Folder - Memórias da Obsolescência

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Artistas

A l e x a n d e r A p ó st o l . Ana Me ndie t a Ca o F e i . Ch a n t a l Ake r ma n . Claudio P e r n a . D a n i e l Gonz á le z . Da v id La me la s D o n n a Co n l o n . Fe lipe Dulz a ide s F r a n c e sc a Wo o d ma n . Fr a nc is Alÿ s J i mmi e D u r h a m . Julia n R ose fe ldt . Lázaro Saavedra L e a n d ro K a t z . Magdalena Fer nández . Ma r io G a rc ía Tor re s Me l a n i e S mi t h . Migue l Ánge l R íos Mu n t e a n & R o s e nblum . Nicolás Robbio Os c a r Mu ñ o z . R egina José Galindo R e g i n a S i l v e i r a . Song Dong . W illiam K e n t r i d g e . Ya i m a Carrazana Yo s h u a Ok ó n Cu r a d o r i a J e s ú s Fue nma y or



A mostra Memórias da obsolescência é resultado da união de duas instituições museológicas do Governo do Estado de São Paulo. Realizada pelo Museu da Imagem e do Som, mas na sede do Paço das Artes, a exposição explora a Coleção Ella Fontanals-Cisneros, composta por obras em videoarte de alguns dos mais importantes artistas do mundo. Essa linguagem, absolutamente atual, dialoga em camadas complementares com os dois museus: um dedicado à criação em movimento, em diversas linguagens ar tísticas, e o outro, à ar te contemporânea. A realização da mostra em parceria evidencia ao público a ligação e as possibilidades de relação entre as duas instituições e seus objetos principais, demonstrando, assim, de maneira clara, a relação entre vídeo e criação artística na atualidade. A realização de cruzamentos como este, que provoquem nos visitantes novos olhares e sentidos, é um desafio da gestão museológica no âmbito da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, que mantém sob sua gestão um conjunto de dezoito museus, com focos e trabalhos distintos, porém sempre abertos ao diálogo – entre si, com outras instituições, com as comunidades e cidades em que estão inseridos. Se Memórias da obsolescência reflete a complexidade que o suporte vídeo introduziu na arte, reflete também os desafios colocados à gestão da cultura na contemporaneidade, desafios que nos movem a oferecer sempre o melhor à população paulista.

Marcelo Mattos Araujo Secretário de Estado da Cultura de São Paulo


O Museu da Imagem e do Som (MIS) e o Paço das Artes têm o prazer de realizar em conjunto Memórias da obsolescência, exposição que traz um recorte realizado pelo curador Jesús Fuenmayor de uma das mais importantes coleções de arte contemporânea do mundo, a Ella Fontanals-Cisneros, apresentando trinta obras de videoarte realizadas entre os anos 1960 e a atualidade. Nomes como Alexander Apóstol, Cao Fei, Francesca Woodman, Francis Alÿs, Robbio, Regina José Galindo, Regina Silveira, Song Dong, William Kentridge e Yoshua Okón, entre outros, não só permitem entender limites e potencialidades da linguagem do vídeo, mas também indicam as múltiplas possibilidades de discutir questões cruciais que envolvem arte e vida. O Paço das Artes recebe em seu espaço expositivo os vídeos e videoinstalações que compõem a exposição, e o MIS apresenta Memória da obsolescência: Projeções, que exibe uma seleção de vídeos na grande tela de seu auditório. Buscando sempre o fomento às discussões que surgem a partir das exposições, a programação se completa com debate com o curador, além desta publicação, que traz a íntegra do texto curatorial e imagens de todas as obras que integram Memórias da obsolescência.

da necessidade de diálogo e parceria entre as instituições que fomentam a arte contemporânea, e também um símbolo da intersecção entre as muitas linguagens e manifestações artísticas atuais, que as tornam tão profícuas e essenciais para uma sociedade em constante renovação. Não poderíamos deixar de agradecer a Cisneros Fontanals Art Foundation (CIFO), espaço de fomento à criação artística contemporânea sediado em Miami (EUA), que idealizou a exposição, e a Cisma Produções, parceiro que tornou possível a realização da exposição no Brasil. André Sturm Diretor Executivo e curador geral do MIS Priscila Arantes Diretora Técnica e curadora geral do Paço das Artes


Estreitando vínculos através da arte Integrando a parceria cultural da CIFO com uma rede internacional de instituições artísticas prestigiosas, e com o intuito de levar ao público brasileiro uma seleção de vídeos de minha coleção, apresentamos, no espaço expositivo do Paço das Artes e no Auditório do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, a exposição Memórias da obsolescência, organizada por Jesús Fuenmayor, diretor da Fundação. A seleção curatorial de Memórias da obsolescência coincide, acertadamente, com os propósitos de minha coleção e da CIFO que, desde sua fundação, em 2002, compromete-se a ampliar a compreensão geral da obra de artistas contemporâneos, particularmente os latino-americanos, indo além dos paradigmas tradicionais e dos estereótipos relacionados com a arte da região. O critério de escolha dos trabalhos e artistas aqui reunidos é marcado por uma variedade de imagens e ideias. A seleção inclui trinta artistas de renome internacional,

Ángel Ríos, Melanie Smith, Francesca Woodman, David Lamelas, Song Dong, Yoshua Okón, Nicolás Robbio, Cao Fei, Magdalena Fernández, Jimmie Durham, Francis Alÿs e Regina José Galindo. Queremos agradecer encarecidamente àqueles que, tanto no Paço das Artes quanto no Museu da Imagem e do Som, contribuíram nos últimos meses, dando o suporte necessário para a realização desta mostra de vídeos em São Paulo. Primeiro, a Marcelo Mattos Araujo, Secretário de Estado da Cultura, pelo apoio oportuno a esta parceria institucional e por seu empenho sincero na criação de laços de união e fraternidade. A André Sturm e Priscila Arantes, diretores dos espaços que abrigam esta mostra, também agradecemos pela valiosa ajuda com ideias e, sobretudo, pelo compromisso generoso para a conclusão deste projeto, assim como devemos nossa gratidão a toda a equipe de trabalho dirigida por eles. Devemos uma menção merecida a Beto Amaral e Julia Borges Araña, pela firmeza com que assumiram desde o início a tarefa árdua da produção executiva desta exposição. Da mesma forma, gostaríamos também de estender nossos agradecimentos à equipe da CIFO por seu profissionalismo, esforço e dedicação. Celebramos, assim, esta nova parceria entre nossas instituições de arte e apresentamos, com Memórias da obsolescência, uma sugestiva e didática mostra de arte para os amantes do vídeo no Brasil. Ella Fontanals-Cisneros Presidente da CIFO Europa



Paço das Artes

Artistas

A l e x a n d e r A p ó st o l . Ana Me ndie t a Ca o F e i . D a v i d L a m e la s D o n n a Co n l o n . F e l ipe Dulz a ide s F r a n c e sc a Wo o d ma n . Fr a nc is Alÿ s J i mmi e D u r h a m . J ulia n R ose fe ldt . L á zaro Saavedra . L e a n d ro K a t z M a gdalena Fer nández . Ma r io G a rc ía Tor re s . Me l a n i e S m i t h Mi gue l Ánge l R íos Ni c o l á s R o b b i o . Osc a r Muñoz R e g i n a J o sé Ga l i n d o . Regina Silveira S o n g D o n g . W i l l i a m K e nt r idge Yo s h u a Ok ó n

Exposição Espaço Expositivo 13 de dezembro de 2014 a 22 de março de 2015


memórias da obsolescência por Jesús Fuenmayor Esta exposição reúne um conjunto de obras da coleção de Ella Fontanals-Cisneros que têm em comum o vídeo como meio. Trata-se de um conjunto de obras produzidas por artistas de nacionalidades e backgrounds diversos, selecionados pelo potencial de discutir o meio do qual se utilizam. Com uma variedade de abordagens que vão do documentário à ficção, passando por todas as formas narrativas híbridas intermediárias, muitas das obras que apresentamos exploram a possibilidade e as consequências da incorporação

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do tempo na obra. Por isso, elas estão ligadas a algo que acontece ou que aconteceu, a causa e efeito das ações das quais são produto, estabelecendo uma relação próxima com a performance, esse outro meio das artes visuais contemporâneas que introduz o temporal dentro da materialidade do objeto no âmbito visual. Os artistas compreendidos também detêm uma diversidade de referências históricas, como as primeiras experiências com o vídeo, que nos anos 1960 e 1970 estiveram vinculadas às práticas conceituais, ou com a arte feminista relacionada, de modo geral, aos processos de identificação de minorias sexuais ou étnicas, assim como evidenciam os interesses nas complexidades sempre híbridas das culturas contemporâneas influenciadas pelo pensamento antropológico, além de reivindicar as possibilidades de intervenção nos processos de construção da história do nosso tempo sem deixar de lado as reflexões sobre as políticas espaciais urbanas. Unem-se, por fim, a um grupo muito representativo de diferentes abordagens não só do vídeo, mas também da produção artística contemporânea em geral.


Se uma das intenções desta exposição é a de que este conjunto de obras proporcione ao público do Paço das Artes um contato com um tipo de prática, somando-se às oportunidades para compartilhá-la e, nesse sentido, esperamos que desde esta apresentação seja cumprido o papel de disseminador, também queremos destacar na seleção um interesse comum em questionar e deixar em evidência as especificidades do meio. Por isso, utilizamos como principal referência para esta proposta de curadoria um texto histórico de Rosalind Krauss no qual ela argumenta justamente que, se, por um lado, o vídeo (assim possa distingui-lo com precisão teórica e histórica de outros meios, também, assegura Krauss1, é um meio que, pelo momento de seu surgimento dentro da história da arte, coloca em um jogo permanente e contraditório suas relações de identidade com seus equivalentes, seja pintura, escultura, desenho, fotografia ou qualquer outra tentativa de caracterizar as práticas artísticas de acordo com os meios pelos quais os artistas decidem expressar suas ideias. Em suma, o vídeo, assim como a instalação, a performance ou os meios digitais, nesse jogo de negação e afirmação diante dos meios tradicionais, olha para si mesmo constantemente, mas sem a possibilidade daqueles de criar um distanciamento reflexivo entre objeto e sujeito, o que Krauss chama de “estéticas do narcisismo”. É, para dizer de outro modo, um meio de presente contínuo, no qual todo o passado se torna obsoleto. Por isso quisemos dar à exposição o título Memórias da obsolescência, memórias do vídeo observando a si mesmo, construindo e destruindo as fronteiras que o definem.

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The Aesthetic of Narcissism. Nova York, 1975.

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como qualquer outro meio) está, em princípio, isento de uma lógica interna que


Tomemos como exemplo o caso do vídeo da artista sérvia

.

Trata-se de uma obra de uma série realizada a partir do achado “arqueológico” de esqueletos humanos. No vídeo, a artista aparece em comunhão com o esqueleto, e um reproduz o gesto do outro. Essa dança com a morte está ligada, evidentemente, a um contexto político e pessoal de turbulência dos Balcãs, de onde vem a artista, marcado pelos traumas de uma sociedade que rebaixa o espírito humano ao deixá-lo ao acaso em um campo de uma sangrenta e incessante batalha pela sobrevivência, mas que também nos fala de uma relação com um meio como o vídeo que é o que permite à artista representar-se em um estado de agonia permanente, reforçado pela exibição de uma imagem repetida ad infinitum, fazendo com que os corpos e os cadáveres estejam condenados a conviver intimamente. Outro caso é o da obra do artista venezuelano Alexander Apóstol, na qual encontramos um interesse claro de aproximar-se da maneira como a modernidade foi criada fora dos centros que a monopolizaram, até o ponto de torná-la obsoleta. Essas outras modernidades das quais Apóstol fala em

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sua obra, e em particular no vídeo que integra a exposição, são reveladas nos contrastes e contradições do desenvolvimentismo moderno próprios da

Nude with Skeleton [Nu com esqueleto], 2001 – 2005 Projeção de vídeo em um canal, colorido, sem som, 10’ Cortesia da artista


Série: Moderno Salvaje [Moderno selvagem]: Los Cuatro Jinetes [Os quatro cavaleiros], 2005 – 2007 Projeção de vídeo em dois canais, colorido, com som, 13’03” Cortesia do artista

região tropical e que tiveram muitos discípulos na América Latina. Em seu vídeo Moderno Salvaje [Moderno selvagem], Apóstol fixa a lente de uma câmera de vídeo em uma parede do escritório da mais célebre casa modernista de Caracas, em 1955, se atreveu a dizer que a cidade era a capital do mundo moderno. Nessa peça arquitetônica tão emblemática, está o espaço que era usado como escritório pelo dono da casa. As paredes, apesar da aparência sofisticadamente modernista, escondem o ponto crítico desse modelo transportado para o contexto de seus resistentes: os prêmios (animais empalhados) do dono da casa, fã da caça de animais africanos, aparecem fantasmagoricamente nas paredes quando elas giram ao se acionar um botão. Além de uma dura crítica aos processos periféricos de modernização, Apóstol nos deixa mais que um documentário que explora todos os ângulos da “história” real e nos coloca diante de um plano simétrico construído, que achata a imagem e a transforma em elemento pictórico, de maneira que o ponto de vista da câmera se neutraliza, apagando sua presença e provocando o deslocamento do espectador para o lugar do autor. Com isso, é colocado em evidência, ou pelo menos em jogo, como a história é uma construção da qual todos nós participamos, e que o vídeo não é um meio ingênuo ou neutro, incitando o outro (o espectador) a assumir o lugar do narrador. É essa troca de posição da nossa subjetividade que Krauss, citando Lacan, reivindica para constatar a relação entre narcisismo e vídeo no ensaio mencionado.

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a Villa Planchart, projetada e construída por Giò Ponti, o mesmo arquiteto que,


Smashing [Esmagando], 2004 Projeção de vídeo em um canal, colorido, com som, 92’ Cortesia do artista

Da mesma maneira que Apóstol, desde os anos 1980 Jimmie Durham tem como característica uma investigação das representações do outro. Particularmente, Durham tem uma trajetória marcada por sua origem étnica, já que é descendente de aborígenes norte-americanos. Suas obras mais emblemáticas recortam

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o artesanal e o justapõem à tradição do objeto encontrado para apresentar simbolicamente

a

mutilação

das

representações

culturais

autóctones.

Considerando essa linha de investigação, pode parecer estranha a fórmula empregada por Durham em seu vídeo Smashing [Esmagando], que integra esta exposição. À primeira vista, trata-se de um vídeo cuja narração central mostra um personagem (o próprio artista) em uma peculiar operação de permuta: em troca de um objeto pessoal para ser destruído pelo personagem, cada participante recebe um certificado. Poderia parecer um simples processo conceitual: a leitura inicial pode ser a de que a existência do objeto é puramente abstrata. Mas o cenário cômico, com o artista como caricatura de um burocrata frenético que distribui certificados idênticos por objetos diferentes e para pessoas distintas, mais que uma extensão da administração estética da qual a arte de crítica institucional nos proporciona um amplo histórico, a violenta decrepitude do burocrata (interpretado pelo artista, não vamos esquecer) “smashing” [“esmagando”] os objetos que recebe, aponta para algo muito dispendioso para esta análise curatorial: esses objetos, repletos da história pessoal de cada um dos voluntários que decidiram participar desta ação ou evento, deixam para trás seu estado de reminiscência. Essa perda de memória, esse esquecimento “burocrático” que substitui o objeto, coincide com a ideia do presente contínuo do qual o narcisista é incapaz de fugir, impossibilitado de entender que seu verdadeiro eu e a projeção que ele faz são dois sujeitos diferentes.


Ana Mendieta [Borboleta], 1975 Filmado em Super-8 e transferido para vídeo, monocanal, colorido, sem som, 4’ Patrimônio da Coleção de Ana Mendieta, cortesia da Galeria Lelong, Nova York

Uma das figuras históricas da performance contemporânea é a artista de origem cubana (geração Peter Pan) Ana Mendieta. Sua vida breve não foi impedimento para que seu trabalho ganhasse grande reconhecimento internacional pelo fato de ela ter sido, sem dúvida, ainda que não intencionalmente, uma das pioneiras da muito propagada multiculturalidade, que foi descrita sucintamente na história seu vídeo sem título, que integra esta mostra, Mendieta apresenta uma faceta que talvez não seja reconhecida como a mais representativa de seu trabalho, marcado pelas tensões entre o corpo e a paisagem, em um chamado para nos voltarmos ao que há de essencial na natureza humana. O que este vídeo tem de especial em relação a sua obra é a ausência da paisagem natural como território de suas inscrições ou silhuetas feitas com seu próprio corpo no barro primitivo. Contudo, devemos considerar que este vídeo data da época em que ela experimentava seu corpo como um suporte maleável para produzir sentidos (o corpo como matéria-prima e suporte de suas ideias), um tipo de abordagem muito próxima da encontrada naquela famosa performance na qual Mendieta pressiona seu rosto contra um vidro, em uma sequência que passava do agônico ao irônico, até transformar o próprio corpo em material de escultura em ação. Neste vídeo, utilizando uma técnica pouco explorada até então, a artista usa um sensor infravermelho que mede o calor do corpo humano para gravar sua própria figura. Assim, em vez do vidro, Mendieta “pressiona” simbolicamente seu corpo contra a matéria da gravação. Como era seu costume, a artista aparece nua diante da câmera, mas distorcendo a imagem de maneira que a vemos difusa entre zonas de cores. Com o movimento do corpo, vemos como seu abdômen, por exemplo, passa das áreas vermelhas para as azuis, e assim

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da arte como o deslocamento do papel de artista para o de etnógrafo. Em


acontece com cada um de seus membros. O corpo da artista tornou-se uma paleta de cores, objetificou-se, novamente refletindo os conflitos da excisão de sujeito e objeto que o narcisista não consegue compreender.

foram pioneiras, outra artista norte-americana de vida curta, Francesca Woodman, também explora seus traumas e frustrações através do recurso da imagem em movimento. Assim como suas predecessoras, Woodman realizou uma série de obras para as câmeras, nas quais o corpo está ao mesmo tempo presente e ausente. Seria possível dizer que seu ensaio é sobre a fantasmagoria do corpo, uma palavra que tem a mesma raiz grega de “aparência”. No caso da obra dessa artista, não é meramente acidental que o aparente (o visível) e o evanescente tenham a mesma origem linguística. Um corpo que simultaneamente está e não está é um corpo no mesmo estado de conflito em que o vídeo nos coloca, o conflito de uma presença fugaz, em que todos os tempos se confundem, no qual a memória capta a si mesma como uma dobra: parafraseando borgianamente o sonhador que sonha sonhando, Woodman nos propõe a fórmula “recordar recordando”, que conduz a essa prazerosa e ao mesmo tempo traumática aparição do esquecimento e o desaparecimento do ser.

Francesca Woodman Selected Video Works [Vídeos selecionados], 2005 para DVD, monocanal, com som, 13’25” Cortesia de George e Betty Woodman


The Night Watch [Ronda noturna], 2004 Vídeo monocanal, colorido, sem som, 17’30” Cortesia do artista e da Galeria Lisson, Londres

O ato de posicionar uma câmera perante uma ação que no momento de ser gravada não conta com a presença de espectadores tornou-se hoje em dia quase um lugar-comum na arte (alguns chamam de videoperformance), mas se trata de uma estratégia com a qual artistas como Cindy Sherman examinaram as mudanças profundas de relação entre o espectador e a obra (entre sujeito e objeto, isto é, se entendemos a subjetividade do artista como uma massa amorfa, indefinida e flutuante que recorre à cumplicidade de seus receptores). Sair do campo de vista do espectador, ao contrário daquilo que demandam as artes cênicas, tem sido uma das grandes divisões que marcam a arte contemporânea, em grande parte, pois, como defendia Walter Benjamin em seu “O autor como produtor” ou Roland Barthes em “A morte do autor”, as posições de um e de outro são prescindíveis ou intercambiáveis. Porque não se trata somente de ocultar o autor quando o público está ausente, mas sim que, nesse lento processo de recolhimento e progressivo deslizamento do autor, surge (ou se inaugura) seu par dialógico do espectador. Um texto é feito quando ele é lido. A música só aparece quando a escutamos, uma imagem é construída por quem a observa. Uma pintura só existe quando é vista. Tendo em vista essa constatação, Francis Alÿs nos confronta com um dilema: o que seria de uma pintura se quem a vê, se quem a “aprecia” à vontade não fosse sequer um ser humano? The Night Watch [Ronda noturna] é uma sequência em vídeo de uma raposa (personagem cheia de astúcia) percorrendo livremente as imaculadas salas de um museu de belas-artes (mais especificamente, a National Portrait Gallery de Londres) repleto de obras-primas únicas da pintura. Não podemos nos privar das implicações do título que Alÿs escolheu tão acertadamente:


o vigia, essa figura inerte, que cumpre sua função observando com atenção e extrema minúcia (para não dizer morbidez). Essa é uma diferença radical em relação àqueles que só observam de passagem, o arquétipo do

,

espectador por definição. Mas o espectador do vídeo de Alÿs encarnado na raposa, na astúcia, enquanto percorre as salas transbordando de joias das artes plásticas, quer apenas escapar. A caça não tem sentido nesse lugar, as presas (os prêmios) não têm nenhum atrativo para esse

noturno. Preso no

labirinto de seu próprio instinto (de escapar), a raposa não encontra a projeção do que construiu como seu desejo. O ser de seu impulso vital não está ali, assim como Narciso não encontrou seu ser dentro de si, mas apenas em sua imagem, e morreu afogado. Donna Conlon é uma artista norte-americana radicada no Panamá que utiliza a manipulação ou montagem digital para alterar as imagens que produz em fotografia e vídeo, interessada, em suas próprias palavras, em “uma busca socioarqueológica de meus entornos imediatos”. Suas imagens são produzidas

Espectros Urbanos, 2004 Vídeo monocanal, colorido, com som, 2’36” Cortesia da artista


a partir da acumulação e do reordenamento dos objetos encontrados, em geral retirados da rua e de lixões, com os quais a artista pretende retratar os conflitos inerentes ao estilo de vida contemporâneo. Em seu vídeo Espectros Urbanos, que integra esta exposição, a artista realiza uma operação de reconstrução por mimese de uma paisagem urbana, especificamente de um típico de uma cidade moderna, a partir de tampinhas, fichas e outros objetos que, ao serem empilhados, remetem aos edifícios que formam o

. Como

este argumento de curadoria se baseia na ideia de explorar até onde o vídeo sempre está em um ponto de recolhimento, de ensimesmamento narcisista, chama atenção o fato de o vídeo destacar sobretudo o som do contato entre as fichas. Esse som, que em razão da proposta poderia ter sido deixado de lado pela artista, funciona como um elemento de desestabilização irônica sobre aquilo que, de outra maneira, seria um olhar mais poético do urbano. É graças ao som que são exorbitadas as qualidades materiais dos objetos encontrados (tampas, fichas) e, por seu intermédio, que a imagem se impõe sobre a paisagem, fazendo referência a essa pequenez e insignificância da paisagem construída que certa ideia de modernidade tenta nos vender como o grande acontecimento, quando se trata, na verdade, de dar para a cidade uma prestar atenção na qualidade da experiência do cidadão, em quem está e em quem não está representado nessa imagem interplanetária de cidade moderna. Por causa dessa operação própria das qualidades intrínsecas do vídeo como meio, é ao leve som das tampas que desaparece a cidade, e que a imagem de Conlon se torna duplamente eficaz. Artista guatemalteca com foco na performance como meio de expressão e seu registro através da fotografia e do vídeo,

é representada

na coleção de Ella Fontanals-Cisneros e nesta exposição com um vídeo que percorreu as mais variadas e longínquas instituições artísticas internacionais. Como pioneira dos esforços que vinham realizando os artistas da América Central de pensar sua própria história e contexto histórico, Galindo realizou este vídeo quando a memória da guerra civil elaborada a partir das práticas artísticas era mais que uma exceção, era uma andorinha solitária na produção artística de seu país. ¿Quién Puede Borrar las Huellas? [Quem pode apagar as marcas?] é quase panfletário, um chamado aberto e sincero contra a desmemória de milhares de mortos deixados para trás, vítimas de décadas de conflitos armados entre posições ideológicas contrastantes. No vídeo, realizado

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imagem mercadológica, consumista, pomposa, que vende um modelo sem


¿Quién Puede Borrar las Huellas? [Quem pode apagar as marcas?], 2005 Vídeo monocanal, colorido, com som, 37’44” Cortesia da artista

com o baixo orçamento típico dos artistas que apelam a esse recurso, Galindo é seguida por uma câmera enquanto anda de um lado para o outro da cidade, levando consigo um recipiente cheio de sangue no qual, de tempos em tempos, mergulha seus pés, imprimindo passos vermelhos no asfalto em que tantos

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compatriotas deixaram suas vidas por causa da violência. A manifestação termina em frente a um emblemático prédio do governo rodeado de guardas. Como explicar a inclusão, nesta exposição, desse vídeo de baixo orçamento, simples, aparentemente espontâneo, tão parecido com um documentário jornalístico, no qual o que parece importar é não ter nenhuma relação com as qualidades intrínsecas do vídeo, a menos que renegássemos o sentido que a artista quis transmitir? De fato, não há na exposição outro vídeo que seja tão puramente documental como este, mas o que nos interessa aqui não é forçar uma única leitura de uma ideia, mas sim multiplicar suas leituras. Nesse sentido, o mais produtivo é deter-se nas coincidências entre os atributos do vídeo e os da performance. Colocados na situação de espectadores que têm diante de si um gesto (os pés “lavados” em sangue) que se repete infinitamente e o estranhamento causado no público “ao vivo”, que não se arrisca a participar do simbolismo da artista, esse processo de reiteração de uma mesma imagem por um tempo muito prolongado (ao qual provavelmente nenhum espectador na sala de exposição irá se submeter) somado à impossibilidade de participar do momento da ação da produção simbólica que logo fica evidente no vídeo são elementos próprios da natureza do meio que, neste caso, expõem sua especularidade (no sentido de imagem especular), sua necessidade de se expor como uma imagem circular que gira sobre si mesma, que nega e afirma a presença do corpo, como faz a imagem que nasce do vídeo.


O paralelismo entre linguagem e imagem é, desde os anos 1970, um dos problemas investigados pelo artista argentino

. Pioneiro das

práticas conceituais na América Latina, Katz se caracterizou por uma obra que analisa as possibilidades da linguagem e o entorno social. A imagem de uma máquina de escrever que teve as letras substituídas por diferentes fases da lua é mais que eloquente da intenção linguística desta série de trabalhos, como o que apresentamos nesta exposição, no qual as mudanças sutis de uma imagem em movimento das progressivas fases da lua podem produzir, para o artista, textos muito específicos. O vídeo é especialmente transparente nessa ideia de produzir um modelo para transmitir mensagens cifradas, alegóricas. Moon Notes [Notas lunares] é um vídeo de dez minutos em que uma câmera está passivamente diante da visão da Lua e comprime, nesse lapso de tempo, um ciclo lunar completo, deixando a cargo da imaginação de quem o vê a possibilidade de decifrar os ocorridos nos intervalos entre cada fase. No meio do vídeo e da ascensão da Lua aparece na tela um texto que diz: “A natureza tortuosa do Nosso Progresso”. Um pouco mais adiante, enquanto a lua segue ascendendo, aparece o seguinte texto: “Acampando na Margem Oposta”. Por último, o artista lança esta frase: “Juncos Brancos Atados a um Matagal de espectadores, escrevamos nossos próprios textos, nossos próprios relatos, e, por outro, o convite a compartilhar um tempo distinto, esse tempo das sensações comunais de nossos antepassados. Um tempo que o vídeo permite ao artista convocar como um eterno presente.

Moon Notes [Notas lunares], 1980 – 2010 Filmado em 16 mm e transferido para vídeo, monocanal, colorido, sem som, 11’ Cortesia do artista

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Talos de Amora”. Nestas mensagens fica, por um lado, o convite para que nós,


Melanie Smith é uma artista britânica que mora no México desde o final dos anos 1980. Sua obra se caracteriza por uma releitura das categorias estéticas das vanguardas modernas e contemporâneas, e sua tradução a lugares com uma carga cultural específica. Sua produção está muito ligada a um entendimento amplo da modernidade, que é tão pertinente no contexto latino-americano e nas investigações que provêm da tradição formalista na região. O vídeo Tianguis II [Feira II], que integra esta exposição, marca um momento no trabalho da artista em que essas transferências da modernidade para contextos periféricos ou heterotópicos são de suma importância para ela. O vídeo, que consiste em duas projeções idênticas, uma colorida e outra em preto e branco, é, formalmente, uma exploração da duplicidade, mas a imagem que nos é mostrada, de algumas barracas (tianguis ou postos comerciais informais de rua) é impossível de se decifrar. Essa justaposição entre as possibilidades do vídeo de propor um estudo formal e as frágeis estruturas dos vendedores de rua pode ser entendida como um estímulo à reflexão dos meios de distribuição e como certas formas podem circular dentro de um sistema como um exercício

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estético e, em outros âmbitos, como uma economia da sobrevivência.

Tianguis II [Feira II], 2002 Projeção de vídeo em dois canais, VHS convertido para DVD, colorido, com som, 4’45” Cortesia de Melanie Smith e Rafael Ortega


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Crumpling Shanghai [Amassando Xangai], 2002 Vídeo monocanal, colorido, com som, 9’ Cortesia do artista

Por mais de duas décadas,

produz uma obra complexa, recorrendo

a recursos distintos como performance, instalação, vídeo, escultura, pintura, caligrafia e, muitas vezes, fazendo combinações destes meios. Usando materiais do cotidiano, sua obra é, em geral, planejada como um estudo do efêmero, das condições de produção artística na China atual, baseando-se em noções de consumo e frequentemente recorrendo a experiências autobiográficas. Seguindo os conceitos taoistas de “não ação” e “não intenção”, o artista evoca o respeito à ordem natural das coisas, conduzindo a vida com modéstia e humildade. Song Dong resume com uma máxima: “O que foi deixado sem fazer, foi em vão; o que foi feito, segue sendo feito em vão; mas, ainda assim, o que foi feito em vão deve ser feito”. A obra de Dong é uma exploração contínua da relação entre arte e cotidiano, integrando, inclusive, membros da família do artista (pai, esposa e filha). Pensando em uma mudança de paradigma que, na arte, substitui as formas pelas atitudes, Dong se empenha, a partir de sua origem oriental, em enfatizar as possibilidades de substituir a dura solenidade


da arte pela proximidade da vida diária. Tomando como referências a “escultura social” de Joseph Beuys e uma longa tradição da arte contemporânea que dá forma aos elementos do cotidiano, Dong tenta deixar espaços para que esses objetos continuem existindo em sua dimensão “real”. No vídeo Crumpling Shanghai [Amassando Xangai], que apresentamos nesta exposição, Song Dong realiza um procedimento extremamente simples, mas ao mesmo tempo muito eficaz, dentro de sua estratégia. Vemos a imagem da cidade projetada na tela, de um típico ambiente urbano contemporâneo da era do bem-estar econômico na China, que subitamente é invadida por uma mão que, com violenta rapidez, a amassa e a faz desaparecer, até que surge a imagem seguinte, que terá o mesmo destino, em um círculo simbólico infinito de construção e reconstrução. Desde o início dos anos 1990, quando se dividia entre o design e a arte, sempre esteve interessada no legado das vanguardas construtivistas. Em uma série de obras do início dos anos 2000, esse interesse se transformou em um diálogo direto com mestres da abstração do século 20, que começou em 2004 com Sol LeWitt e prosseguiu com Piet Mondrian (2006

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e 2009), Kazimir Malevich (2006), Hélio Oiticica (2008) e Joaquín Torres García (2010). Precisamente, o vídeo que incluímos nesta mostra foi o segundo da série, quando ela criou uma animação acompanhada pelos sons de araras, denominada 1pm006 Ara Ararauna [1pm006 arara-canindé], título que contém as iniciais de Piet Mondrian. As araras (arara-canindé) são aves exóticas encontradas na Venezuela e em outros países da América tropical. Como de costume em sua obra, os trabalhos surgem da observação do entorno ou da paisagem cotidiana, e a artista pode ver as araras da janela de seu apartamento em Caracas, uma cidade moderna e caótica, onde os contrastes são a regra. Essas aves barulhentas se caracterizam por uma plumagem brilhante de cores azul, amarela e verde, que a fizeram lembrar as pinturas de Mondrian compostas com a mesma gradação cromática, divididas por grossas linhas pretas. As aves eram para Fernández como pinturas postas em movimento. O vídeo começa com uma tomada fixa na qual aparecem três cores divididas assimetricamente dentro do plano “pictórico”, com a característica composição mondrianesca. Conforme o vídeo avança, aparecem os sons dos gritos das araras, e o plano pictórico se move no ritmo, ou melhor, se estremece e sacode com cada chilreio, dependendo de suas intensidades. Arraigada nesta série de trabalhos há uma inquietude comum ao restante da obra da artista: a especificidade da experiência a partir da qual invertemos esses modelos modernistas de compreensão da realidade da América Latina e, especialmente, em casos


de países como a Venezuela, onde a abstração geométrica tornou-se arte de referência obrigatória, com status de arte oficial, para não dizer nacional. Como diz Sandra Pinardi, crítica de arte e professora de filosofia, “Fernández, consciente desses traços, dessas aberturas com as quais o território e as formas de vida latino-americanas colocaram em questão essa dinâmica visual estrita – contemplativa e silenciosa – da pura abstração, inscreve-se neste lugar crítico com um gesto pessoal absoluto, graças ao que não só mitiga, sensual e texturalmente, o rigor e a retitude matemática, mas também faz surgir a tradicional dualidade estética entre o visual e o tátil, incorporando o som, a audição, a voz”. Dessa maneira, a artista nos leva a um reconhecimento das impurezas do visual, à invisibilidade do visível, “porque o ato de ‘ver’ nos abre a um ‘vazio’ que nos olha, que nos afeta e que, em algum sentido, nos constitui. A visão – o olhar – é, então, a deriva do ver no ver-se”, como conclui Pinardi.

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1pm006 Ara Ararauna [1pm006 arara-canindé], 2006 Projeção de vídeo em um canal, colorido, com som, 1’55” Cortesia da artista


Geometría Accidental [Geometria acidental], 2008 Vídeo monocanal, colorido, com som, 3’23” Cortesia do artista

O desenho está na base de toda a obra de

, até o ponto

de se confundir com sua vida cotidiana. Sempre rodeado por seus cadernos de desenho, o artista constantemente explora soluções e ideias através de esboços que têm predileção particular por estruturas urbanas e arquitetônicas, com um forte eco do estilo quase clínico do desenho para manuais de instruções, com um pé em diagramas de funcionamento típicos da literatura científica. Apesar disso, não podemos dizer que seus desenhos exaltem a funcionalidade, tampouco que o artista é um mero observador que registra friamente o mundo a seu redor. Uma das premissas que permite dizer isso é que seus desenhos despem os materiais e objetos de seu valor de uso, transformando a função de uma polia, por exemplo, em uma análise de um certo fenômeno. Além do mais, o interesse de Robbio está em geral nas coisas que deixamos passar despercebidas. A transitoriedade das coisas é um dos

elementos que sempre se evidenciam em seu trabalho, como quando ele recorreu a tatuar seus desenhos na pele de seus amigos, colegas e galeristas. A estrutura secreta subjacente às relações entre objetos cotidianos pode-se dizer que também é uma constante em seu trabalho, como no vídeo que integra esta exposição, intitulado Geometría Accidental [Geometria acidental], no qual ele destaca formações geométricas presentes em um sistema de mobilidade urbana. No vídeo, são traçados vetores que detectam o comportamento de objetos em movimento (transeuntes pela cidade) gerando relações geométricas específicas (triângulos, paralelepípedos, trapézios), que aparecem e desaparecem da imagem do vídeo conforme a dinâmica mostrada. Esse chamado para desviar-se das formas do dia a dia como um caminho para encontrar novos sentidos no cotidiano também é uma maneira de pararmos para pensar sobre nosso próprio modo de perceber o mundo.


A produção do artista alemão Julian Rosefeldt caracteriza-se pela complexidade de seus filmes em 16 mm e 35 mm. Os espectadores de seus filmes são envoltos em atmosferas teatrais com várias projeções simultâneas nas quais é possível apreciar personagens se desenvolvendo em cenas cotidianas carregadas de imaginação surreal. Em sua

[Trilogia

do fracasso] (2004-2005), Rosefeldt trata temas universais, como o absurdo da existência humana, com um olhar irônico e profundo sentido filosófico. The Soundmaker [O criador de sons] é a primeira parte dessa trilogia que explora as estruturas de nossa existência cotidiana. Trata-se de uma videoinstalação de três canais (três projeções simultâneas) que mostra uma cena vista por dois ângulos diferentes, e uma terceira cena que compartilha os sons das duas primeiras, na qual vemos as ações que reproduzem o som do vídeo. Enquanto vemos, em duas projeções, como o artista grava os sons, a terceira projeção (que ocupa o lugar central) nos mostra a cena completa com imagem e som. Porém, em função da montagem utilizada pelo artista, muitas vezes parece que é a imagem que se monta sobre o som, gerando uma impressão de incerteza sobre qual é a cena real, uma estratégia comum em todo o seu trabalho, utilizada para deixar em evidência o processo de produção como uma via para entender como são construídas as narrativas verídicas e as fictícias.

[O criador de sons – Trilogia do fracasso (parte 1)], 2004 Projeção de vídeo em três canais Filmado em Super-16 mm e convertido para DVD, colorido, com som, 35’ Coproduzido por Thyssen-Bornemisza Art Contemporary Galeria Arndt & Partner Berlim/Zurique


nasceu em Catamarca, Argentina, e vive entre Nova York e Cidade do México. Há mais de quarenta anos, o foco de sua obra está em problemas relativos à identidade e diversidade da cultura latino-americana, como em suas primeiras obras, nas quais explora o território original da América através do uso de materiais como o barro e as cordas atadas, intimamente vinculados às tradições de nossos antepassados pré-hispânicos. A Morir [A morrer] foi o primeiro de uma série de vídeos realizados a partir do popular jogo de pião, muito comum e um dos passatempos favoritos das classes populares na América Latina. Os piões, desenhados pelo próprio artista, de diferentes tamanhos e da cor preta, têm certa semelhança com as figuras que Oskar Schlemmer desenhou para seu Balé Triádico. Ríos convidou cerca de trinta “especialistas” em jogo de pião para participar da gravação deste vídeo que logo, em uma segunda versão – que é a que exibimos nesta exposição –, o artista mostra de trás para a frente, com o título Return [Retorno]. A cena é registrada de três diferentes ângulos e é acompanhada do som ampliado da dança e dos contatos entre os piões. As implicações do trabalho de Ríos, além de uma relação próxima com a cultura popular latino-americana, estão determinadas no âmbito da crítica pós-colonial. Em Return, os piões pretos em pleno movimento adquirem uma condição antropomórfica e tornam-se uma alegoria do comportamento humano, girando errática e intensamente, até com violência, como em um ritual arcaico, ou se comportando mecanicamente como membros de uma massa uniforme. “Meu desejo”, diz Ríos, “é de que o espectador se esqueça do jogo e se concentre na própria violência. Os piões giram como seres humanos. Não podem ser guiados com facilidade. Sua dança é uma metáfora, uma desculpa para conceber a violência, uma

Return [Retorno], 2004 Projeção de vídeo em um canal, colorido, com som, 3’22” Cortesia do artista


i.Mirror by China Tracy (AKA: Cao Fei) Second Life Documentary Film [i.Mirror por China Tracy (também conhecida como Cao Fei), um documentário em Second Life], 2007 Vídeo monocanal, colorido, com som, 28’ Cortesia da artista

violência que está em todo o mundo”. Essas dinâmicas do territorialismo, como a concorrência, a invasão e a agressão, representadas pelos piões, funcionam como um espelho da condição humana. Cao Fei é uma jovem artista chinesa que mora em Pequim. Ela é muito obra na qual se misturam o aspecto social, a estética popular, as referências ao surrealismo e as convenções do documentário enquanto reflete sobre as mudanças velozes e caóticas que ocorrem hoje em seu país. Uma de suas preocupações recorrentes é a erosão causada no mundo real pelo mundo virtual, como é o caso de seu vídeo i.Mirror by China Tracy (AKA: Cao Fei) Second Life Documentary Film [i.Mirror por China Tracy (também conhecida como Cao Fei), um documentário em Second Life], que faz parte da Coleção Ella Fontanals-Cisneros e desta exibição. Second Life é um espaço virtual que há anos ganhou uma grande popularidade e no qual as pessoas podem criar personagens, espaços e situações que se desenvolvem em um mundo simulado paralelo. Cada personagem ou “avatar” (palavra derivada do termo sânscrito “encarnação divina”) refere-se a um alter ego que cada um controla nesse jogo em que convivem pessoas diversas de todas as partes do mundo como ativistas, soldados, empresários, chefs, motoristas de caminhão, executivos, deficientes físicos ou estrelas da televisão. Entre elas, está Cao Fei, cujo avatar é i.Mirror, a história de uma bela donzela criada por China Tracy com machinima, um programa de animação 3-D. China Tracy é, na realidade, Cao Fei e sua história em Second Life exala as influências de cineastas como Wim

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conhecida por suas instalações multimídia e seus vídeos, assim como por uma


Wenders. O relato está dividido em três partes relacionadas entre si: a primeira parte oscila entre a beleza e o excesso do capitalismo virtual. A segunda é, em sua maior parte, uma história de amor, e as três apresentam uma montagem de avatares humanitários. A história de amor é baseada em fatos reais e é um quase documentário, assim como outras tramas são ficcionais ou misturam ficção com realidade. O importante para a artista é que, “como pano de fundo, existe uma natureza completamente humana” nesse mundo virtual paralelo. Second Life é, em síntese, um laboratório de relacionamentos. A diferença do cinema ou da fotografia para a arte digital é da ordem da representação e não do conteúdo e, por isso, podemos compará-la (assim como o vídeo) a um espelho, como fazemos com a pintura. A diferença, segundo as pistas que seguimos do texto seminal de Krauss, é que, enquanto na pintura o artista busca que o objeto seja um reflexo de si mesmo e do meio, no vídeo, ou agora nos meios digitais, esses reflexos pendem para o apagamento dos limites, que são cada vez mais difíceis de definir. Yoshua Okón é um dos artistas mexicanos mais reconhecidos de sua

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geração. Com uma longa trajetória expositiva iniciada no fim dos anos 1990, é uma figura vinculada à cena de vanguarda local através de iniciativas como La Panadería, um espaço de arte alternativo dirigido pelos mesmos artistas e, mais recentemente, SOMA, um instituto independente de estudos artísticos. Durante toda sua carreira, Okón privilegiou o uso do vídeo, seja em exibições monocanais ou em ambiciosas videoinstalações. Uma das características de seu trabalho é o uso de linguagens existentes na arte, como a da tendência conceitual chamada crítica institucional, ou de tendências atuais, como a 1980, a partir da ênfase multicultural que acompanhou o processo de globalização. Yoshua Okón “contamina” essas linguagens com humor negro e interesse nos relatos locais do folclore muito colorido da sociedade mexicana contemporânea.

Yoshua Okón Presenta [Apresenta], 1998 Vídeo monocanal, colorido, com som, 10’ Cortesia do artista


O vídeo de Okón que incluímos nesta exposição se chama Presenta [Apresenta] e é uma de suas obras seminais, produzida em 1998, no começo de sua carreira. Trata-se de uma videoinstalação monocanal, pela qual desfilam vários logos das instituições e companhias mais conhecidas do México, introduzidas pelas familiares vozes em off de locutores oficiais. A lista de patrocinadores é interminável, e nunca se satisfaz a grande expectativa criada por tantos logos e pelo tom oficial do vídeo. É uma obra que caricatura, de forma evidente, a linguagem protocolar oficial, denunciando seu vazio ao transformá-la em um espelho de si mesma com anúncios que, de forma sucessiva e sem fim, nos mostram um retrato real de nossas improdutivas burocracias. , reconhecido artista colombiano, iniciou sua trajetória na década de 1970. Desde então, sua obra se internacionalizou e se tornou uma referência quando falamos de práticas artísticas contemporâneas na América Latina. Seu trabalho integra recursos múltiplos: fotografia, desenho, instalação e produção de objetos tecnológicos, e suas propostas giram, frequentemente, em torno de

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Sedimentaciones [Sedimentações], 2011 Projeção de vídeo em três canais sobre mesas, preto e branco, com som Dimensões variáveis, 40’ Cortesia do artista e da coleção Ella Fontanals-Cisneros


temas como a temporalidade, o corpóreo, o efêmero, a dissolução e a morte. Em Sedimentaciones [Sedimentações], uma mesa com recipientes de revelação nos é mostrada, e uma mão anônima se encarrega de organizar fotografias tanto de eventos históricos importantes quanto de rostos desconhecidos, que vão sendo mergulhadas nos recipientes. As imagens desaparecem e as folhas em branco são colocadas aleatoriamente entre as fotos que restam na mesa. A partir daquilo que se desintegra, o artista faz referência aos desaparecidos na América Latina, à conexão entre imagem e memória, e também às narrativas dominantes dos meios de massa e da história oficial: um convite a contemplar conscientemente a história como relato, como ficção ou construção subjetiva da realidade e a forma como – em nossa cultura saturada de imagens – as narrativas periféricas são excluídas das bases do poder, apesar de serem um documento tão válido quanto o que se inclui. Documentos também desintegrados, diluídos, mas que constroem uma narrativa alternativa, a partir da qual o devir do mundo se torna multifacetado, se abre. A realidade como relato – neste caso, a espacial e a forma como a representamos . Há uma alusão

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– também é o tema central de Campo, obra de

Campo, 1976 Vídeo monocanal, preto e branco, com som, 2’26” Cortesia da artista


[21 tentativas de desenhar um círculo perfeito (Uma atrás da outra, a cada dois quadros, misturadas, repetidas, juntas, aglomeradas e repetidas de novo)], 2004 Vídeo monocanal, preto e branco, sem som, 17’05” Cortesia do artista e da coleção Ella Fontanals-Cisneros

a uma geografia (um espaço particular) e a um campo visual (um termo das artes que designa uma demarcação subjetiva do espaço, criando a ilusão do absoluto). Para isso, um dedo nos é mostrado, delimitando o enquadramento e o fim da visibilidade, lembrando-nos de que tudo é percepção e aparência. As coisas aparecem diante de nós da forma como são mostradas, e não necessariamente geração, seu trabalho se concentra em aspectos como a percepção, a relação entre objetos e suas representações, os espectadores e seus pontos de vista, a luz e a sombra. Desde os anos 1970, Silveira realiza instalações de grande escala em espaços públicos, abertos e fechados. Em suas obras, o lúdico torna-se ponte para a dissolução das fronteiras entre espectadores e arte. Nelas, confrontamos o núcleo do pensamento fenomenológico, em que o visual é sempre mais que o visível, e o espaço é mais que uma área funcional na qual nos movemos: a realidade é construção e, portanto, é desmontável, transitória, múltipla, imperceptível em sua totalidade. , artista mexicano, foge conscientemente de deixar uma marca pessoal em sua obra, e também da ideia moderna de artista e da arte. Em várias entrevistas, ele comentou seu interesse de que cada obra responda a seus questionamentos próprios, da forma como vai se tornando ser no mundo, portanto, cada resposta constrói uma obra diferente ou vice-versa: cada obra constrói uma resposta. No entanto – e em meio à desigualdade – há um fio entrelaçando todas as suas propostas, que é, talvez, o questionamento – não no sentido de colocar em dúvida, mas de tentar entender – sobre os processos da arte conceitual.

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da forma que são. Considerada uma das artistas mais importantes de sua


Em 21 Attempts at Drawing a Perfect Circle [21 tentativas de desenhar um círculo perfeito], a mão invisível vai desenhando círculos consecutivos, um desaparece e outro aparece. A cada traço, é perceptível uma diferença minúscula em relação ao anterior, revelando, assim, a arte como acidente, como intervenção do acaso. Intervenção e acidente que são combustíveis para a criação e ponto de inflexão para entender a fronteira entre obra e artista, entre o domínio da criação e do criador. David Lamelas foi um dos pioneiros da arte conceitual na Argentina durante a década de 1960 e um dos protagonistas das propostas de vanguarda que se edificaram no Instituto Torcuato di Tella. Seu trabalho sempre transitou entre noções distintas que questionam os fundamentos da arte minimalista e conceitual, colocando em perspectiva as relações entre informação, experiência e narração. Assim, muitas de suas propostas debatem a forma com que os meios de comunicação influenciam nossa construção de relatos e as ferramentas cognitivas que usamos para nos aproximar daquilo que está ao nosso redor. Em

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[Estudo das relações entre espaço interno e externo] – seu primeiro vídeo, feito em 1963 durante seus anos de estadia em Londres –, o artista analisa – não sem certo senso de humor – o ambiente arquitetônico, social e climático de um espaço expositivo, incluindo sua localização geográfica, e o compara à cidade que o rodeia. Para tal, ele utiliza imagens de detalhes da galeria, como toda a estrutura eletrônica, e imagens externas, o trânsito das ruas limítrofes, assim

[Estudo das relações entre espaço interno e externo], 1969 Projeção de vídeo em um canal Filmado em 16 mm e transferido para vídeo, preto e branco, com som, 19’36” Cortesia do artista


[Viagem à Lua], 2003 Projeção de vídeo em um canal, preto e branco, com som, 7’10’’ Cortesia do artista

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como entrevistas com seis pedestres sobre a notícia mais importante daquele momento: a chegada do homem à Lua. A partir disso, Lamelas comenta criticamente não só os mecanismos de relação propostos e exercidos pelas instituições artísticas entre o espaço próprio e as proximidades, o interno e o externo, mas também a relação do público não especializado com aquilo que significa a galeria enquanto símbolo urbano e social. é reconhecido internacionalmente por suas colagens, desenhos, gravuras e animações. Especialmente a partir do uso do vídeo, esse artista sul-africano apresenta uma visão emblemática sobre a realidade sociopolítica de seu país. Não o faz de forma direta, evidentemente, os recursos são outros. Quer dizer, não encontraremos em sua obra explicações, narrativa, mas sim o que poderíamos chamar de notas poéticas, posto que a poesia costuma trabalhar com metáforas ou, ao menos, indica a construção de empregos pouco usuais da língua e as imagens que esta gera. Pouco usuais não por sua singularidade, mas por enfrentar nossos atos e o existir das coisas de uma maneira que talvez jamais tenhamos visto. A partir dessa brecha, Kentridge fala dos problemas que dizem respeito diretamente a sua realidade


e também destaca o embotamento, termo que utilizou muitas vezes para se referir à insensibilidade – própria do moderno e do contemporâneo – que nos impede de vivenciar as coisas intensamente. Talvez por isso seus trabalhos emanem certa tristeza ou, às vezes, muito senso de humor: são uma forma de enfrentar a dor e as incertezas características do mundo em que vivemos. [Viagem à Lua] – obra na qual o espaço de exibição é usado um pouco como um laboratório ou estúdio, e que é a última parte de uma série maior,

[7 fragmentos para Georges

Méliès] – é uma de suas poucas obras em que o tema “África do Sul” é omitido. Aqui, Kentridge presta uma homenagem a Méliès e ao mito grego de Orfeu e Eurídice. A proposta realça o papel do artista no processo de criação e a forma como este é também um processo de construção, conscientizando-nos de nossa função de espectadores e dos mecanismos do aparato criativo para construir o visível sobre o visível, a realidade sobre a realidade. Ou seja, um discurso, um enunciado sobre o mundo. O cinema é, na proposta de Kentridge, o caminho perfeito para nos mostrar o que a arte tem de fantasia e ilusão. é um artista cubano que, a partir de vídeos, performances, esculturas e instalações, explora uma ampla gama de conceitos como mudança, deslocamentos culturais, emigração, absurdo, a relação entre arquitetura e ideologia, e o pensamento metafórico e poético. Em Arriba de la Bola [Em cima da bola], os espectadores se deparam com o rosto do artista, que respira diretamente na câmera, enquanto canta a frase que dá título à obra e embaça e desembaça a tela com o ritmo de sua respiração e de seu canto, experiência que – observada do ponto de vista do mero espectador – transita entre o familiar e o perturbador, e, provavelmente, denota um raro sentido de humor.

Arriba de la Bola [Em cima da bola], 2000 Vídeo monocanal, colorido, com som, 2’32” Cortesia do artista e da coleção Ella Fontanals-Cisneros


El Síndrome de la Sospecha [A síndrome da suspeita], 2006 Projeção de vídeo em um canal, colorido, sem som, 2’57” Cortesia do artista

Perturbador não só pela excentricidade, mas também no sentido de alteração da realidade, da ordem, do cotidiano. Interessado na captura do intangível – a luz, a gravidade, a névoa, o hálito –, a obra deste artista se move geralmente na fronteira entre o eu e os objetos, e se aproxima da experiência teatral, especificamente das experiências de Grotowsky, nas quais a ênfase dramática não recai na palavra, mas no gestual e na forma como utilizamos o espaço do nosso corpo e esse outro corpo que é o espaço, assim como na interação entre atores e público. Também é notório o uso que Dulzaides faz do cotidiano, que transforma e reconstrói, até transformar em um contato momentâneo com uma outra realidade, diferente daquela que percebemos no dia a dia. Também cubano,

se aventurou na combinação de pintura,

performance, happening e videoarte desde a década de 1990. A partir de então, exibiu seu trabalho em inúmeras importantes instituições internacionais. Atualmente dirige a galeria I-Mail, um projeto de ativismo através da arte eletrônica. Sua obra, que tantas vezes trabalhou com o grotesco ou o absurdo, se destaca particularmente por seu sentido de humor, às vezes combinado com uma profunda solenidade dramática; uma teatralidade na qual tragédia e comédia se comunicam para seguir em direção à construção de uma verbalidade em torno da facticidade do mundo e, especialmente, em torno da realidade cubana. Em El Síndrome de la Sospecha [A síndrome da suspeita], os olhos do artista nos olham com gestos paranoicos e desconfiados que, em primeira instância, dão risada: uma paródia da vigilância à qual os cubanos são submetidos diariamente e, ao mesmo tempo, uma dura crítica a um sistema que


Stefan’s Room [O quarto de Stefan], 2004 Projeção de vídeo em cinco canais, colorido, com som, 48’37” Dimensões variáveis Cortesia do artista e da Galeria Lehmann Maupin, Nova York

governa com base na repressão e no medo. No fim das contas, poucas armas são tão perigosas contra o totalitarismo e o poder quanto o humor. O poder não suporta deboches, principalmente os inteligentes. Com isso, Saavedra enuncia o estado das coisas e faz com que a obra seja, também, uma estratégia de resistência, em um espaço para libertação individual e coletiva. O humor e o terrível também se misturam na obra de

, cineasta

turco nascido em 1961. Em geral, seu trabalho – que mescla o documentário e a ficção – se concentra na vida de indivíduos marginalizados, examinando a forma pela qual eles criam e reescrevem sua identidade. E, quando se diz “indivíduos marginalizados”, é com ênfase especial em cidadãos da comunidade turca residentes em diversos lugares da Europa, sua intimidade e seu cotidiano, oferecendo-nos, assim, um panorama amplo e ao mesmo tempo profundamente próximo da contemporaneidade de seu país. Ataman não tem o olhar frio de um antropólogo ou sociólogo; não há em seus sujeitos despersonalização,


conversão em objetos de estudo, mas sim uma aproximação muito mais humanista, direcionada ao questionamento dos problemas relativos ao que somos enquanto indivíduos de uma espécie, e do significado e ressignificado da carga cultural dentro dessa individualidade. Stefan’s Room [O quarto de Stefan] é uma videoinstalação na qual cinco telas nos mostram a obsessão de Stefan Naumann com as mariposas tropicais, tendo mais de 30 mil espécies em seu pequeno apartamento em Berlim; uma obsessão que o consome. A obra, que começa mostrando os livros de história natural que Stefan colecionava em sua infância e logo o vai seguindo enquanto ele fala, é projetada para que os espectadores possam, por alguns instantes, adentrar a complexidade psíquica do personagem. O que começa como um inocente documentário vai se tornando, com o passar do tempo, um tipo de labirinto onde o perturbador, o desencontrado e o absurdo vagueiam até concluirmos que, de alguma forma, Stefan é outra crisálida, outro animal exótico. Assim, Ataman assina um tipo de manifesto sobre as diferenças culturais, especialmente dos personagens que não são excluídos por sua nacionalidade ou raça, mas – e principalmente – porque vivem no limite do que consideramos normal, civilizado, correto, instituído, mas que são capazes de nos oferecer, se nos deixamos permear,

Jesús Fuenmayor é diretor e curador geral da Cisnero Fontanals Art Foundation (CIFO) desde 2012. Fuenmayor foi o diretor da Periférico Caracas, um espaço de arte contemporânea na Venezuela, onde organizou mais de trinta mostras. Também foi membro do Comitê Consultivo Honorário da CIFO antes de assumir seu atual posto na organização. Fuenmayor trabalhou em várias instituições em Caracas: consultor no Museo Jacobo Borges (1992-1995), curador associado no Espacio 204 (1995-1997) e curador no Museo Alejandro Otero (2004). Foi cocurador da mostra itinerante Mercantil Collection, que passou pela Americas Society em Nova York (2005) e pelo CIFO Art Space em Miami (2007), assim como da mostra Demonstration Room / Ideal House, que passou por cidades como Caracas, Nova York, Antuérpia e Chicago (2001-2002).

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uma obscura e particular forma de beleza.



e do Som

Museu da

Artistas Alexander Apóstol Ch a n t a l A k e r ma n Claudio Perna Daniel González David Lamelas F r a n c e s c a Wo o d m an L á z a ro S a a v e d r a M u n t e a n & R o s e n b lum Ya i m a C a r r a z a n a

Projeções 14 de dezembro de 2014, às 19h 20 de dezembro de 2014, às 15h 5 de fevereiro de 2015, às 19h 8 de fevereiro de 2015, às 19h (gratuito – retirada de ingressos com uma hora de antecedência)


Esta videoinstalação apresenta uma viagem

[Do Leste,

Avenida Libertador, 2006, 5’

da Alemanha até a antiga União Soviética – que acabava de se dissolver –, entre o final do verão e o final do inverno. A fluidez da narrativa é interrompida por segmentos das tomadas que compõem o vídeo e, no final, a linguagem cinematográfica é retomada. Dessa forma, a autora expõe os espectadores à desconstrução do processo de produção cinematográfica e se detém a contemplar, também, o processo de desconstrução de um momento sociopolítico que durou quase a metade do século 20.

Neste vídeo em preto e branco de Alexander Apóstol, vários transexuais se apresentam – enquanto flertam com a câmera – com nomes de artistas emblemáticos da modernidade venezuelana, parados na avenida que dá nome à obra. Essa via, construída na década de 1950, é o símbolo dos sonhos de progresso de uma cidade que hoje se vê imersa em uma profunda polaridade política. A avenida divide, precisamente, o Leste do Oeste da cidade e, assim, divide também duas classes sociais e duas ideologias em conflito. Da mesma forma, os murais instalados nas duas paredes da avenida são, desde sempre, uma espécie de manifesto político de cada municipalidade. É isso que, de certa forma, os personagens do vídeo parodiam: o uso da arte como propaganda. Assim, estabelecem uma linha que reflete sobre as relações entre práticas artísticas, política e identidade.


Esta série de vídeos mudos ensina a fazer as unhas reproduzindo obras de vários dos artistas mais importantes do século 20. Inspirada nos milhares de tutoriais que circulam na internet – tanto por sua forma quanto por seu conteúdo – e que ensinam a fazer de tudo, a obra propõe uma aproximação à massificação da cultura e à mistura das preferências populares com as preferências da elite. Assim, também desmistifica a transmissão de conhecimento como uma capacidade de um círculo privilegiado e coloca em evidência a linha tênue que separa a arte da decoração e os usos pouco frequentes e tantas vezes kitsch que as obras canônicas acabam tendo. Por outro lado, se pensamos na proibição do uso da internet em Cuba, esta obra constitui também um ato de resistência.

um vídeo no qual dialogam, por contraste, imagens de processos industriais, paisagens

dança. A partir dessa proposta, que combina artes

visuais

e

performance,

González

toca em um dos pontos fundamentais na compreensão da modernidade como plano ontológico: a necessidade da supremacia do humano em relação à era da mecanização, a que o torna marginalizado e ultrapassado. A presença das mãos, imagem frequente no vídeo, é um sinal que, no mapa da obra, pode ser lido como um convite ao retorno a si mesmo, ao manual não como forma de trabalho, mas como identidade: a forma como nos fabricamos, nos fazemos e fabricamos e fazemos nossa própria realidade.

Nail Polish Tutorials [Tutoriais para fazer as unhas], 2010, 24’


[Estudo das relações entre espaço interno e externo], 1969 19’21’’

Nesta obra filmada em 16 mm e convertida para vídeo, David Lamelas analisa – com certo senso de humor – o ambiente de um espaço expositivo (levando em conta o arquitetônico, o social e o geográfico) e o compara à cidade que o rodeia, Londres. Para tal, ele utiliza imagens do interior e do exterior da galeria, assim como entrevistas com seis pedestres sobre a notícia mais importante daquele momento: a chegada do homem à Lua, em 1969. A partir disso, Lamelas comenta criticamente os mecanismos de relação propostos e exercidos pelas instituições artísticas entre o espaço próprio e as proximidades, o interno e o externo, e também a relação do público não especializado com aquilo que significa a galeria enquanto símbolo urbano e social. Em Disco, uma funcionária de limpeza de uma

Disco, 2005 5’05’’

personagens de A balsa da Medusa, quadro de Géricault que serviu, no século 19, para denunciar o naufrágio do barco homônimo – os sobreviventes tiveram que comer os corpos de seus companheiros mortos –, notícia que foi ocultada pelo governo francês da época. O quadro, claro, chocou o público e as autoridades. A partir dessa homenagem, Muntean e Rosenblum encontram uma brecha para falar sobre a forma com que o terrível se intromete repentinamente no cotidiano, e também para nos mostrar a profunda solenidade que pode haver na catástrofe – a música de Händel contribui muito para isso – e a forma como a arte é capaz de encontrar a beleza trágica dos acontecimentos. Por outro lado, a discoteca (seu imaginário) como espaço de enunciação não é uma escolha qualquer: ali e, como Géricault, alguém surpreendentemente os encontra, alguém os traz à luz.


A geografia é mais que um espaço, mais que uma cartografia e uma delimitação; o espaço geográfico é um ser vivo onde qualquer coisa pode acontecer. Este vídeo nos mostra uma tela com um desenho geométrico abstrato – uma tela quadriculada, de autoria do artista venezuelano Eugenio Espinoza – que pessoas distintas vão movendo, sem rumo definido, sobre as dunas do Parque Nacional de Médanos de Coro, na Venezuela. Dessa forma, a obra nos fala, em primeiro lugar, da interação dos artistas com o geométrico e, em segundo, da transformação do espaço em gesto, em símbolo, quando interrompemos seu cotidiano ou quando nos damos conta de que, se o humano é um tipo de paisagem, a paisagem também tem certa humanidade, é um ser em si mesmo.

Em Relaciones Professionales [Relações profissionais], um curtíssimo vídeo em preto e branco, dois personagens – ambos interpretados pelo artista – encontram-se e conversam. Um deles pergunta ao outro se ele esteve em certas bienais e museus do mainstream da arte contemporânea. Diante da negativa do personagem que responde, o interrogador levanta-se e vai embora. Com isso – e fazendo uso de seu senso de humor característico, especialmente quando pensamos que o vídeo esteve na Bienal de Veneza –, Saavedra revela as relações de poder entre figuras ativas da esfera da cultura e a forma como os juízos de valor parecem se estabelecer não com base nas obras, discursos, propostas ou grupos, mas com base em um determinado status institucional.

Claudio Perna [A coisa (dunas)], 1972, 7’14’’

Relaciones Profesionales [Relações


Selected Video Works [Vídeos selecionados]

Francesca Woodman Selected Video Works [Vídeos selecionados], 2005 13’25”

é uma exploração da dualidade ausênciapresença que o corpo nos propõe, nesse caso, como veículo para falar da psique e o que há nela de memória e esquecimento, de desenhado e de apagado. Diante da câmera, o corpo se transforma em reprodução de si mesmo, em cópia. Um espectro, um rastro, uma impressão que chega aos espectadores para falar de um conflito tão profundamente humano, como o que se é e o que não se é, a realidade das coisas em si e sua aparência, a maneira como se mostram para nós, e também um questionamento sobre os conflitos e traumas da artista, que é quem se expõe, quem se deixa ver, quem é analisada diante do olhar impiedoso da lente.


crĂŠditos


Supervisora

Patrícia Lira

Geraldo Alckmin

Marcelo Mattos Araujo

Renata Vieira da Motta

Ana Paula Ferreira, Christina Ravanelli, Cristina Araújo, Fabiana da Silva Ribeiro, Gildo Jesus Rocha, Isadora de Barros Xavier, Jeferson Oliveira Magalhães, Jorge D’Angelo de Barros Camargo, Márcia Aparecida de Matos, Natalia Fabrício de Lima, Rodrigo Antonio da Silva, Rogéria Cristina Soares Esteves, Rosangela Cinthia Souza Silva, Sheila Gomes de Oliveira, Wilson Basso Neto

CONSELHO DE

NÚCLEO DE

Cosette Alves

Clarissa Janini, Cristiane B. Futagawa [Sushi], Marina de Castro Alves, Natália da Silva Martis, Natália de Morais Ravagnani, Pedro Sampaio, Renata Forato

Antônio Hermann Cecília Ribeiro, James Sinclair, Marcello Hallake, Max Perlingeiro, Nilton Guedes, Simone Gil Braz

E DO SOM

Aldo Pinto Rosado Filho, Alexandre Oliveira Rodrigues, Anderson dos Santos Moraes da Silva, Clailton Silva, Ismael Pereira dos Santos, Moisés dos Santos Silva, Renan Leonardo de Jesus, Roberto Rodrigues de Oliveira NÚCLEO DE Anne Checoli, Bárbara Uetanabara Piai, Cristiane Ferreira de Almeida, Gabrielle Araújo, Marcelo Ramalho, Renan Pessanha Daniel, Renata Letícia

Supervisora

Patricia Oliveira

Coordenador

Guilherme Pacheco Carolina Pelizzuda, Giulianna Nishiyama, Laís Garcia, Leandro Matos Ferreira, Liana das Neves, Rodrigo Oliveira, Vanessa Ferreira, Yule Barbosa

Beatriz Mazzaroppe, Ieda Marcondes, Priscila Santos, Renata Tsuchiya, Silmara Marques Bruno Café Sforcin, Claudemir Santos, Diego Valverde, Eric Jeferson Oliveira Campos, Leticia Godoy, Luís Augusto de Oliveira Nunes, Wilson Guedes de Araújo

Supervisora de Operações

Rosa Maria Cavalcante André Sturm Diretor Administrativo-Financeiro

Jacques Kann

Assistentes de Supervisão

Carolina Vanso França, Cristiane Amaral, Cristina Neves, Monica Domiciano Pereira, Rafaela Penha

Assessora para Assuntos

Solange Moscato

COMPRAS Coordenador de Manutenção e

Mayara Mastelari

Administrativo-Financeira

Kerla Tamiris

Compras

João Ricardo Canhadas Costa Cristina Oliveira Silva, Mayra Moreira Maria Gonçalves

Fabiana Pinotti, Lucas Ribeiro, Mauro Kazunori Matsushita Ayaça Coraci de Castro Burigo, Bruna do Nascimento, Carla Grião, Daniele Barros dos Santos, Jessica Brito, Larissa Leitão Zampaulo, Lucas Mello Nogueira, Letícia Moreli, Maria Augusta Bortolasi, Maria Eugênia Zamaro, Mayara de Paula, Thaisa Zanardi Canova, Thássia Moro


Anderson Brito Ana Paula de Assis Franca, Emerson Rodrigo Araújo, Fernanda Correia dos Santos, Gleici Silva, Leda Gomes Amaral, Simone Gil Braz

Bianca Moschetti, Enrique Castro, Luísa Barcelli, Mariana Ambrosio Julia Gumieri João da Silva Lourenço [Índio], Letícia Felix, Maria Soraya Ximenes

Coordenadora

Isabel Maria Araújo Santos, Rodrigo Esteves, Sheila Pariz, Wesley da Silva

Coordenador

Douglas Viesa Larissa Benecke, Leonardo Ribeiro, Mariana Albuquerque, Rodrigo Bilescky Rios

Priscila Arantes

Presidente

Conselho Diretivo

Adriana Gómez Roca, Claudia Cisneros, Cuauhtémoc Medina, Lisa Phillips, Manuel de Santaren, Manuel González, Marianne Hernández, Mariela Cisneros-Mestre, Mayi de la Veja, Rafael Lozano-Hemmer

Assistente

Comunicação

Diego Paredes

NÚCLEO DE

Kelly Martínez

Coordenadora

Assistente da Fundação

N Coordenadora

Christiana de Moraes e Silva

Coordenação Editorial

Cristiane B. Futagawa [Sushi] Lili Chiofolo Design Wallacy Silva

Regina Stocklen Formato 160 x 200 mm Papel da capa 2

Coordenadora

Josimar Valerio

Fernanda Carlucci, Valdy Lopes Jn

Letícia Godoy

Tahituey Ribot

Carolina Ferreira

Julia Gumieri

Diego Machado

Lívia Caroline da Silva

Adriana Ribeiro, Mariana Sesma

Gabrielle Araújo

Jesús Fuenmayor

Jody Tao

Larissa Souto

Beto Amaral, Julia Borges Araña

Larissa Souto, Mariana Sesma

Diretor e Curador

P

Produção Executiva

Produção Paço das Artes

Ella Fontanals-Cisneros Angélica Diniz, Bruna Passos Silva, Sonia Maria Gabrieli, Taísa Silva Passos

seleção de vídeos da coleção Ella Fontanals-Cisneros

Maylin González Verónica Sesana

Papel do miolo 2

Número de páginas 48 Tiragem 1500 Impresso em dezembro de 2014


Memórias da obsolescência. Jesús Fuenmayor São Paulo: Museu da Imagem e do Som e Paço das Artes, 2014. 48 pp. Ilustrado. Publicação editada por ocasião da exposição Memórias da obsolescência realizada pelo Museu da Imagem e do Som e pelo Paço das Artes, São Paulo, de 13 de dezembro de 2014 a 22 de março de 2015. Texto português Vários autores ISBN 978-85-63611-15-4 1. Arte – Século XXI – Exposições 2. Museu da Imagem e do Som e Paço das Artes. I Fuenmayor, Jesús III. Título CDD 708 CDU 7.037 ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO 1. Arte: Século XXI: Exposições 708

Av. Europa, 158, Jd. Europa 01449-000 São Paulo-SP T 11 2117 4777 www.mis-sp.org.br museudaimagemedosom @mis_sp @mis_sp /missaopaulo

Avenida da Universidade, 01, Cidade Universitária 05508-040 São Paulo-SP T 11 3814 4832 www.pacodasartes.org.br pacodasartes @pacodasartes /pacodasartes




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