FICHA TÉCNICA Título: «Os Nossos Escritores | 5» Âmbito: Concurso de escrita criativa—Biblioteca Escolar
Autores: alunos do AEMM Mise en page e arranjo gráfico: Maria Manuel Carvalhais
Data: 2013-2014 Edição: Escola Morgado de Mateus
Colet창nea
Í ND IC E D ua r te F ig ue ira Noite na Cidade Ensaio sobre a Viagem
J úlia Me lo Lágrimas de um Palhaço (Des)encontros A Boneca de Retalhos Talvez As tais
V e ra R ib e ir o Tudo é impossível até que seja feito O Dom da Reflexão
C h an d an i V er ma Eu
L ilia n a G a ch e Um Brilho no Olhar
G io v a n a Me lo Crónica de Natal Ela, Ele. Belos
S o fia C a p e la Um Sonho de Sermão Nada me revolta mais que as injustiças…
J úlia Me lo Capa do livro Ilustrações dos textos
PR EFÁC IO Em jeito de prefácio Em jeito de prefácio desenho palavras introdutórias, traços renovados e coloridos pelo entusiasmo de uma nova edição. Não é por acaso que escrevo desenhando: é que desta feita o livro se faz de texto e de ilustração, artes conjugadas que dialogam e convidam, para uma conversa diferente, cada um de nós. De que falaremos? De sonho, de realidade, de imaginação, de amor, de medo… sentimentos, valores humanos, vida, enfim. Os autores são jovens, mas o seu mundo é grande e rico e cheio de promessas! O que nos dão em troca do nosso olhar e da nossa atenção é a ingenuidade, a sabedoria e o mistério do seu universo surpreendente.
Professora Maria Manuel Carvalhais
Noite na Cidade Duarte Figueira, 12º D
E saio. O efémero fumo de cigarro do vizinho alemão do terceiro esquerdo sai comigo. Através da porta aberta e da escuridão que preenche o fétido hall de entrada, consigo perceber a brasa do pequeno cigarro, também alemão. Velhos homens, velhos vícios.
Ao correr a porta, o fumo cinzento sobe, esbatendo-se leve e trémulo, contra o manto negro que pousara sobre a cidade há horas atrás. Uma brisa que ameaça transformar-se em vento assobia. De quando em vez, surge um rugido e algum vizinho mais medroso acorre ao varandim, observando a noite e centrando-se, pouco tempo depois, no louco que percorre a cidade por entre nevoeiros e luzes. Sinto os pesados olhos vítreos das janelas pousados em mim, forçados a bater as pestanas quando a súbita ventania agride. Ouço, por vezes, o citar de um poema na escuridão de um beco mais recôndito e imagino que, afinal, talvez não seja o único louco a vaguear por uma cidade quase deserta a horas tão impróprias. O perigo brilha, às vezes, nos lugares mais sombrios. Hoje, os poetas são loucos e os violentos são deuses. Os deuses são violentos… Chego à conclusão que pouco adianta vaguear no inverno. A morte povoa todo o sítio e, parece-me que só um poeta morto poderia retirar inspiração da dor branca e do sofrimento longo que a estação traz. Ou, talvez, um louco.
Os ramos moribundos de um qualquer parque queixam-se. Não gostam da nudez a que foram sujeitos e imploram que os cubra. Não respondo e o silêncio com que retribuo parece acentuar o macabro contido na voz deles. De repente, saudades do calor da lareira chegam. A cidade parece ameaçadora depois de tantas horas a vaguear e a dormência dos membros parece um fator mortífero. Talvez me deite. A voz morta dos carvalhos não parece tão má e horrenda quando a letargia me abate. Fui poeta mas é o meu vizinho alemão que fuma um cigarro no terceiro andar enquanto eu, dormente, cansado e derrotado, jazendo num banco frio de jardim, adormeço.
Ensaio sobre a Viagem Duarte Figueira, 12º D
A cada lugar associamos uma vida diferente. Aqui somos uma determinada pessoa, ali outra e além ainda outra, distinta. Aprendemos a associar a lugares um determinado modo de vida, com características, parâmetros e padrões diversos. Assim, a viagem, essa passagem efémera por diversos locais, representa a vida na sua totalidade, uma multiplicidade de formas e modos de ser, de estar, de viver, uma existência global plena de diferenças que enriquecem e aprofundam a noção de “vida” e o modo como a desfrutamos.
Viver é aprender e viajar é um dos livros. Apenas a imersão numa determinada cultura, num certo modo de vida permite apreender todas as nuances que o tornam único; esta imersão é atingida viajando, ainda que possamos obter por outros meios informação. No entanto, experiências vividas podem apenas ser vividas na primeira pessoa, através da presença física local. Viajar é, ainda, promover a igualdade e a união. Através dos continentes, onde inúmeras culturas diferentes coexistem, alcança-se o respeito. Quando aprendemos como são os outros e entendemos o seu caminho e rumo, aprendemos também a ser mais tolerantes e a abrir as nossas mentes. Concluindo, a viagem é um meio positivo para ganhar novos conhecimentos, viver experiências únicas e aprender a respeitar e tolerar, porque “a vida é boa demais”, é rica demais e é preciosa demais para “ficarmos sempre no mesmo sítio”.
Lágrimas de um Palhaço Júlia Melo, 10º C
No imenso corredor de pedra e concreto, um senhor de boina verde encostado na parede toca La Vie En Rose com uma sanfona já desgastada e uma caneca de aço ao seu lado, enquanto uma garotinha grita e arrasta a sua mãe pelo braço até à máquina de rebuçados ao lado da cabine fotográfica. O alto falante anuncia um atraso no trem que viria em seguida. A mãe, já exausta do teatro criado pela filha, cede e presenteia-a com uma moeda que cala os gritos da pequena quase instantaneamente.
Do outro lado, sentada num banco com um livro no colo, apenas observo. A entrega do senhor à música, ainda que tenha a barriga cantando de fome, a menina que luta por um doce que logo esquecerá, a mãe que faz qualquer coisa para que a filha se dê por satisfeita. Tudo tão irónico. Lembro-me do livro sobre o meu colo, um romance conturbado entre uma jovem sonhadora e um garoto problemático. Tão previsível. Eles deixar-seão levar pelos acontecimentos, passarão por dificuldades e no fim nem sequer ficarão juntos. Tolos! Tento concentrar-me na história. A garota grita novamente. Porém agora é a cabine fotográfica. Ouço barulho de passos aproximando-se até que o som compassado cessa. - Posso me sentar? Levanto o olhar. Ténis de corrida pretos, calças jeans, camisa verde amarrotada, mochila às costas e cabelo castanho escuro despenteado. - Claro! Senta-se como se não descansasse há anos. Observo -o com o canto do olho: coloca a mochila do seu lado esquerdo. Estará atrasado para o trabalho? Isso explicaria o cabelo e a respiração ofegante. De
Do outro lado, sentada num banco com um livro no colo, apenas observo. A entrega do senhor à música, ainda que tenha a barriga cantando de fome, a menina que luta por um doce que logo esquecerá, a mãe que faz qualquer coisa para que a filha se dê por satisfeita. Tudo tão irónico. Lembro-me do livro sobre o meu colo, um romance conturbado entre uma jovem sonhadora e um garoto problemático. Tão previsível. Eles deixar-seão levar pelos acontecimentos, passarão por dificuldades e no fim nem sequer ficarão juntos. Tolos! Tento concentrar-me na história. A garota grita novamente. Porém agora é a cabine fotográfica. Ouço barulho de passos aproximando-se até que o som compassado cessa. - Posso me sentar? Levanto o olhar. Ténis de corrida pretos, calças jeans, camisa verde amarrotada, mochila às costas e cabelo castanho escuro despenteado. - Claro! Senta-se como se não descansasse há anos. Observo -o com o canto do olho: coloca a mochila do seu lado esquerdo. Estará atrasado para o trabalho? Isso explicaria o cabelo e a respiração ofegante. De
A Boneca de Retalhos Júlia Melo, 10º C
Outono. Outubro. Em um bairro qualquer, os ventos gélidos navegam por entre as casas contornando cada pessoa que passa sussurrando-lhes no ouvido mentiras secretas. Eles passam de rasante na calçada fazendo as folhas rubras secas dançarem ao seu comando. Nesta rua, há uma casa. Casa esta exatamente igual a todas as outras do bairro. Sem nada de especial. Uma corrente de ar passa pela fachada da casa tocando o sino dos ventos. A árvore se debate
desesperada contra a pequena janela redonda do sótão. Lugar inóspito e desordenado, repleto de tralhas e cacarecos. Rádios velhos, almofadas rasgadas, cadeiras quebradas, loiças rachadas, guarda-chuvas inúteis, sapatos perdidos, livros empilhados aos montes... Tudo unido por teias de aranha translúcidas e de formas complexas. No canto, sentada sobre um carretel de linha, uma menina. Uma pequenina feita de sonhos, pano e olhos pretos de botão. Pamela. Ela olha-se através dum pequeno pedaço de espelho: cabelo preto de barbante, olho de botão frouxo e vestidinho florido amarrotado. Pamela não é uma mera boneca... É diferente. Ela não é como as demais que ficam engaioladas em estantes de loja. Bonecas de beleza impossível. Peças frias almejadas por todas as meninas. Brinquedos de plástico. Ela é de pano. Ela rasga, esfarrapa, desgasta, descostura. É delicada e frágil, doce e meiga. Cada braço, cada perna cosida cuidadosamente. Preenchida de retalhos e espuma ao contrário das demais bonecas, ocas e superficiais fabricadas em série. Pamelas são cada vez mais raras. As pessoas quando andam por entre as várias prateleiras procuram aquela mais bonita. Não importa o que elas
carregam dentro de si mesmas. É o rosto. É o vestido. É a caixa. As compram (por mais alto que seja o preço) e as levam para casa as colocando novamente lá no alto, na prateleira, as expondo como uma obra de arte achada nos confins de um porão abandonado. E elas duram duras, sentadas, até que corram boatos da existência de uma mais deslumbrante na loja. E assim ela será substituída por uma mais nova, mais bonita, mais cara e, sobretudo, mais vazia. Pamela levanta-se e vai até a janela. A rua está deserta e a chuva cumprimenta o asfalto em forma de garoa. Ela pode ser de pano, pode não ser a mais bonita nem conseguir manter-se de pé sozinha. Mas não importa quantas vezes ela caia, ela manter-se-á intacta e todos os retalhos dentro dela absorverão o impacto. Ela continuará aqui. Sentada de frente à janela aguardando o dia em que alguém a queira em sua prateleira.
Talvez... Júlia Melo, 10º C
Matéria forte onde se encontra apoio. Mente fraca tomada pelo prejulgamento. Homem virado para a porta. Esguia e inerme, seu corpo a limita. Pensamentos vastos, mantém-se precavida. Mulher olhando pela janela. Quarto de segredos. Ouve-se o relógio na parede. Na fotografia em cima da mesa ele e ela no último verão.
Ele se vira para ela. Estica um braço em sua direção. Pele suave e gélida. Cabelos pretos sobre o ombro. O olhar dela está distante. Talvez nas luzes coloridas dos prédios, talvez no céu negrume, talvez... Uma buzina toca na rua. Ele para, recua e encolhe o braço. Tolice Pega o telemóvel sobre a cama, sai e bate a porta. O relógio cai no chão e ela chora.
As tais... Júlia Melo, 10º C
Palavras mal ditas. Palavras implícitas em meu olhar, este por sua vez perdido, mas que te procura. Palavras que sempre te disse em meus confusos pensamentos, mas que em seus atentos ouvidos sequer chegaram. Palavras. Malditas sejam! Maldita seja tua boca berço do meu encanto, mas que ainda involuntário,
motivo do meu desalento. Frases soltas, jogadas ao vento, mas que humildemente apanhei. Maldita seja a adolescência! Consciência repleta de pensamentos, ainda que complexos e profundos, são despertados pelos mais fúteis e insignificantes motivos. Rotas sinuosas, mas que, ainda temerosa, percorro correndo. Palavras. Mal ouvidas, tomara! Porque suas palavras me magoaram e rezo toda noite para que mentirosas sejam. Mas se verdade forem... O que hei de fazer?
Tudo é impossível até que seja feito Vera Ribeiro, 11º A
A vida é feita de surpresas, e a nossa missão é viver. Alguns momentos podem durar pouco, mas ficar na nossa memória por muito tempo. Com esse tempo aprendemos a “jogar” na vida, aprendemos que nem todas as manhãs são de sol, e que nem sempre a vida é como nós queremos. Com o tempo descobrimos pessoas e sentimentos, aprendemos a valorizar cada segundo que temos, pois num segundo tudo pode mudar, até a capacidade de concretizar o impossível. Todo o dia é um novo amanhecer, com novas expectativas e novos objetivos a serem traçados, com novas metas a serem atingidas. Por princípio, somos
seres limitados, mas na vida é preciso corrermos riscos, porque o maior perigo é não arriscarmos nada. Há pessoas que não correm riscos, não fazem nada, não têm nada e não são nada: não mudam, não crescem, não amam, não vivem. Somente a pessoa que corre riscos é livre. Por isso, temos de lutar, acreditar, não nos rendermos tão facilmente aos obstáculos impostos pela sociedade, prosseguindo sem medos e receios. Na verdade, há etapas da vida em que achamos que aquele é o momento certo, o nosso momento, e que devemos aproveitá-lo da melhor forma possível: viver cada minuto como se fosse o último. Perdemos? Não! As nossas derrotas servem como lição para um novo sonho. Devemos pensar no presente, fazer tudo o que queremos e da forma que queremos, porque na verdade tudo é mesmo impossível até que seja feito. Concretize sem ter medo de concretizar, sonhe sem ter medo de sonhar, viva sem ter medo de viver, pois, de facto, na vida não há limites.
O Dom da Reflexão Vera Ribeiro, 11ºA
Caminho pela praia, na areia molhada, com aquela brisa fresca, aquela natureza incrível, aquelas pegadas que deixam marcas, aquela tranquilidade, aquela paz que se faz sentir… O sol está a pôr-se e avisto o horizonte, que transparece oportunidades, sonhos, vivências. São essas vivências que me fazem refletir. Refletir… Afinal o que é?... Estou sozinha, rodeada de ar puro, de ambiente sereno e decido sentar-me,
Aquela água límpida foi como se entrasse dentro de mim e desapareceu tudo da minha cabeça, do meu ser, da realidade, como se começasse do zero, de uma longa linha inicialmente constituída por um só ponto. A partir daqui, voo mesmo sem asas, voo naquele azul imenso com algumas nuvens pelo meio, voo à descoberta! O tempo dá um grande pulo, passaram-se anos e eu volto ao lugar de onde tinha partido, volto à realidade! E o mais fascinante, é que volto a lembrarme de tudo: quem sou, como sou, de onde sou, o que faço ali, o porquê de estar só. Continuo… continuo a refletir, e acordo sobressaltada, como se me estivessem a pressionar, a invadir-me de forma cruel. Chego à conclusão que tudo não passou de um sonho, que tudo não passou de pura fantasia, que tudo não passou de uma ilusão. Depois, sinto um arrepio, sinto o meu coração bater mais forte, sinto que o impossível se encontra ao fundo e decido segui-lo. Nem consigo olhar, aquela
luz intensa, penetrante, foi como se me ultrapassasse. E, de repente… Desapareceu… Faço o caminho inverso e volto a sentar-me, vejo o bater da água nas rochas, vejo a fúria daquele oceano, vejo a finura daquela areia, vejo uma estrela -do-mar. A estrela sorriu para mim, olhou-me ternamente e disse num tom quase silencioso: o dom da vida é podermos viver uma realidade, uma verdade e não num martírio, com altos e baixos, onde apenas paira a obsessão e a ilusão. De repente, é levada por aquele enorme manto, nunca mais a vi… Vou erguendo lentamente a cabeça e olho em frente, sigo em frente e volto a lembrar-me de tudo, como se ainda estivesse naquele sonho… Mas agora é diferente! Tenho consciência que apesar de continuar a ser uma palavra pequena e difícil de explicar, agora sim, sei o que é refletir. E, por fim, volto a fazê-lo…
Eu Chandani Verma, 12ºD
E no meio do caos, Não há anjos, Não há luzes, Apenas eu… Tudo é meu E eu sou tudo! Efeito e consequência! Energia que paira,
Pensamentos que criam… Desejos mundanos Que moldam futuros… Inevitável! De que vale laços criar?! Sentimentos nobres de almas vitimizadas, Há um só culpado. Mudar?! Doce ilusão! Racionalizar, sim, Analisar cada caminho. O ontem será o hoje. Consciência, realização o quanto antes.
Um Brilho no Olhar Liliana Gache, 9ºD
Um brilho veio a mim na noite de luar e eu a mão lhe deitei para o apanhar! Hoje a ti o ofereço que é parte da minha vida, acorda por favor dá-me a mim essa alegria! O mundo inteiro te espera, não o faças aguardar, para o fazeres feliz apenas te basta acordar!
Os olhos vais abrir e alegria tu nos vais dar, por te ver acordada e viva com um brilho no olhar!
Crónica de Natal Giovana Melo, 7ºE
É Natal! Ou melhor, será Natal, mas a indústria do marketing parece não ter calendário. Quem nunca chegou em outubro e viu propagandas natalícias? Vale tudo para vender um produto. Até antecipar em dois meses uma data festiva! Quando chegamos em novembro, a epidemia já se espalhou e todas as marcas já lançaram seus especiais de Natal. Os “dinggles” irritantes juntam-se à propaganda repetitiva, e acredito que essa é a época onde os calmantes são mais vendidos. Quando, por fim, desligamos a TV e o rádio, nos lembramos da ceia. É então que aquelas propagandas pouco originais de supermercado
atingem seu objetivo: fazer com que esvaziemos nossos bolsos de bom grado para servir do bom e do melhor. Mal chegamos em casa com a comida, nos lembramos dos presentes. Creio que os presentes são os mais difíceis, pois além de escolhermos a loja, temos de escolher dentre muitas marcas, todas elas com o mesmo discurso: “Neste Natal, dê o melhor presente, dê...” Mas, enfim, conseguimos escolher o presente. Entregamos o tesouro na mão do nosso amigo ou parente, só para ver ele (totalmente alheio ao nosso esforço) ir trocar a nossa prenda por uma que lhe agrade mais. O mais engraçado é que deste modo, o Natal, uma data festiva em que devíamos descansar e desfrutar da família, transforma-se numa cansativa batalha contra as propagandas enganosas.
Ela, Ele Giovana Melo, 7ºE
Ela... ...está sentada no sofá que antes dividiam. Lágrimas escorrem pelo seu rosto. Sua maquiagem bela está, agora, borrada e sinistra. Tem as faces rosadas e aliança na mão. Ela gira a aliança enquanto soluça baixo. Olha para o anel. Ele está inteiro e brilhante, mas ela sabe que o amor que ele representa não. Um soluço mais alto. Ela não devia ter feito aquilo. Chora de raiva de si mesma. Por um momento fita o telefone.
Talvez ela pudesse ligar. Pedir para ele voltar. Ela pega o telefone e disca os algarismos. No último hesita. Por que ligar? Ele jamais vai perdoá-la! Então desiste. Bate o telefone e sobe para o seu quarto. Talvez, se aquele último número tivesse sido discado, ele a tivesse perdoado. Ele... ...está sentado em uma poltrona. Um amigo havia-o deixado passar a noite na casa dele. Ela com certeza já devia ter adivinhado para onde Ele havia ido. Para onde mais iria? Ele não tinha família na cidade. Sempre acreditou que aquilo não seria um problema, afinal, Ela estava ali com ele. Era só Dela que Ele precisava. Agora seu mundo estava de cabeça para baixo. Ele passa a mão nos cabelos, angustiado. Aquilo não podia ser verdade. Ele a amava tanto! Será que Ela não? Será que não sofria? Será que não iria ligar? Talvez se Ela pedisse perdão, se desse sinal que ainda o amava, Ele a perdoasse. Por um momento fitou o telefone. Mas o momento passou e nenhum toque quebrou o silêncio há muito instalado.
Talvez ela pudesse ligar. Pedir para ele voltar. Ela pega o telefone e disca os algarismos. No último hesita. Por que ligar? Ele jamais vai perdoá-la! Então desiste. Bate o telefone e sobe para o seu quarto. Talvez, se aquele último número tivesse sido discado, ele a tivesse perdoado. Ele... ...está sentado em uma poltrona. Um amigo havia-o deixado passar a noite na casa dele. Ela com certeza já devia ter adivinhado para onde Ele havia ido. Para onde mais iria? Ele não tinha família na cidade. Sempre acreditou que aquilo não seria um problema, afinal, Ela estava ali com ele. Era só Dela que Ele precisava. Agora seu mundo estava de cabeça para baixo. Ele passa a mão nos cabelos, angustiado. Aquilo não podia ser verdade. Ele a amava tanto! Será que Ela não? Será que não sofria? Será que não iria ligar? Talvez se Ela pedisse perdão, se desse sinal que ainda o amava, Ele a perdoasse. Por um momento fitou o telefone. Mas o momento passou e nenhum toque quebrou o silêncio há muito instalado.
Belos Giovana Melo, 7ºE
Ela? Nada de especial. Cabelos pretos, banais. Pele morena clara, com demasiadas pintinhas para o próprio gosto. Olhos um pouco grandes, assim como a boca. O cabelo também é ondulado e cheio, difícil de domar. Essa é a opinião dela. Ele? Nada de especial. Cabelo muito crespo e curto. Cicatrizes de lesões de acne passadas. Os olhos e os cantos da boca muito enrugados. Boca meio pequena e barba muito rala. Rosto esguio e magro. Essa é a opinião dele. Mas, pela manhã, quando ambos fingem dormir para adiar o inevitável acordar, cada um se lembra do rosto do outro. Ela? Lembra-se do rosto dele com
engraçadas cicatrizes, as ruguinhas que fazem seu sorriso mais bonito e seu rosto esguio que lhe dá um ar mais juvenil. Ele? Lembra-se de seus lindos olhos, tão vivazes, de suas charmosas pintinhas e seu belo cabelo escuro que combina perfeitamente com seu tom de pele. Porém, nenhum deles diz isso ao outro. Ambos levantam-se e vivem mais um dia, sem saber o quão belos são!
Um sonho de sermão Sofia Capela, 11ºC
Hoje tive um sonho. Sonhei que estava numa praça, já não me recordo exatamente onde, mas sei que ficava próxima dum rio, dum lago ou do mar porque se via, a alguma distância, imensos peixes com a cabeça fora da água, aparentemente atentos à situação. No centro da praça, num plano mais elevado, estava um púlpito com um homem, um padre que discursava. As pessoas à minha volta iam abandonando uma a uma aquele lugar. “Não há paciência para sermões” diziam. Lembro-me que ficaram apenas sete a ouvir estas as palavras:
O meu nome é António Vieira. Nasci em Lisboa em 1608. Fui um padre jesuíta, pregador da corte de D. João IV e defensor de causas nobres. Os meus sermões, em estilo barroco conceptista, visavam ensinar, agradar e persuadir. Convenciam tanto pela razão como pela emoção. Sinto-me muito honrado por ter sido valorizado pelo grande português Fernando Pessoa, que me considerou um importante vulto literário do século XVII e, por isso, me chamou “Imperador da Língua Portuguesa”. Para além disso, esse nosso excelente poeta deu continuidade a um dos meus sonhos: o do Quinto Império português, um império espiritual e cultural de que Portugal tanto precisa. Tenho de confessar-vos que, neste meu regresso, estranho que um dos meus sermões, o de Santo António aos Peixes, seja atualmente estudado nas escolas públicas. Perguntar-me-ão a que se deve o meu espanto… Pois eu explico: entre tantos outros que escrevi e proferi (quase duzentos), este é um dos meus textos alegóricos mais críticos a nível social e bem sabeis que os homens não gostam de ouvir críticas. (Basta olhar para esta praça, quase vazia). Fico satisfeito por, apesar de satírico, este ser um dos
textos argumentativos mais apreciados de todos os tempos, não só pela sua estrutura, mas sobretudo pelo excelente trabalho de ideias e conceitos. Desculpem-me a falta de modéstia, mas julgo que o meu poder discursivo, metafórico, imaginativo e satírico permanece inigualável! (Ocorreu-me agora que não sei bem a que peixe eu poderia atribuir este defeito… Mas já pouco importa porque, desta vez, não tomarei o exemplo de Santo António em Arimino, o melhor de todos os pregadores, como referi no exórdio; não me dirigirei aos peixes, pois estes já revelaram muita paciência e já ouviram mais do que eram capazes de entender: os meus louvores e as minhas repreensões, primeiro em geral – na exposição dos meus argumentos - e, depois, em particular – na confirmação através dos exemplos). Para ser sincero, estranho também o estilo da literatura moderna, tão diferente da barroca, que era tão trabalhada, com jogos de palavras e de conceitos, metáforas, paralelismos anafóricos, enfim um saudoso burilar da forma que hoje parece ter caído em desuso. Aliás, como certamente vós já reparastes, estou a tentar adaptar-me às novas
tendências... Mas o que mais me desedifica hoje é que todos os males que havia na sociedade se mantêm, embora quase quatro séculos nos separem da época em que, em São Luís do Maranhão, no Brasil, proferi o Sermão de Santo António aos Peixes. Este é o assunto que eu tinha para tomar hoje. Reitero as mesmas críticas que fiz a 13 de junho de 1654, quando homenageei Santo António. Se bem vos lembrais, isto aconteceu três dias antes de eu regressar ocultamente a Portugal para tentar obter uma legislação justa para os indígenas brasileiros. (Como sabeis, eu tinha emigrado para o Brasil na infância, juntamente com a minha família e foi aí que estudei e me tornei missionário. Sempre defendi os direitos dos povos indígenas, combati a sua exploração e escravização e fiz a sua evangelização numa tentativa de combater as cegueiras como o peixe de Tobias, contando que a minha palavra tivesse o poder da rémora e fizesse tremer os meus ouvintes, como fez o torpedo com os pescadores, para os redimir dos seus pecados).
Por isso, ouvi o que tenho para vos dizer: continuo a ter motivos para louvar o bem, mas sobretudo para repreender o mal. Sabei que eu não esperava encontrar, tanto tempo depois, um mundo tão corrompido pelos vícios das boas aparências e dos brandos costumes. Pergunto-me se foram válidos os meus ensinamentos sobre as virtudes, mas sobretudo sobre os vícios humanos alegoricamente representados nos peixes. Continuo a encontrar muito Polvo, esse "peixe aleivoso e vil" que hoje vós apelidaríeis provavelmente de “Chico esperto”, expressão emblemática que usais com frequência para referir aquele que quer parecer o que não é, para se aproveitar disso. Caros portugueses, virai os olhos para a terra, que é o vosso elemento, e vede como a sociedade se mantém tão inalterada nos seus hábitos corruptos e nos vícios que minam - há vários séculos - o sistema social, político e económico do nosso país. Retirem-se as datas, o contexto da escravatura dos índios no Brasil e todas as evidências daquela época e estamos perante um espelho de maus vícios que se repetem.
Quantos pegadores oportunistas e dependentes inundam as nossas praças? Quantos roncadores vaidosos e arrogantes abrem as goelas mais do que deviam? Quantos polvos nos atraem com boa aparência e, depois, nos traem e nos sufocam, com falta de substância e de honestidade? Quantos voaram acima das suas possibilidades, dando um passo maior que a perna e, tal como Ícaro, acabaram por se queimar e por cair? Quantas criaturas terrestres de duas mãos, duas pernas e de apenas dois olhos (quem lhes dera ser como o quatroolhos!) refletem a pequenez, a cegueira e a vaidade de uma boa parte da sociedade? A antropofagia social e a lei do mais forte mantêm-se. Todos os seres humanos são, afinal, falíveis e capazes de nos desiludir. Enfim, eu quis que o sal salgasse, mas o sal salga cada vez menos. Será que o sal não salga porque não é de boa qualidade? Ou será que vós não vos deixais salgar, porque não vos convém? (Desculpaime este regresso ao estilo barroco e conceptista, mas não é fácil largar velhos hábitos… Ou então, agradecei-me por vos recordar o que é boa literatura
e boa estratégia argumentativa!). Olho para Portugal, hoje, e vejo um país onde muitos vão empurrando a vida com a barriga, falando do que não conhecem, criando estigmas sobre aquilo que não querem ver: ciclos viciosos de corrupção, de preguiça, de ausência de mérito. (São estes os piores cegos!) Meus caros, olhai à vossa volta e vede! E com esta última advertência me despeço. O que fazeis vós para evitar a perpetuação de tantos vícios? Não tenhais medo de defender o bem e de criticar o mal, de denunciar a irracionalidade de alguns homens, de lutar contra a subjugação, contra a exploração e contra a humilhação. É verdade que sempre que alguém ousa questionar a ordem estabelecida é alvo de perseguições. Aliás, eu sou um bom exemplo disso: ao longo da minha vida, mesmo recorrendo a alegorias, acabei por ser perseguido quer pelos colonos, incomodados pela minha oratória em defesa dos indígenas, quer pela Inquisição que me acusou de ter opiniões heréticas, me proibiu de pregar e me condenou à prisão. Tive de partir para Roma onde me
valeu a proteção do papa Clemente X. Mas isso já pouco importa. O que vos peço hoje é que luteis para que as virtudes prevaleçam sobre os vícios. Lutai para que os poderosos do vosso tempo parem de explorar de uma forma tão ostensiva e sem escrúpulos os grupos desfavorecidos! A melhor homenagem que podeis prestar-me é passar a mensagem de que, no mundo, existem condições para que todos possam satisfazer os seus desejos sem ter de lesar o próximo. Por isso, meus caros portugueses, prometei-me que ides emendar-vos, se for o caso, e que ides salgar a terra (sim, porque o mar já é demasiado salgado, e muito do seu sal são lágrimas minhas pelo estado de Portugal)! Que Deus vos proteja nesta missão!”
Depois de ouvir estas palavras, olhei à minha volta, não havia praça nem mar, não havia pregador, nem homens, nem peixes… Foi então que acordei!
Nada me revolta mais que as injustiças... Sofia Capela, 11ºC
Hoje foi um dia mau… Havia muitas nuvens e muito frio dentro de mim e isso refletiu-se à minha volta. O sol esteve tímido e a temperatura muito baixa para um dia que se queria primaveril… Há dias assim. Cinzentos. Amargos. Com palavras ocas ou cruéis. Com palavras que se soltam ácidas, com lágrimas que correm à mistura, salgadas e descontroladas… Por pouco, quando comparado com as amargas agruras da vida das gentes
miseráveis, começou a chover dentro de mim… Estou muito emotiva, hoje! Nada me revolta mais que as injustiças… Hoje tive uma discussão… Não costumo envolver -me em conflitos inúteis. Sempre tentei virar costas às agressões, às pessoas que azedam facilmente, que procuram argumentos vãos, só para manterem uma razão aparente, mesmo quando todos sabem que já a perderam há muito. Não gosto que tentem iludir-me com justificações desconexas, com palavras destruidoras que não me convencem a não ser do contrário do que querem significar… Não suporto falsidades, por isso hoje sinto-me invadida por um tsunami de tristeza que quase me sufoca… Sinto-me impotente face a esta injustiça… Não sei como resolver esta situação e apetece-me desistir… Não adianta tentar reter estas ondas que me enrolam… Gotas de cloreto de sódio correm-me pela face. Parece que vão corromper totalmente o meu rosto, destrui-lo, envelhecê-lo… A força deste mar salgado é tal que me desequilibra! Vou cair.
Não, não vou cair! Nem tudo está perdido… Sei que tenho onde me agarrar. Há mãos à minha volta. Os meus pais e os meus amigos estendem-me uma boia de salvação… Estão sempre perto para travar os meus medos, iluminam as minhas noites mais escuras, tentam compreender as minhas angústias, limpamme as lágrimas com sorrisos e palavras de conforto. Dizem-me que tenho de enfrentar estes e outros obstáculos, que a vida é um desafio constante, que tenho de relativizar o que não tem a importância gigante que imagino… Têm razão. Sei que tenho de aprender a ignorar certas pessoas, certas palavras falsas, certas insinuações injustas que me magoam, certos argumentos que ofendem a minha inteligência… Mas não suporto a injustiça, não suporto a falsidade…