sargo

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Sargode-beiรงo


A รกrvore de memรณrias


No meio da calçada, cercado pelo insano barulho da cidade, uma árvore chama a atenção de quem passa. O tronco sustenta os galhos, que vivamente folhados, acenam para os passantes que Percebem brinquedos de um passatempo do tempo passado. Graxa, santinhos e o leão do picí, inventam o cenário em que bicicletas São arrumadas. Cabeça branca, barba e sobrancelhas por fazer. A vaidade está alí. Há quem não enxergue, mas às três e vinte e três, o reflexo do espelho pregado na parede, quase queima a tinta rosa do muro da frente. Ninguém tem fome. O resto do almoço vira banquete pro cão, pro gato, Pro belga. A solidão só deve gritar de noite. Conta dois sucessores. Um que mora longe, outro que mal o vê. A prosa é certeira pra quem quebrou a corrente, ou entortou o guidão. A árvore é cheia de memórias. Talvez de alguém que pouco passou o tempo. Um telefone chama, e do outro lado da linha A infância grita para ser vivida. O banco marcado pela espera do freguês novo. O amigo, o filho, alguém pra falar. Na rua nossa senhora das Graças, conheci Ivan.




O mar dos meninos


O futuro se vê longe. Há toda hora uma nova descoberta. O horizonte está no olhar, que brilha sem a noção do tempo. Os meninos tem o mundo nas mãos e a areia nos pés. O coração vivo que bombeia o sangue novo. Robustos e vivos como as águas agitadas do mar. Saltos mortais, pega-pega, joão atrepa. As crianças vivem. Brincantes os miudinhos, que até no bode encontraram uma amizade. Ele sorri, como quem quer posar para uma foto. Felicidade. É o que melhor se encontra nas feições dos pequeninos. Ninguém vê fome, miséria ou preocupação. O tempo parou, parou para eles. Esperou a cantiga de roda terminar. Sorte deles. Sorte de quem tem o mar imenso no olhar. Olhar de quem sabe se virar. Vão apostar corrida valendo uma tampinha. Se esconder no barco do vizinho e rasgar a tarrafa sem querer. Vão olhar pra trás e sentir a saudade do tempo bom que viveram. Na Vila do Mar, eu aprendi a amar os meninos.




Sem raรงa definida


Sobrevoar as ruelas a procura do que comer, de onde se abrigar, um lugar para ficar. A alma de explorador é enaltecida nos corpos meio magros e cansados de quem percorre léguas todos os dias. As grades não lhe caem bem. Seu olhar revela que o seu lugar não tem barreiras. Sabe enternecer os passantes de coração mole. Um pedaço do espetinho, uma mordida da coxinha...Tudo é de bom grado. Presta atenção no que ninguém presta. Flâneur, mas sem raça que o defina. Afago, inteligência, comoção. O mundo precisa ter alma de cão. Tão domesticado que quase é banalizado. Poodle, Schnauzer, Yorkshire… Não. Ele é das margens. O que faz companhia. O que avisa do perigo. O que pula na chegada. O que espera a ambulância mesmo o dono estando morto. Entendi pássaro e todos os seus companheiros desbravadores.




Garimpeiro afortunado


É na beira do mar que ele se sente em casa O sol, a rede, o barco Parece ter todo o mobiliário É do grande azul que ele precisa pra respirar. Joga a rede as quatro da tarde Quando o sol vermelho atenua os músculos torneados de quem tanto batalha. Cinco da manhã, volta ao mar pra garimpar o que nem sempre agrada. Vem saco, garrafa, siri, e lata. Quando tem peixe é alegria. Na outra casa a família só o agradecia Viver do mar é incerto Mas quem precisa de tudo concreto? Tem medo da rua, tem medo do mar. Tem medo de ir e não voltar. É confortante e descomunal O sorriso de alguém que no mar encontra o que é real. No mar, nadei com Francisco.




Eu sou


Sou refúgio, que abriga quem foge da seca e da miséria. Sou família, pra quem perdeu os laços de sangue. Sou vilão, que na tevê quem me vê me repreende. Sou amparo, pra quem só acha respostas na fé.




Sou fartura, que do oceano presenteio alimento sempre fresco. Sou desvio, pra quem tem pressa de chegar em outro lugar. Sou Anárquico, que não deixo a disciplina me domar. Sou marginal, que como secundário passo blasé.




Sou o pescador, a parteira, o avô. Sou a costureira, o bêbado, o doutor. Sou Ivan, Romana, Francisco, pássaro. Sou esquecido e lembrado, nem sempre no mesmo espaço.




Sou luz, resto, bala. Sou siri, daninha e cachaรงa. Sou a vida que poucos conhecem. Sou as cores que mais transparecem.




Prazer, sou pirambu, sargo-de-beiรงo, peixe-roncador.



Jâmmya Figueirêdo João Henrique Nogueira Nicácio Ramon Fotografia

Nicácio Ramon Texto

Jâmmya Figueirêdo Ilustrações & Design Gráfico



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