Curso Direitos e Ativismo Social

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Curso: Direitos Humanos,Políticas Públicas e Participação Social

Autor e Professor: Alexandre Ciconello Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2015

Sobre o curso: Queridos/as alunos e alunas. Esse curso virtual foi desenvolvido com o objetivo de debater temas fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável. O foco do curso será o debate sobre direitos humanos, participação social e políticas públicas. O curso está dividido em três módulos: • Direitos Humanos e os obstáculos para a sua realização • Políticas Públicas • Participação Social e Mobilização Cada módulo é composto de um texto orientador, dealguns vídeos e de um exercício proposto pelo professor-tutor. Durante cada módulo, utilizaremos o fórum virtual como um espaço de debate e troca de percepções de todos/as participantes sobre os temas e conceitos apresentados ao longo do módulo. Espera-se que a participação no curso possa propiciar uma compreensão e reflexão crítica dos Mobilizadores do COEP sobre temas relevantes do debate público na atualidade para que tenham uma ação social mais consciente, livre e fundada em princípios ético-políticos emancipatórios.

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Objetivo do curso: O objetivo do curso é apresentar conceitos e ideias que deveriam nortear as normas de convivência social, a elaboração das políticas públicas, assim como, ser a base para as decisões de políticos e autoridades públicas. Direitos Humanos e Democracia são os princípios que constituem o Estado Brasileiro. É o que chamamos de um Estado democrático de direitos, que pode ser entendido como um Estado onde a tomada de decisões é feita por representantes eleitos pela população e de forma direta e participativa com a finalidade de garantir uma vida digna para todos e todas. Ao longo dos módulos, serão apresentados conceitos sobre direitos humanos, democracia, desigualdades, políticas públicas, indicadores sociais, cidadania e participação social. Para além de propor uma reflexão, entendimento e apropriação desses princípios, o objetivo do curso é instigar uma leitura crítica dos obstáculos existentes para a efetivação de direitos, a redução das desigualdades e discriminações na sociedade brasileira. Uma vez compreendido o rumo a ser seguido, quais seriam as barreiras que impedem que todos/as tenham uma boa vida e o que fazer para impulsionar processos de mudanças. O COEP convida a todos/as para participar do curso com autonomia, espírito crítico e investigativo. Sintam-se livres para questionar, debater, apresentar dúvidas e dificuldades. Desejamos a todos/as uma boa jornada nessas próximas semanas.

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MÓDULO 1 – DIREITOS HUMANOS E OS OBSTÁCULOS PARA SUA REALIZAÇÃO

O que está acontecendo com o mundo que vivemos? O mundo enfrenta atualmente uma situação de crise que se expressa em várias dimensões. Observa-se o crescimento de conflitos armados, alguns por motivos religiosos, em diversas partes do mundo. Esses conflitos vêm gerando o deslocamento de milhares de pessoas que na fuga pela sobrevivência tornam-se refugiados. Há também uma generalizada crise de representação política, que é visível por meio da ocorrência de diversas manifestações populares em todo o mundo, com a participação massiva de jovens mobilizados por meio de redes sociais na internet. Protestos na Espanha, Grécia, Turquia, Venezuela, e em países árabes na chamada “Primavera Árabe” têm sido duramente reprimidos em diversos países. Essas demonstrações de insatisfação da população com relação às decisões de lideranças políticas, vêm questionando e desestabilizando regimes políticos com demandas de maior participação e transparência. Os regimes políticos não tem sido capazes de garantir participação, liberdade e igualdade para a maioria da população. Para além da crise humanitária e política, vivemos uma crise ambiental com a aceleração do aquecimento global, causado por uma exploração cada vez maior dos recursos naturais e florestais. As mudanças climáticas e a progressiva destruição das florestas e da biodiversidade pode colocar a sobrevivência humana e de outras espécies em risco, provocando impactos significativos nas condições de vida de milhões de pessoas no próximo período. Estudo recente do cientista Antônio Nobre do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) afirma que com 20% da floresta desmatada e outros 20% degradados, a Floresta Amazônica já começa a falhar no seu papel de regulação do clima na América do Sul. A ganância e a falta de regulamentação na economia, especialmente, dos mercados financeiros, tem gerado uma acumulação de capitais e recursos na mão de poucas pessoas e empresas, gerando grandes desigualdades entre ricos e pobres em todos os países.

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Na América Latina, temos observado o crescimento da violência cometida pelo Estado em países como o México, justificado pelo discurso da guerra às drogas. A região continua com os maiores índices de homicídio no mundo, tendo a situação piorado em países como o Venezuela e o Brasil. Vivemos, portanto, um momento de crise que pode nos levar a massivas violações de direitos humanos e emergências humanitárias não só no Brasil como em várias partes do mundo. Ao mesmo tempo, nosso planeta produz recursos suficientes para garantir a sobrevivência e a vida de todos os seres que o habitam. Temos tecnologia e consciência suficiente para gerar boas condições de vida para que todos/as possam viver de forma digna e em liberdade. Somos seres dotados de uma mente incrível, com habilidades, criatividade e capazes de gerar beleza, união e nobres sentimentos e realizações. Por que ainda convivemos com tanto sofrimento, desigualdade, discriminação e violência? O momento atual é o resultado de nossas ações.Toda crise é também uma oportunidade de transformação. O velho precisa ser transformado, dando lugar a uma nova consciência, novas práticas e relações. A mudança parte da consciência individual e se expande para grupos, coletivos, movimentos, organizações. Novos e velhos conceitos e práticas devem ser potencializados: cultura de direitos humanos, agroecologia, economia solidária, sustentabilidade ambiental, diversidade, solidariedade, igualdade, liberdade. Temos muito a construir e transformar. Construir um novo mundo está em nossas mãos. Exercício: Quais os principais problemas que você enfrenta na sua comunidade e como eles se relacionam com processos mais amplos (nacionais e internacionais) de restrição de direitos e de crise?

O que são os direitos humanos? Um dos alicerces fundamentais para a construção de uma sociedade livre, diversa e justa é o conceito de direitos humanos. Podemos sintetizar a ideia central do conceito de direitos humanos a uma simples frase: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Ser

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umportador de direitos(ou sujeito de direitos) significa ter uma vida digna e livre, onde seus talentos e singularidades possam se expressar no mundo. O conceito de direitos humanos buscou sintetizar valores que formam o alicerce do que chamamos de humanidade, do que é próprio de nossa espécie, de tudo que a luz da razão e da consciência nos permitiu até então alcançar. Valorescomo igualdade, justiça, liberdade, fraternidade, respeito, ética, entre outros foram reunidos em um conceito normativo e prático de direitos que cada ser humano possui pelo simples fato de existir. Direito a ter uma boa vida. Direito a ser feliz. É importante ressaltar que a luta por direitos é uma construção histórica. Eles não são dados, mas sim conquistados por aqueles/as que vivem situações de opressão e invisibilidade. O direito de não ser torturado, de poder expressar suas opiniões, de poder votar, de ter condições de trabalho decente, entre outros, foram conquistados pela luta de homens e mulheres ao longo da história que se confrontaram com privilégios estabelecimentos por grupos e classes sociais específicas. O que hoje parece algo comum - como ter direito a uma jornada de trabalho delimitada, aposentadoria, assistência social, educação, saúde - nem sempre foi assim. Aliás, mesmo estabelecidos em lei, na prática, muitas pessoas ainda não têm acesso aos seus direitos. Os valores de dignidade, liberdade e igualdade que estão no núcleo do conceito de direitos humanos, passaram a constituir um sistema legal, normativo que cria obrigações para os Estados nacionais, governos e autoridades públicas. A noção contemporânea de direitos humanos foi estabelecida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Após as atrocidades ocorridas durante a II Guerra Mundial, com o genocídio de judeus, ciganos, homossexuais pelo regime nazista alemão e seus aliados, a comunidade internacional reunida na recém-criada Organização das Nações Unidas (ONU), estabeleceu um consenso internacional sobre o conjunto de valores que cada pessoa deve possuir afim de ter uma existência digna. Seus dois primeiros artigos afirmam que: I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. II. Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra 5


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natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Para além do princípio universal da dignidade e liberdade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece outro princípio fundamental: a não-discriminação. Igualdade e não-discriminação são princípios fundamentais que compõe o conceito de direitos humanos. Todos nascem iguais em dignidade e direitos. Contudo, ao longo da história, grupos específicos sofrem discriminação, opressão e violência em razão de ideologias como o racismo, machismo, homofobia, entre outras. Assim, negros/as, mulheres, indígenas, gays/lésbicas, entre outros têm maiores dificuldades de acessarem direitos em razão do preconceito e de um histórico de discriminação e exclusão. Os seres humanos são diversos em suas caraterísticas físicas, nacionalidade, língua, nas suas crenças, desejos, potencialidades, condições: brancos, negras, indígenas, homens, mulheres, cristãos, muçulmanos, umbandistas, homossexuais, travestis, crianças, jovens, idosos/as, ricos, pobres. As diferenças não podem ser um fator de discriminação e negação do acesso à condições de vida digna. Atenção específica deve ser dada às diferentes etapas de desenvolvimento do ser humano. As crianças e adolescentes merecem um tratamento especial por parte das famílias, da sociedade e do Estado em razão do seu período de desenvolvimento. Assim como as pessoas idosas requerem atenção e políticas especiais para que seus direitos sejam garantidos nessa fase especial da vida, como por exemplo, o direito à aposentadoria. A Declaração Universal dos Direitos Humanos influenciou as leis de diversos países, elencando um conjunto de direitos que todo ser humano deveria ter acesso a fim de gozar de uma vida livre e digna. São eles: direito a vida, liberdade, segurança pessoal, votar e ser eleito, trabalho, lazer, saúde, alimentação, habitação, seguridade social, educação, cultura, etc. Exercício: Analisando as condições objetivas de sua vida, seus desejos e sua visão de mundo, quais seriam os principais direitos que os governos deveriam garantir para que você pudesse ter uma vida digna?

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Cidadania e direitos humanos podem ser considerados sinônimos? O conceito de cidadania é muito próximo doconceito de direitos humanos. Cidadania traz a ideia da participação integral do cidadão/ã na comunidade de forma livre, como sujeito de direitos e deveres. Assim, para além de possuir direitos que devem ser respeitados e promovidos pelo Estado, a ideia de cidadania pressupõe auto-responsabilidade e participação. Significa que nossas ações devem respeitar o direito do outro a uma vida digna e livre de discriminação, preconceito e violência. O cidadão se reconhece como sujeito de direitos e ao mesmo tempo agentee participante ativo no respeito aos direitos humanos e no processo de construção de um campo de valores e condutas sociais que garantam a autonomia e dignidade de todos/as. Oconceito de cidadania se desenvolveu pela agregação de um conjunto de direitos que as sociedades ocidentais progressivamente foram capazes de usufruir ao longo da história, como os direitos civis, políticos e sociais. Isso só foi possível por meio de revoluções e constantes lutas sociais impulsionadas por movimentos sociais, trabalhadores/as e outros grupos que reivindicavam direitos e liberdade.

Há divisão entre os direitos humanos? O que seriam os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, sexuais e reprodutivos? Os direitos humanos contemplam conjuntos de direitos que foram conquistados em momentos distintos da história e que hoje compõe a noção de dignidade da pessoa humana. Inicialmente os direitos civis foram conquistados, quando o Estado deixou progressivamente de ter poder sobre os corpos e o pensamento das pessoas. O direito à vida, a ter um julgamento justo, a liberdade de expressão, o direito de ir e vir e de se associar são exemplos de conquistas que foram obtidas e que limitam o poder do Estado em interferir na vida e na intimidade dos seus cidadãos. Posteriormente, a luta de movimentos de trabalhadores/as por representação, por regimes políticos que permitissem a participação política, pelo direito a votar e ser votado, pelo direito de se organizar em sindicatos, por melhores condições de trabalho deram origem a um conjunto de direitos políticos e econômicos antes disponíveis para 7


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um número muito restrito de pessoas que possuíam recursos financeiros ou certas condições (homens brancos). Posteriormente, o Estado que servia a uma pequena elite foi cada vez mais pressionado para oferecer à população direitos e serviços públicos, como saúde, educação, saneamento básico, moradia entre outros. Os recursos coletados da sociedade por meio de impostos deveriam ser revertidos em bens e serviços públicos e não apropriados por uma pequena parcela da população. Assim, um conjunto de direitos sociais foram estabelecidos. A dimensão da dignidade humana evolui ao longo do tempo para novos patamares de direitos. Os direitos sexuais e reprodutivos, por exemplo, contemplam o direito de todas as pessoas poderem decidir sobre sua vida sexual e reprodutiva. O exercício da sexualidade e reprodução está no campo da cidadania, do livre exercício dos direitos e da garantia de uma vida plena e saudável. Os direitos sexuais garantem a todos/as à liberdade de viver a sua sexualidade sem discriminação ou risco de sofrer uma violência, tanto na esfera pública como privada. Garante também o direito de tomar decisões informadas sobre a reprodução: a decisão de ter ou não filhos, em que momento, de forma segura. O estabelecimento de novos direitos está sendo constantemente debatido na sociedade. Direito à terra e ao território, diretos socioambientais, direito à uma renda mínima obrigatória para cada cidadão, direitos que consideram a garantia do modo de vida de grupos específicos como os povos indígenas. Por outro lado, há grupos de interesses na esfera pública que demandam a supressão de diversos segmentos sociais ou coletividades. Grupos de latifundiários, de indústrias extrativas, de fundamentalistas religiosos, entre outros, detém poder econômico, político e ideológico para impor seus interesses às custas dos direitos humanos de muitos. Somente com mobilização e participação é possível avançar uma sociedade cada vez mais livre, justa e sustentável. Exercício: Na sua opinião, quais direitos que ainda hoje não estão reconhecidos ou consolidados e que deveriam ser conquistados, fazendo com que o Estado tivesse a obrigação de cumpri-los? Exercício: Dê um exemplo de como um grupo de interesse age para suprimir direitos humanos da população ou para manter seus privilégios?

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Alguns direitos previstos na Constituição Federal de 1988 Fundamentos e objetivos do Estado Democrático de Direitos no Brasil (artigos1º e 3º da Constituição Federal) cidadania; dignidade da pessoa humana; construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Direitos civis (artigo 5º) Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos do artigo 5º. Direitos sociais (artigo 6º) São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Universalidade, indivisibilidade Humanos

e

interdependência

dos

Direitos

Durante muitos anos, houve uma tentativa de estabelecer uma divisão ou hierarquia entre o conjunto de direitos humanos. Em 1966, dezoito anos após a publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os países reunidos na Organização das Nações Unidas (ONU) acordaram o estabelecimento de dois tratados internacionais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

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Devido a polarização existente então no mundo, proveniente da Guerra Fria entre ideologias e países capitalistas e comunistas, liderados pelos Estados Unidos e pela URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), parte dos países que compunham a ONU (que se definiam como capitalistas) defendiam que o foco principal dos direitos humanos seriam os direitos civis e políticos. Ou seja, a principal obrigação do Estado seria garantir as liberdades individuais. Por outro lado, países do bloco socialista defendiam queo foco principal dos direitos humanos seriam os direitos econômicos, sociais e culturais. Ou seja, a principal obrigação do Estado seria garantir a igualdade. Essa falsa dicotomia que buscou hierarquizar e dividir o conjunto de direitos que compõe a ideia de dignidade humana foi enfim superada. Não existe liberdade sem igualdade e vice-versa. Em 1993, foi realizada a Conferência Mundial dos Direitos Humanos que ocorreu em Viena, na Áustria. Os países reunidos na Conferência estabeleceram diversos princípios e ações a serem implementadas que foram sintetizados em uma Declaração e um Plano de Ação. Um dos principais consensos que a comunidade internacional reafirmou durante a Conferência de Viena foi que os direitos humanos são universais, indivisíveis e interdependentes. Uma das implicações desses princípios é que não há uma hierarquia entre os diversos direitos humanos. Ao mesmo tempo, a realização de um direito está intimamente relacionada com a realização de outros direitos, que não podem ser fracionados. Assim: • Universalidade: significa que a proteção dos direitos humanos vale para todos/as, independente de suas condições pessoais, sociais ou identitárias. Nenhuma condição ou situação pode justificar o desrespeito à dignidade humana e ninguém pode renunciar aos seus direitos. Uma mulher indiana tem os mesmos direitos que uma mulher que vive no Nordeste brasileiro. Independentemente de sua cor/raça, nacionalidade, sexo ou cultura, o conjunto de direitos humanos aplicam-se a todas as pessoas pelo simples fato de existirem.

• Indivisibilidade:Cada direito - saúde, liberdade de expressão, educação, trabalho, moradia, segurança pública – possuem dimensões e atributos específicos que devem ser realizados em sua plenitude. Os direitoshumanos não podem ser divididos em partes ou reduzidos. Não basta garantir o acesso de crianças à educação básica, é necessário que o ensino seja de qualidade, que haja livros e materiais pedagógicos disponíveis, alimentação escolar, transporte 10


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para que os alunos/as possam chegar à escola, que o ambiente escolar não discrimine nenhuma criança em razão de classe social, sexo, raça, orientação sexual etc. Ou seja, cada direito possui várias dimensões e especificidades que permitem a sua plena realização. Esses atributos formam um todo único e indivisível.

• Interdependência:Todas as diferentes dimensões dos direitos humanos – direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, sexuais e reprodutivos estão relacionados entre si, não havendo uma hierarquia entre eles. Para que um direito seja realizado, outros direitos também precisam ser garantidos. Por outro lado, sempre que ocorre uma violação de direitos, mais de um direito é desrespeitado. O direito à saúde está relacionado com o direito à segurança alimentar, que está vinculado ao direito à educação que está vinculado ao direito ao trabalho e assim sucessivamente.

Exercício:Escolha um direito humano específico e desenvolva argumentos e exemplos sobre a universalidade, indivisibilidade e interdependência desse direito?

Por que grande parte dos direitos humanos não é efetivada na prática? Os direitos humanos estão previstos em Declarações e Tratados Internacionais, na Constituição Federal de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, em diversas leis como a Lei Orgânica da Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e a Lei Orgânica da Saúde. O discurso dos direitos, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, enunciados contra a violência e a discriminação também estão presentes nos estatutos dos partidos políticos, de organizações da sociedade civil, nas declarações públicas de governantes e gestores públicos. Há um consenso na comunidade internacional sobre a essencialidade do fortalecimento de Estados Democráticos de Direitos, cujo fim último é garantir uma vida digna para todos/as.Esse é o rumo, contudo, há grandes obstáculos para que os direitos humanos sejam efetivados na prática. Por que nossa Constituição não é cumprida? Por que as instituições responsáveis pelo seu cumprimento revelam-se incapazes de garantir saúde, educação, moradia, lazer, trabalho, segurança pública para grande parte da população? Por que a população negra no Brasil tem maiores dificuldades de acessar direitos do que a população 11


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branca? Por que o desenvolvimento econômico não se traduz automaticamente em melhoria nas condições de vida da população, ou algumas vezes, pode até mesmo aprofundar as desigualdades sociais existentes, além de graves impactos ambientais? Como universalizar direitos em um contexto de desigualdade e em uma sociedade onde a violência é uma marca das relações sociais?

Desigualdades sociais O Brasil é país desigual. Considerado um país de renda média ou de médio desenvolvimento humano, possui desigualdades de renda tão elevadas, que setores expressivos da população vivem em condições de pobreza enquanto uma minoria detém grande parte da riqueza nacional. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, onde 20% dos mais ricos detém 63,2% da renda nacional e os 20% mais pobres apenas 2,4% (UNDP 2005, p. 271)1. Muito se avançou após a Constituição Federal de 1988 na construção de um arcabouço legal de afirmação e garantia de direitos. As declarações e reconhecimentos formais de direitos são conquistas importantes, muitas delas decorrentes das lutas populares. Contudo, ainda há no Brasil um fosso imenso entre a previsão normativa e a ação executiva de implementação de políticas públicas que efetivem os direitos humanos. De fato, pouco se avançou na efetivação de direitos dentro de um contexto de grandes desigualdades: de renda, ético/raciais, de gênero, territorial etc. Combater a pobreza no Brasil ou as desigualdades de renda passa necessariamente pelo entendimento de que aqui ambas têm relação com as variantes de cor e sexo. As mulheres negras são as mais pobres e têm menor grau de escolaridade, enquanto os homens jovens e negros são os que mais sofrem com a violência, por exemplo. Outra dimensão da desigualdade pode ser observada com relação à renda e ao acesso à bens e serviços públicos. A desigualdade de renda, por exemplo, aliada a dimensão territorial, faz com que parte da população com renda inferior habite territórios e áreas (urbanas e rurais) de exclusão, onde há uma grande precariedade de serviços públicos (saneamento, iluminação, postos de saúde, escolas, transporte etc). Essa desigualdade de acesso aos direitos básicos, em razão do território, ocorre dentro do território brasileiro (desigualdade entre as regiões Norte e Nordeste, comparando 1

United Nations Development Programme – UNDP (2005) ‘Human Development Report 2005: International Cooperation at a Crossroads – Aid, Trade and Security in an Unequal World’, New York: UNDP.

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com as regiões Sul e Sudeste), entre as zonas urbanas e rurais e também dentro das próprias cidades. Em todos esses contextos, existe um desequilíbrio de oferta de serviços públicos dependendo do endereço ou da região. Outras discriminações e preconceitos também afetam a possibilidade de diversos grupos de acessarem direitos. A homofobia existente na sociedade brasileira faz com que gays, lésbicas, travestis e transexuais corram risco e agressões e violência, assim como tenham dificuldade de acessar direitos disponíveis a outras pessoas. Assim, podemos concluir, que a cor, o sexo, a idade, local de domicílio, orientação sexual, identidade de gênero de um cidadão/ã, pode ser determinante na sua possibilidade de viver uma vida com dignidade.

Racismo: um tema que precisa ser enfrentado O racismo é um dos principais fatores estruturantes das injustiças sociais que acometem a sociedade brasileira e também é a chave para entender as enormes desigualdades sociais existentes no país. Mais da metade da população brasileira é negra e a maior parte dela é pobre. O Brasil, diferentemente de outros países, como os Estados Unidos e a África do Sul, nunca estabeleceu um regime jurídico de segregação da população negra. Ao mesmo tempo, a miscigenação ocorreu com maior frequência do que em outros lugares, servindo de insumo para a criação de uma teoria social que posteriormente se transformou em ideologia: a da democracia racial. A democracia racial incorporou a presença da contribuição negra na formação nacional, contudo naturalizou os espaços subordinados que negros e negras ocupam na sociedade e invisibilizou as relações de poder entre as populações negra e branca. O resultado é uma sociedade em que o racismo e as desigualdades sociais dele resultante não se revelam, não se debatem, parecem não existir. O problema, dizem, não é o racismo, é a pobreza; as desigualdades não são raciais, são sociais. Um elemento importante para entender a dinâmica dessa estrutura de desigualdade é o racismo: a pequena parte da população com alta renda é essencialmente branca; na outra ponta, o amplo conjunto de brasileiros/as que vive em situação de pobreza é majoritariamente negro. E, o que mais chama a atenção é que apesar das condições de vida terem melhorado sensivelmente para os dois grupos populacionais ao longo das últimas décadas, as distâncias entre negros e brancos permanecem constantes. Todos melhoram, mas os negros sempre estão abaixo dos brancos.

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Segundo o IPEA, “negros nascem com peso inferior a brancos, têm maior probabilidade de morrer antes de completar um ano de idade, têm menor probabilidade de frequentar uma creche e sofrem de taxas de repetência mais altas na escola, o que leva a abandonar os estudos com níveis educacionais inferiores aos dos brancos. Jovens negros morrem de forma violenta em maior número que jovens brancos e têm probabilidades menores de encontrar um emprego. Se encontrarem um emprego, recebem menos da metade do salário recebido pelos brancos, o que leva a que se aposentem mais tarde e com valores inferiores, quando o fazem. Ao longo de toda a vida, sofrem com o pior atendimento no sistema de saúde e terminam por viver menos e em maior pobreza que brancos” (IPEA 2007, p. 281)2. A sociedade brasileira e o Estado têm uma responsabilidade histórica na construção e manutenção das enormes desigualdades raciais existentes no país atualmente. Uma dimensão do racismo pode ser observada dentro das instituições. O racismo institucional pode ser definido como “o fracasso das instituições e organizações em promover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Manifesta-se em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano de trabalho resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou de estereótipos racistas. Em qualquer situação, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições organizadas”3. O racismo, assim como o machismo e a homofobia, são sistemas de crenças que estabelecem hierarquias sociais e relações desiguais de poder e acesso aos direitos. Não é possível avançar na promoção dos direitos humanos, sem enfrentar o combate ao racismo e as desigualdades sociais no Brasil. Assim, ainda subsistem vários desafios para superarmos essa triste realidade: As políticas públicas não têm conseguido universalizar direitos para a população negra; O Estado brasileiro se comprometeu a adotar ações afirmativas que visem reduzir as desigualdades raciais, contudo, elas ocorrem de maneira tímida e com grande resistência em setores da sociedade; A opinião da população tem sido influenciada pelos meios de comunicação de massa, que para além da reprodução de estereótipos racistas, parte da mídia 2

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (2007) Boletim de Políticas Sociais – Acompanhamento e Análise nº 13, Edição Especial, Brasília: IPEA. 3 Definição utilizada pelo extinto Programa de Combate ao Racismo Institucional.

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tem se mostrado contrária a qualquer política de ação afirmativa para a população negra, desqualificando o discurso do movimento negro e das iniciativas governamentais nesse sentido; O racismo institucional, ou seja, as práticas discriminatórias naturalizadas na forma como as organizações se estruturam e definem seus procedimentos internos, permeiam as instituições estatais que prestam serviços à população. Isso faz com que a prestação de serviços públicos pelos agentes do Estado atinja a população negra de forma diferenciada, dificultando o acesso e a qualidade dos serviços prestados;

Um último desafio consiste em consolidar a institucionalização do combate às desigualdades raciais, dotando os órgãos públicos de recursos (humanos, financeiros, gerenciais) que os empoderem e lhes permitam promover a implementação de políticas inclusivas.

Violência

Além das desigualdades, a violência estrutural presente na sociedade brasileira torna ainda mais difícil a garantia de uma vida com dignidade para todos/as. A violência que pode ser obervada no alto número de homicídios no país, se expressa em muitas outras formas: na violência doméstica, na violência sexual contra crianças e adolescentes, na violência contra mulher e o alto número de estupros no país, na criminalização dos movimentos sociais e defensores de direitos humanos, nos crimes de intolerância contra a população LGBT e às religiões de matriz africana. A magnitude da violência no Brasil é extremamente preocupante. O Brasil é o mais com o maior número absoluto de homicídios no mundo. São 56.000 homicídios por ano e uma taxa de 29 homicídios por 100 mil habitantes. Essa situação é muito diferente em outros países. Nos Estados Unidos a taxa é de 4,7; em Portugal 1,2; no Irã 4,2, na Espanha 0,8; na Índia 3,5. Outro dado importante é a característica da distribuição da violência letal no Brasil. Ela tem uma dimensão racial, territorial, etária e de gênero. Isso significa que as vítimas da violência letal são na sua grande maioria homens, jovens, negros e que vivem em determinados territórios excluídos de cidadania e da presença do poder público. Dos 56.000 homicídios registrados em 2012, 30.000 foram jovens entre 15 e 29 anos e entre esses jovens 77% eram negros. 15


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Garantir o direito de todas as pessoas terem uma vida segura, livre da violência, deveria ser uma prioridade de todos os governos. Existir em um ambiente de insegurança e medo afeta os indivíduos de diversas outras maneiras, para além da barbaridade da violência contra a vida: limita o direito ao lazer, a liberdade de ir e vir, o direito ao trabalho e a educação4. A segurança pública é um direito humano fundamental e é função do Estado garantir esse direito para todos/as. A diminuição da violência é um dos principais desafios para o Brasil. Nesse sentido, para além de políticas públicas que priorizem a redução de homicídios, deve ser priorizado o desenvolvimento de ações para reduzir a violência das forças policiais (especialmente a prática de execuções extrajudiciais e tortura). Ações devem ser implementadas no sentido de integração e melhor eficiência das polícias, com ênfase nas ações preventivas da atividade policial, tornando a polícia garantidora de direitos e não perpetradora de violações. A redução do número de execuções extrajudiciais, corrupção, intimidações e prática de tortura praticada pelas polícias só será alcançado por meio de uma política de combate à impunidade e de tolerância zero à corrupção e desvios dentro das corporações. A atual estrutura militarizada da segurança pública favorece a lógica da repressão e do controle, que se reflete na criminalização da pobreza e no racismo institucional. Os policiais são treinados dentro de uma lógica militar de enfrentamento, hierarquia e ordem. Esse paradigma não se adequa mais a necessidade de uma polícia cidadã, comunitária, que deve ver o cidadão como sujeito de direito e não como um possível suspeito de atividade criminosa. Assim, transformar a segurança pública no país, a partir da perspectiva dos direitos humanos, passa por mudanças estruturais das forças policiais: unificação, desmilitarização, maior articulação institucional, policiamento comunitário, maior ênfase na inteligência, perícia, investigação e valorização profissional. Para que isso aconteça, interesses corporativos terão que ser enfrentados visando o interesse público de reformularmos nossas polícias para que sejam promotoras dos direitos humanos.

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A missão realizada no Complexo do Alemão no Rio de Janeiro, em 2007, pela Relatora Nacional pelo Direito a Educação da Plataforma de Direitos Humanos, Denise Carreira, revelou graves violações ao direito humano à educação de crianças e jovens no Complexo. A Relatora, utilizando como referência a Declaração de Genebra sobre violência armada e desenvolvimento (2006), afirma que a situação observada poderia ser caracterizada como de conflito ou violência armada. Isso significa que o contexto vivido por crianças, jovens e profissionais de educação no Complexo do Alemão e em outras comunidades com altos índices de violência deveria ser considerada como “educação em situação de emergência”.

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Modelo de desenvolvimento

O aprofundamento de um modelo de desenvolvimento sob uma ótica de “progresso econômico”, com forte apoio não condicionado ao agronegócio, ao uso indiscriminado de agrotóxicos, sementes transgênicas e à grandes obras de energia, mineração, infraestrutura tem exercido fortes pressões sobre unidades de conservação, terras indígenas, comunidades quilombolas, comunidades tradicionais, assentamentos rurais e agricultores/as familiares. Esse modelo de desenvolvimento excludente e ambientalmente insustentável concentra renda e provoca grandes impactos sociais e ambientais.O direito humano à terra, território e meio ambiente está sendo ameaçado. Esse é um obstáculo importante na efetivação de direitos, especialmente de comunidades rurais e tradicionais no Brasil. Os conflitos relacionados ao acesso à terra, à efetivação da Reforma Agrária, a demarcação de terras indígenas e titulação de comunidades quilombolas tem colocado o direito de milhares de comunidades em risco. A lógica de um desenvolvimento predatório calcado na exploração dos recursos naturais e na negação de direitos às comunidades tradicionais e rurais corre o risco de se aprofundar. Atualmente no Congresso Nacional, ações levadas a cabo por grupos de interesse formado por grandes proprietários de terra, tem gerado a formulação e aprovação de projetos de lei que podem fragilizar o direito à terra e ao território de quilombolas, indígenas e comunidades rurais. Aliados a esse grupo, também chamado de bancada ruralista, estão deputados/as e senadores/as da chamada bancada evangélica e da bancada da bala (ligada aos interesses da indústria de armas e de uma maior repressão policial). Uma perigosa articulação da pauta e dos interesses desses três grupos, com uma expressiva representação no poder legislativo nacional, também chamada de bancada BBB (Boi, Bíblia e Bala), pode colocar diversos direitos humanos e comunidades tradicionais em risco. Cabe também acrescentar que o advento de grandes eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíadas) e de grandes obras de energia e infra-estrutura (hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio, Belo Monte, duplicação da ferrovia Carajás, etc) vêm ocasionando remoções, aumento da violência e precarização das condições de vida das populações afetadas e diversas violações de direitos humanos e ambientais.

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Dentro da visão desenvolvimentista prevalente entre o governo federal e governos estaduais, o meio ambiente, as populações indígenas, as comunidades tradicionais e quilombolas e os defensores de direitos humanos são vistos como obstáculos ao “progresso” e ao “desenvolvimento”.

Pergunta – Foram apresentados alguns obstáculos para a efetivação dos direitos humanos no Brasil. Descreva um processo real de violação de um direito humano e identifique quais as causas da não garantia desse direito e quem deveria ser responsável pela implementação ou reparação dessa situação.

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Curso: Direitos Humanos,Políticas Públicas e Participação Social

Autor e Professor: Alexandre Ciconello Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2015

MÓDULO 2 – POLÍTICAS PÚBLICAS Quando falamos em direitos humanos, estamos tratando de um conceito político, normativo e operacional que impõe obrigações ao Estado brasileiro (e aos seus/suas representantes, gestores/as, servidores/as). Essas obrigações foram e são pactuadas tanto na comunidade internacional como na própria sociedade brasileira e se expressam por meio de um sistema jurídico-normativo, que os indivíduos, os governos e a comunidade internacional devem respeitar e promover. Aos Estados nacionais, incluindo os estados federados, municípios e outros poderes constituídos (Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público), cabem obrigações específicas de: Respeitar: O Estado e seus agentes não podem violar o direito de seus cidadãos/ãs. Essa é a primeira obrigação do Estado com relação aos direitos humanos. Respeitar significa não violar os direitos. O Estado não pode interferir na vida e intimidade das pessoas, ao menos que tenha explícita disposição legal nesse sentido. Os agentes do estado não podem torturar, promover execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, remover comunidades de forma ilegal ou condenar alguém sem o devido processo legal.

Proteger: Um segundo dever do Estado é proteger os direitos humanos dos cidadãos e cidadãs de eventuais violações e ameaças provocadas por terceiros. O Estado é o responsável por fazer com que as leis sejam respeitadas e garantir que indivíduo, grupo ou empresa respeitem os direitos individuais e coletivos de cada cidadão ou comunidade. Exemplos: o estado deve proteger uma 1


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comunidade quilombola de ameaças ou invasões de fazendeiros. O Estado deve editar regulações para o uso de agrotóxico a fim de proteger o direito da população à saúde. Promover:Para além de respeitar e proteger os direitos humanos, o Estado e seus agentes devem promovê-los de forma ativa, por meio da formulação e implementação de políticas públicas. Essa obrigação é mais evidente quando observamos os direitos sociais como saúde, educação, moradia, saneamento público e assistência social. O Estado deve prover bens e serviços públicos universais para garantir direitos; Reparar: Na hipótese de eventual responsabilidade do Estado ou seus agentes na violação de direitos de determinada pessoa ou grupo, é sua obrigação investigar, responsabilizar os culpados e garantir justiça, reparação e indenização para as vítimas. Este conjunto de obrigações configuram um Estado Democrático de Direitos, onde os agentes públicos são subordinados a um pacto político e um sistema normativo que impõe certas obrigações e responsabilidades. Cabe à sociedade respeitar os direitos humanos, a diversidade e os diferentes modos de vida, construindo relações baseadas na solidariedade e na justiça, abolindo as discriminações e os preconceitos.

Exercício:Descreva um problema social específico e analise quais obrigações do Estado (de respeitar, proteger, promover e reparar) deveriam estar sendo cumpridas.

A Estruturação das Políticas Públicas no Brasil após a Constituição de 1988 Antes de apresentarmos alguns elementos que constituem as políticas públicas que devem ter como finalidade última, o respeito, proteção e promoção dos direitos humanos, é importante ressaltar como se deu a estruturação das políticas públicas no Brasil, após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A Constituição Federal conferiu ao Estado brasileiro um papel central na promoção dos direitos humanos e na redução das desigualdades, por meio da estruturação de políticas públicas de Estado e sistemas públicos de direitos. 2


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Ao longo da década de 90 e início dos anos 2000, uma vasta normatização foi construída no sentido de operacionalizar princípios constitucionais e de construir políticas públicas universais e permanentes. Esse verdadeiro reordenamento institucional foi formalizado por uma série de Leis, Decretos, Normas Operacionais, repartição de competências e recursos entre as três esferas da federação. A Lei Orgânica da Saúde, da Assistência Social, o Estatuto da Criança e do Adolescente e mais recentemente o Estatuto do Idoso, Estatuto das Cidades, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional e a Lei Maria da Penha1, são alguns exemplos nesse sentido. Todo esse processo tem contado com uma intensa participação de organizações e redes da sociedade civil, por meio de canais institucionais de participação, como Conselhos e Conferência e também por meio de pressão direta nas esferas de poder. Iremos aprofundar o tema da participação social no módulo 3 desse curso. Um importante modelo estabelecido inicialmente pela política de saúde é a construção de sistemas universais, descentralizados e participativos de políticas públicas. O SUS – Sistema Único de Saúde2 e posteriormente o SUAS – Sistema Único da Assistência Social são exemplos nesse sentido. Os sistemas buscam articular as responsabilidades dos três entes federativos (União, estados e municípios), inclusive as responsabilidade de financiamento e gestão. Apesar dos avanços conceituais, jurídicos e de gestão nas políticas públicas nesses mais de 25 anos, isso nem sempre se refletiu ouse reflete no formato/desenho das mesmas.

Descentralização das políticas públicas A descentralização é uma das principais características da construção de políticas públicas no Brasil pós-1988. Cada esfera de governo: União, estados e municípios têm competências e recursos próprios para a construção de políticas públicas que visam assegurar direitos. Ou seja, a implementação de políticas públicas passa por um pacto

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Lei 11.340 de 2006, que cria mecanismos para coibir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher. 2 A política de saúde é ainda o grande modelo de estruturação de políticas públicas universais, descentralizadas e participativas no Brasil. Estruturada a partir de um Sistema Único que reúne os três entes federativos e uma rede de privada de hospitais filantrópicos, possui um Fundo orçamentário específico (Fundo de Saúde) e um sistema participativo de Conselhos de Políticas Públicas nos municípios, estados e no âmbito federal. Para além disso, prevê a realização periódica de Conferências de Saúde (a cada quatro anos) com o objetivo de avaliar a situação de saúde no país e propor diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes.

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federativo que é baseado em políticas consensuadas no âmbito nacional e implementadas no nível municipal e estadual. Estedesenho de implementação das políticas públicas ainda tem entraves no modelo de federação brasileira, por exemplo, a não definição objetiva do papel dos estados na execução das políticas publicas, o excesso de centralização da arrecadação dos recursos na esfera federal e a não articulação dos municípios para a execução das políticas. A existência de diretrizes nacionais (como por exemplo, os Programas e Planos de Ação resultado de Conferências Nacionais de Políticas) ganha significados a partir das realidades municipais e estaduais. Assim, cada estado ou município delibera, na sua respectiva esfera, por critérios próprios, a aprovação depolíticas municipais e estaduais, que devem estar em consonância com a legislação e os objetivos de políticas pactuadas nacionalmente. Portanto, para além das dificuldades de uma efetiva integração de políticas no âmbito nacional, há ainda o desafio de promover a integração das políticas no nível federativo entre a União, os estados e os municípios, sendo este último, o lócus da prestação dos serviços públicos à população.

O que são as Políticas Públicas ? Há muitas definições possíveis para o conceito de políticas públicas. Alguns consideram as políticas públicas como sinônimo de políticas governamentais, ou seja, seriam as ações planejadas dos governos e de seus órgãos visando o interesse público. Mesmo considerando as políticas públicas como a tradução da ação do Estado, sabemos que outros atores podem colaborar com a sua formulação e implementação, como organizações da sociedade civil, academia, organizações internacionais etc. A partir das diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal e em razão de diversos conselhos de políticas públicas e processos de conferências temos que a participação social é um elemento intrínseco na construção de uma política. As políticas públicas também podem ser compreendidas enquanto instrumento de planejamento governamental. Nesse sentido, uma política pública tem objetivos definidos, metas, resultados previstos, beneficiários, órgão responsável, indicadores, regulamentação normativa, orçamento, responsáveis e cronograma de execução. A elaboração de uma política pública requer uma racionalidade de planejamento: qual o problema a ser enfrentado? o que será realizado? qual o impacto esperado? quais os recursos disponíveis? 4


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De acordo com Saravia (2006, pg 29)3, podemos definir uma política pública como “um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos”. Podemos construir uma definição para políticas públicas de direitos humanos considerando elementos centrais do conceito de políticas públicas, aliado à delimitação do objetivo da ação. Assim, uma possível definição para políticas públicas de direitos humanos seria: um conjunto de decisões e ações, de responsabilidade dos governos, que visa a um objetivo de interesse público que pode ser a entrega de um bem, benefício ou a prestação de um serviço visando à garantia e promoção dos direitos humanos. Uma política de direitos humanos pressupõe uma série de elementos que devem ser considerados, como por exemplo: o diagnóstico das violações de direitos; a participação da sociedade no planejamento e monitoramento da política; a elaboração de um programa/ plano com ações concretas de promoção e defesa de direitos; a construção de indicadores e metas de realização progressiva de direitos; mecanismos institucionais de proteção e denúncias; articulação institucional entre os diversos órgãos públicos responsáveis pela implementação da política.

O ciclo das políticas públicas

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Saravia, Henrique. Introdução à Teoria da Política Pública. In: SARAVIA, Enrique e FERRAREZI, Elisabete. Políticas Públicas – Coletânea, Volume 1. Brasília, ENAP, 2006.

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Podemos abordar as políticas públicas a partir do seu aspecto temporal, ou seja, por meio da observação de suas diversas fases, que começa com a formulação, passa pela implementação e por último a avaliação. O conjunto dessas etapas é conhecido como ciclo da política pública. Essa visão da realidade estatal, a partir das ciências administrativas e organizacionais foi um avanço de um antigo modelo legalista e jurídico que não considerava a dimensão da gestão pública focada no planejamento e na busca de resultados. Inspirada em metodologias advindas do campo da administração de empresas, novas metodologias e estratégias de PMA (planejamento, monitoramento e avaliação) ganham características próprias em razão da especificidade da administração e gestão públicas. Alguns autores, como Saravia (2006, pg 34-35), apresentam o detalhamento das diversas etapas do ciclo das políticas pública de forma linear, como: agenda, elaboração, formulação, implementação, execução, acompanhamento (sinônimo de monitoramento) e avaliação. Segundo ele, oacompanhamento, seria o processo sistemático de supervisão da execução de uma atividade (e de seus diversos componentes), que tem como objetivo fornecer a informação necessária para introduzir eventuais correções a fim de assegurar a consecução dos objetivos estabelecidos.A avaliação, consistiria na mensuração e análise, a posteriori, dos efeitos produzidos na sociedade pelas políticas públicas, especialmente no que diz respeito às realizações obtidas e às conseqüências previstas e não previstas. Para outros autores, como Maria das Graças Rua (2000)4, a avaliação é um processo dinâmico e não linear que ocorreria durante toda a implementação de uma política pública. Segue abaixo, um diagrama que mostra a concepção da autora sobre o ciclo das políticas públicas, onde a avaliação ocorre em praticamente todas as etapas para além da avaliação de impacto (ex-post).

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Rua, Maria das Graças (2000). “Avaliação de Políticas, Programas e Projetos: Notas Introdutórias”. Mimeo.

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Independentemente da perspectiva teórica e da metodologia utilizada para o formulação, monitoramento e avaliação de uma determinada política pública, os processos de participação social também devem ser alinhados com os tempos e fases do ciclo das políticas públicas.

Formulação A formulação de uma política pública possui várias dimensões que devem ser consideradas pelo gestor público. A Constituição Federal de 1988 estabelece princípios e orientações para a construção de um sistema de políticas públicas universais e participativas por meio de um robusto sistema normativo que define as atribuições do Estado, suas competências, diretrizes programáticas e mecanismos de participação popular. Considerando o contexto normativo-institucional a partir de onde as políticas públicas são elaboradas, faz-se necessário identificar os principais elementos a serem considerados em sua formulação: Problema: Toda política pública parte da identificação de um problema a ser abordado e transformado. Por exemplo: falta de acesso a financiamento público para a agricultura familiar; alta taxa de jovens que não estão no ensino médio.O problema deve ser identificado e detalhado em profundidade; Diagnóstico: A partir da identificação do problema, é necessário levantar todas as informações disponíveis sobre a questão, realizando um diagnóstico que pode ser feito de modo participativo. No exemplo citado acima, quantos jovens estão fora do ensino médio? Onde as escolas públicas estão localizadas? Quem são esses jovens (brancos, negros, indígenas)? Esses jovens moram no campo 7


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ou na cidade? Qual a situação socioeconômica de suas famílias? Quais as razões que as mantém fora da escola? Duas ferramentas relevantes para a elaboração de diagnóstico são a utilização de indicadores (sociais e econômicos) e a elaboração de diagnósticos participativos com a participação da população. Há uma série de dados estatísticos e indicadores sociais produzidos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e outros institutos de pesquisa públicos e privados que devem ser utilizados para elaboração de um diagnóstico. Quanto mais participativo for a elaboração do diagnóstico, a política pública pode ser melhor formulada, tendo em vista que as informações obtidas com a participação da comunidade, de grupos e organizações darão ao gestor público um melhor conhecimento e informação sobre a situação a ser abordada. Formulação da proposta: Com base no problema a ser enfrentado, no diagnóstico realizado e tendo em vista os sistemas de políticas e os equipamentos existentes é o momento de formular a proposta de política pública, considerando as diversas alternativas possíveis para enfrentar o problema. A formulação de uma política não é um processo puramente técnico. Há vários atores que influenciam esse processo e que podem ser articulados. Tomada de decisão: Após a formulação da proposta de política pública, ocorre o momento da tomada de decisão sobre a sua adequação e implementação. Esse é um momento de pactuação política dentro do governo, de definição de prioridades, de análise do orçamento previsto para a execução das políticas do governo como um todo. Incorporação nos instrumentos de planejamento do Estado (PPA, LDO, LOA): Um elemento essencial no processo de formulação e implementação de políticas públicas é a sua incorporação no ciclo orçamentário. Por vezes planos são formulados – algumas vezes a partir de processos participativos, como Conferências temáticas - mas não são incorporados nos instrumentos de planejamento do Estado, não ganhando assim, materialidade.

Implementação e Monitoramento 8


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Após a política pública ser formulada e o orçamento para a sua execução ser aprovado, inicia-se a fase da implementação. Nessa fase o planejamento é operacionalizado, fazendo com que a ação governamental promova mudanças concretas na vida das pessoas garantindo direitos e serviços públicos para a população. A implementação da política pode se dar de duas formas: direta ou indireta. Ela ocorre de forma direta quando o próprio órgão responsável executa a política por meio de servidores e equipamentos públicos (como escolas, postos de saúde, equipamentos culturais, esportivos, centros de referência da assistência social etc). A implementação ocorre de forma indireta, quando o poder público celebra convênios e parcerias com organizações da sociedade civil ou com a iniciativa privada para a prestação de serviços públicos. O resultado da implementação de uma política é a prestação de um serviço público (atendimento a saúde, à educação, iluminação pública, segurança pública, sistema de justiça etc) a entrega de um bem (rua pavimentada, quadra esportiva construída), de um benefício (aposentadoria, vale transporte) e outras ações que visam à efetivação dos direitos humanos previstos em nossa legislação. A política pública deve ser implementada de forma eficiente e eficaz, visando o alcance dos resultados e metas previstos. Para que isso ocorra, faz-se necessário estabelecer um sistema de monitoramento ao longo do ano, com a adoção de indicadores de progresso, sistema de coleta de dados e registros que permitam ao gestor público e a sociedade verificar em que medida os recursos financeiros, materiais e humanos estão sendo aplicados e se estão sendo suficientes para o alcance dos objetivos propostos.

Avaliação Depois da formulação e da implementação/monitoramento, a política pública deve ser avaliada. Essa é uma fase negligenciada dentro do planejamento público. Somente com a avaliação, o gestor público e a sociedade poderão verificar em que medida os produtos, metas e resultados planejados foram realizados. Qual foi o impacto na vida das pessoas? O que deu certo? O que deu errado? Se a política tiver sido bem formulada, com base em um bom diagnóstico participativo e se durante a sua implementação, algum sistema de monitoramento tiver sido implementado, o processo de avaliação será ágil e trará informações importantes para a correção de rumos da política e permitindo a geração de subsídios para o novo ciclo de implementação. 9


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Há vários métodos para a realização de uma avaliação que vai depender dos objetivos pretendidos com a avaliação, dos recursos financeiros e do tempo disponível. A avaliação, do ponto de vista da gestão pública, não pode ser um exercício acadêmico, mas sim, deve levantar informações eindicadores que demonstrem em que medida a política pública está atingindo seus resultados e o que fazer para melhorar a sua formulação e implementação. Uma das principais dificuldades de realização da avaliação pelos gestores públicos e por espaços participativos é a falta de informação e indicadores. Tanto em relação aos indicadores sociais das condições de vida da população, como os indicadores de prestação do serviço público, produzido a partir de registros administrativos.

A produção e divulgação de dados e indicadores sociais, desagregados por raça/gênero; geracional; território é um importante instrumento para o monitoramento e avaliação das políticas públicas. Os gestores e a sociedade devem sempre se perguntar: em que medida determinada política ou ação governamental impacta os homens e as mulheres, população branca e negra? Quem está excluído? Por que? Para tanto, é necessário produzir indicadores desagregados que demonstrem os diferentes níveis de acesso da população aos direitos. As secretarias de governo e órgãos públicos de pesquisa devem produzi-los ou sistematizá-los com regularidade. Quanto maior o nível de desagregação, mais elementos técnicos e políticos o gestor público e a sociedade civil terá para justificar, formular, pactuar e priorizar a implementação das políticas de modo participativo. É importante que a produção de indicadores desagregados se dê também por territórios (bairros, comunidades, zona urbana/rural), possibilitando medir desigualdades existentes dentro de uma cidade ou região. As desigualdades também se materializam no território. Identificar, quantos cidadãos/ãs habitam esses territórios, qual a característica socioeconômica dessa população, quais os serviços públicos disponíveis, qual a qualidade desses serviços, quais são os gargalos na prestação de serviços público e no acesso aos direitos em determinado território é fundamental para qualificar o debate participativo sobre redistribuição e sobre prioridades na aplicação dos recursos públicos em determinada região.

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Exercício: Proponha uma política pública para enfrentar um problema real que atinge a sua comunidade e a descreva a partir de cada uma de suas fases.

Ciclo orçamentário Toda política pública necessita de recursos financeiros e humanos para a sua implementação. O planejamento público se materializa no orçamento público que define as prioridades de cada governo. Analisar o orçamento permite identificar em que medida os discursos dos governantes são traduzidos em efetiva alocação de recursos financeiros indispensáveis para a implementação de determinada ação pública. A definição do orçamento público define as prioridades de cada governo em como aplicar os recursos públicos coletados da população por meio dos impostos. O ciclo orçamentário é composto de três normas básicas, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). O ciclo inicia-se com a elaboração do PPA, que é uma lei e também um instrumento onde está contido o planejamento estratégico de cada gestão para quatro anos. A cada ano é debatida e aprovada a LDO, indicando as prioridades e os cenários macroeconômicos e fiscais. Qual a previsão de recursos a serem arrecadados para o próximo ano, qual a previsão de crescimento da economia, quais serão os projetos e metas prioritárias, qual o montante da dívida pública e as condições de seu financiamento, entre outras questões. A Lei de Diretrizes Orçamentárias cria, assim, parâmetros anuais para a elaboração do orçamento público. Por fim, a Lei Orçamentária Anual define o montante de recursos que será alocado em cada ação e programa para o próximo exercício fiscal. Muito embora, políticas públicas possam ser formuladas e implementadas ao longo de todo um mandato político (quatro anos), o principal momento de planejamento de uma gestão ocorre nos primeiros seis meses de governo, quando é elaborada a proposta de Plano Plurianual. O PPA é a materialização do programa de governo eleito, que deve incorporar os sistemas públicos de garantia de direitos já existentes. O PPA consolida as orientações estratégias e as prioridades de determinada gestão. Sua estrutura básica é formada por programas (com objetivos, metas e indicadores) 11


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que se realizam por meio de ações orçamentárias específicas, previstas na Lei Orçamentária de cada ano (LOA). Um elemento central do PPA e também da LOA são os programas, que contém uma racionalidade própria de planejamento, indicando para a sociedade e demais órgãos públicos, o que será realizado, como e com que recursos. Segundo o Manual Técnico de Orçamento – MTO 2013 (Brasil, 2012, p.32)5: Na estrutura atual do orçamento público, as programações orçamentárias estão organizadas em programas de trabalho, que contêm informações qualitativas e quantitativas, sejam físicas ou financeiras. O programa de trabalho, que define qualitativamente a programação orçamentária, deve responder, de maneira clara e objetiva, às perguntas clássicas que caracterizam o ato de orçar, sendo, do ponto de vista operacional, composto dos seguintes blocos de informação: classificação por esfera, classificação institucional, classificação funcional e estrutura programática, conforme detalhado a seguir: Figura 1: Programas de trabalho ou programas orçamentários: principais elementos (fonte MTO 2013)

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Brasil. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Orçamento Federal. Manual Técnico de Orçamento MTO – versão 2013. Brasília, 2012.

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Podemos verificar na tabela acima a ligação entre o órgão executor da política, (por exemplo, secretaria de educação, secretaria de saúde, secretaria de cultura etc), o programa (que deve conter objetivos, metas, indicadores etc) e as ações orçamentárias. No primeiro ano do governo eleito, o presidente/a, governador/a, prefeito/a elabora a proposta de PPA, de LDO e a proposta de Lei Orçamentária Anual que indicará as novas diretrizes e prioridades a serem implementadas pela nova gestão. A elaboração do PPA, da LDO e da LOA é uma responsabilidade do poder executivo. O poder Legislativo (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional) tem a responsabilidade de debater a proposta encaminhada pelo executivo, podendo alterá-la por meio de emendas. Uma vez aprovada, a Lei é enviada para a sanção do/a chefe do poder executivo. Essas três leis garantem uma racionalidade e maior transparência, possibilitando a identificação das prioridades, programas e de todas as despesas e receitas utilizadas pelo governo ao longo da gestão.

Planejamento estratégico: Planos nacionais e indicadores de direitos humanos Para que haja a efetivação dos direitos humanos é de grande importância que os governos formulem políticas e planos para cada área setorial, buscando sempre a articulação institucional e de propósito. O programas e planos devem ser um instrumento enxuto, composto por diretrizes e metas de promoção dos direitos humanos a serem alcançadas pelos diversos órgãos nacionais, estaduais e municipais, incluindo recomendações ao poder legislativo e judiciário. Do ponto de vista do controle social, quando o governo elenca as suas prioridades programáticas e sobre o uso do recurso público, a sociedade pode influenciar este processo. Por mais genéricas que possam ser as diretrizes e metas estabelecidas nos Planos e programas de políticas públicas, todas elas devem se materializar em ações concretas, monitoráveis e com recursos suficientes para a sua realização. Para isso, programas e planos de ação públicos devem se materializar no orçamento público, que é aprovado anualmente pelo Poder Legislativo. 13


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Conferência de Viena e a elaboração de Plano de Direitos Humanos e Indicadores A Declaração e o Programa de Ação de Viena, fruto da Conferência Mundial sobre os Direitos Humanos realizada em Viena em 1993, indicou a necessidade dos Estados Nacionais formularem Planos Nacionais de direitos humanos, assim como o desenvolvimento e aplicação de um sistema de indicadores para que a realização progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais pudessem ser mensuradas. Segue abaixo as duas disposições, estabelecidas nos artigos 71 e 98 do Programa de Ação:

71. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que cada Estado considere a conveniência de elaborar um plano nacional de ação, identificando medidas, mediante as quais o Estado em questão possa melhor promover e proteger os direitos humanos.

98. Para fortalecer os direitos econômicos, sociais e culturais, deve-se examinar outros enfoques, como a aplicação de um sistema de indicadores para medir o progresso alcançado na realização dos direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Deve-se empreender um esforço harmonizado, visando a garantir o reconhecimento dos direitos econômicos, sociais e culturais em níveis nacional, regional e internacional.

Exercício: Faça uma busca na internet e procure acessar o orçamento público de seu município ou de seu estado. Identifique um programa específico dentro do orçamento e indique quais os recursos e metas previstas para esse programa para o ano de 2015.

Exercício: Faça uma busca no Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU) (www.transparencia.gov.br) e identifique qual foi a quantidade de recurso público federal transferido para o seu município em 2014. Compare com outros municípios da região e identifique o gasto que mais chamou sua atenção.

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Curso: Direitos Humanos,Políticas Públicas e Participação Social

Autor e Professor: Alexandre Ciconello Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2015

MÓDULO 3 –PARTICIPAÇÃO SOCIAL E MOBILIZAÇÃO

A participação social na teoria democrática

A ampliação da participação dos cidadãos nas decisões públicas é um ideal democrático partilhado por povos ao longo dos séculos. O conceito de democracia traz em si um componente central que é a incorporação da vontade e dos desejos dos cidadãos nas decisões do governo. Democracia pressupõe que o poder político deve ser exercido por meio de instituições e mecanismos que permitam a ampla participação de todos/as nas decisões coletivas. Embora a democracia enquanto valor, ideal e princípio é debatida há séculos por filósofos e pensadores, sua operacionalização é recente. Excetuando os relatos históricos da vivência democrática na Grécia Antiga, podemos dizer que somente a partir do final do século XVIII, a democracia como forma de governo começa a ser implementada no mundo moderno. Ela é estabelecida por meio da representação política – por meio de eleições - aliado a um sistema político de “freios e contrapesos” que se configura na divisão do Poder Estatal (executivo, legislativo e judiciário). Para algumas pessoas, a democracia – enquanto forma de governo - é entendida apenas como um procedimento para o estabelecimento e manutenção de sistemas políticos representativos, também conhecida como democracia liberal. Para esses, a democracia se resumiria ao processo eleitoral, a existência de partidos políticos e a garantia do direito de ser eleito e escolher seus representantes. 1


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Dentro dessa concepção, os regimes políticos democráticos são aqueles que seguem os procedimentos eleitorais e garantem certas liberdades e igualdades formais, para que os eleitores possam escolher os candidatos que melhor os/as representem. Dentro da teoria democrática liberal, a ampla participação política não seria algo desejável, pois colocaria em risco a estabilidade do sistema, pelo excesso de demandas e pressões de movimentos sociais e outros grupos sociais. A participação como método de governo, pressupõe a existência da representação, mas busca a instituição de mecanismos mais amplo para a participação do cidadão nas decisões públicas para além do voto e escolha de representantes. Dentro das ciências sociais, há diversos pensadores que propõe novos sentidos políticos e construções teóricas mais abrangentes para o conceito de democracia, visando compreendê-la não apenas a partir de seus mecanismos representativos, mas também a partir do seu potencial transformador e participativo. Nesse sentido, teóricos da democracia participativa e direta, como Carole Pateman, Pizzorno, Habermas, Boaventura de Sousa Santos, Leonardo Avritzer buscam entender os elementos da participação e o seu potencial de ampliar as fronteiras dos sistemas políticos contemporâneos e a legitimidade das decisões dos governos. Segundo Pateman (1992, p.41-51)1: • a participação permite que as decisões coletivas sejam aceitas mais facilmente pelo indivíduo, uma vez que tomaram parte do processo de decisão; • a participação produziria maior integração social, na medida em que gera um pertencimento de cada cidadão isolado à sua comunidade ou grupo organizado(associação, sindicato, movimento social); • para que os indivíduos sejam capazes de participar efetivamente do governo de um Estado nacional, as qualidades necessárias a essa participação devem ser fomentadas e desenvolvidas em nível local, por meio da democratização das estruturas de autoridade em todos os sistemas políticos.

A participação também é um processo educativo. A interação do indivíduo no espaço público, expressando seus desejos, necessidades e visão de mundo, a partir de um marco democrático de direitos, promove integração social e aprendizado. A participação promove uma educação para a cidadania e o convívio em sociedade. Expressar desejos e necessidades, construir argumentos, formular propostas, ouvir 1

Pateman, Carole (1992) Participação e Teoria Democrática, Rio de Janeiro: Paz e Terra.

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outros pontos de vista, reagir, debater e chegar ao consenso são atitudes que transformam todos/as aqueles/as que integram processos participativos. Do ponto de vista do gestor, a participação social produz melhores propostas de políticas públicas e melhor alocação dos recursos públicos. Quando a formação da agenda, a formulação das políticas, o seu monitoramento e avaliação é realizada a partir da consulta aos cidadãos e suas organizações representativas, as decisões obtidas tendem a ser as mais adequadas às especificidades territoriais e às necessidades dos diversos grupos e segmentos populacionais. A participação social deve ser considerada como um dos elementos para a construção de uma política pública. Ou por uma exigência legal, ou por um imperativo da eficiência. Ouvir os diferentes segmentos e grupos, consultar a população, traz mais legitimidade, pactuação social e incorporação de demandas legítimas e alinhadas com a matriz democrática de direitos existentes no país.

A participação social e a promoção dos Direitos Humanos O componente central da participação social é o cidadão/ cidadã. O objetivo de todo governo é garantir que todas as pessoas possam ter uma vida com dignidade. Esse ideal é expresso no conceito normativo de direitos humanos, como analisamos no módulo 1 desse curso. Os direitos de cidadania e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária só pode ser alcançado pela via democrática e participativa. Cabe ressaltar que os mecanismos de participação criados para operacionalizar esses princípios não podem reproduzir estruturas de opressão ou ter como resultado o retrocesso de direitos e liberdades individuais. A participação social deve alargar direitos já garantidos em nossa legislação e não restringi-los. A própria Constituição Federal em seu artigo 60º, parágrafo 4º veda a supressão - via emenda constitucional – de dispositivos constitucionais que asseguram os direitos e garantias fundamentais. Também chamadas de clausulas pétreas, abrange especialmente os direitos civis e políticos. A participação social se dá no marco de um Estado Democrático de Direitos e visa a sua operacionalização, monitoramento e ampliação para a incorporação de novos direitos e dimensões da dignidade humana que evoluem com o tempo, a partir do aumento da consciência política, social e ambiental.

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Participação social na Constituição Federal de 1988 A elaboração e promulgação das Constituição Federal de 1988 ocorreu em um contexto histórico de transição democrática depois de anos de ditadura militar e repressão de direitos civis e políticos. Dentro do contexto social existente na época havia uma intensa mobilização e expressão pública de grupos, movimentos sociais, organizações da sociedade civil, sindicatos, partidos políticos, que durante o regime militar foram perseguidos ou limitados em sua possibilidade de expressar demandas, reivindicações e apresentar propostas de políticas e organização do Estado. A Constituição de 1988 foi debatida em um contexto plural e de grande otimismo, pois significava um novo pacto político em uma sociedade marcada por anos de autoritarismo. Assim, o debate sobre democracia, ampliação da participação cidadã e criação de modelos e mecanismos que permitissem uma maior presença popular nas decisões públicas foi o pano de fundo que deu origem aos princípios de democracia direta e participativa existente na Constituição. Para além da garantia dos direitos civis e políticos e da definição de regras para o sistema político-partidário representativo, a Constituição de 1988 inovou na previsão de mecanismos de democracia direta (referendo, plebiscito e iniciativa popular), assim como o estabelecimento da obrigatoriedade da participação e gestão compartilhada com organizações da sociedade civil de algumas políticas públicas. Veja no quadro abaixo as principais disposições constitucionais referentes a participação e ampliação democrática. Quadro – Dispositivos referentes à participação da sociedade civil na Constituição de 1988 Título

Capítulo

Artigo

Dispositivo

I. Dos Princípios Fundament ais

Art. 1° Parágraf o único

Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

II.Dos Direitos e Garantias Fundament ais

IV. Dos Direitos Políticos

Art. 14

A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular.

III. Da Organizaçã

IV. Dos

Art. 29

O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e 4


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o do Estado Municípios

aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: (...) XII - cooperação das associações representativas no planejamento municipal;

VII. Da Ordem Econômica e Financeira

III. Da Política Agrícola e Fundiária e Da Reforma Agrária

Art. 187

A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: (...)

VIII. Da Ordem Social

II. Da Seguridade Social (Seção I – disposições gerais)

Art. 194, parágraf o único, inciso VII

Parágrafo único: Compete ao Poder Público, nos termos da Lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

II. Da Seguridade Social (Seção II – Da saúde)

Art. 198, inciso III

VIII. Da Ordem Social

(...) VII – caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado com as seguintes diretrizes: (...) III – participação da comunidade.

VIII. Da Ordem Social

II. Da Seguridade Social (Seção IV – Da assistência social)

Art. 204, inciso I e II

As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recurso do orçamento da seguridade social, previsto no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I – descentralização político e administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e 5


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municipal, bem como à entidade beneficente e de assistência social; II – participação da população por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. VIII. Da Ordem Social

III. Da Art. 205 Educação, da Cultura e do Desporto

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

VIII. Da Ordem Social

III. Da Art. 206 Educação, da Cultura e do Desporto

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

VII. Da Família, da Criança, do Adolescent e e do Idoso

O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:

VIII. Da Ordem Social

Art. 227, parágraf o primeiro

(...) VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

(...) Fonte: Constituição Federal de 1988.

Os mecanismos institucionais que viabilizariam a participação prevista na Constituição Federal de 1988, para serem efetivos e poderem alcançar o ideal transformador desejado, deveriam necessariamente ser estabelecidos no espaço local, fazendo conexões com mecanismos estaduais/municipais e nacionais com o objetivo de promover a construção, o monitoramento e avaliação de políticas públicas de Estado. Antes mesmo da criação do Orçamento Participativo, no final da década de 1980, as experiências participativas e cidadãs proliferavam no nível local, impulsionadas por uma série de sujeitos políticos inspirados por alguns referenciais políticos-teóricos, entre eles, a Teologia da Libertação e a Educação Popular, criada por Paulo Freire. Um dos resultados do trabalho de base de inúmeras organizações sociais foi o desenvolvimento de processos educativos junto a grupos populares com a finalidade de gerar emancipação e consciência cidadã.

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Durante as décadas de 1970 e de 1980, por exemplo, as Comunidades Eclesiais de Base, ligadas a Igreja Católica progressista promoveram atividades de educação para a cidadania que geraram autonomia e emancipação popular, contribuindo fortemente para o aumento da consciência cidadã e do potencial participativo de milhares de grupos e sujeitos políticos. Há uma estimativa de que no início dos anos 80 existiam no Brasil cerca de 80 mil comunidades eclesiais, reunindo por volta de dois milhões de pessoas (Viola & Mainwaring, 1987)2. O aumento da mobilização social permitiu pavimentar uma base social formada por inúmeras organizações, sindicatos, movimentos sociais que demandou a criação, por parte do Estado, de mecanismos que permitissem a participação institucionalizada da população nas decisões públicas. A participação social nasce, portanto, da pressão dos movimentos sociais em direção a um Estado autoritário e burocrático. Devido a esse contexto de mobilização surge o orçamento participativo como a primeira experiência participativa institucionalizada dentro da gestão municipal. Conhecido internacionalmente, a experiência inovadora do OP teve origem no município de Porto Alegre, a partir de 1989, sendo posteriormente criado em vários municípios brasileiros. Um dos objetivos do OP é promover a participação da população na definição de prioridades na alocação do orçamento público em obras e serviços públicos, provocando mudanças efetivas na rotina administrativa das cidades. Essas experiências existentes no nível comunitário e posteriormente de forma institucionalizada no nível municipal abriram caminho para a criação de mecanismos institucionais de participação no nível nacional, ampliando a possibilidade de participação dos cidadãos nas decisões e políticas públicas.

Conceito de Participação Social segundo a Política Nacional de Participação Social Participação social refere-se ao conjunto de processos e mecanismos democráticos criados para possibilitar o diálogo e o compartilhamento de decisões sobre programas e políticas públicas entre o Governo federal e a sociedade civil, por meio de suas organizações e movimentos sociais, ou diretamente pelo cidadão.

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Viola, E. and S. Mainwaring (1987) ‘Novos movimentos sociais: cultura política e democracia: Brasil e Argentina’, in I. Scherer-Warren and J. Krischke (ed.) Uma Revolução no Cotidiano: Os Novos Movimentos Sociais na América do Sul, São Paulo: Brasiliense.

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Sistemas de Políticas Públicas Participativas A operacionalização dos princípios participativos criados na Constituição de 1988 ocorreu através da criação de Conselhos de Políticas Públicas e processos de Conferências Temáticas. Esses dois mecanismos foram integrados dentro de Sistemas Universais de Políticas Públicas e da formulação de políticas nacionais que foram estruturados a partir da década de 1990. O Conselho de Saúde, por exemplo, possui algumas atribuições normativas, como a de formular estratégias e definir as prioridades da política de saúde, que inclui a aprovação do orçamento público destinado às ações na área da saúde nos seus três níveis (municipal, estadual e federal). Nesse sentido, algumas políticas criaram fundos orçamentários específicos, como o Fundo Nacional de Saúde e o Fundo Nacional da Assistência Social que são monitorados pelos Conselhos respectivos. O modelo participativo descrito acima, foi posteriormente expandido para outras políticas sociais, formando-se uma espécie de modelo ideal de quais seriam as atribuições de um Conselho de Política Pública e de uma Conferência Temática: Modelo ideal de um Conselho de Política Pública Paritário (representantes governamentais e representantes da sociedade civil em igual número ou uma representação majoritária da sociedade civil); Deliberativo (com atribuições de deliberar sobre a formulação, as prioridades e o orçamento da política); Com gestão compartilhada da política, permitindo o controle democrático por parte das organizações e movimentos da sociedade civil (monitoramento e avaliação); Implantado nas três esferas da Federação (União, estados e municípios), formando uma estrutura de gestão federativa e participativa das políticas públicas; Com representantes da sociedade civil eleitos autonomamente em fórum próprio, não sendo indicados por decisão unilateral dos governos; Vinculados a um sistema universal de política pública; Responsável pela gestão do fundo orçamentário da política.

Modelo ideal de uma Conferência Temática • Ocorrem em periodicidades regulares (em geral a cada quatro anos ou a cada dois anos);

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• São estruturadas a partir de um processo cumulativo de debates e deliberações que tem início no nível municipal, passando para o nível estadual e por último o debate na Conferência Nacional; • São convocadas com uma finalidade específica, refletida em seu documento base, com o objetivo central de propor recomendações e deliberações para a agenda futura de determinado política. • A Conferência tem o objetivo de criar pautas políticas e uma agenda de prioridades que visa influenciar uma política pública determinada, que será posteriormente monitorada por meio de outros mecanismos participativos, como os Conselhos de Políticas Públicas. • É um processo representativo onde são eleitos/as delegados/as para as conferências estaduais e sucessivamente para a conferência nacional. • É um espaço paritário, composto por representantes da sociedade civil e gestores públicos. Desde de 1988, foi construído portanto, no Brasil, uma estrutura normativa e administrativa visando à implementação de sistemas participativos e descentralizados de políticas públicas. Esse sistema teve na criação e fortalecimento de Conselhos de Políticas Públicas nos três níveis federativos e na realização de Conferências temáticas periódicas o seu eixo fundamental. Há uma série de desafios já identificados por inúmeros acadêmicos, representantes da sociedade civil e gestores com relação ao aprimoramento necessário aos atuais mecanismos de participação. Vamos agora aprofundar um pouco mais cada um destes mecanismos.

Conferências de Políticas Públicas As Conferências de Políticas Públicas possuem um grande potencial para gerar uma pauta comum entre gestores públicos e organizações da sociedade civil com relação a uma determinada política pública ou a uma proposição legislativa. Seu objetivo central é avaliar o impacto das políticas implementadas, consolidar demandas e prioridades e estabelecer uma agenda para o próximo período. Esse consenso permite a adoção de diretrizes políticas, como a construção do SUAS – Sistema Único da Assistência Social que foi a principal deliberação da IV Conferência Nacional de Assistência Social. As conferências permitem também a mobilização e a representação de grupos, organizações e coletivos que são eleitos como delegados/as. O caráter educativo também deve ser considerado e ressaltado. Os delegados/as da sociedade civil participantes das Conferências nos seus três níveis acabam com mais conhecimento 9


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sobre as políticas públicas, sobre indicadores sociais e sobre o funcionamento dos órgãos do Estado, aproximando o cidadão da gestão. Enquanto o foco do Orçamento Participativo é a dimensão territorial, as conferências tratam de temas relacionados ao campo da promoção de direitos e refletem a forma como as políticas públicas estão estruturadas (saúde, assistência social, meio ambiente, cidades, etc), assim como, debatem temas relacionados a grupos populacionais com histórico de discriminação ou vulnerabilidades, como, mulheres, negros/as, LGBT, idosos, pessoas com deficiência, povos indígenas e comunidades quilombolas, crianças e adolescentes, juventude. Dois desafios devem ser enfrentados: • Criação de mecanismos para uma maior coordenação horizontal entre as diversas conferências distritais • Uniformização de procedimentos e do fluxo e encaminhamento de suas deliberações. Os processos de organização para a realização de uma Conferência costumam ser auto-centrados, muitas vezes, impulsionados por uma convocação nacional estabelecendo pouca coordenação ou comunicação entre outros processos. Há muitos casos de deliberações sobrepostas que por vezes são antagônicas entre si. Cabe mencionar que o descuido metodológico no debate participativo nas conferências que pode gerar um desestímulo a participação e uma rigidez desnecessária em sua organização.

Conselhos de Políticas Públicas Os conselhos de políticas públicas possuem uma natureza perene, com reuniões regulares, estrutura administrativa e reúne representações de organizações da sociedade civil em seus diversos segmentos, em conjunto com gestores públicos de diversas secretarias, possuindo um alto potencial para o exercício efetivo do controle democrático sobre a formulação, monitoramento e avaliação das políticas públicas. Da mesma forma que as Conferências, há desafios importantes que precisam ser enfrentados para o aprimoramento desses espaços, a saber: • Uniformização de regras e procedimentos; • Paridade na representação das organizações da sociedade civil e sua autonomia; 10


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• Definição de sua natureza deliberativa e/ou consultiva; • Representatividade; • Organização interna. A composição dos conselhos de políticas deveria garantir uma paridade na representação entre representantes das organizações da sociedade civil e gestores públicos. Ademais, a eleição das representações das organizações da sociedade civil em seus diversos segmentos deveria se dar em fórum próprio e não mediante indicação governamental. A indicação da presidência do Conselho deveria ser uma decisão do Conselho e não do órgão gestor responsável. Outro ponto considerado polêmico diz respeito à natureza deliberativa ou consultiva dos Conselhos. A função deliberativa significa, que dentro das atribuições de determinado Conselho - definidas em lei ou decreto - o espaço de tomada de decisões sobre a formulação, monitoramento e avaliação de determinado política seria do Conselho, sendo essa decisão posteriormente implementada pelos gestores públicos. As resoluções produzidas pelos Conselhos de caráter deliberativo teriam, portanto, uma natureza normativa. Não há consenso, por exemplo, sobre se todos os conselhos considerados deliberativos, efetivamente exerçam essa atribuição. Para alguns gestores públicos a natureza deliberativa dos Conselhos de Políticas Públicas não seria adequada, sendo esses espaços considerados, assim como as conferências, como espaços de interlocução. Alguns argumentam que, na prática, isso é o que ocorre. Com relação a representatividade, temos que a participação social nos Conselhos, diferentemente da participação no nível local/ territorial dentro do Orçamento Participativo, se dá por meio de entidades representativas. Há poucos estudos sobre a qualidade da representação nas estruturas participativas e em que medida elas não reproduzem as distorções observadas na estrutura política representativa. As estruturas de desigualdade existentes na sociedade brasileira, como o patrimonialismo, desigualdade de renda, racismo e sexismo também perpassam as estruturas dos conselhos. Deve-se portanto, evitar a sobre-representação de alguns grupos nos Conselhos de Políticas Públicas, ao mesmo tempo, incentivar a participação de grupos sociais que se encontram sub-representados nesses espaços. Assim, algumas sugestões possíveis seriam: Implementação de discriminação positiva para assegurar a representação social dos grupos que não tem voz; 11


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Incentivos que compensem os custos da participação para os grupos mais vulneráveis; Garantir a participação dos usuários e diminuir o peso das corporações, diversificando a presença dos atores da sociedade civil. Com relação à articulação dos conselhos com as conferências, é importante estabelecer uma obrigação e procedimentos para que os conselhos prestem conta de sua atuação durante os processos de Conferência. As conferências são o espaço ampliado de participação para a política temática específica e tem como um dos seus principais objetivos estabelecer a agenda prioritária para determinada política para o próximo período. Muitas conferências são organizadas pelos respectivos conselhos. O Conselho deve, portanto, informar a conferência sobre o andamento da política, assim como deve receber as deliberações da conferencia como uma agenda de trabalho que deve ser acompanhada e monitorada.

Fortalecimento da sociedade civil As organizações da sociedade civil e movimentos sociais brasileiros vivem processos de fragilização, criminalização, violência e ameaças contra defensores de direitos humanos e escassez de recursos financeiros. Muitas organizações e redes tem diminuído significativamente suas ações. A participação social e o diálogo com o governo federal têm diminuído nos últimos anos em diversas áreas. A fragilização da política e da agenda de Direitos Humanos por parte dos governos contribuiu para a ainda maior fragilização dos processos de articulação da sociedade civil. O fortalecimento dos mecanismos de participação social tem uma forte ligação com a necessidade de fortalecer a sociedade civil organizada. Esse fortalecimento implica, por parte do estado: • reconhecer a legitimidade política das formas autônomas de organização da sociedade civil; • permitir a livre manifestação das expressões cidadãs (banindo iniciativas estatais que visam a criminalização e a repressão dos movimentos sociais); • implementar programas de formação de representantes da sociedade civil que participam de espaços como conselhos e conferências; • apoiar financeiramente iniciativas de organizações da sociedade civil voltadas para a promoção dos direitos humanos e promoção da igualdade; 12


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• apoiar e fortalecer espaços autônomos de monitoramento do estado constituído pela sociedade civil; • adotar medidas concretas para o fortalecimento de grupos e movimentos organizados de grupos em situação de vulnerabilidade ou discriminação, incluindo o apoio financeiro as suas atividades.

Mobilização social A mobilização ocorre quando um grupo de pessoas ou uma comunidade, unidas por um motivo, decide e age com um objetivo comum, perseguindo, de forma permanente, mudanças na realidade desejadas pelo grupo. A decisão sobre se mobilizar para produzir mudanças depende essencialmente das pessoas se verem ou não como responsáveis e como capazes de provocar e construir transformações nas suas comunidades e na sociedade. Toda mobilização é uma ação destinada a alcançar um objetivo pré-definido. Se quisermos construir uma mobilização em torno do fim do uso abusivo de agrotóxicos devemos envolver corações e vontades para esse propósito comum. Para tanto, teremos que expressar esse objetivo de forma clara de modo que possamos reunir pessoas e grupos em torno dele. Essa mobilização deve ser orientada para a construção de um projeto de sociedade que queremos. O que desejamos para nossas comunidades é um desenvolvimento com dignidade, com acesso à educação e a uma vida comunitária sem violência. A mobilização está intimamente ligada com a ideia de participação. Pessoas e grupos mobilizados participam. Inicialmente, a partir de sua comunidade e organização e, posteriormente, dentro de uma esfera pública ampliada. Um processo de mobilização social tem início quando uma pessoa, um grupo ou uma instituição decide iniciar um movimento no sentido de compartilhar uma visão de mundo e um objetivo a ser alcançado. A tomada de consciência do indivíduo como sujeito de direitos é o primeiro passo para que esse cidadão possa se mobilizar e posteriormente participar de forma mais efetiva na luta por direitos e pela promoção de políticas públicas. No atual contexto brasileiro, há um crescimento do conservadorismo no campo dos costumes; na saúde sexual e reprodutiva; um discurso articulado contra o conceito de 13


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direitos humanos se fortalecendo na sociedade; o crescimento do racismo, sexismo e homofobia; uma crítica profunda à representação e às instituições políticas, além de retrocessos em diversas áreas, especialmente relacionados ao direito à terra, território e meio ambiente. Nessa conjuntura é essencial debatermos cada vez mais os princípios de igualdade e justiça que estruturam a nossa sociedade, como direitos humanos, democracia e participação social. A tomada de consciência das opressões e desigualdades deve possibilitar processos de mobilização e participação mais amplos, visando a construção de um mundo justo, igualitário e sustentável.

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