A Cidade Moderna – Metrópole
“Os problemas mais profundos da vida moderna têm a sua fonte na pretensão do indivíduo em afirmar a sua autonomia e a especificidade da sua existência diante dos excessos de poder da sociedade, da herança histórica, da cultura e da técnica proveniente do exterior…” (Simmel, Georg,2004) Palavras-chave: Cidade; Modernidade; Simmel; Indivíduo; Conflito
Para introduzir e dar consistência à discussão ou opinião sobre a cidade contemporânea, optei por colocar este artigo sobre o pensamento de Simmel, não só pela sua actualidade mas também e essencialmente devido à sensibilidade com que trata os assuntos relevantes à modernidade. Moda, dinheiro, mulher, conflito, sociedades secretas, entre outros temas geniais, enriquecem a sua obra. A cidade é um dos seus temas ou assuntos preferidos, tal como para Victor Hugo, Charles Baudelaire ou Walter Benjamin, todos eles considerados os maiores pensadores da cidade moderna. Opto por trazer o pensamento de Simmel para esta área, sendo como um reforço à consolidação de seu nome como uma fonte inspiradora aos estudos mediáticos, fundamentalmente no que concerne às questões urbanas e de género. Alain Bourdin, lembra-nos no seu livro la metrópole des individus que, entre os fundadores da sociologia alemã, Simmel, Webber e Tonnies se destacam no debate intelectual e politico sobre metrópoles, inspiram-se no crescimento exponencial de Berlim onde no período entre 1867 e 1913, a cidade cresce impressionantemente a nível populacional de 700 mil para 4 milhões de habitantes, entram então numa discussão sobre os mais diversos temas da modernidade, como comunidade, género, economia e trabalho, encontrando nas metrópoles vários pontos convergentes. Entre esses pensadores, Simmel é quem mais se preocupa com a tentativa de algo problemático na metrópole, sendo que propõe uma postura metodológica que entenda a cidade como um lugar no qual se elabora uma nova forma de conceber e de compreender a sociedade, que seja um lugar de reflexão máxima da modernidade, assim, Simmel explora segmentos da realidade para compreender o social pelo olhar atento às interacções dos indivíduos entre si e destes com os espaços urbanos, escapando assim a uma simples divisão em duas partes entre individuo e sociedade. Não é por acaso que sua obra marca actualmente algumas das perspectivas teóricas da sociedade urbana.
Segundo Simmel, o individualismo moderno é um dos motores fundamentais das grandes cidades. Ele não opõe o indivíduo à sociedade, pelo contrário, entende a individualização como uma outra face da socialização. A metrópole é, neste contexto, um ambiente no qual o cidadão reivindica sua autonomia e especificidade diante dos grupos com que convive. O intelecto do homem nas metrópoles é infinitamente mais estimulado do que nas cidades pequenas ou mesmo no campo, sendo um efeito marcante na intensificação da vida nervosa no quotidiano urbano. Para Simmel, essa “intensificação da vida nervosa” resulta das trocas rápidas e sem pausas das impressões externas e internas vividas nas metrópoles. Aos vários estímulos visuais e auditivos, o homem da cidade moderna não reage directa e emocional, como faz o homem da pequena cidade, mas sim, de forma indirecta e intelectual, é a resposta a dar às solicitações sensoriais típicas da excessiva quantidade de comunicações presentes nas metrópoles. Simmel considera que o homem enfrenta dificuldades para se adaptar a uma troca permanente de sensações e que, nas cidades pequenas, há um ambiente mais afectivo. “ […] A cada saída á rua, com o ritmo e a diversidade da vida social, profissional e económica, a grande cidade estabelece uma profunda oposição com a cidade pequena e com o campo, cujos modelos de vida sensível e espiritual têm um ritmo mais lento, mais habitual e que se desenvolve de forma regular”. O cidadão deve-se proteger nas metrópoles, e por isso, é obrigado a automascarar-se, quer nos sentimentos ou nas atitudes e nem sequer reagir às solicitações vindas do exterior, assumindo um ar, diria, “ignorante” no quotidiano. Nessa visão Simmeliana, essas pessoas atrás adjectivadas, só existem nas grandes cidades, palcos do teatro e espectáculo social, lugares de máscaras e de papéis sociais que se transformam em papéis teatrais. Segundo Frédéric Vanderberghe, um ponto em comum entre o pensamento de Simmel e de W. Benjamin, reside na hipótese de o homem urbano desenvolver uma espécie de composição para a sua auto-defesa em relação á proximidade entre ele e as coisas. O cidadão é então ignorante ou indiferente na medida que neutraliza algumas diferenças individuais, já que as cidades são locais privilegiados para trocas, por meio do dinheiro, por exemplo, aliás, a atitude de indiferença ou ignorância, auto-criada, é impregnada, também, pela economia monetária, pois, o dinheiro avalia da mesma maneira, em numeração, a maioria das coisas, sendo que é o denominador comum de todos os valores. O dinheiro, nesse sentido, o mais importante nivelador da sociedade, esvaziando as coisas de seus conteúdos, isto é, do seu possível valor especifico e incomparável. A influência do dinheiro, não se manifesta somente na preponderância do intelecto sobre a vontade e as paixões, mas também, na denominação do quantitativo sobre o qualitativo, nesta
perspectiva, a modernidade caracteriza-se por uma espécie de intelectualidade calculadora que gere as opões de vida dos cidadãos. Para Simmel, essa “calculabilidade” passa a fazer parte do quotidiano, levando as pessoas diariamente a avaliarem tudo, a calcularem e a reduzirem os valores qualitativos em quantitativos, anteriormente já referidos. O dinheiro torna-se um meio incondicional para se conseguir as coisas, e isto torna-se perigoso, seja no que for, dar-se menor importância á qualidade em detrimento da quantidade. Um aspecto fundamental a caracterizar e integrar no homem urbano e na cidade moderna é o conflito, este é fundamental para a sociedade se organizar, pois, o seu ordenamento, para se adequar à sua época, deve avançar. Apesar de as interpretações muitas vezes serem dualista sobre a construção das relações sociais, sempre à procura da unidade na dualidade ou vice-versa. A visão de Simmel sobre o conflito como força de interacção e associação é absolutamente pertinente às questões contemporâneas, o conflito é inicialmente, fruto de uma hostilidade e de uma oposição de ideias ou de valores, o conflito, pressupõe portanto, o reconhecimento do inimigo e dos seus interesses, já que, caso não houvesse interessados comuns, a divergência não fazia sentido existir ou estar presente. “ Se toda a acção recíproca entre os seres humanos é uma socialização, o combate, que é uma das mais vigorosas formas de acção recíproca, e que é logicamente impossível se o limitarmos a um elemento singular, deve ter o valor total da socialização”(Simmel, 2004) Assim, as relações conflituosas dão-se pela correlação de energias que se alimentam, de tal forma que somente o conjunto de ambas pode constituir a unidade da vida do grupo. Para Simmel, faz parte da essência das almas humanas não se deixarem ligar por um só fio condutor, o homem, especialmente o urbano, convive com a pluralidade de formas diferenciadas de relações sociais. A distância calculada dos homens e das coisas bem como a cultura da subjectividade, são, duas faces distintas do mesmo fenómeno, pois, ao protegerse por trás de uma imagem de civilidade, o homem pode abrigar-se de pressões sociais e adquirir liberdade pessoal, esta contradição entre afastamento e libertação caracteriza a modernidade e dá lugar ao desenvolvimento simultâneo da objectividade e subjectividade. Há ainda, instinto de auto-conservação do indivíduo na cidade moderna o que o obriga a ter um comportamento de natureza social que não se pode dizer negativo, mas sim de protecção, afinal, ele está em vários “mundos”, assim, requer da sua parte uma atitude em relação aos outros verdadeiramente reservados. “Nós não conhecemos, muitas vezes, mesmo de vista os nossos vizinhos próximos, e parecemos ser frios e sem coração ao olhar dos habitantes das cidades pequenas”(Simmel)
Se o encontro exterior e contínuo de um número incalculável de seres humanos resultasse nas mesmas reacções interiores que se vive nas pequenas cidades, onde as pessoas são conhecidas e têm uma relação, mais ou menos próxima, viveríamos uma destruição da intimidade, é, portanto essa defesa, do indivíduo urbano, ou seja, o direito de desconfiar do outro é um dos principais motivos da sua reserva. Termino dando referência a alguns aspectos gerias mas fundamentais na cidade moderna, desde logo que este muda ou avança significativamente com a industrialização, e esta avança com controlo desde lodo o chamado zonamento para definir as zonas quer comerciais quer habitacionais, por exemplo, dando uma maior harmonia ou racionalidade urbanística em detrimento do utopismo e das coisas exuberantes.
Referências Bibliográficas: BOURDIN, Alain. La Metrópole des Individus. L’Aube, Quetigny, 2005 SIMMEL, Georg. Philosophie de La Modernité. Paris, Payot, 2004
Miguel Sousa Ribeiro, 2010