneira, tapiti, esteira, chapéu, vassoura de cipó, rede de algodão, linhas de tucum10, tarrafa de tucum, canoa, remo, gamela, colher de pau, arco e flecha, bodoque11, coronha para espingarda12, abano para fogo, cordas de embira, pá para fazer beiju, tanga, cocar, bolsa de palha, além do que lhes serviam de alimentos e “remédios”. (SOUZA, 2012, p. 33)

Tal costume prevaleceu até mesmo décadas antes da chegada da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), onde as tribos, apesar de terem contato com povos externos, ainda sim conseguiram sobreviver apenas do que a natureza poderia oferecer. É importante ressaltar que dentro da tribo, apesar da habilidade de manuseio para produção de materiais, nem todos produziam as mesmas coisas. Cada tarefa era pertencente a um dos membros e assim eles viviam, produzindo uns para os outros. Assim como atualmente, o costume era passado de “pai para filho” e as habilidades muito específicas de cada família eram consideradas como dom. A produção e confecção de materiais, em alguns casos, utilizava sempre a mesma matéria-prima, mas em alguns isso variava. Produtos como a canoa, o arco e a flecha possuem matérias-primas variáveis de acordo com quem as produz, as mais comuns são: a palmeira, o tucum, penas de pássaros para as flechas, pati e corda de embira, entre outros. A troca de matérias-primas na produção estava diretamente relacionada à disponibilidade delas na região, uma vez que já ocorriam processos de exploração madeireira. A maioria das práticas de produção dos Pataxó era destinada ao seu próprio consumo, envolvendo a troca entre parentes. Poucas eram destinadas à venda para comércios próximos. Através da produção e extração, os Pataxós conseguiam fácil acesso para realizar suas vendas, uma vez que precisavam atravessar um caminho extenso até chegar aos comércios vizinhos.

12.3. ADEREÇOS PATAXÓ Assim como é presente no cotidiano de não-indígenas, os adornos também fazem parte da cultura Pataxó, possuindo diversos formatos, pa-

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drões, cores, modelos, etc. Sendo popularmente conhecidos como “adereços”, a produção de cocares, tangas, colares, braceletes, tornozeleiras, pulseiras, brincos e cintos é passada de geração a geração. Mesmo estando em constante processo de inovação, mudança e agregações (matéria-prima, grafismos, significados, entre outros), não perdem a memória, tradição e conhecimento de seus antepassados, e não devem ser esquecidos como referência no âmbito do design gráfico brasileiro, uma vez que carregam uma bagagem de produção visual ampla e rica, apesar das modificações e mutações forçadas. Cada adereço confeccionado passa por um longo processo desde a extração, coleta, compra das matérias-primas até a produção e elaboração das peças. São utilizados inúmeros materiais como: cipós, folhas, fibras, palmeiras, madeiras, cascas de árvores, resinas, frutos, raízes, penas de pássaros, aves (principalmente galinhas), barbante, linhas, cola, entre outros.

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Muitos são usados desde as primeiras produções feitas por antigos membros da etnia. Esse início não possui uma data precisa, contudo, por conta do avanço da urbanização, desmatamento, demarcação e perda de terras, proibição do desfrute do próprio território e migração forçada do povo para outros locais durante sua história, alguns desses elementos precisaram ser “adaptados” e/ ou adicionados de acordo com a região, fauna, flora, clima e condições para fabricação dos produtos, enquanto outros tiveram sua matéria-prima diminuída ou extinta da natureza, sendo obrigados a comprar matérias equivalentes. Alguns adereços ao longo das décadas tiveram seus objetivos ampliados e/ou modificados, como significados de grafismo que passaram a ser generalizados quando feitos como produtos, para obter melhor aproveitamento e maiores possibilidades de venda, enquanto outros atualmente deixaram de ser fabricados. A confecção destes adornos é domínio dos Pataxós como rito de tradição passado a todos, porém não são todas as pessoas que produzem, existindo pessoas específicas responsáveis por esses feitos. Depois da instalação do posto indígena da FUNAI na sede da Aldeia Barra Velha (Porto Seguro, Bahia), houve o incentivo de uma produção de colares para venda, como mais uma alternativa para suprir as necessidades que o povo enfrentava. Neste mesmo período, ocorriam ofícios dedicados aos próprios Pataxós, voltados ao turismo, fazendo a época se destacar “com a produção e comercialização do artesanato indígena”, se tornando um momento significativo na história da

etnia. (CESAR, p. 2002), (GRUNEWALD, 2001), (CARVALHO, 1977) Contudo é importante ressaltar que este não foi o período no qual os Pataxós “começaram” suas produções. Arissana Pataxó, artista visual e mestre em estudos étnicos, explica:

(...) o turismo não pode ser considerado como um referencial para marcar o período em que os pataxós começaram a produzir seus objetos, adereços, etc. Pois, (...) desde tempos antigos essa produção já era constante na vida dos Pataxós, e a venda desses materiais também, embora em pequena escala e na maioria dos casos através de encomenda. (ARISSANA, 2012, p.37)

Assim é entendido que, apesar do turismo intensificar a venda e produção dos povos, os adornos já eram confeccionados pelos Pataxós para uso próprio e à pedidos. Por este motivo, não se pode afirmar que o “artesanato Pataxó é uma tradição criada como alternativa econômica diante de uma demanda turística emergente na década de 70” (GRUNEWALD, 2001, p. 210), onde reforça Arissana:

Não podemos negar que muitos dos produtos manufaturados antigamente foram readaptados para a venda a partir do turismo e, provavelmente, uma nova produção também tenha surgido, mas isso não pode ser generalizado como o “princípio da criação” dos “artesanatos” Pataxó. (ARISSANA, 2012, p.38)

Os adornos Pataxó sempre estiveram presentes em ocasiões festivas e comemorativas.

12.3.1. ADEREÇOS ATUALMENTE

Com o surgimento e aproximação dos não-indígenas advindo da perda de terras e turismos, muito grafismos presentes nessas peças precisaram ser adaptados e generalizados antes de serem vendidos. Como citado anteriormente, houve a necessidade de mudança e inovação das matérias-primas usadas para confecção dos adornos, tanto para venda quanto para uso próprio, por questões territoriais, ambientais, comerciais, entre outras. Tais alterações só puderam ser feitas pelo vasto conhecimento do povo sobre a extração de vegetais e exploração visual:


As mudanças e inovações só são e foram, em muitos casos, possíveis devido ao seu grande conhecimento na extração de vegetais, como já citado, ou seja, se não fosse esse saber prévio passado de pai para filho, muitos adereços, hoje, não seriam inovados com a agregação de matérias-primas já conhecidas e extraídas pelos Pataxós para outros fins. (ARISSANA, 2012, p. 47)

Essas mudanças acrescentaram outros materiais, formas e cores que acabaram sendo muito visíveis quando comparadas com suas confecções de décadas atrás. Tais mudanças serão apresentadas no decorrer desta pesquisa.

Figura 13 - Jogos Pataxó de Coroa Vermelha, abril de 2010. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

Enquanto o uso da tanga e do cocar são indispensáveis, outros adereços como brincos, colares e braceletes sempre variam de pessoa para pessoa, podendo ser usados ou não. As tangas anteriormente eram feitas de taboas e, geralmente, eram curtas, acima dos joelhos. Todos – homens, mulheres e crianças – usavam-nas. Na maioria das vezes não possuíam nenhum tipo de grafismo, cor ou adereço. Atualmente são tidas como tangas de estopa, feitas com entrecasca da árvore biriba13, material já usado como cobertura no local onde dormiam. Também foram adicionados adereços complementares e grafismos. Adornos como pulseiras, colares, braceletes, brincos, cintos e tornozeleiras tiveram barbantes e linhas de algodão adicionados à taboa, sementes, penas e tranças de aricuri14, materiais utilizados anteriormente pela acessibilidade e facilidade de manuseio. Novos modelos das peças sempre estão sendo criados pelos jovens Pataxó, os próprios colares sempre passam por mudanças, porém ainda são confeccionados com sementes, assim continuam sendo feitos exclusivamente para uso do povo em festas e celebrações indígenas, variando de tamanho, forma, elementos e cores.

A criação de outros modos de confeccionar seus adereços, principalmente na atualidade, também pode ser dada ao contato com outros povos indígenas através das facilidades de locomoção e encontros de etnias, feitos através de eventos, seminários e movimentos políticos/sociais de luta e preservação. Peças confeccionadas pelos Pataxós como os cocares, muitas vezes são adaptadas com mais adornos caracterizados, como tranças de aricuri com grafismo próprio, entretanto as modificações não são uma regra, alguns indivíduos usam sem alterações. Tal importância e representatividade dos adereços se mostram, por exemplo, no primeiro Jogo Indígena Nacional15. Esses jogos são como espaços esportivos e culturais, buscando interação e valorização do saber étnico, onde sempre existe uma forte preocupação com a maneira de apresentação dos indígenas, enfatizando suas próprias criações e produções artísticas, como uma maneira de mostrar as características de suas etnias. Em trocas de cocares, quando os Pataxós saem da aldeia, são adquiridas peças feitas com penas de papagaios e de araras de outros povos, como os do Parque Indígena do Xingu. Como já citado, por falta de algumas matérias-primas para confecção dos adornos junto de mudanças e inovações que possibilitaram criações de adereços de maneira mais rápida e acessível, muitas peças Pataxó passaram por modificações que proporcionaram melhor aproveitamento de certos materiais devido à escassez. Porém, ainda existe uma certa resistência em agregar matérias de cunho industrial em seus ornamentos. Arissana comenta em sua dissertação um exemplo do que presenciou:

Há ainda aquelas pessoas que se dispõem a afirmar o que seria ou não Pataxó dentro de sua concepção. Exemplo disso é o que presenciei na aldeia Pé do Monte: um Pataxó afirmando que o cocar autenticamente Pataxó era composto de uma coroa de palha de aricuri com uma única pena grande atrás. Outra Pataxó, na aldeia do Trevo do Parque, elegeu o cocar só com penas pretas. Dessa forma, percebemos que há uma variedade de concepções do que seria ou não Pataxó, tendo em vista a variedade de cocares e matérias-primas usadas na produção deste e de outros adereços. Geralmente a resistência à inovação procede, na maioria dos casos, de alguns mais velhos, mas acaba desaparecendo quando várias pessoas aderem àquele novo modelo. A juventude, ao contrário, recebe essas mudanças com mais facilidade, bem como as promove. (ARISSANA, 2012, p.53)

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12.3.2. TIPOS DE ADEREÇOS E CONFECÇÕES

É importante ressaltar que, de maneira geral, todos dentre crianças, adultos, homens, mulheres, idosos, podem usar os adereços Pataxó, contudo há restrições de gênero. Sendo assim, determinados modelos das peças só podem ser usados por um dos gêneros, assim como cores específicas, formas, etc. Ambos os trajes possuem uma diversidade de grafismos e são produzidos por várias técnicas, tais quais podem ser relacionados à fundamentos, processos e métodos dentro do design gráfico. A depender do ambiente e celebrações, diante de uma variedade de adornos, pode-se usar o que achar conveniente, escolher não usar ou confeccionar um exclusivo com significado único e próprio. Sendo assim, é observado não haver uma padronização no uso dos adereços, assim como também não há um uso diário dos mesmos pelos Pataxó.

Como mencionado, as produções dos adereços Pataxó vão desde a extração da matéria-prima até a confecção e posteriormente uso.

A produção de um adereço Pataxó não se limita apenas ao processo de montagem ou tecimento da peça, mas compreende desde a extração da matéria-prima, que pode requerer maior ou menor esforço do produtor, na dependência da sua localização. (ARISSANA, 2013)

Para entender melhor a produção da tanga, especificamente a de biriba, foi retirado da dissertação da artista plástica Arissana Pataxó um trecho de uma entrevista concedida por Voltairis, Irisnan Pataxó, durante sua pesquisa etnográfica, realizada entre 2010 e 2012 junto ao povo da etnia no extremo sul da Bahia. Esta pesquisa é a base e uma das principais referências deste trabalho.

12.3.2.1. Tangas

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Figura 14 - Tanga de taboa exposta para venda, 2011. Figura 15 - Tanga de biriba ou estopa, 2012. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

Nas figuras acima é visto a tanga ou tupisay16, no qual pode-se comparar a uma “saia” feita a base de fibras soltas amarradas a uma corda que envolve a cintura. Apesar de não haver muita variedade, já que são feitas de duas matérias-primas diferentes, ambas de origem vegetal, as diferenças mais perceptíveis são: o tamanho variando do gosto pessoal de cada indivíduo – alguns usam abaixo dos joelhos e outros usam mais curto, acima dos joelhos; O tipo do material, visto que a tanga da biriba é macia e maleável, a tanga de taboa já não é tão flexível assim; E o destino, onde a tanga de taboa é a mais comprada pelos turistas.

Para fazer uma tanga, é o seguinte: tem que primeiro fazer uma inxó, que é de madeira, tem que ser uma madeira resistente para que ela não possa pocar ou lascar na hora de ‘tá’ batendo lá na madeira. A melhor é feita de braúna. Depois da inxó pronta, aí sim que vai para mata. Tem que encontrar a biriba, que é uma madeira. Você tem que encontrar ela bem certinha, ela com alguns caroços ou, aliás, nós, não presta, não serve. Dependendo do local, porque tem biriba às vezes que ‘tá’ num local lá embaixo no barranco, num buqueirão que a gente fala, já tem outras que ficam na chã em cima. Quando ela é na chã, a gente pode ficar no chão mesmo, mas quando é lá no brejo, tem que fazer um jurá para poder a gente subir e tirar. [...] Se for para criança, você tira de uns quatro palmos, agora se for pra adulto é mais uns dez palmos. E aí tem um processo que a biriba é o seguinte, se for tirar ela com facão, ela não sai a fibra assim, tipo macia, se for de facão ela sai assim tipo uma casca. A inxó serve pra isso, pra ela ir machucando a madeira pra ir saindo as fibras moles, ir ‘fofando’. E a partir de que tira, aí sim, traga pra casa e deixa ela um pouquinho no sol para poder secar um pouco. Se for fazer molhado acaba manchando a roupa, até mesmo a nódoa na sua mão ela acaba deixando. E aí, depois de secar, é só desfiar ela, tem uma parte da casca que ela fica ruim e não serve, então a parte de dentro que é a fibra macia que serve para tecer a tanga. (VOLTAIRIS, 2011: Informação Verbal, entrevista concedida por Voltairis - Irisnan Pataxó durante pesquisa de campo na aldeia Pequi, realizada em fevereiro de 2011)


Após tecer a tanga, pode-se costurar adereços complementares ou adicionar cintos feitos com sementes, que carregam os grafismos e cores que somam à beleza dos trajes. Em suma maioria, os grafismos que são usados nas vestes e adereços costumam não possuir padrões, em exemplo, as tangas sempre serão de uma forma, enquanto cocares de outra, trazendo modelos cromáticos, mas não sendo uma regra. Com suas bases em linhas que formam sequências, simetrias, padrões, cores, formas e afins, os grafismos são uma das principais características visuais dos adereços Pataxó. 12.3.2.2. Cintos

Figura 18 - Cinto de sementes (tento e milagre) com detalhes de coco nas pontas. Figura 19 - Cinto feito com fios de lã. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

12.3.2.3. Cocares “O cocar é um modo de reconhecer o outro, sua influência e, claro, sabedoria. Quanto maior e mais bonito tenha certeza de que esse alguém é especial”. (ALICE, 2020)

Figura 16 - Cinto feito com a trança do aricuri, enfeitado com sementes e penas, com detalhes de piaçava. Figura 17 - Cinto feito de sementes tento ou pau-brasil, como alguns denominam. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

O cinto é considerado um adereço que ganhou muito espaço entre os Pataxós, usado tanto por homens quanto por mulheres. Já era utilizado no passado, mas seu uso se intensificou atualmente. Encontrado em diversos modelos e variedades de matéria-prima, geralmente são feitos de sementes, linhas de crochê, fios de lã e alguns podem trazer penas nas pontas.

Figura 20 - Cocar de taboa com rabo, Jogos Pataxó 2010. Figura 21 - Cocar de taboa sem rabo, Jogos Pataxó 2012. Figura 22 - Cocar com aberturas entre as penas, 2012. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.


modelos mais comuns, cada cocar carrega um símbolo, muitas vezes individual dado pelo próprio indígena que o-faz e usa, como cita Alice Pataxó: “O cocar tem muitos significados, por exemplo, o meu cocar Pataxó tem suas três penas maiores, mas não iguais, que representa a aldeia mãe e as demais aldeias”. (ALICE, 2020)

Figura 23 - Cocar com aberturas entre as penas, 2012. Figura 24 - Cocar de penas coloridas, Pataxó da aldeia Pé do Monte, Jogos Indígenas Nacionais, Tocantins, 2011. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

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Através das figuras percebemos que há grande variedade nas produções de cocares Pataxó e não existe um padrão. Estes possuem diferenças em tamanho, material, cores, estilo de confecção, trançado, adornos complementares e cada um tem seu significado. “O meu cocar nunca esteve na cabeça de outra pessoa, porque isso se torna até um desrespeito a mim e a minha história, para alguém usar ele eu preciso oferecer, e isso significa que tenho grande admiração e estima a pessoa”. (ALICE, 2020)

Figura 27 - Cocar de penas de galinha natural, na Semana Pedagógica dos Professores em Cumuruxatiba, 2011. Figura 28 - Cocar de penas tingidas, em estilo coroa, Jogos Pataxó de Coroa Vermelha, 2010. Figura 29 - Cocar de penas tingidas, em estilo coroa, Jogos Indígenas Nacionais, Tocantins, 2011. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

Existe uma grande variedade de penas que costumam ser usadas, preservando as cores naturais, como na figura 26, e quando coloridas, penas de galinhas de granja são tingidas com anilina. Como é percebido, os cocares possuem um encaixe usado para colocar na cabeça em tira trançada, nele geralmente é onde estão dispostos grafismos feitos com linhas coloridas ou barbantes. Em busca de correlacionar grafismos usados nos adereços Pataxó com os fundamentos do design, foi feito o seguinte diagrama:

Figura 25 - Cocar de taboa com longas penas, durante desfile da Ihé Baixú, Jogos Pataxó de Coroa Vermelha, 2012. Figura 26 - Cocar de penas durante participação nos Jogos Nacionais em Tocantins, 2011. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

As mulheres usam cocares grandes similares aos cocares masculinos, porém o uso mais comum é o estilo coroa como nas figuras 28 e 29, onde as penas podem ser dispostas para baixo ou para cima. Alguns possuem na parte de trás do cocar três linhas enfeitadas com penas. Apesar da grande variedade e mesmo existindo

Figura 30 - Indicação e separação das características visuais especialmente presentes nos adereços Pataxó.

Acima, como é mencionado diversas vezes, é visto que não existe uma padronização dos significados por trás dos grafismos usados nos adereços, contudo existem sequências visuais que são


repetidas em várias peças, principalmente em cocares e colares. Neles podemos observar diversas características presentes do que é tido como “fundamentos do design”, como, por exemplo, as linhas na figura 29, sendo possível descrever e exemplificar o que são estas características. Entende-se como linha, uma sequência de pontos unidos e unificados, onde podem ser visíveis ou não, feitas de diversas formas, inúmeros materiais, bidimensionais e/ou tridimensionais, além de base para qualquer início ou materialização de um projeto.

Uma linha pode ser uma marca positiva ou uma lacuna negativa. As linhas aparecem nos limites dos objetos e onde dois planos se encontram. Graficamente, as linhas existem em muitos pesos. A espessura e a textura, assim como o trajeto da marca, determinam sua presença visual. As linhas são desenhadas com uma caneta, um lápis, um pincel, um mouse ou um código digital. Elas podem ser retas ou curvas, contínuas ou tracejadas. Quando uma linha atinge certa espessura, torna-se um plano. As linhas multiplicam-se para descrever volumes, planos e texturas. (2006, Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, p. 16)

As linhas são trabalhadas em espessuras de diferentes tamanhos, feitas de forma manual por pincéis e costuras, por conta dos materiais e superfícies aplicadas adquirem diversas texturas, possuem trajetos retos, curvos, contínuos, entre outras características que claramente se enquadram em “linha” nos princípios dos fundamentos do design. Observa-se também uma sequência de “padronagem” através da repetição de elementos e formas que se cruzam, principalmente nas tiras trançadas que sustentam cocares nas cabeças e nos cintos usados pelos Pataxó. Essa repetição, colocada em um plano, forma padrões que junto com o princípio das linhas carregam as características visuais presentes nos grafismos. O cartaz feito para o aniversário de 60 anos da USP e 31 anos da MAC-USP, no ano de 1994, por Alexandre Wollner (1928-2018), considerado pai do design gráfico brasileiro, é exemplo de arte com grafismos semelhantes. O cartaz traz de maneira não intencional, através da união de letras e cores, um grafismo. Trabalhando a informação do aniversário do MAC-USP em números romanos, Wollner rotaciona as letras apoiadas numa superfície lateral, utilizando formas e cores para dar a sensação de profundidade aos tipos. Se levarmos essa noção de profundidade aos grafismos Pataxó, analisando visualmente com base na figura 30, principalmente a imagem da direita, podemos entender o barbante preto como sombra, causando um efeito de profundidade.

Quando as faixas se cruzam umas sobre as outras, tornam-se grids que por sua vez atravessam o campo, compondo novas figuras e funcionando assim como novos pontos e novas faixas. (...) Em qualquer caso, (...) os padrões seguem alguns princípios repetitivos,’ sejam eles ditados por um grid mecânico, um algoritmo digital ou pelo ritmo físico da ferramenta de um artesão que trabalhe sobre uma superfície. (2006, Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, pág. 186 e 187)

Figura 31 – Cartaz para o aniversário de 60 anos da USP e 31 anos do MAC-USP, 1934-1994, Alexandre Wollner. Foto: ARTExplorer.

Seguindo este princípio, é visível o uso da linha dentro dos grafismos Pataxó, presentes tantos nos adereços como em outros âmbitos da cultura: pinturas corporais, cerâmicas e outros.

12.3.2.4. Colares Um dos adereços mais marcantes e presentes nos trajes Pataxó sem dúvidas são os colares. Feitos com base em sementes, sendo a maioria de pau-brasil e lágrima-de-nossa-senhora, os colares carregam cores vibrantes como preto e vermelho, grafismos feitos das próprias sementes, variações de cores e tamanhos.

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Figura 32 - Colares Pataxó feitos de diversas sementes expostos para II Feira de Artesanato Indígena na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), 2019. Foto: Uara Pataxó.

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Figura 33 - Colar Pataxó que envolve o pescoço e passa embaixo dos braços, 2012. Figura 34 - Colar Pataxó feito de tento, 2012. Figura 35 - Colar Pataxó feito de tento, 2012. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

Existem colares produzidos para a venda (figura 32) que são mais simples, em comparação aos usados para enfeitar os corpos em dias de celebrações (figuras 33, 34 e 35), contudo existem outros extremamente trabalhados, destinados a determinadas vendas, como uma forma de atração pelo visual – mostrado nas figuras 36, 37 e 38. O colar é considerado a peça final na composição dos adereços, usado geralmente em volta do pescoço, podendo ser extenso em comprimento e dar uma volta ao redor do braço.

Figura 36 - Colar Pataxó feito de sementes de pau-brasil, 2020. Figura 37 - Colar Pataxó feito de sementes de pau-brasil e lágrima-de-nossa-senhora, 2020. Figura 38 - Colar Pataxó feito de sementes de pau-brasil, 2020. Fotos: Tanara Artes Pataxó.

Como pode-se observar, mais uma vez, existe uma sequência de padrões e formas muito presentes nos colares Pataxó, assim como nos demais adereços. Também é percebido, especialmente na figura 36, mesmo não intencional, o uso de cores complementares nas sementes – vermelho e verde. Indo mais além, em busca de uma relação profunda, a colocação das sementes pelo formato quase redondo são semelhantes à sequências de pontos que formam linhas, e a partir das linhas se transforma em textura.

Um ponto pode ser uma manchinha de matéria insignificante ou um foco de força concentrada. Ele pode penetrar como uma bala, furar como uma agulha ou franzir-se como um beijo. Através de sua dimensão, posição e relação com suas imediações, um ponto pode expressar sua própria identidade ou mesclar-se à massa. Uma série de pontos forma uma linha. Uma massa de pontos torna-se textura, forma ou plano. Pequeníssimos pontos de tamanhos variados criam tons de cinza. (2006, Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, p. 14)

No exemplo a seguir temos uma série de texturas exemplificadas por Bruno Munari que podem ser elementos em produções gráficas ou visuais, estando em qualquer superfície, e criadas a partir de diversos materiais. Todas mostram sequências, padrões em formas, traços, linhas, tracejados e pontos. Os mesmos são dispostos


em várias posições e tamanhos diferentes que provocam sensações visuais a quem observa, sendo chamado de textura visual, como a figura 39 ao lado. Quando comparado as figuras 35, 36 e 37, é possível ver o mesmo padrão visual que encontramos em alguns exemplos da figura 38, não em termos de grafismos do adereços Pataxó, mas sim na sequência de pontos, linhas, contraste através das cores que os mesmo possuem quando dispostos em superfícies planas e, principalmente, textura visual e sensorial que trazem.

Figura 39 - Identidade Visual para Soneas, por Peltan-Brosz Studio. Budapest, Hungria. Figura 40 - Pôster para concurso de design, por Florencia Romero, mostrando um grafismo semelhante a árvores de maneira abstrata.

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Figura 41 - Pôster para concurso de design, por Florencia Romero, mostrando um grafismo semelhante a árvores de maneira abstrata.

Figura 38 - Exemplo de texturas de Bruno Munari, 1998. Foto: livro “Design e Comunicação Visual”, editora Martins Fontes.

Quando temos os adereços dispostos, tanto no corpo quanto em uma superfície plana, é possível ver e sentir a textura que as sementes formam. Essa textura visual facilmente pode ser referência para retícula em peças gráficas, assim como troncos, folhagens e elementos da fauna e flora são, tanto de maneira direta (figura 41) quanto abstrata (figura 40).

12.3.5. PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DOS ADEREÇOS PATAXÓ: CONFECÇÃO, MATÉRIA-PRIMA E RENDA Como já citado anteriormente, grande parte das confecções Pataxós são aprendidas por todos, sendo passadas de geração a geração. Os adereços não são diferentes, feitos por homens, mulheres e crianças. Em sua maioria, a produção é feita por adultos com as crianças sempre presentes, acompanhando os pais durante o processo.

As mulheres se destacam na produção de peças menores, tais como os colares, brincos, pulseiras, cintos, tornozeleiras, braceletes e cocares femininos, enquanto os homens na produção dos cocares masculinos e das tangas, porém isso não limita a produção de peças por ambos gêneros.


(...) Não há predominância de regras, mas sim o desenvolvimento de habilidades para a confecção de determinados adornos, considerados também os fatores relacionados à extração da matéria-prima e ao ensino transmitido pela família. (ARISSANA, 2012, p. 75)

A concentração de produção de determinados adereços varia de acordo com a aldeia, muitas vezes por conta da disponibilidade de matéria-prima encontrada em cada lugar. Em Coroa Vermelha, por exemplo, a produção de cocares é mais presente devido a maior facilidade de encontrar as penas, que são compradas ou adquiridas gratuitamente nas granjas. Em Barra Velha está a maior produção de colares, tendo em vista a grande variedade de sementes encontrada na aldeia e também a habilidade das mulheres. Também existem famílias que dominam certas produções de adereços sendo uma herança e técnica familiar passadas através das gerações.

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São diversos os materiais utilizados para a produção dos adereços e mesmo que sejam agregadas a matérias industriais, as tradicionais utilizadas no passado não são esquecidas, como a trança do aricuri, a taboa, a estopa, as sementes e as penas. Um dos novos materiais que mais ganharam espaço na produção dos adereços nos últimos anos são as linhas de lã e de crochê, usadas principalmente nos bustiês e nos cintos, que possibilitam combinação com as cores dos cocares, além da fácil acessibilidade do material. Esses materiais costumam vir de vários lugares, cada aldeia possui diferentes fontes de coleta e obtenção de materiais, muitas vezes por conta da localização. Em Coroa Vermelha, por exemplo, os Pataxós de outras aldeias conseguem com mais facilidade a trança feita da palha do aricuri, usada para confeccionar os cocares, devida a concentração de árvores no local. Porém elas não são produzidas pelos indígenas, e sim compradas junto aos regionais e revendidas em suas lojas de artesanato. A produção da trança do aricuri já foi muito comum, antes da virada do século era utilizada para produzir chapéus e cocares. Porém, atualmente, poucos ainda a tecem. É suposto que a dificuldade de encontrar a matéria-prima tenha influenciado na produção, assim como tantos outros adereços, levando-os a recorrer a materiais industrializados para suprir essa falta. O tucum17, por exemplo, é outro material que foi substituído ao longo dos anos. Suas linhas, anteriormente usadas para produzir os colares, foram substituídas pelas linhas enceradas, industrializa-

das, semelhantes a fios de plástico encerados. Não é possível afirmar o motivo dessa mudança, porém é suposto que seja devido a escassez do tucum na região e a facilidade de acesso às linhas industrializadas, bem como é comentado por Arissana: Suponho que os dois fatores possam estar influenciando, já que a confecção da corda de tucum é um pouco complexa. Muitos índios devem saber prepará-la, mas a facilidade de comprar uma corda já pronta, faz com que o tucum entre em desuso. (ARISSANA, 2012, p.79)

Com relação às penas, uma das alternativas que alguns Pataxós encontraram foi manter um estoque de penas em casa com a criação de aves, como galinhas e patos. Para a produção de cada adereço é demandado um tempo diferente, devido ao processo que vai desde a extração à coleta ou compra de matéria-prima. Para a confecção dos colares é necessário o tempo de preparo das sementes, pois além do ponto certo que devem estar, cada uma delas contém propriedades particulares que interferem nesse preparo, como, por exemplo, o ponto de colheita – fora do tempo, a mesma murcha. Outro fator importante é que nem todas as sementes são encontradas durante o ano inteiro, ou seja, a confecção dos colares acompanha o ciclo da natureza. Assim se encontram maiores quantidades de colares de uma determinada semente em algumas épocas do ano. Na produção dos grandes cocares é necessária uma grande quantidade de penas, que são compradas ou obtidas nas granjas. Geralmente as mesmas chegam sujas, precisando serem lavadas e tingidas, onde são selecionadas as maiores, usualmente penas de asa. Um fato importante na produção desses grandes cocares é a curvatura natural que as penas da asa possuem, sendo para a direita e para a esquerda. É necessário que elas sejam dispostas dos dois lados, de modo a observar a inclinação natural de cada uma. A produção do cocar inicia-se, basicamente, dispondo-se as penas em uma única corda, que unirá todas as penas pelo bico, ou seja, pela parte em que não há plumagem, mas apenas o “talo”. Em seguida, deve-se passar uma linha na metade de cada pena, costurando-se uma na outra, para que o cocar se mantenha firme. (...) Agora é só fixá-lo na trança do aricuri, depois colocar mais uma trança para apoiar na fronte, possibilitando que o cocar fique mais aberto. (ARISSANA, 2012 p. 81)


A produção da tanga de biriba, como já detalhado, é feita a partir da colheita da madeira de biriba, a quantidade colhida varia quando a vestimenta é para adultos ou para crianças. São retiradas fibras macias com auxílio de uma enxó18 e depois colocadas para secar ao sol. Depois de secas é necessário desfiar para tecer. O turismo na região, também já citado anteriormente, além de trazer uma forte convivência dos não indígenas com os indígenas, acima de tudo com seus costumes, gerou também maior produção dos adereços, que passaram a ser vendidos. Porém, esses não são os usados pelos Pataxós em seus costumes e atividades culturais, são feitos outros tipos de adereços, geralmente conjuntos com peças determinadas como: bracelete, cocar pequeno, colar feito de juerana19 e enfeitado com outras sementes, tanga de taboa e tornozeleira feita com tranças de aricuri e penas. Os que são usados pelos Pataxós possuem um valor maior.

tangas e cocares, os mais comprados são os conjuntos já citados anteriormente, que por serem compostos de um cocar mais simples e tanga de taboa, são mais baratos do que uma tanga de estopa e um cocar maior. Os mesmos podem ser encontrados nas lojas do Parque Indígena, assim como entre indígenas que vendem nas praias de Coroa e da região de Porto Seguro. As praias possibilitam grande parte das vendas no verão, pois há um fluxo maior de turistas. Durante o inverno, é necessário recorrer a lugares distantes, participar de feiras de artesanato e eventos que permitam a comercialização. Porém essas condições não são as mesmas para todos. Algumas famílias precisam se reunir para custear a viagem, o que demanda durante longos meses uma situação econômica grave.

12.4. PRODUÇÃO ARTÍSTICA E GRÁFICA Há uma bagagem cultural riquíssima dentro das obras trabalhadas com os artistas indígenas nos eixos políticos e sociais, juntamente com a quebra de estereótipos dentro do mercado artístico. Uma arte que questiona o pensamento sobre indígenas “terem ou não terem entendimento sobre o conceito da arte”, como menciona Paola Amaral Tavares. (2018, p. 293/294)

Figura 42 - Loja do Parque Indígena, Coroa Vermelha, 2011. Autora: Arissana Braz Bomfim de Souza.

Existem famílias que se dedicam à produção artesanal, em Coroa Vermelha, por exemplo, vendem no atacado e varejo, tanto para os comerciantes indígenas, quanto para os não indígenas. Algumas possuem lojas na área do Parque Indígena, mas muitas não, e isso se deve a muitos fatores como: não ganhar o espaço para venda; Os que tinham acabarem vendendo; E alguns sem condições para manter a loja, passam a alugar o espaço, garantindo um valor fixo mensalmente. Entretanto, nem todos com ponto de venda no comércio indígena produzem o que vendem, necessitando de indígenas que produzem o que é vendido. Um dos adereços mais comprados pelos nãoindígenas são os colares, seguidos por brincos, palitos de cabelo e prendedores de cabelo. Já

São diversos artistas e diferentes formas de se manifestar: quadros, literatura, cerâmicas e adornos corporais. Sabe-se que parte da produção gráfica produzida pelos indígenas é formada de texturas naturais, principalmente da natureza e animais. Os designers têm a missão de investigar e pensar novas formas de se conectarem com essa pluralidade encontrada no modo dos povos originários produzirem, assim como também academicamente foi imposto ao longo dos anos baseando-se em produções europeias.

12.5. RELAÇÃO DO ARTESANATO COM A PINTURA CORPORAL A pintura corporal da etnia Pataxó está fortemente ligada à produção artesanal de suas tribos. Dentro da comunidade Pataxó de Barra Velha, a produção de cestarias é responsável por

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essa principal ligação, com traços que surgiram do entrelaçamento de diversas folhas de palmeiras, árvores encontradas nas matas e na área litorânea das aldeias. As diferentes tranças feitas de fibras e cipós apresentavam um grafismo geométrico, formando assim os próprios objetos da cestaria. Era possível encontrar semelhanças nas tranças presentes em ornamentos de arcos, flechas, lanças e abanadores. Os traços presentes nas pinturas corporais são também encontrados em artesanatos produzidos com barro. Hoje temos como arte indígena algo exótico, extremamente complexo e diferente. Para os Pataxós essa prática era realizada naturalmente, sendo cultural, e hoje se tornando um dos meios de sobrevivência de trabalho, arte e artesanato das tribos. A aplicação de padrões gráficos como pintura corporal está estritamente ligada à posição social, existindo desenhos reservados para ocasiões específicas e para determinar categorias de indivíduos.

As pinturas também têm vários significados, ‘né’, para cada pintura tem seu significado e para quem, e cada membro da aldeia tem uma pintura específica, tem pintura para homem casado (kakuseka), homem solteiro (kakusupakuy), mulher casada (beketxiá), mulher solteira (ãko), tem para menino (kitoki), para menina (kitok’ihé), tem para pajé (gihóbóku) e tem para cacique (akaieko). Para cada membro da aldeia existe uma pintura específica. (ARYPOTXÊ PATAXÓ, 2015)

ços mais elaborados com a intenção de seduzir outros membros da tribo. Ao analisar as relações presentes dentro da pintura corporal Pataxó e da produção do design gráfico, encontram-se alguns aspectos semelhantes com fundamentos do design. Quando se fala em pele, pode-se entender como plano físico e, dentro de suas artes, encontramos composições formadas por linhas, pontos e formas. Um plano pode ser paralelo à superfície da imagem ou inclinar-se e recuar no espaço. “Um plano pode ser sólido ou perfurado, opaco ou transparente, rugoso ou liso”, menciona Lupton e Phillips. (2006, p. 18) Também é possível notar com muita frequência a presença de simetria em seus desenhos, até mesmo quando a textura de um animal ou sua pelagem é representada. A simetria é considerada como um dos meios de se atingir o equilíbrio dentro de uma composição gráfica. A confecção dos traços e grafismos varia, possuindo assim diversos materiais utilizados que acabam por realçar a beleza de acordo com a pessoa que será pintada.

12.5.1. MATERIAIS UTILIZADOS • Mikaré Mais conhecido como jenipapo, tem como nome científico Genipa americana I., é uma fruta de origem brasileira encontrada na Mata Atlântica. É muito utilizada pelos indígenas para tratamentos de doenças, preparo de bebidas e consumo em festas tradicionais. Através da extração de um líquido, a fruta produz uma tinta preta que pode durar até 15 dias no corpo da pessoa.

Existem também as pinturas corporais que são próprias para cada momento, possuindo assim significados distintos. Os Pataxós do sul da Bahia possuem, dentro da sua cultura e costumes, pinturas particulares para casamentos, luto, cerimônias culturais de suas comunidades e diferentes rituais. As pinturas são feitas no isiké (rosto), agnikatõ (braços), nãikô (costas), apatxahây (pernas) e goirã (barriga), sendo que cada uma delas tem sua representatividade. Existem também pinturas para os kakusú, jokanas e kitokip (homens, mulheres e crianças). Elas possuem, por sua vez, diversidade de tamanho e significado, atuando como meio de comunicação entre os membros das aldeias. Homens e mulheres casadas possuem pinturas menos chamativas, enquanto os solteiros acabam por utilizar adereços e tra-

Figura 43 - Jenipapeiro (árvore do jenipapo). Figura 44 - Fruto do jenipapo. Reprodução: Google Imagens.

• Tawa O Tawa (barro) é utilizado há muito tempo para construções de kijheme (casa) na cultura Pataxó. Com o passar dos anos a utilização deste material acabou por ser ampliada para a arte


da pintura corporal. Atualmente são utilizadas duas cores de barro, juntamente com o jenipapo e o urucum. • Kanarú Possuindo grande valor medicinal, o Kanarú (urucum) tem como nome científico Bixa orellana L. e é uma árvore de pequeno porte originária da América do Sul, muito utilizada na culinária brasileira. Sua fruta em contato com o líquido acaba soltando uma tinta vermelha, utilizada para pinturas corporais nos rituais dos Pataxós.

Figura 45 - Urucuzeiro (árvore do urucum). Figura 46 - Fruto do urucum. Reprodução: Google Imagens.

Já a tinta produzida pelo kanarú (urucum) não possui muitos mistérios, apenas uma técnica de conservação distinta em cada etnia brasileira. Uma das formas é transformar a tinta em uma pasta rígida, com o intuito de aumentar sua duração. Para realizar o processo de pintura, os Pataxós colhem a semente da árvore no exato momento em que vão fazê-lo. O tawa (barro) é um tipo específico utilizado pelos Pataxós, pois não é qualquer barro que possui uma boa fixação na pele. Por este motivo, o tawa é compartilhado entre tribos durante encontros Pataxós, pois sua qualidade varia bastante. Geralmente é recolhido da natureza e usado apenas em ocasiões específicas, sempre misturado com água ao passar na pele. • Mikaré 1º passo: a fabricação da tinta deve ser feita em uma noite escura com a Lua crescente, considerado o melhor momento para trazer mais fixação na pele.

• Tap’óke O Tap’óke (carvão) é muito utilizado pela cultura Pataxó como um fixador de pigmento na pele para a tinta extraída do jenipapo. O modo de preparo do carvão enquanto fixador do jenipapo consiste em lixar o mineral até que se forme um pó. Após este processo, ele é misturado com a tinta do jenipapo, formando assim uma tinta com mais textura, auxiliando a não escorrer pela pele, estragando as demais pinturas corporais. Para a realização de pequenos detalhes, os pintores Pataxó utilizam pincéis e pequenas lascas retiradas da palha do coco para que os grafismos saiam com mais precisão e perfeição.

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Figura 47 - Fase crescente da Lua. Reprodução: Google imagens, 2015.

2º passo: colher o jenipapo ainda verde.

12.5.2. PREPARAÇÃO DA TINTA PATAXÓ

Os Pataxós costumam se guiar pela ãgoho (Lua) para saberem qual o melhor momento de extrair seus materiais da natureza, determinando assim qual atividade será melhor desenvolver em determinado momento, como a pesca, a caça, o plantio e a fabricação das tintas utilizadas nas pinturas corporais. Para a extração do mikaré (jenipapo), por exemplo, o povo possui técnicas e conhecimentos da natureza que os auxiliam na hora do preparo da tinta, processo esse que envolve saber qual a fase exata em que a Lua se encontra, pois ocorrerá uma interferência na qualidade e durabilidade da tinta.

Figura 48 - Jenipapo. Fotografia de Thiago Pataxó, 2015.


3º passo: ralar o jenipapo após sua colheita.

• Kanarú 1º passo: colher o urucum maduro.

Figura 49 - Jenipapo sendo ralado. Fotografia de Vi Tanawara Pataxó, 2015.

4º passo: com uma certa quantidade de jenipapo ralado, basta extrair o líquido com um pano.

Figura 52 - Fruto do urucum. Fotografia tirada do Google Imagens, 2020.

2º passo: remover as sementes e utilizá-las para pintar.

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Figura 50 - Extração da tinta. . 2015 Fotografia de Vi Tanawara Pataxó,

5º passo: tinta pronta para ser utilizada.

Figura 53 - Tinta do urucum. Fotografia tirada do Google Imagens, 2020.

O povo Pataxó também utiliza o barro branco e amarelo, retirados da natureza e armazenados, para realizar suas pinturas, porém em algumas regiões como o extremo sul da Bahia, essas cores não são encontradas. É neste momento que ocorre a troca de pigmentos durante os encontros culturais.

12.5.3. PINTURAS CORPORAIS E SEUS SIGNIFICADOS

Figura 51 - Tinta pronta. Fotografia de Txihi Pataxó, 2015.

As pinturas variam de acordo com a faixa etária, sempre localizadas no rosto, braços e pernas. Nas costas são feitas de livre e espontânea vontade, tanto por quem está pintando, quanto por quem será pintado, a escolha é feita em consenso entre ambos. As crianças possuem pinturas mais simples e menores, porém é regra que elas carreguem em


seus desenhos algum elemento que as identifiquem como pertencentes a etnia Pataxó, este elemento pode ser uma pequena flecha ou três traços no braço – sendo dois menos espessos, intermediados por um maior. O traço mais espesso representa a “Aldeia Mãe”, que é a primeira aldeia daquela tribo Pataxó, e os demais são considerados filhos da “Aldeia Mãe”.

Fazer uma pintura corporal requer muita habilidade e precisão, principalmente quando se fala dos traços característicos presentes nas artes dos solteiros, portanto não era qualquer membro da tribo que realizava tais pinturas. •

Pinturas antigas

Os adultos também carregam estes traços representando as aldeias, mas possuindo alteração entre gênero e estado civil abaixo da pintura do braço, próximo ao pulso. Os jovens solteiros utilizam diversas cores em suas pinturas, junto de adereços chamativos como colares e cintos de sementes que se assemelham aos traços das pinturas. O ancião da aldeia costuma se pintar de maneira mais tradicional, muitas vezes fazendo suas próprias pinturas, sem cores vibrantes e traços muito complexos. A concentração e conexão com a natureza são pontos importantes durante o momento da realização da pintura, para quem pinta e para quem recebe. É considerado pelos Pataxós um momento de paz, harmonia e beleza. Os Pataxós comentam que, apesar de suas pinturas serem presentes nos costumes mais antigos da etnia, muitos acreditam que são artes recentes. Suas pinturas estiveram presentes em momentos marcantes como durante as guerras e rituais, principalmente as que são feitas com tintas vermelhas, proveniente das sementes do urucum.

Figura 54 - As primeiras formas de pintura Pataxó. Fotografia de Txihi Pataxó, 2015.

Pakuyo (homem solteiro) 53

(...) Quando hoje a gente faz uma pintura numa pessoa, em um parente da gente, a gente está buscando revivescência, aquilo que nossos antepassados viveram, seja em momento de guerra, que hoje a gente ‘tá’ em constante ‘aí’, principalmente na questão dos movimentos sociais contra nós indígenas (...). (ARIPÔTXÊ PATAXO, 2015)

A ideia da pintura corporal atualmente é para que seja reverenciado o passado da cultura Pataxó, com o intuito de fortalecer sua identidade cultural. O ato de pintar uns aos outros é carregado de energia espiritual, o qual um membro da aldeia deposita no outro determinada energia ao fazer a arte. (...) Porque, assim, não é uma coisa à toa ‘né’, quando alguém pinta a gente, ali ‘tá’ trazendo na tinta dele essa questão espiritual, então muitas vezes a gente brinca e tudo mais, nesse momento a gente tem que buscar mais, se concentrar ao máximo para essas forças estarem junto da gente, essa forças dos mais velhos, essas forças ‘aí’ do antepassado ‘né’, então acredito bastante nisso, nessas histórias assim. (ARIPÔTXÊ PATAXO, 2015)

Figura 55 - Pakuyo.Fotografia de Txihi Pataxó, 2015

• Pintura de ãko (mulher solteira) A figura 38 apresenta uma das pinturas em que se pode citar a presença de pontos, linhas e simetria, citados acima como elementos dos fundamentos do design. Isso mostra que é possível fazer uma relação entre o processo criativo da comunidade Pataxó de Barra Velha com o processo criativo de produções gráficas.


Pintura de kitok

Figura 56 - Ãko. Figura 57 - Ãko. Fotografia de Ibuí Pataxó, 2015.

Pintura de kakuseka (homem casado)

Figura 60 - Kitok. Fotografia de Thiago Pataxó, 2015.

Pintura de kitok’ihe

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Figura 58 - Kakuseka. Fotografia de TxihiPataxó, 2015. Figura 61 - Kitokʼihe. Fotografia de Thiago Pataxó, 2015.

Pintura de beketxia (mulher casada) •

Figura 59 - Beketxia. Fotografia de Charles Bonfim Braz, 2016.

Pintura de kakussu (costas)

Figura 62 - Exemplo de pintura das costas. Figura 63 - Exemplo de pintura das costas. Fotografia de Txihi Pataxó, 2015.


Braço da jokana (beketxia)

Figura 64 - Exemplo de pintura das costas. Figura 65 - Exemplo de pintura das costas em mulheres. Fotografia de Txihi Pataxó, 2015.

Jokana (costas)

Figura 68 - Diferenças entre as pinturas nos braços das mulheres. Fotografia de Graziane Andrade e Vi Tanawara Pataxó, 2015.

Pintura da onça, do besouro e da borboleta Em seus rituais e momentos de comemoração, é comum que os jovens guerreiros Pataxós homenageiem alguns animais da natureza como o miruã (besouro), a remungãi (onça), o mukusuy (peixe) ou a ipakéy (borboleta). Figura 66 - Exemplo de pintura nas costas de mulheres. Fotografia de Txihi Pataxó, 2015.

Kakuseká braço pakuyo

• Miruã (besouro) Este inseto simboliza força, aquele que não tem medo, responsável por destruir qualquer obstáculo a ser encontrado no caminho. Essa força não permite que o guerreiro desista de suas tarefas cotidianas na aldeia Pataxó.

Figura 69 - Pintura do besouro nas costas. Figura 70 - Besouro. Fotografias de Txihi Pataxó e Thiago Pataxó, 2015.

Figura 67 - Diferenças entre as pinturas nos braços dos homens. Fotografia de Graziane Andrade, 2015.

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• Remungãi (onça) Para o povo Pataxó, a onça representa a protetora da natureza contra os indihi – conseguimos definir melhor? –, ela simboliza a força da caça e camuflagem na floresta. Sua pintura é utilizada em momentos de festividade da aldeia.

Figura 71 - Onça pintada. Figura 72 - Pintura da onça pintada. Fotografias da Internet e do Sandro Pataxó, 2015.

• Ipakéy (borboleta) A borboleta representa a beleza da natureza, muito utilizada nas pinturas feitas em mulheres solteiras, com o intuito de atrair um companheiro.

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Figura 73 - Borboleta. Figura 74 - Pintura de borboleta. Fotografias da Internet e de Graziane Andrade, 2016.

As informações sobre as pinturas Pataxó foram coletadas por uma indígena de uma das aldeias que decidiu documentar e apresentar essas particularidades dentro de sua pesquisa. É de suma importância olharmos para a cultura indígena e vermos que ela possui suas particularidades dentro de etnias, tribos, aldeias e até mesmo dentro de variações cronológicas. Existe a ideia de que as pinturas são feitas apenas para serem belas, ou que são criadas aleatoriamente, porém cada traço carrega uma mensagem, uma importância e em alguns casos até mesmo uma energia específica para determinados momentos. É um costume que vem sendo passado de geração para geração e que possui pessoas

específicas para fazê-lo, pois denota técnica, aprendizado e sensibilidade durante o ato.

12.6. CERÂMICA Os artistas Pataxó chamam de artesanato os adereços (enfeites corporais) e os artefatos mais usados no cotidiano (gamelas e outros objetos de madeira, por exemplo), estes podem ser produzidos com finalidade de ritual ou no âmbito do trabalho de afirmação cultural, como a cerâmica. A cerâmica é considerada como um dos exemplos do reavivamento cultural Pataxó, “inicialmente a população indígena continha mais de 5 milhões de indivíduos e mais de 1.200 línguas, hoje este número diminuiu para 800 mil pessoas com apenas 200 idiomas, esse genocídio culminou na perca de culturas ancestrais”. (DA SILVA, 2020, p.43) Graças a canções e histórias contadas pelos mais velhos, podemos perceber uma ligação religiosa dos Pataxó com a cerâmica e o barro. Cada sociedade indígena tem uma forma de cuidar da terra e de usar seus recursos naturais e, para os Pataxó, o barro se faz uma das mais importantes. O barro é considerado um material sagrado, a história conta que Niamisu (Deus) criou o mundo, ele fez toda a terra e toda a natureza, porém ele precisava de alguém para cuidar de toda essa criação. Certo dia formou-se no céu nuvens de chuva e, assim, o primeiro pingo de chuva que encontrou a terra se tornou barro, dando origem a primeira pessoa que era um indígena chamado Txopai (Deus das Águas). Txopai seria responsável por cuidar de toda a criação de Niamisu, porém indagou que a terra era muito grande e que precisaria de mais indígenas para cuidar dela e, com a chuva, cada pingo de água que caía do céu e tocava a terra se tornava barro, e esse barro se tornava um indígena. Além disso, a retomada da cerâmica Pataxó está cada vez mais fortalecida devido ao discurso de sustentabilidade onde há a troca de madeira pelo barro, pois algumas instituições de conservação os acusam de realizar desmatamento para a produção de artesanato. Em algumas aldeias Pataxó há um espaço chamado “Barreiro”, lugar considerado sagrado, pois é o local onde existe a conexão com seus ancestrais. No Barreiro, indígenas da tribo pegam a argila para todos os rituais e manutenção do seu modo de vida.


A cerâmica historicamente não é um saber compartilhado por todos da aldeia, era uma tradição indígena que só as mulheres dominavam, e todos os segredos ficavam restritos à matriarca da família. Hoje, na busca do reavivamento, os segredos são passados para todos da tribo, em especial para as crianças e tribos como a da Reserva da Jaqueira, que tem Oiti, ceramista da Reserva, que após se destacar no ofício, se tornou representante da nova geração de ceramista e, portanto, promove o trabalho de reafirmação cultural da cerâmica pataxó levando esta prática para todas as aldeias Pataxós.

Figura 75 - Pedra de argila do Barreiro da Reserva Jaqueira. Reprodução: Google Imagens.

O ritual mais importante para a cultura Pataxó é o chamado “Batismo do Barro”, que é totalmente ligado ao mito de criação dos Pataxós. “(...) Uma forma de vivenciarmos os ensinamentos dos nossos ancestrais. Nossos anciões contam que nós viemos do barro e para ele vamos voltar”. (NITYNAWÃ, 2018) O intuito do ritual é escolher o nome do novo membro Pataxó, podendo ser realizado não apenas para as crianças, mas para todos os que têm interesse. “Os guerreiros da aldeia pisam vigorosamente com os pés, amassando até dar liga, depois este barro é passado em nossos corpos. Nossos corpos ficam cobertos com o barro, vamos ao rio nos banhar completando o ritual de purificação na água do rio. Sentimo-nos mais fortes, porque vem a consciência de que viemos do barro, e sem a água também não há vida. O contato da água com o barro em nossos corpos nos fortalece”. (NITYNAWÃ, 2018, p. 27)

No processo da cerâmica, o tratamento da argila é muito importante. Depois da busca do barro, a argila fica descansando na água por vinte dias para a retirada de todo o sal para, depois de secar, ser usada no processo de criação. Esses processos são importantes, pois é nítida a diferença entre argilas prontas para argilas de barreiro: as argilas de barreiro têm uma pigmentação mais natural e pode-se notar pontos brilhantes nas superfícies, já a argila pronta tem o aspecto branco-acinzentado e uniforme. No molde da argila, o processo requer que as mãos estejam sempre úmidas. Um ponto importante do manuseio da cerâmica pataxó é deixar secar naturalmente todo e qualquer trabalho que, nessa etapa, ficam isolados longe do sol para não ocorrer rachaduras. A queima da cerâmica antigamente era realizada em fornos a lenha e com madeiras específicas como a puma, ela sucedia-se durante um mês inteiro para a seca total do barro. Atualmente a Reserva Jaqueira não utiliza mais esse método e realiza a queima em tonéis de alumínio a gás, técnica que foi repassada para os Pataxós por um não-indígena. Neste novo processo se faz necessária a realização de duas queimas: a biscuit, a qual a cerâmica é retirada, pintada e logo em seguida retorna para a segunda queima; E a raku ou craquelê, que tem o intuito de fazer com que a pintura não saia das peças. A seguir, uma descrição do processo de tratamento do barro realizado por Otti:

Figura 76 - Batismo do Barro. Fonte: Kefas Pataxó.

“(...) O barro, a gente vai no barreiro. Pega ele, somente ele seco, ‘né’. Traz ele, quebra ele, pisa ele bem. Pisa, pisa, pisa, pisa. Depois, peneira ele, faz a limpeza e “bota” de molho na água, muita água num balde. Aí vai trocando a água por pelo menos 18 dias a 20 dias. E bota outra nova. Aí quando ‘cê’ ver que assentou na última tirada da água, lá para 18 dias, pega uma lona, forra no chão ou dentro de casa mesmo e derrama aquele que ‘tá’ no balde todo em cima da lona”. (OITI, 2020, p. 123)

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A parte do preparo inicial do barro demora em média um mês, não levando em consideração os processos de finalização e queima. Um passo interessante é o descrito por Otti a seguir:

“Aí deixa ele secando na sombra. Secando secando. Quando ‘cê’ ver que ele tá bem úmido, pega aquela lona, embrulha ele todinho e bate. Pega um pedaço de madeira e começa a bater. Bate, bate, bate até ele dar a liga. Quando ele dá a liga, aí ‘cê’ vê que ele tá pronto”. (OITI, 2020, p. 123)

A pintura é realizada com pigmentos encontrados na natureza e nas terras onde as reservas se encontram. Um diferencial da cultura Pataxó no processo de cerâmica é que eles utilizam cera de abelha e a seiva da raiz do mangue como verniz natural na finalização de suas peças.

do design gráfico, conseguimos enumerar grande quantidade de características. As peças, por serem originadas do barro, levam consigo uma característica única: a textura de cada argila, que varia de acordo com sua composição e queima. Um exemplo de argila texturizada são os incensários de Oiti Pataxó, que passam apenas por um processo de queima, mantendo assim sua granulação e coloração branca. A utilização e a escolha da textura em suas peças estão diretamente ligadas a um dos fundamentos do design citados por Ellen Lupton:

“A qualidade física que resulta dos atos de recortar, queimar, marcar e extrair, repetidamente, cria superfícies de texturas concretas com forte apelo”. (2006, Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, p. 54)

As texturas presentes nas peças não são unicamente do barro, são também geradas através de grafismos, como apresentado na figura x. “Unidades elementares, mas nós a chamaremos de pontos, faixas e grids. De fato, o design de padronagens consiste justamente na criação dessa textura maior, ele é composto de organismos individuais espetaculares que contribuem para todo o sistema”. (LUPTON, 2006)

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Figura 77 - Incensário tradicional. Reprodução: Google Imagens.

Os Pataxós nunca deixaram de usar o barro, em todas as aldeias é possível encontrar barro em suas casas como em fornos, utensílios domésticos e brinquedos para as crianças. Esse processo de afirmação cultural dos Pataxós trouxe enorme visibilidade para suas causas e para sua cerâmica. Os indígenas Pataxó da Reserva de Jaqueira tiveram um grande fortalecimento internacional quando suas peças de cerâmica participaram da exposição “Cerâmica Pataxó em Quatro Elementos”, que aconteceu em Milão, no Instituto Brasil-Itália. Este projeto iniciou na Funarte (Fundação Nacional das Artes) através do prêmio “Interações Estéticas em Pontos de Cultura”, que viabilizou a afirmação cultural da cerâmica pataxó. Fazendo uma análise do processo artesanal de peças de cerâmica Pataxó para os fundamentos

Figura 78 - Incensário tradicional. Reprodução: Google Imagens.

Figura 79- Representação de padronagem Pataxó Reprodução: Arquivo pessoal.


Outra característica nítida nas peças é o equilíbrio e simetria gerado através de suas linhas, tanto horizontais, quanto verticais e diagonais. As peças Pataxó trazem consigo um equilíbrio simétrico, que podemos ver no esboço dos medalhões de cerâmica. “A simetria pode ser da esquerda para a direita, de cima para baixo, ou ambas. Muitos organismos naturais têm forma simétrica. O mesmo peso para braços e pernas ajuda a garantir a mobilidade estável de uma criatura; Uma árvore desenvolve uma distribuição equivalente de peso em torno de seu centro a fim de manter-se ereta; E os braços de uma estrela-do-mar irradiam-se a partir do centro”. (2006, Ellen Lupton e Jennifer Cole Phillips, p. 28)

As tintas podem ser definidas como uma mistura estável de base sólida, onde usualmente se é utilizada a resina, formando uma película protetora que irá se aderir à superfície a qual a tinta será aplicada, fazendo o papel de “cola” entre produto e material, e a mistura volátil – composta geralmente por um solvente orgânico ou água que tem a função de facilitar a aplicação da tinta, reduzindo sua viscosidade. A combinação destes dois elementos determina se a tinta será acrílica ou látex, por exemplo, e em que superfícies ela poderá ser aplicada. Após a definição de sua base sólida e mistura volátil, as demais matérias-primas a serem adicionadas são os pigmentos – responsáveis por dar cor à tinta –, as cargas caracterizadas por minerais industriais utilizadas em produção de tintas do tipo látex servem para melhorar algumas propriedades da tinta e seus aditivos componentes, que irão trazer uma propriedade específica de cada fabricante para o produto final.

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Figura 80 – Medalhões de cerâmica Pataxó. Fonte: arquivo pessoal de Alicia Arauja da Silva Costa (2019).

Para que seja feita a criação das peças de barro é necessário que o indígena tenha um conhecimento prévio dos grafismos mais utilizados pela sua etnia, como cita Oiti: “o grafismo enquanto desenho indígena é colhido pelo barro”. Com o conhecimento destes grafismos, o artista pode replicá-los tanto em peças de cerâmica e adereços, quanto em pinturas corporais.

12.7. PRODUÇÃO DE TINTAS INDUSTRIAIS Assim como as tintas utilizadas pelos indígenas para fazer suas pinturas corporais e seus adereços, as tintas industriais comumente usadas em nosso dia a dia passam por um processo de produção elaborado por etapas. Neste capítulo será abordado como é feita a produção da tinta de forma genérica, podendo ser aplicada para pintura de casas, automóveis, quadros e serigrafias.

Figura 81 - Etapas da produção de tintas industriais. Reprodução: Propeq.

• Pré-mistura Nesta primeira etapa, toda a matéria-prima é adicionada a um tanque com agitação constante por tempo determinado, a fim de dar origem a um produto homogêneo. • Moagem O produto formulado na etapa anterior passa por um moinho, que pode ser horizontal ou vertical, para provocar sua dispersão, onde algumas matérias-primas, como os pigmentos e as cargas, acabam se aglomerando. Esta operação tem como função realizar uma dispersão maximizada e estabilizada, fazendo com que o produto final apresente propriedades importantes como o poder de cobertura da tinta e a tonalidade de sua cor. • Completagem Durante esta operação são feitos acertos finais da tinta para que ela apresente os aspectos de-


sejados pelo seu produtor, como viscosidade, cor e teor de sólidos. Em um tanque são adicionados o produto de dispersão e outros componentes da tinta necessários para a realização do ajuste adequado. • Controle de qualidade Etapa responsável pela verificação do produto para garantir que o mesmo está pronto para o envase. • Filtração Neste procedimento, uma centrífuga retira as partículas indesejadas do produto final. • Envase Etapa ao qual a tinta é passada para a sua embalagem final.

12.8. ARTE CONTEMPORÂNEA

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É entendido que muito dos conhecimentos que se tem referente ao design é por conta de diversas referências europeias e norte-americanas que aterrissam no Brasil desde o início do século XX, momento em que existe um grande desafio dentro da história do design brasileiro, uma vez que esta era a época em que se iniciava um processo de indústria como agente de desenvolvimento econômico, com a arte sendo aplicada para gerar lucro. Surgem então duas tendências: uma composta por trabalhos baseados nos contextos europeus; E outra possuindo diversos elementos brasileiros, porém sem consciência desses elementos. Entre meados de 1960 e 1970, o Brasil encontrava-se estagnado em suas tecnologias e industrialização de forma proposital, para que continuasse atrasado com o intuito de ainda ser dependente da Europa, permanecendo um país de iminência agrícola. Com isso, muitos dos elementos que poderiam ser explorados para criar uma identidade do design com características brasileiras ficaram de lado. A ideia de ter novas tecnologias influenciou diretamente o campo do design, trazendo a importação de projetos de matrizes estrangeiras, o que fez com que o Brasil ficasse à mercê de informações e criações externas para conclusão de projetos. A arte contemporânea é conhecida dentro do design norte-americano e europeu por sua enorme variedade de artistas. Na década de 60, essa

vertente ganhou ainda mais força e muitos estudos foram registrados. Com diversas influências de métodos artísticos, podemos citar dentre os designers e artistas brasileiros mais conhecidos: Tarsila do Amaral, Tunga, Anita Malfatti, Portinari, entre outros, tendo uma lista extensa de inspiração educacional e artística. Esta vertente tende a recriar o mundo, o tempo e a realidade na qual atualmente se vive. A cena contemporânea entra no mercado das novas mídias, tecnologias e aspectos sociais, se aliando a visões políticas de pretos, mulheres, LGBT+, entre outros, e ganha visibilidade dentro do modernismo abrindo-se à experiências culturais díspares, que trazem como tema uma realidade urbana, da natureza e das coisas do mundo, ligadas a quadros, danças, teatro, esculturas, músicas, literaturas e mais. No cenário brasileiro, as bienais ajudam a mapear as diversas soluções e propostas disponíveis nos últimos anos. Mas e os artistas indígenas? Quantos designers sabem citar artistas de aldeias? É difícil conhecer designers e artistas que sabem citar ou lembram-se da representatividade dentro do meio acadêmico/artístico que envolva indígenas ou até mesmo pretos. Observando este deslize cometido por todos nós ao longo dos anos, viemos buscar análises para trazer à tona alguns artistas indígenas no meio da contemporaneidade.

“(...) O conceito de produto vernacular ou autóctone disseminado mediante o conceito de tecnologia alternativa já existia no Brasil, antes mesmo dos ideais dos ecologistas”. (Cruz, Paula. Design Bbrasileiro: Antecedentes Históricos. São Paulo. ,Editora Unesp,. 2010)

Autóctone significa “que ou quem é natural do país ou da região em que habita ou descende das raças que ali sempre viveram; Aborígene, indígena”. Logo, percebe-se que traços mais soltos, manuais e quase que sem regras para criação ou utilização sempre foi uma vertente brasileira observada no design, tanto é que, as tipografias vernaculares são bem comuns e regionais em todo o país, consideradas um processo de design tanto quanto a criação de tipografias com medidas e espaçamentos feitos a base de régua e regras. A cultura originária brasileira, rica em cores, festividades, imperfeições e misto de cultura latina, quase não é percebida em suas peças nacionais quando se olha na amplitude do design.


Percebe-se dentro dessas características da arte indígena Pataxó diversos processos de pintura e criação de adereços que têm passo a passo muito parecido com o que se faz para a preparação de tintas, estampas, criação de peças de roupas, entre outros. Durante esta pesquisa, é detalhado como funciona o processo de criação da tinta de jenipapo e sua extração após a colheita. O jenipapo é ralado e coado para o processo final da tinta. Assim como a produção da tinta indígena, a tinta industrial também passa por etapas, que consistem em pré-mistura, moagem, completagem, controle de qualidade e filtragem para remoção das partículas que não são necessárias para o envase da tinta. Tapurumã Pataxó, artista contemporâneo de Trancoso, Bahia, explica em uma entrevista para o jornal “Metrópoles” que “Pa Ta Xó” significa “barulho do mar” e seu nome indígena significa “jovem guerreiro”. Sua arte percorre junto com seus costumes, saberes e cultura com grafismos representativos registrados pelo olhar deste artista. São desenvolvidos acessórios, bolsas, quadros, almofadas, móveis, entre outras variedades, dependendo do que é encomendado. Muito de seu aprendizado vem desde os seus três anos de idade quando já pintava e decorava diretamente com tinta de jenipapo, um pimento forte com duração de até dez dias na pele, possuindo uma cor densa. Chegou a dar oficinas para crianças, participou de festivais de saberes indígenas e ensinava sobre a arte tribal. Tapurumã comenta que sua inspiração vem do Auê – amor, união e espiritualidade – e junto com essa abrangência a natureza o inspira junto. Cada detalhe é observado e é transmitido em suas artes, seja detalhes percebidos em diferentes animais da floresta ou plantas. Tudo é absorvido e serve de inspiração. De tempos em tempos, passa um período em sua casa para se reconectar com sua essência e se inspirar. Quando retorna a Trancoso, se sente melhor e pronto para voltar a trabalhar. É possível notar que cada grafismo possui uma característica única de padronagem. Cada arte que o Tapurumã produz é uma peça singular e presente na arte indígena. Tapurumã é conhecido como o melhor de sua tribo nas pinturas corporais. Este trabalho junto com uma loja começou apenas com um pequeno projeto de “almofadas” e depois nunca mais parou. Desde então trabalham juntos e sua arte é consumida e valorizada. Todo esse processo de produção industrial tem características das produções manuais que os

Figura 82 - Arte Pataxó, Tapurumã Pataxó, Cargo Collective. Figura 83 - Arte Pataxó, Tapurumã Pataxó, Cargo Collective. Reprodução: Google Imagens.

próprios indígenas fazem no dia a dia e em ocasiões nas quais são necessárias. No processo de estamparia, por exemplo, temos a “raporização”, mais conhecida como rapport, que consiste em ligar as estampas para formar um padrão de aplicação na superfície desejada, seja cerâmica, tecidos, telas, entre outras. O rapport no design replica um módulo várias vezes até ficar em perfeito encaixe, ou até criar um padrão sem emendas. Tem diversas combinações possíveis e alguns termos conhecidos em inglês por “Seamless Tile”. No padrão “Allover” as figuras são mais espalhadas e podem estar em posições repetidas, de cabeça para cima ou para baixo, de forma menos alinhada. Em vista do que o rapport pode fazer dentro da estamparia, um módulo simples refletido em células te dá possibilidades diversas para criação, por exemplo:


Figura 84 - Modelo de estampa em labirinto. Reprodução: Metapix/©2014. Lula Rocha. Licença CC.

Esse padrão também é visto na arte contemporânea do Tapurumã Pataxó, na qual usa as estampas criadas em quadros, bolsas, roupas e acessórios. Toda sua criatividade vem com as inspirações da sua aldeia e natureza.

Uma exposição que mostra bastante o contraste no mercado artístico de diversos indígenas na arte contemporânea é a exposição “¡Mira! Artes Visuais Contemporâneas dos Povos Indígenas”, que foi uma exposição realizada nos meses de junho a agosto de 2013, em Belo Horizonte, se expandindo para outros estados do Brasil e países da América do Sul. O espaço contava com um acervo de 75 artistas indígenas com mais de 300 obras, trazendo um contexto com formas poéticas e com questionamentos interculturais. Levando para outros países e estados o contexto de obras de povos originários e resgatando através da arte a diversidade étnica e de cultura, com a perspectiva de povos indígenas, sem tentar padronizar ou deixar homogênea. Todas as obras trazem esse questionamento referente à sociedade, ao ser humano e a relação de poder com a terra, como conta Paola Amaral Tavares em seu artigo “Artes Visuais Indígenas Contemporâneas do Brasil”. Em meio a essa exposição, encontramos a participação de uma artista conhecida entre a arte contemporânea indígena pataxó: Arissana Pataxó.

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Figura 85 - Arte Pataxó. Tapurumã Pataxó. Cargo Collective. Reprodução: Google Imagens.

A proximidade dos processos que estão dentro da história do design como mais industrializado, quase que mecânico, com o passo a passo para chegar na fase final, também faz um paralelo com as etnias indígenas. Muito do que se vê hoje na arte tem seu caráter eurocêntrico, não há uma inclusão dos elementos locais. Essa não visibilidade se dá por um viés elitista dentro do sistema artístico. Toda essa cultura tem uma base de complexidade, mostrando suas expressões e emoções através do visual, contando histórias de lutas de formas provocativas e, até mesmo, de denúncia, assim como escreve Maria Inês de Almeida, autora do livro “Desocidentada”: A proposta que os artistas indígenas estão fazendo, ao mostrar sua arte, é de que seja possível experimentar a admiração com o olhar da inteligência, não do logos grego. Mirar e entrar nas imagens, ou melhor, transformar-­se com elas, ou nelas, é o convite da arte visual contemporânea dos povos indígenas. (ALMEIDA, 2013)

Arissana concorreu ao prêmio PIPA em 2016, ganhando em 2ª lugar na colocação online pela exposição individual “Sob o Olhar Pataxó”. Antes de comentar sobre os seus trabalhos, faremos uma breve contextualização sobre quem é essa artista. Quando criança, sempre desenhou na areia e utilizava todos os tipos de materiais para pintar, entre tintas, caneta, argila, papel, entre outros, além de pintar panos de prato com sua mãe enquanto seu pai esculpia animais em madeira, tendo referência seus familiares dentro do âmbito da arte. Viveu até seus 16 anos próxima ao rio e depois se mudou para Pataxó de Coroa Vermelha, em Santa Cruz Cabrália, Bahia. Enfrentou frases preconceituosas quando entrou no curso de Artes Plásticas na Universidade Federal da Bahia (UFBA), seguido de “Ah, você não é índia. Você é educada e tem etiqueta”, “índio não frequenta shopping”, “índio não tem sobrancelha e só existe na Amazônia” – como conta na entrevista para a Revista Cláudia, em 2016. “Cada pessoa tem um índio fictício na cabeça. Essa imagem é construída pelos livros de literatura, pelas escolas, pela mídia. Mas nós somos um povo que vive na floresta e na cidade. É uma diversidade muito grande. É um erro considerar que índio é tudo igual. Disseram que eu não era índia por ser educada e ter etiqueta”, entrevista para a Revista Cláudia, 2016.


Hoje, desenvolve produções artísticas abordando diversas técnicas com temáticas indígenas e utiliza a arte contemporânea para isso. Já produziu oficinas de conteúdos didáticos, é mestra em Estudos Étnicos e Africanos, participou do “I Salão de Arte Indígena na Bahia”, da Mostra de Cinema em Ouro Preto, e compôs a exposição coletiva “Pimeässä en ole neliraajainen” (No Escuro Eu Não Tenho Quatro Membros), no Centro de Trøndelag, para Arte Contemporânea de Trondheim, na Noruega. Realizou a exposição “Resistência”, que trouxe uma série de pinturas de grafismos à figura humana e remete à diversidade dos povos indígenas, bem como sua resistência em “solo brasileiro”. Ministra aulas de arte e Patxohã (“Língua de Guerreiro”, idioma Pataxó) no Colégio Estadual Indígena de Coroa Vermelha, e o curso de formação de professores indígenas no mesmo local.

A obra “Mikay” – significa “pedra que corta” – faz esse questionamento de como o indígena é visto pelo ocidente. Feita em cerâmica com a frase “O que é ser índio pra você?”, traz a representatividade dos povos indígenas com o contato com o ocidental, remetendo aos estereótipos e preconceitos reproduzidos pelas escolas, mídias, livros e sites, quase que um senso comum de como se todos os povos indígenas fossem a mesma coisa. Quando somos crianças, é nos ensinado que fazer pintura no rosto, vestir um cocar e se fantasiar de “índio” é bonitinho, mas isso é apenas reproduzir os estereótipos que todos os povos acabam sofrendo. É necessário que no ensino seja incluída a diversidade étnica e cultural que existe em nosso país, produzida pelos povos originários. Um percurso longo, mas que vemos as etnias nesta caminhada para conscientização dentro da sociedade através de estudos e artes contemporâneas. Dentro da arte de Arissana, percebemos todo o contexto visual chamado de “técnicas contemporâneas do não-índio”, referindo-se a pintura sobre tela com tinta a óleo/acrílica, e sente que só desta forma é considerada para os ocidentais como artista, como comenta no vídeo introdutório no prêmio PIPA. Para ela, seu papel é atingir o público fora de sua aldeia – na qual já faz alguns trabalhos educacionais de arte – e levar a visão desmistificada do “índio” para a população brasileira através de suas obras, conhecendo a história do povo Pataxó através de um olhar diferente para a cultura, os costumes e sua diversidade étnica.

Figura 86 - Sem título, 2009, acrílica sobre tela, 80x80cm. Obra da exposição “Sob o Olhar Pataxó”, no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA em Salvador, Bahia.

Figura 87 - “Mikay”, 2009, escultura de cerâmica, 60cm. Obra da exposição “Sob o Olhar Pataxó” realizada no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA em Salvador, Bahia.

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ESTUDOS DE CASO

E PROJETOS DE REFERÊNCIA

Para que esta pesquisa fosse traduzida de forma gráfica e visual, foram feitos estudos de projetos já existentes e que condizem com aquilo que seria apresentado. Todos os trabalhos escolhidos como referência trazem em sua composição a presença de uma paleta cromática diversa, junto da cultura indígena sendo esta brasileira ou não.


• Casa Yandara A Casa Yandara é um espaço colaborativo de acolhimento da primeira infância, que coloca a criança como protagonista do seu próprio desenvolvimento por meio do livre brincar e do resgate de sua natureza.

Figura 88 - Logotipo da Casa Yandara. Imagem retirada do projeto no Behance.

Utilizada como referência para a criação da identidade visual da Casa Origem, ela traz em sua identidade muitas cores, elementos da natureza como as folhas e um logo que nos remete aos trançados indígenas.

Figura 91 - Material gráfico do projeto Anaê, Desfrute o Brasil. Imagem retirada do projeto no Behance.

Em seu material gráfico encontramos um pattern feito com a palavra “Anaê” escrita com diversas tipografias, inspiração utilizada em alguns dos materiais da Casa Origem que apresentam uma textura formada por diversas palavras. • Orígenes Orígenes é uma ONG colombiana que busca reconectar as pessoas e fortalecer o tecido social por meio de sua cultura, educação e sustentabilidade.

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Figura 89 - Grafismos e ilustrações da Casa Yandara. Imagem retirada do projeto no Behance.

• Anaê - Desfrute o Brasil O projeto Anaê tem como objetivo criar uma identidade visual do produto “jarra de abacaxi” que transmita sentimento para o cliente, mostrando sua essência festiva, divertida, chamativa e carinhosa, de forma a trazer lembranças boas à sua memória e a se tornar objeto de desejo por outros turistas por representar o Brasil.

Figura 92 - Logotipo do projeto Orígenes. Imagem retirada do projeto no Behance.

O projeto Orígenes usa em suas fotografias intervenções digitais, junto de um filtro aplicado por cima da imagem. Tais características foram utilizadas para compor alguns materiais de divulgação da Casa Origem.

Figura 90 - Logotipo do projeto Anaê, Desfrute o Brasil. Imagem retirada do projeto no Behance.

Seu logo apresenta uma tipografia vernacular, utilizada como base para a criação do logotipo da Casa Origem.

Figura 93 - Imagem de reprodução do projeto Orígenes. Imagem retirada do projeto no Behance.


RAFES E ESTUDOS

Para o estudo do grafismo, foi utilizado tinta guache em folhas verdadeiras que geraram uma textura quando aplicadas no papel após serem pintadas. Junto delas foram utilizados galhos para fazer traços com linhas sinuosas.


Os testes foram realizados com cores quentes e de tons terrosos, para que fosse possível ter uma melhor visualização já com as cores da paleta cromática escolhida.

Figura 94 - Estudo de grafismos com guache, folhas e gravetos. Fotografia autoral.

Foi proposto um espaço que chamaria Casa Origem a fim de promover projetos sociais e culturais periódicos, de modo colaborativo junto a intelectuais dos temas trazidos, sendo o primeiro deles a fomentação da arte indígena e a relação com produções gráficas no design, tendo foco em três etnias indígenas. O logo foi feito com estudos baseados em tipografias vernaculares. A ideia inicial era que ele possuísse traços descontraídos e modernos, sem fugir das características vernaculares, presentes nas tipografias brasileiras. Dentro dos estudos foi analisada também a possibilidade de, através do conceito da Gestalt, trazer ao logotipo alguma forma semelhante a uma oca.

Figura 95 - Estudo do logotipo da Casa Origem. Fotografia autoral.

Os materiais que seriam utilizados para divulgação e promoção da casa eram zines, cartilhas, folders e cartazes lambe-lambes com apoio de redes sociais. Após apresentadas as propostas, foram feitas alterações tanto na identidade visual do projeto, quanto na pesquisa.

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14.1. CASA ORIGEM Como citado no início da pesquisa, a Casa Origem tem o objetivo de promover projetos sociais e culturais para disseminação de informações corretas, de maneira gráfica, sobre a cultura indígena e como projeto inicial irá trazer uma ocupação da cultura Pataxó. O lucro gerado pela Casa, a partir de eventos, palestras, oficinas, venda de zines, cartilhas, entre outros, será revertido à Organizações Não Governamentais (ONGs), Associações e Grupos Indígenas. Valores destinados exclusivamente a manutenção da Casa e suas produções serão feitos a partir de financiamentos coletivos em plataformas digitais, como Catarse.me e Benfeitoria.com, com metas flexíveis e acessíveis. Após todos os estudos, testes e aplicações realizadas, a identidade do projeto se dividiu em duas: uma para a Casa Origem e outra para a ocupação Pataxó.

FACHADA / AMBIENTAÇÃO EXTERNA Ficha técnica: Adesivo vinílico de diversos tamanhos ou pintura. Sobre o material: As peças da ambientação serão feitas com pinturas ou adesivagem de paredes e trarão a identidade da Casa e do evento de maneira artística e visual. Estarão dispostas tanto dentro quanto fora e nos arredores da área externa da Casa.

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Figura 96 - Fachada da Casa Origem. Figura 97 - Área externa da Casa Origem.


CARTAZ DE INAUGURAÇÃO Ficha técnica: Papel jornal ou papel A3 adaptável 1:0. Sobre o material: Como a própria peça diz, o cartaz de inauguração traz informações sobre local e data de abertura da Casa Origem e pode ser encontrado em muros, painéis informativos em pontos de ônibus, postes, estabelecimentos próximos e espaços de arte e cultura. Figura 98 - Cartaz de inauguração.

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MATERIAL IMPRESSO DA CASA Ficha técnica: Papel reciclado, 15x45cm (aberto), 15x15cm (fechado), tri-fold square com 6 páginas, 1:1, P/B. Sobre o material: Material impresso abordando a história e proposta da Casa Origem como espaço de discussão sobre a cultura originária indígena e fundamentos do design gráfico brasileiro. Este material funcionará como apresentação e estará sempre presente na Casa, podendo ser adquirido gratuitamente na entrada ou saída do espaço.

Figura 99 - Material impresso da Casa Origem.


MARCA-PÁGINAS Ficha técnica: Papel reciclado 350g, 18x4,5cm 4:1. Sobre o material: Os marca-páginas serão peças gratuitas com diversas estampas em sua frente e com endereço/contato da Casa em seu verso. Podem acompanhar ou não as publicações, sendo distribuídos na entrada ou saída dos eventos. As artes variam de acordo com a ocupação recebida, onde apenas duas serão padrões: as que portarão o logo “Casa Origem” como textura, em negativo e positivo.

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Figura 100 - Modelos de marca-páginas.

REDE SOCIAIS Plataformas: Intragram, Facebook, Whatsapp e Telegram. As redes-sociais e aplicativos de contato funcionarão como espaço de engajamento, contato e divulgação da Casa e ocupações. Além de facilitar o alcance de públicos com várias faixas etárias, as redes contarão com posts, stories, vídeos, lives, eventos e mais. Figura 101 - Redes sociais da Casa Origem.


SITE O site contará com a história da Casa, suas propostas, apresentações e suas ocupações, sendo uma espécie de arquivo para todos os eventos já recebidos, além de fazer interação com os meios de contato e redes da Casa. Figura 102 - Site Casa Origem.

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OCUPAÇÃO PATAXÓ


CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DA OCUPAÇÃO Ficha técnica: Papel jornal, A3, 4x4. Sobre o material: Estes cartazes apresentarão a data do início da Ocupação Pataxó e estarão dispostos nos arredores do bairro onde a Casa Origem se localiza e até mesmo dentro da casa quando houverem outros eventos ou ocupações acontecendo.

Figura 103 - Cartazes de dvulgação da ocupação vigente.

CARTAZ DE DIVULGAÇÃO DOS ARTISTAS Ficha técnica: Papel jornal, A3 (unidade), A1 (conjunto de 4 pôsteres) 4x1 Sobre o material: Os cartazes de exposição e oficina trarão a divulgação de artistas, eventos, oficinas e exposições da Casa com breve informações sobre dia, horário e local. Serão dispostos em um conjunto de quatro peças, que podem ser usadas juntas ou individualmente. Cada evento contará com um conjunto que será colado em muros, painéis informativos em pontos de ônibus, postes, estabelecimentos locais e espaços de arte e cultura.

Figura 104 - Cartazes de dvulgação dos artistas.

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MATERIAL IMPRESSO SOBRE O ARTISTA Ficha técnica: papel reciclado, 10x30cm (aberto), 10x10cm (fechado), tira/sanfona com 6 páginas, 4:4. Sobre o material: três edições, sendo uma para cada artista (Janaron, Arissana e Tapurumã) contando e mostrando brevemente a história e produção de cada um. Estarão disponíveis gratuitamente no mês referente ao qual o artista estará presente na Casa. Podem ser pegos tanto na saída como na entrada dos eventos daquele mês.

Figura 105 - Material impresso sobre o artista.

PROGRAMAÇÃO / PÔSTER Ficha técnica: Papel reciclado, A3 (aberto),A6 (fechado), 4:4. Sobre o material: A programação dos eventos que a Casa receberá será disposta, na frente, em uma folha de papel reciclado A3, que contará com um poster do evento/mês em seu verso. O conteúdo muda de acordo com o artista do mês e poderá ser adquirido na entrada da Casa gratuitamente.

Figura 106 - Promgração / Pôster.


AMBIENTAÇÃO INTERNA Ficha técnica: Adesivo vinílico de diversos tamanhos e tinta de parede. Sobre o material: Informativos e graifsmos que estarão dispostos internamente na Casa, trazendo informações sobre a ocupação e as obras expostas, além de um painel especial com a linha do tempo da história do design gráfico brasileiro.

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Figura 107 - Linha do tempo. Figura 108 - Ambientação inerna da casa. Figura 109 - Ambientação inerna da casa.


PUBLICAÇÃO ORÍGINAVOZ Com o intuito de apresentar esta pesquisa de forma visual e gráfica, a coletânea promove a reflexão dos que visitam a Casa Origem trazendo informações sobre os processos de produção da pintura corporal Pataxó, cerâmica, confecção de adereços e a presença na arte contemporânea brasileira.


PUBLICAÇÕES Ficha técnica: Papel reciclado e vegetal, 20x20cm, encadernação hot melt, 4x4, 24 folhas no máximo. Sobre o material: Conjunto de 4 publicações mensais que trarão conteúdo de maneira visual sobre cerâmica, pintura corporal, adereços e arte contemporânea Pataxó, e relacionarão suas produções com os fundamentos do design gráfico. A tiragem de cada edição será limitada e para adquiri-las é necessário comprar na Casa.

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Figura 110 - Publicação Oríginavoz. Figura 111 - Publicação Oríginavoz.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa tem como proposta refletir sobre a lacuna existente quando se busca referências indígenas dentro da história do design gráfico brasileiro. Nesta, povos originários não são referenciados ou citados e, quando são, a retratação é de pessoas não-indígenas através de uma visão estrangeira, estereotipada e racista.


Por conta do processo de invasão e genocídio que o Brasil, território indígena, sofreu durante seu “descobrimento”, houve uma sobreposição de culturas. Como cita Chico Homem de Melo, “a trajetória do design produzido no país é marcada pela forte presença de estrangeiros”. História e produções indígenas foram excluídas do contexto e os mesmos tiveram suas artes tratadas como exóticas e julgadas “como se pertencessem à ordem estática de um Éden perdido”. (VIDAL, 2000, p. 13) A pesquisa discorre com detalhes a produção artística da etnia Pataxó, povo com grande presença nos meios artísticos, comunicativos e forte histórico de resistência dentro do meio indígena em frentes ativistas. Focando na cerâmica, adereços, pintura corporal e arte contemporânea, foi analisado seus processos criativos, materiais e até mesmo grafismos nos quais encontram-se diversas semelhanças em suas artes com fundamentos e metodologias do design gráfico. Reconhecendo tais relações, surgiu o questionamento: “Por que a produção indígena não é apresentada como referência histórica do design gráfico brasileiro?”. Assim como as produções gráficas, os Pataxós usam suas artes para passar mensagens de forma visual, externalizando conceitos importantes como a força, a identificação de pessoas dentro da sua comunidade, representação e significado de cores dentro da sua cultura, entre outros. Sendo assim, a Casa Origem se faz necessária como uma idealização de futuros espaços para debates conscientes sobre os questionamentos levantados nesta pesquisa, promovendo discussões e reflexões dentro do campo do design gráfico e arte contemporânea, junto da presença de artistas e designers indígenas que trariam suas produções e pautas sobre a vivência. Por meio desta, conclui-se que é necessário continuar o debate sobre a ausência da produção indígena como referência dentro da história do design gráfico brasileiro, onde o objetivo é desmistificar a estereotipação das etnias presentes desde o Brasil colonial, reconhecer a produção indígena contemporânea como relevante e não apenas um “material de estudo exótico” e reforçar a resistência do povo originário.

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18. NOTAS FINAIS Buril: O buril é uma ferramenta composta por uma barra de aço/metal temperada prismática ou cilíndrica, onde sua ponta cortante é usada para entalhar metal ou madeira à contra fibra (madeira de topo), sem deixar rebarbas.

1

2

Führer, do alemão “líder”.

Anteriormente, o termo “design gráfico” não era utilizado e sim usava-se “desenho industrial”. 3

Daiara Tukano (@daiaratukano, no instagram) da etnia Tukano, localizada no Alto do Rio Negro, Amazonas Brasileira – é artista plástica, ativista, educadora e comunicadora, possui mestrado em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB) e é coordenadora da primeira web-rádio indígena do Brasil, a Rádio Yandê.

4

Daiara Tukano para Estúdio ANPAP 2020 Dispersões, na live “Percurso e Deriva na Arte Indígena Contemporânea”. 5

Dados atualizados de 2017. LOPES, Sirleide Batista. Kwãnuk: História e Metodologia de Ensino da Língua Patxôhã do Povo Pataxó. 6

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7

Palavra em patxohã que refere-se à “casa”.

8

Cesto pequeno feito de cipó.

Também conhecido com caçuá, usado sobre algum animal (jegue ou cavalo) para fazer transporte de cargas.

9

O tucum é uma palmeira, da qual os Pataxó extraíam da palha uma fibra que ao ser tecida, transformava-se em resistentes cordas.

10

Arco de madeira envergado por duas cordas que unidas possuem no centro um apoio para colocar pelotas para serem lançadas na hora da caça. 11

Espécie de suporte/bolsa usada para colocar armas de fogo. 12

Árvore Biriba, presente na Amazônia ocidental/ Mata Atlântica de Pernambuco ao Espírito Santo.

13

Palmeira presente no bioma caatinga, costa leste do Brasil.

14

Jogos Indígenas Nacionais, evento esportivo e cultural que reúne etnias brasileiras e internacionais, originado dos Jogos Nacionais dos Povos Indígenas, criados em 1996 por meio de uma iniciativa do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), Ministério do Esporte e Governo do Brasil (2015).

15

16

Palavra em patxohã usada para tanga ou roupa.

Palmeira que cresce formando uma grande moita de forma densa, estão presentes na Mata Atlântica do sul da Bahia até o Rio Grande do Sul.

17

Ferramenta de cabo curto, usada para desbastar madeira.

18

Juerana, espécie florestal nativa da região Amazônica, do Cerrado e da Mata Atlântica, conhecida como jaguarana (região Amazônica), juerana branca ou cambuí preto.

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19. REFERÊNCIAS 1. BOMFIM, Anari Braz. PATXOHÃ, “LÍNGUA DE GUERREIRO”: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE RETOMADA DA LÍNGUA PATAXÓ. UFBA, Salvador, out./2012. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/23957>. Acesso em: 12 out. 2020. 2. COSTA, A. A. D. S. Tecendo O Viver Sossegado: As Artes De Resistência Da Reserva Pataxó Da Jaqueira. UFSB, Bahia, fev./2020. Disponível em: <https://www. google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&c d = &ved = 2ahUKEwiA3NL75PjsAhVhDrkGHeW VAeYQFjABegQIA x AC&url=https%3A%2F%2Fsig.ufsb.edu. br%2Fsigaa%2FverArquivo%3FidArquivo%3D417512%26key%3Dbd5b1b4fc653492cf81efa0a4d92dc13&usg=AOvVaw2on5xDJuS0yR3feGRnAuGj>. Acesso em: 5 set. 2020. 3. CUNHA, R. C. S. O FOGO DE 51: REMINISCÊNCIAS PATAXÓ. UNEB, Bahia, out./2010. Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/354467892/O-FOGO-DE-51-REMINISCENCIAS-PATAXO>. Acesso em: 5 set. 2020.

13. VICENTE do Rego Monteiro. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa8953/vicente-do-rego-monteiro>. Acesso em: 25 abr. 2021. 14. ARTE INDÍGENA de Victor Brecheret. Dia a Dia Educação. São Paulo: Secretaria da Educação, 2021. Disponível em: <http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article. php?storyid=95>. Acesso em: 25 abr. 2021. 15. ARTE INDÍGENA de Victor Brecheret. Dia a Dia Educação. São Paulo: Secretaria da Educação, 2021. Disponível em: <http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/noticias/article. php?storyid=95>. Acesso em: 25 abr. 2021. 16. IMPRESSÃO Régia. Memória da Administração Pública Brasileira. São Paulo: Arquivo Nacional MAPA, 2021. Disponível em: <http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-periodo-colonial/204-impressao-regia>. Acesso em: 25 de Abr. 2021. 17. MELATTI, J. C. A etnologia das populações indígenas do Brasil nas Duas últimas décadas. Anuário Antropológico, 5(1), 253-275. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/serv let/articulo?codigo=7365752>. Acesso em: 12 de set. 2020.

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