Projeto pesquisa

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A Imagem como Narrativa Projeto de Pesquisa Mestre Pedro Serapicos Design Grรกfico e Publicidade 3ยบ ano Mรณnica Pereira 9120172 Ano Letivo 2014/2015



Índice Introdução

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Relação palavra/imagem

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• uma leitura visual

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• a imagem narrativa

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• relação texto/imagem no livro infantil

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Relação discurso autoral/ilustração

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Materialidade do livro

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• tipografia

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• título e capa

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Livro de autor vs. Livro-objeto

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A ilustração entre a arte e o design

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Planeta Tangerina: “Praia-Mar“

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Conclusão

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Bibliografia

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Anexos

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Introdução A ilustração, de forma idêntica às outras artes, assume no seu desenvolvimento uma condição abrangente: a sua linguagem desenvolve-se, influenciado-se pelo convívio com outras formas de arte como o desenho, a pintura e outras técnicas e tecnologias. Derivado do latim illustrare é, de acordo com a definição comum, uma decoração com desenhos e/ou gravuras que se encaixam, de certa forma, no texto de uma obra (literária); significa igualmente, explicação, esclarecimento relativamente ao texto através da sua representação visual. A ilustração é uma visualização que realça o tema/assunto abordado, permitindo uma rápida percepção e compreensão do mesmo. É através da conjugação de duas linguagens diferentes (a verbal e a visual) que é transmitido uma mensagem - a comunicação visual possibilita uma organização da informação de forma a melhorar e sistematizar a relação entre palavra e imagem. Sendo a ilustração uma arte fundamentalmente narrativa, idealizada para compreender e enaltecer um texto, ela consegue narrar a sua própria história através dos seus meios, dentro do seu próprio universo: tempo, acção e lugar, cedido pela interpretação e imaginação do artista. Considerando o desenho como ilustração (tendo ambas capacidade narrativa) podemos mencionar as pinturas pré-históricas em cavernas, os monumentos romanos que combinavam as imagens com textos épicos em baixo-relevo, as formas pictóricas paleocristãs e ainda as iluminuras dos manuscritos pertencentes à Idade Média. Será no desenvolver deste projeto que a ilustração vai ser interpretada enquanto elemento de um livro, demonstrando a importância deste na socieadade de hoje em dia (e sua receção) assim como compreender o ponto de vista daqueles que os criam.

“A arte de ilustrar um livro (...) trata-se de pôr em imagens uma história, um texto, um argumento; de narrar um acontecimento, objectivo ou subjectivo, através de formas visíveis (...); de encontrar as correspondências mais justas e de maior ressonância entre a palavra e a imagem, traduzindo na linguagem desta, a atmosfera emocional e os dinamismos psíquicos daquela.”

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Freitas, Lima de (1977). As imaginações da imagem. Lisboa: Arcádia. p. 137.

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A Imagem como Narrativa Relação palavra/imagem

Relação palavra/imagem Hoje vivemos num mundo de imagens, onde estas são gradualmente mais fugazes, passageiras e descartáveis - nomeadamente na web, nos espetáculos, no cinema, na moda, na propaganda. Contrariamente, a palavra escrita redige leis, compõe documentos, teses e dissertações, tornando-os permanentes. Assistimos assim que a imagem aparenta precisar da palavra, de modo a fazer-se entender ou demonstrar importância sobre determinado assunto, pois, sozinha é associada a um plano lúdico ou é utilizada com fins persuasivos. As aplicações de texto e imagem (em conjunto ou isoladamente) demonstram que cada forma de comunicação é aplicada e adequada a usos distintos. Segundo Mitchell, a palavra “imagem” é aplicada em diversos discursos institucionalizados, particularmente nos de crítica literária, história da arte, teologia e filosofia; os nossos conceitos teóricos de imaginários têm base nas práticas sociais e culturais 2. De forma a classificar os vários sentidos de “imagem”, Mitchell concebeu uma estrutura, nomeada de família de imagens a partir dos tipos de discurso [fig. 1]. Em 6

conformidade com o esquema de Mitchell, o termo “imagem” constitui númeras interpretações, variando desde o seu uso mais literal (pinturas, peças de arte,..) até conceitos como “imagem verbal” ou “imagem mental”. O estudo da imagem é também objecto de estudo da pintura ou da fotografia, seja enquanto forma imagética tradicional, seja na modernidade. A complexidade das imagens que ilustram narrativas, permitem abordagens pedagógicas (quando retratam informações e/ou normas de conduta) ou narrativas (quando tem intenções expressivas). A actualidade apresenta-nos, por um lado uma imagem “passageira” e “descartável”, aplicada na maioria das vezes de forma precipitada e massificada pelos meios de comunicação: publicidade, jogos informáticos, cartazes, entre outros. Por outro lado, oferece-nos imagens que, pela sua complexidade, leva-nos a potencializar competências de leitura, de forma a permitir uma interpretação crítica incorporando-as na construção da nossa cultura visual. A literatura, especialmente para infância, tem vindo a possibilitar escritores, designers, ilustradores e investigadores a estudarem as diversas relações entre a palavra e a imagem - duas formas de comunicação - para assim as potenciar.

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MITCHELL, W. J. T..Iconology: text, image and ideology. Chicago: University of Chicago Press, 1987, pp. 9-10.


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[fig. 1] Gráfico representativo da família de imagens de Mitchell.


A Imagem como Narrativa Relação palavra/imagem

Na opinião de Lessing, ambas assumem um carácter próprio. Para ele a poesia está interligado com o tempo (palavra) e a pintura com o espaço (imagem), passando a ser interpretada como um fenómeno visual. Para Gil Maia, a ilustração inventa para baralhar percepção com interpretação. Ela “verte o tempo no espaço, isto é, espacializa o tempo, (...) confunde a percepção e a interpretação (...) introduz o espanto na leitura.” A condição da subsistência da ilustração, em todo o caso interdependente de palavras ou ideias, encontra-se no facto de nos permitir interpretar diferentes perspectivas e de criar leituras distintas sobre a relação das palavras e das imagens nas obras por nós analisadas. Utilizaremos a terminologia, narrativa paralela, narrativa interdependente e livro de imagens, proposta por Barbara Jane Necyk na sua tese de mestrado “Texto e Imagem: um olhar sobre o livro infantil contemporâneo”. Conforme o tipo de relação que a imagem estabelece com o texto, a narrativa que daqui resulta pode ser “paralela”, quando a história é narrada pela imagem e pelo texto ao mesmo tempo [fig. 2], ou pode ser designada de “narrativa interdependente” caso exista uma interacção entre texto e imagem que enaltece simultaneamente o significado destes dois meios de comunicação [fig. 3]. Quando o livro não apresenta texto escrito será classificado como “livro de imagem” [fig. 4].

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[fig. 2] “Com 3 novelos (o Mundo dá muitas voltas)” Henriqueta Cristina e Yara Kono Planeta Tangerina, 2015


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“Este livro está a chamar-te (não ouves?)” [fig. 3] Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso Planeta Tangerina, 2013

O livro de imagem é uma proposta narrativa que visa estabelecer a autocrítica da literatura e ainda questionar as clássicas funções do texto - por não se encontrar implícito. Relativamente aos livros que apresentam uma relação direta de texto-imagem, observa-se uma disposição física de ambos em simultâneo. Na narrativa interdependente há a possibilidade de formar subcategorias consoante o tipo de relação texto-imagem na disposição gráfica na página, sendo que a interpretação do seu significado está dependente da coesão entre estas duas formas de narrativa. Perry Nodelman defende que colocando palavras e imagens “numa relação um com o outro irá inevitavelmente alterar o significado de ambos”, para assim se tornarem “mais do que apenas a soma das duas partes”. Acreditava que era o “ritmo único das imagens e palavras trabalhando em conjunto que permitia distinguir os picturebooks de todas as outras formas de arte visual e de arte verbal.” Afirma ainda que “as palavras podem tornar as imagens em recursos narrativos ricos mas apenas porque comunicam de uma forma diferente das imagens. Pela mesma razão as imagens conseguem alterar a narrativa das palavras.”

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[fig. 4] “Pensamientras / On thoughts” Eugénio Roda e André da Loba Edições Eterogémeas, 2012



A Imagem como Narrativa Relação palavra/imagem

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[fig. 5] “Mar” Ricardo Henriques e André Letria Edições Patológico, 2012


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Uma leitura visual A imagem tem um papel significativo na literatura - nomeadamente na literatura infantil, sendo esta uma das suas principais características - podemos encontrar um livro sem palavras (livro de imagem), mas dificilmente encontraremos um sem imagens. É interessante, desta forma perceber o papel que a imagem tem na construção de sentido nesse objeto, pois nela contém significado e ainda o poder de alterar o sentido de uma história. Enquanto o texto é uma espécie de “código” que vamos aprendendo a interpretar (ensino sistemático), não necessitamos de uma aprendizagem prévia para apreciar imagens - têm, de certa forma, uma linguagem própria que pode, e deve, ser aprimorado pelo nosso olhar (ensino assistemático). É nessa junção entre palavra e imagem que flui a narrativa do livro ilustrado, com características que o distanciam do conto popular e da literatura direcionada para o público adulto. Um argumento, frequentemente mencionado, é a de que a palavra está associado a aspetos espirituais e mentais, contrariamente com a imagem que representa o visível, objetos materiais. 3 Ao lermos “Imagine que…” ou “Era uma vez….”, sentimo-nos guiados pelo texto para um contexto imaginário, invisível e intangível. Já a imagem expressa intenções, sentimentos, impressões - observada em cinema, livros infantis, arte, entre outros meios. A imagem pode ainda ser um meio visível para alcançar o invisível, como é o caso das imagens sagradas, cuja relação está dependente do simbolismo dessa mesma imagem e ainda do tipo de sociedade em que se insere. Relativamente ao aspeto descritivo, é preciso muito texto para narrar uma cena comum, interpretada por uma única e apreendido num simples olhar. No caso do livro infantil, a ilustração demonstra bastante informação em termos de aparência (características corporais, vestuário, etc.), de cenário (objetos, ambiente, cenário, etc.) e ainda relativamente às características emocionais e de personalidade dos personagens. A imagem consegue descrever os objetos materiais (o visível) com mais facilidade em relação a texto, por ser mais sucinta e direta.

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GOMBRICH apud MITCHELL, op. cit , p. 78.

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[fig. 6] “Romance/ Ballad” Blexbolex Albin Michel Jeunesse (França), 2013



A Imagem como Narrativa Relação palavra/imagem

A imagem narrativa Enquanto o texto verbal comunica contando uma narrativa/ história, a imagem comunica mostrando-a. A imagem teria vantagem sobre o texto na apresentação e explicação de uma cena onde a ambientação, a caracterização e a noção espacial são imediatamente assimiladas com uma imagem. Em contrapartida, segundo as autoras, a ilustração não iria conseguir representar a vertente “temporal” e “psicólogica” pois, por norma, apresenta-se como um momento congelado (SCOTT e NIKOLAJEVA, 2011, p.113). Não iria existir na ilustração a interpretação e profundidade do momento que permite o texto escrito, nem a relação de causalidade e temporalidade cruciais para a narrativa. Não obstante, podemos considerar que, de uma forma geral, o texto consegue estabelecer três relações com a imagem: “redundância”, “complementariedade” e “contradição” (LINDEN, 2011, p. 120). A redundância é estabelecida quando as mensagens (verbal e visual) não dependem uma da outra 15 16

para fazerem sentido, uma não acrescenta à outra.


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Desta forma o que está presente no texto está da mesma forma presente na imagem. Contrariamente, numa relação de complementariedade, a imagem e o texto desenvolvem o sentido em conjunto, articulando as qualidades de cada código e assim chegar a um discurso singular. Na relação de contradição, a imagem não combina com o texto, por vezes criando uma narrativa paralela, onde o leitor é levado a construir um sentido, partindo das duas mensagens. Esta classificação permite-nos refletir nas variedades possíveis da relação entre ilustração e texto. A imagem pode demonstrar ritmo, amplificar a narrativa, mostrar mais do que o que está escrito, conceber histórias paralelas e aumentar o enredo. No entanto, se uma ilustração consegue limitar as imagens que a nossa mente recria durante a leitura, pode da mesma forma multiplicar os sentidos do texto.

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[fig. 7] “My First Amália” Maria do Rosário Pedreira e João Fazenda Editora Dom Quixote, 2013


A Imagem como Narrativa Relação palavra/imagem

pós - produzida

narrativa de estruturação

narrativa paralela direta

narrativa interdepente

aumento

contradição

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[fig. 8] Quadro da tipologia das relações de imagem e texto no livro infantil.


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Relação texto/imagem no livro infantil Podemos definir dois grupos distintos relativamente à relação texto/imagem, baseada na existência (ou não) de ambos no livro [fig. 8]. Verificamos nos dois tipos de relação (pós-produzida e direta) uma relação de complementaridade, no entanto com características diferentes para cada subcategoria: narrativa de estruturação, narrativa paralela e narrativa interdependente. A narrativa interdependente, que caracteriza o livro infantil contemporâneo, subdivide-se em aumento e contradição; para cada subdivisão, existem modos diferentes.

- Relação texto/imagem pós-produzida Verifica-se em livros onde a relação texto/imagem se dá à posteriori, depois da visualização de imagens, onde o leitor concebe a sua interpretação da história. São os designados livros de imagem. O livro de imagem é aquele que é constituído por uma narrativa baseada somente por ilustrações, no entanto pode surgir uma pequena introdução e/ou conclusão em forma de texto. A principal característica deste tipo de livro é o fato de se tratar de uma história “aberta”, permitindo aos leitores uma ampla margem de interpretação. Estabelece-se ainda uma relação derivada das potencialidades entre texto e imagem: a tendência da imagem é de abrir e “libertar” enquanto que o texto tende a fechá-la, controlá-la ou delimitá-la.

- Relação direta texto/imagem Os livros que contêm esta relação direta são aqueles onde o texto e a imagem surgem em conjunto, permitindo ao leitor a utilização de ambas as linguagens na compreensão da narrativa. Este tipo de relação é a mais comum nas obras literárias infantis, onde durante muito tempo a ilustração manteve-se “inferior” à narrativa textual, pois as imagens não detinham responsabilidade pela narrativa, nem pela compreensão da história. Gradualmente, a imagem iniciou um processo de ascensão até ao ponto de equiparar-se com o texto a nível de narrativa.

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A Imagem como Narrativa Relação discurso autoral/ilustração

Relação discurso autoral/ilustração O livro de autor/artista surgiu no séc. XVIII com William Blake, que foi o primeiro artista a analisar o livro como complemento a uma obra de arte. Até aos dias de hoje, vários autores têm elaborado o livro como suporte e meio para o seu trabalho, ao mesmo tempo que tentam desafiar os conceitos clássicos. Por norma, o livro é elaborado a partir dos textos integrantes, e as ilustrações após a criação dos textos. No entanto existem casos onde acontece ao contrário, podendo assim afirmar que o livro pode ter como ponto de partida a narrativa, a ilustração ou o próprio livro. Pode haver ainda situações onde o livro não possui texto, permitindo às ilustrações a descrição da narrativa.

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Catarina Sobral encontra-se a ilustrar textos de outros autores “É um trabalho diferente porque não o concebemos de início. Podemos conceber o formato, discutir o número de páginas, como se distribui o texto” mas quando é a própria a desenvolver texto e imagem “(para a estruturar) escrevo o texto todo primeiro. Mas quando estou a escrever o texto já estou a decidir o que desenhar. É uma concepção paralela, mas o esqueleto começa pelo texto.” (Jornal Público, 8 de Abril 2014 - Rita Pimenta). O ilustrador Julio Dolbeth admite que tem o cuidado de relacionar a narrativa escrita com a narrativa visual “…tento sempre adequar as ilustrações ao texto embora nem sempre seja fácil, às vezes tento fugir um bocado dos estereótipos e das coisas mais óbvias.” já a Mariana Rio pretende que as suas ilustrações contem a sua própria história e exemplifica com um trabalho que executou para a Casa da Música “…as minhas ilustrações tentam ser autónomas (…) o meu trabalho [para a Casa da Música] foi ler os textos que me forneceram e pensar que imagem é que eu vou passar às crianças, aos pais, aos professores, através da minha própria linguagem visual e também através das minhas próprias narrativas. Fui buscar aos textos ideias sobre mundos: num dos textos há uma alusão ao espaço, não me colei ao cenário mas fui buscar a ideia de espaço, comecei por criar uma nave espacial que trazia várias personagens do espaço para a terra e a partir daí comecei a construir uma história minha”. José Saraiva pretende que haja uma harmonia entre as definições “ilustração descritiva” e “ilustração autónoma” pois “uma ilustração deve ter sempre uma ligação formal com a origem textual. A dificuldade está em manter essa ligação numa imagem que possa acrescentar novas perspetivas ao texto embrionário.”

[fig. 9] “Na Espreguiçadeira com....Catarina Sobral” Catarina Sobral Preguiça Magazine, 2013

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Quando o ilustrador enfrenta a tarefa de ilustrar um texto, deve ter em especial atenção o estilo gráfico - estilos gráficos distintos para a mesma narrativa, genera narrativas diferentes. Nodelman afirma que, por mais individual e único que o estilo seja, vai sempre expressar mais do que essa individualidade - o estilo gráfico reflete o aspeto plástico, mas também possui significado (NODELMAN, op. cit., p.78). Ainda que o estilo gráfico da ilustração seja uma escolha pessoal, não pode ser considerado como uma “assinatura particular” do ilustrador, pois apesar da personalidade e expressividade do traço de determinado artista, este pertence a uma visão coletiva - o público. Rita Balixa afirma que a técnica que utiliza é variável, consoante a finalidade do projeto “por um lado desenho muito em formato digital por outro tenho alturas em que me dedico mais à técnica de colagem. A técnica digital permite-me maior rapidez na entrega dos trabalhos, a colagem oferece-me mais variedade de texturas e liberdade na exploração das formas” da mesma forma que defende Mariana Rio “A técnica depende muito do projeto, primeiro analiso o projeto e só depois escolho a técnica, quando se trata de um trabalho mais pessoal, para uma exposição, para uma publicação faço originais porque acho que ainda acrescenta valor ao trabalho” valorizando sempre a sua técnica de carimbar “o carimbo traz alguma imprevisibilidade ao trabalho de que gosto (…) há sempre um processo de pintura também: de tapar, de aprimorar, de ir buscar pormenores tentando nunca perder aquela expressividade que surgiu no início. É isso que tento melhorar, é conseguir a melhor combinação entre dois mundos, entre o expressivo, plástico e imprevisível dos carimbos e depois a forma como corto um linóleo ou como recorto um cartão” [fig. 10].


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[fig. 10] Serviço Educativo - Casa da Música Mariana Rio 2013


A Imagem como Narrativa Relação discurso autoral/ilustração

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[fig. 11] ROJOROJO collective Mariana, a Miserável Acrílico e grafite sobre papel 70cm x 70cm


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Joana Estrela, autora do livro “Propaganda” aposta na simplicidade e vertente intimista que consegue através do desenho a grafite em papel de máquina enquanto que Mariana, a Miserável trabalha com tinta acrílica sobre papel e posteriormente trabalha em “layers de mancha (de forma manual) com folhas de papel vegetal e depois digitalizo as várias camadas e monto tudo no photoshop” [fig. 11].

“As ideias e valores dos artistas, eles próprios constituídos socialmente, são mediados pelas convenções literárias e culturais de estilo, linguagem, gênero e vocabulário estético.”

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Para diversos ilustradores existe algo único aquando a criação de ilustrações para livros, proveniente de uma possível afinidade que sentem pelo livro enquanto objeto, pois a maioria foi apresentado ao mundo da ilustração através dos livros infantis. Hoje em dia os ilustradores são contratados, normalmente, para criar livros infantis completos, ilustrando e redigindo a narrativa, assim como conceber ilustrações para a capa ou sobrecapa. É no desenvolvimento do conceito de “autoria” que surge a noção de “auto-narrativa”, onde Júlio Dolbeth afirma que acontece quando “sou eu a fazer os meus desenhos, tem a ver com a ilustração em si”, no entanto “não posso criar as narrativas quando me é encomendado”. Mariana, a Miserável projeta a sua auto-narrativa através do seu nome criativo “é poder ser outra pessoa, é poder dividir-me e ter a confortante sensação que estou a passar o trabalho e as responsabilidades para outras mãos. É o acto de assumir os meus erros, a minha natureza desastrada e a minha falta de jeito para desenhar” já Mariana Rio encontra-se num processo de constante procura “é sempre acrescentar, narrar e criar uma história”.

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WOLFF, Janet. A produção social da arte. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1982, p. 76

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A Imagem como Narrativa Materialidade do livro

Materialidade do livro O design do livro é a primeira impressão que temos do mesmo. O livro beneficiase através da sua forma, do formato, do tipo de impressão, da mancha gráfica (disposição do texto e imagem), do tipo de papel (miolo e capa), das suas ilustrações tanto a nível interior como exterior, etc. O potencial do livro elaborado no suporte impresso encontra-se no convite feito ao leitor para a sua decifração mental, pois o livro utiliza a seu favor a força da própria forma. Os vários formatos, a impressão em policromia, a alta gramagem do papel do miolo, os flips, os pop-ups [fig. 12 e 13] e a implementação de ilustração na capa e no miolo são características que se podem verificar. O livro que observamos hoje é proveniente de uma série de soluções de design: é compacto, de fácil transporte e de armazenamento, de leitura linear e não-linear. O tamanho do livro influencia a forma como estabelecemos uma relação com o mesmo e com a narrativa que o livro inclui. Os leitores presumem assim, que os livros de grande formato apresentem um design e um cuidado visual de maior impacto contrariamente ao ambiente intimista e delicada dos livros de pequeno 26

formato. O próprio formato do livro, quer seja regular ou irregular (em forma de casa, por exemplo) impõem limitações aos ilustradores e designers, resultando assim em soluções distintas. Nodelman, defende que os dois tamanhos estão associados ao público infantil, ambos possuindo um conteúdo e um estilo simplificado enquanto que os de dimensão média são mais adequados para um enredo subtil e complexo. Acrescenta ainda que os leitores aceitam inconscientemente estas diferenças, pois, preenchem as expetativas dos mesmos 4. A relação existente entre o formato do livro e o espaço de acção consiste na premissa de que o formato horizontal proporciona uma maior descrição do espaço da acção enquanto que o espaço vertical deve ser preenchido pela figura humana. Nos livros em que a medida da altura é maior do que a largura, o ilustrador depara-se com limitações relativamente à descrição do ambiente, obrigando o leitor a focar-se na personagem. Existem casos onde a ilustração ocupa ambas as páginas do livro, e neste caso destaca-se a relação personagem/ambiente, onde o ambiente pode descrever a própria personagem.

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NODELMAN, Perry. Words about Images: The Narrative Art of Children ́s Picture Books. 1988, p.44.


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“ Oceano” [fig. 12]

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Anouck Boisrobert e Louis Rigaud Corraini Edizioni, 2013

[fig. 13] “ In the Forest” Anouck Boisrobert, Louis Rigaud e Sophie Strady Tate Publishing, 2012


A Imagem como Narrativa Materialidade do livro

Em referência às formas de aplicação de texto e imagem, é notório edições de forma mista que visa enriquecer ambas as leituras por parte do leitor. Tem-se assistido cronologicamente a uma redução da massa de texto e a um aumento da qualidade da ilustração. Gradualmente a ilustração começa a integrar a estrutura do próprio livro e da sua história [fig.14]. O design do livro enquadra-se na observação de Bourdieu relativamente ao aparecimento de todos os sinais visíveis para controlar a receção: estes sinais aumenta conforme aumenta a ansiedade relativa ao público 5. Hoje em dia, existe uma certa exigência relativamente ao acabamento gráfico dos livros, especialmente infantis, tanto a nível nacional ou internacional. O design influencia um cliente a comprar, já a forma do livro e a organização dos elementos da narrativa acompanha o leitor na história estimulando o seu interesse.

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Comprovado pelo pensamento de Chartier, este sublinha que a materialidade, o design na sua forma bidimensional (gráfico) e tridimensional (objeto) do livro, e ainda o modo como é lido, influenciam claramente a sua receção 6.

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BOURDIEU, Chartier. Práticas da Leitura, p. 245

6

CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: UNESP, 2002, p. 62


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[fig. 14] “ Henri’s Walk to Paris” Leonore Klein e Saul Bass 1962


A Imagem como Narrativa Materialidade do livro

[fig. 15] “ The Book With No Pictures” B.J. Novak Penguin Young Readers Group, 2014

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Tipografia

A utilização da tipografia é uma das formas de orientar a receção do texto e incorporá-lo ao contexto visual da página. Em algumas situações, o texto pode assumirse como uma imagem através de recursos tipográficos aplicados de determinada forma na página [fig. 15]. São várias as aplicações de texto: frases construídas consoante a poesia concreta, uso de fontes manuscritas, conjugação entre palavras e ilustrações, aplicação de frases em caixa alta, entre outros; absorvendo assim diversas inovações tipográficas oriundos de outros meios e que viria a formar um estilo tipográfico eclético. A mancha gráfica pode ser definida como a parte impressa de um trabalho gráfico. A mancha gráfica corresponde à área ocupada por blocos de texto, ilustrações, fotografias, vinhetas, gráficos, etc.

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Uma vez que o livro, por norma, é de formato retangular, a mancha gráfica é definida por retangulos menores que determinam as áreas de texto e imagem. As ilustrações num livro podem surgir como uma figura sobre um fundo ou podem formar o próprio fundo, criando diversas relações espaciais com o texto. A relação espacial entre texto e imagem definem os processos de leitura e observação das imagens. Existem determinadas disposições que permitem uma maior integração visual e a eventual combinação dos elementos textuais e visuais. A ocupação espacial na página entre ilustração e texto divide-se em quatro formas principais: ambos estão separados; a ilustração é aplicada parcialmente em união com o texto; o texto é colocado de forma a relacionar-se com a ilustração; o texto é aplicado dentro da área ocupada pela ilustração. Pode-se afirmar assim que, o aspeto espacial influencia o aspeto semântico.

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BARBOSA, Gustavo; RABAÇA, Carlos. Dicionário de Comunicação. Rio de Janeiro: Campus, 2001, p. 451


A Imagem como Narrativa Materialidade do livro

Título e capa

A materialidade do livro é, claramente, um fator de atração para o público infantil e adulto, e o mercado editorial aproveita este fato para potencializar as suas vendas. A capa ilustrada e os formatos diferenciados são elementos suficientes para que um livro seja identificado consoante o seu género literário, antes de ser aberto - deve destacar o livro, criar a sua própria identidade, e incentivar a leitura De todas as componentes do livro, a capa é a que possui um maior investimento de produção por se definir como um elemento-chave na venda - produz um impacto visual instantâneo. As capas são, na maior parte das vezes, impressas em policromia que pode ser complementado com efeitos especiais (como verniz, alto/baixo relevo, gravação, etc.). Para além da ilustração e do título, a capa contém o nome do autor e ilustrador, de forma a associar a obra com os criadores [figs. 17 a 24].

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“Um bom livro ilustrado estimula perceptiva e intelectualmente o leitor, sem convivência com a preguiça. Requer uma ilustração atraente mas sem cosmética, agradável mas opinativa e não subserviente ao texto, que favoreça a experiência literária e visual do leitor, ultrapassando o seu público-alvo. Um bom livro ilustrado respeita o leitor: respeitar é desafiar, é enriquecer a interpretação, é apelar aos sentidos, à visão, ao tacto. O que é essencial num livro ilustrado é a orquestração do todo em si mesma, relação entre texto, ilustração, design, qualidade dos materiais e da impressão.” Luís Mendonça, Jornal Público (8 de Abril, 2014)

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[fig. 16] “ Nocturno” Alberti Rafael e Isidro Ferrer Sin Coleccion, 2010


A Imagem como Narrativa Materialidade do livro

[fig. 17] “ Vazio”

[fig. 18] “ De Caras”

Catarina Sobral

André Letria e José Jorge Letria

Pato Lógico, 2014

Pato Lógico, 2011

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[fig. 21] “ Pool”

[fig. 22] “ People”

Jihyeon Lee

Blebolex

Chronicle Books

Enchanted Lion Books, 2011


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[fig. 19] “ Os Sete Irmãos Chineses”

[fig. 20] “ Montanhas”

Rodolfo Castro e André da Loba

Madalena Matoso

OQO Editora, 2013

Planeta Tangerina, 2015

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[fig. 23] “ Histórias da Música em Portugal”

[fig. 24] “ Sombras”

Maria João Alves e Madalena Matoso

Marta Monteiro

Planeta Tangerina, 2013

Pato Lógico


A Imagem como Narrativa Livro de autor vs. Livro-objeto

Livro de autor vs. Livro-objeto Existem autores, como Anne Moeglin-Delcroix, Ulisses Carrión e Clive Phillpot que alegam diferenças consideráveis entre os livros de autor e os livro-objeto. De acordo com estes autores “os livros-objecto não são considerados como livros de autor; [o livro de autor] tem de ser um livro ‘normal’ como os outros livros escritos que conhecemos e que possa ser arrumado ou encontrado numa prateleira de uma qualquer biblioteca pública ou privada. Defendem o livro de autor mais como portador de um conteúdo – no qual o artista quer dizer alguma coisa não fora do livro nem sem ele – do que como objecto estético”. Desta forma, classifica-se como livro de autor, todo aquele que permite realizar tiragens e/ou edições ilimitadas, não incluindo os livros elaborados por métodos artesanais que implicam a sua irreprodutiblidade por meios mecânicos. Os livros objeto não são regidos por padrões relativos à forma ou à funcionalidade e, devido a isso, supera o conceito de livro ao transpor as regras típicas dos livros de leitura - assumindo-se assim como objetos de arte, objetos de percepção. A ilustração liberta-se de forma definitiva do texto e surge como mediadora de contato do leitor juntamente com as artes plásticas, projetando imagens em movimento e em ocorrências que unem o texto ouvido com o texto lido, uma possibilidade proposta pelas novas tecnologias [figs. 24 a 26]. 36

[figs. 25 a 27] “ Archetypal Zoo” Renato Alarcão

“Archetypal Zoo foi concebido como uma narrativa visual sobre a raça humana e como nós desenvolvemos os nossos sistemas e crenças, mitos, e enfim construímos o nosso relacionamento com as forças exteriores - visíveis e invisíveis, reais imaginárias.” - Renato Alarcão


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O livro de autor com a sua natureza híbrida e variável, situa-se na interseção de diversos mídias: impressão, escrita, fotografia, design gráfico, entre vários outros, que coexistem num espaço que não pode ter uma única definição. Esta situação acontece pois o livro de artista é “múltiplo” permitindo inúmeras formas de aproximação.

“No trabalho de autor, ou há talento, ou não o há. Ou há discurso próprio, ou não há…isso é o essencial que transforma o trabalho em algo válido.” João Vaz de Carvalho (Jornal de Leiria, 20 Janeiro 2011 - Jacinto Silva Douro)

Diversos artistas do livro exploram a iconicidade da letra, a visualidade do texto, para além de outras relações entre palavras e imagens onde não exista necessariamente uma relação de hierarquia - considerado uma das principais características que distingue o livro de artista do livro de peintre (antecessor). Nos livros de peintre observa-se uma relação de dependência entre texto e imagem, onde usualmente a imagem acompanha ou ilustra o texto. Os livros de peintre, por norma, eram encomendados por um editor a determinado poeta ou artista, que em algumas ocasiões colaboravam na criação da obra. Tratava-se assim de poemas traduzidos visualmente por artistas. No entanto, os livros de peintre, ainda que fossem dignos de uma impressão cuidada, em papéis de boa qualidade, com tiragens limitadas e com técnicas de gravura “à mistura” não chegavam a superar o formato tradicional do livro.

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A Imagem como Narrativa A ilustração entre a arte e o design

A ilustração entre a arte e o design Distintamente do que ocorre nas artes plásticas, a ilustração editorial é definido teoricamente pela interpretação ou representação de um determinado conteúdo verbal. A ilustração deve funcionar em ambas as dimensões (real e imaginário), manuseando as possibilidades de linguagem através de aspetos formais existentes e perceptíveis. Desta forma, é possível defender que o trabalho do ilustrador encontra-se nessa fronteira entre arte e design. A ilustração integra-se de tal forma ao projeto (combinando narrativa, ilustração, e o objeto) que se tornam um só. De acordo com o ilustrador Rui de Oliveira a ilustração deve 38

pertencer a um universo visual reconhecível. Ela fundamenta-se no real para ser compreendida, e de forma a que o leitor consiga rever-se naquele espaço cénico. Assim como no caso do design, os clichés não são considerados como falta de originalidade, mas sim como formas de comunicação. O autor/ilustrador pode avantajar-se das divisões da página dupla, a forma como o leitor abre o livro (entre outras características) para desenvolver a narrativa. O próprio livro possui, inegavelmente, uma dimensão projetual, onde envolve forma, conteúdo, e a existência de um leitor curioso, favorecendo a interação com o objeto. A dimensão visual (a plasticidade, a ilustração) é definido por um caráter artístico e subjetivo, permitindo uma maior exploração por parte do ilustrador.

[fig. 28] “ O País das Pessoas de Pernas para o Ar” Manuel António Pina e Marta Madureira Tcharan, 2011


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A forma como o texto e a imagem interagem graficamente não é ao acaso. O texto pode encontrar-se em páginas sempre desassociado da imagem, ou pode fundir com a própria composição da mesma como acontece nos cartazes. A paginação ao criar hierarquia e ritmo, influencia o modo como o público recebe a mensagem. Relativamente às técnicas e estilos de ilustração patente nos livros, observamos uma diversidade imensa. A evolução dos meios de impressão permitiu que qualquer técnica fosse exequível. Antes dominavam as técnicas manuais (aguarela, pastel seco/óleo, entre outros), mas podemos observar que a partir dos anos noventa (altura do aparecimento do computador pessoal) as técnicas mistas começam a surgir (fotografia, colagem, desenho vetorial) assim como técnicas que potenciam a materialidade (xilogravura), cujo aparecimento levou a resultados interessantes concetual e visualmente. Além da técnica, verificamos uma maior variedade de estilos que dependem do traço e das características pessoais de cada ilustrador ou artista. Do expressionismo de formas adulteradas à materialidade da tinta, percorrendo pelo car-

toon até ao surrealismo. Uma ilustração pode limitar as imagens que formamos mentalmente durante a leitura, da mesma forma que pode diversificar e complementar os sentidos do texto que não são necessariamente descritos textualmente; este fator para além de possibilitar uma dinâmica de leitura diferente, interage com o leitor a um outro nível. Com a ilustração as possibilidades de comunicação são intermináveis, quando pensadas dentro da relação da imagem com a narrativa. O design ao envolver um projeto de comunicação visual tenciona abordar o objeto como um todo, em forma e conteúdo. Se é arte e possui expressão própria e autoria, a ilustração é considerada também comunicativa e interativa, estabelecendo um diálogo com a narrativa e com o leitor.

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A Imagem como Narrativa Planeta Tangerina: “Praia Mar“

Planeta Tangerina: “Praia-Mar“ 40

A Planeta Tangerina é uma pequena editora portuguesa, nascida em dois mil e quatro pelos seus fundadores: Bernardo Carvalho, Isabel Minhós Martins, João Gomes Abreu e Madalena Matoso, cujo núcleo de constituintes se alargou mais tarde. Trabalham, sobretudo, o formato álbum, onde se verifica uma união do texto com as imagens criando um resultado único: procuram o equilíbrio do conjunto, completando-se e interligando-se. Madalena Matoso declara que o percurso da Planeta Tangerina é definida por um sentido de constante procura, desejam “coisas novas, com qualidade literária e gráfica”.

“Ler um álbum é isso mesmo: ler não apenas palavras, mas também imagens; ler não apenas páginas, mas sequências. Ler capas, guardas, ritmos e mu- danças de ritmo, ler cenas, planos, detalhes, tipos de representação diferentes, fazendo constantemente ligações entre elementos, apreciando o movimento, o ruído, as pausas e o silêncio das páginas” 8

in http://www.planetatangerina.com/pt/ola

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A formação em Design de Comunicação demonstra um papel relevante neste processo, pois tal como Madalena Matoso diz “normalmente é o ilustrador que faz o design gráfico do livro em que está a trabalhar e este é pensado como um todo: a ilustração tipos de letra, guardas, papeis, lombada, e por aí fora...” da mesma forma que Bernardo Carvalho, em entrevista à TSF, menciona a relevância do design nas edições provenientes da Planeta Tangerina (considerando os prémios atribuídos ao livro Duas Estradas e ao livro Pê de Pai): não estão “diretamente associados com a ilustração em si mas antes com o objeto, com o livro. Parece-me que [premiaram] esse casamento entre o design gráfico do livro e a ilustração. Uma coisa que damos sempre muita atenção na Planeta Tangerina é a maneira como tratamos as ilustrações dentro do livro e como compomos o livro desde a capa até à contra-capa. A dinâmica da maneira como as páginas passam de umas para as outras, a composição de cada páginas. Damos sempre muita atenção a esses pormenores todos que parecem, a princípio, talvez irrelevantes, mas quando se pega num livro pensado assim, têm uma importância gigantesca”.

Possuem duas regras: não cair em estereótipos e desafiar o leitor. O público-alvo não são apenas as crianças, mas também são os adultos pois acreditam que “um álbum ilustrado é um ponto de encontro entre leitores de várias espécies (…) que grandes e pequenos saberão encontrar as suas próprias chaves na descoberta de um livro”. “Achamos que não é pelo facto de um livro ser ilustrado que deve (ou não) ser considerado para crianças. Há até quem diga que um álbum ilustrado só é lido na sua totalidade quando se junta um par adulto/criança: cada um faz leituras

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diferentes e complementares, já que a criança repara em pormenores que passam despercebidos ao olhar de um adulto, e o adulto lê camadas que podem não ser acessíveis à criança.”

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[fig. 29] “ Praia Mar” Bernardo Carvalho Planeta Tangerina, 2011

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in Catálogo Planeta Tangerina, 2012.


A Imagem como Narrativa Planeta Tangerina: “Praia-Mar“

Uma particularidade da editora passa por, a cada leitura/ releitura da obra, o leitor consiga acrescentar significados densificando sua a experiência de leitura. É através dos jogos visuais (ilustrações, formas e cores elementares) que o leitor se deixa envolver, e é levado a completar os espaços “vazios” criados pelas ilustrações - desta forma consegue desenvolver várias competências.

“Não tenho o cuidado de fazer um desenho que agrade a x pessoa, tento experimentar e desafiar-me a mim própria. À medida que fazemos mais livros é preciso descobrir coisas diferentes. Fazer um objeto de qualidade e fazer pensar o leitor.” Madalena Matoso, Plug&Play 2015

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[fig. 30] “ Praia Mar” Bernardo Carvalho Planeta Tangerina, 2011


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No álbum Praia-Mar, esta intenção é evidenciada: “As palavras não estão à vista nas páginas”, trata-se de “um livro aberto, mais subjetivo, dado a múltiplas interpretações e, por isso mesmo também, um instrumento interessante para estimular a oralidade a capacidade de interpretação, a imaginação”. É o livro que nos convida a descobrir o Verão, o sol, a praia, o mar e o lazer onde as palavras são formadas por quem as lê e descobre, e que estão personificadas através de cada imagem. “Um livro de imagens pode ser um objeto estranho. As palavras não estão à vista nas páginas e os leitores, habituados à presença de um texto que os leve pela mão, poderão sentir-se perdidos (um pouco como quando chegamos a uma praia e procuramos o melhor lugar para nos sentarmos). É natural que tal aconteça: um álbum de imagens é um livro aberto, mais subjetivo, dado a múltiplas interpretações e, por isso mesmo também, um instrumento interessante para estimular a oralidade a capacidade de interpretação, a imaginação.”

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“O nosso género de trabalho não é de massas - fazemos coisas para nós e se eu gostar, mais alguém há-de gostar. Se uma criança for a uma livraria vai direitinha ao livro do Bob o Construtor, mas se a mãe estiver com ela pode ser que compre um livro nosso.” Bernardo Carvalho, Plug&Play 2015

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in www.planetatangerina.com/sites/planetatangerina.com/files/prop_prof_ praia-mar.pdf

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A Imagem como Narrativa Planeta Tangerina: “Praia-Mar“

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Sinopse “Um livro de imagens pode ser um objeto estranho. As palavras não estão à vista nas páginas e os leitores, habituados à presença de um texto que os leve pela mão, poderão sentirse perdidos (um pouco como, quando chegamos a uma praia e procuramos o melhor lugar para nos sentarmos). É bem possível até que, à chegada, muito leitores não saibam o que fazer com Praia-mar. “O que fazer com este livro?” perguntarão preocupados. A todos aconselhamos que se descalcem (porque a maré está a encher e não tarda...) e, já sentados na areia, inspirem longamente o ar marítimo. Em pouco tempo, estamos certos, a estranheza evaporar-se-á (ou talvez seja levada por uma onda) e a atmosfera da praia irá envolvê-los, deixando pouco espaço para dúvidas. Depois, lentamente, as ondas ganharão terreno. Então, os leitores — mesmo aqueles que no início estranharam a areia nos pés —, sentirão uma vontade súbita de mergulhar e, sem olhar para trás, lançarse-ão sobre o azul das páginas. O livro terá assim cumprido o seu propósito.”

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in http://www.planetatangerina.com/pt/livros/praia-mar


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[fig. 31] “ Praia Mar” Bernardo Carvalho Planeta Tangerina, 2011

“No início o areal é imenso e ocupa, por inteiro, as páginas deste livro. Os adultos estendem-se nas toalhas, exploram as rochas, apanham conchas ou lêem debaixo dos chapéus-desol. As crianças correm, brincam com os baldes e constroem castelos de areia. Mas aos poucos a maré vai subindo e tudo inunda de azul.”

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O livro “Praia-Mar“ com o seu grande formato, conjugado com as tonalidades (azul, branco e rosa) surge quase como um convite à praia: desfrutar o sol, nadar, caminhar, coleccionar conchas e contemplar o mar. Caracteriza-se por ser um livro de imagens (não possui texto), e por isso, as palavras são formadas por quem o vê, lê e descobre.

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in http://www.agendalx.pt/literatura/praia-mar

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Conclusão O livro de imagem é um instrumento de possibilidades de leitura, interpretação e significado, que se adequa a qualquer faixa etária. Assume-se como um objeto inteligente de “multi-línguas“, o que lhe permite estar ligado a todos os processos de leitura, tanto a leitura verbal (possibilita a construção de narrativa) como a leitura visual/imagética (como um utensílio de alfabetização visual). Mantém uma história aberta: não possui uma única interpretação, característica essencial para que cada leitor consiga aprender por si próprio e descobrir a visão de um mundo que vai de encontro ao seu universo emocional e cognitivo. A introdução deste tipo de livro desafia as clássicas funções de texto, de ilustração e de narrativa, aglomerando em si diferentes processos artísticos. 47

Uma expressiva e fascinante produção de livro de artista na atualidade demonstra a importância progressiva que este género literário e artístico tem alcançado. Verifica-se ainda uma exploração diversificada das formas relacionadas ao livro: algumas produções mantém-se fiéis ao formato comum, outras pretendem formas tridimensionais - através de diferentes diálogos entre palavras e imagens assim como diversos processos de impressão e encadernação. Por estas razões, e apesar de não ser um processo dominante na arte, encontra-se inserido na contemporaneidade.



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A Imagem como Narrativa Anexos

Anexos Estas entrevistas foram realizados a diversos ilustradores, entre os dias 9 de Abril de 2015 até ao dia 15 de Junho de 2015. Entre os ilustradores entrevistados estão: Júlio Dolbeth, Mariana Rio, Mariana, a Miserável, Joana Estrela, Rita Balixa, José Saraiva e a Joana Rosa Bragança. Os primeiros dois foram entrevistados pessoalmente, os restantes responderam às questões via e-mail.

1. Qual foi o seu percurso escolar e como se realizou a transição para o mercado de trabalho? [Joana Estrela] Estudei Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes do Porto. A transição para o mercado de trabalho ainda está para acontecer, acho eu. Tive muito poucos trabalhos (remunerados) como designer ou como ilustradora desde que saí da escola. Em termos do meu trabalho em banda desenhada, sinto muito mais que estou aos poucos a ficar inserida numa espécie de mercado: tenho editores, e um agente literário e contactos com editoras portuguesas e estrangeiras. Fui conseguindo isso porque me autopubliquei. E fui a muitos festivais e conheci pessoas da área. [Júlio Dolbeth] 52

Fiz o curso em Design de Comunicação e a minha transição para o mercado de trabalho foi um bocado estranha porque comecei logo a dar aulas: terminei o curso e fiquei como assistente estagiário na Faculdade de Belas Artes o que me permitiu dar uma liberdade maior para desenvolver um trabalho pessoal no campo da ilustração. No início fazia alguns trabalhos de design mas depois passei a dedicarme exclusivamente à ilustração, é algo que gosto mesmo de fazer e tenho aquela segurança a nível financeiro com o emprego que tenho. [Mariana, a Miserável] A minha formação foi em Design Gráfico na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. Comecei por me candidatar a uma bolsa Leonardo Da vinci com a qual me propus a encontrar um atelier de design noutro país e ser estagiária durante seis meses. Quatro meses depois de terminar a licenciatura fui para Barcelona para um atelier que não conhecia muito bem, foi uma experiência positiva porque cheguei à conclusão que não era aquilo que queria fazer o resto da minha vida (fazia maioritariamente identidade). Quando voltei para Portugal comecei a fazer uns desenhos para mim e para um blogue que tinha na altura, bati a algumas portas para fazer exposições, entretanto começaram a comprar-me os desenhos e cinco anos de trabalho árduo e confiança absoluta da minha família depois, consigo ter trabalho suficiente para me sustentar.


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[Mariana Rio] Quando decidi estudar Artes fui para a Escola Secundária de Soares dos Reis e fiz um curso que na altura era uma curso geral de Artes Visuais por ter aquela componente igual aos outros agrupamentos, optei por não seguir logo Design. Pareceu-me melhor e não fiquei arrependida, permitiu-me ser mais experimental e ter mais plasticidade, foi uma escola importante. Já na altura tinha a ideia de ser ilustradora, gostava de seguir ilustração já vem desde criança. Gostava muito de livros, tinha muitas referências mas na secundária as pessoas diziam sempre que a ilustração não era profissão, que ninguém ganhava dinheiro com isso e por vezes tinha baixa auto-estima e achava que o que eles diziam era verdade que ia ser difícil e que era melhor calcular outra profissão. Decidi seguir Design Gráfico que estaria intrinsecamente ligado à ilustração e que poderia fazer projectos de design com ilustração, complementavam-se. Segui Design Gráfico na Faculdade de Belas Artes, a opção foi muito fácil porque não tinha muitos recursos financeiros para ingressar numa instituição privada, ou entrava lá ou ia trabalhar. Gostei muito do curso e pensei que afinal ser designer não era muito diferente de ser ilustradora e que ia conseguir trabalhar nesta área na mesma, deixou-me contente e motivada relativamente ao curso e acabei por me apaixonar a fazer a paginação de um livro e perceber o objeto como um todo: desde os materiais à interpretação de textos. E foi fácil perceber que havia várias coisas que podia fazer para além da ilustração que ia gostar, no entanto considero a ilustração o núcleo do meu trabalho e quando faço design estou a ilustrar alguma coisa. No quarto ano de faculdade tive a opção de ir para erasmus e decidi ir para a Polónia por causa dos custos mais uma vez, a bolsa era limitada e o valor era igual para qualquer destino, naquele destino conseguia pagar tudo com a bolsa contrariamente se fosse para Inglaterra ou Itália, onde a bolsa não me chegava nem para um mês. A Polónia tem uma tradição forte em ilustração, mesmo o Design Gráfico na altura (em dois mil e oito) estava intrinsecamente ligado à arte e senti que havia algo ali para explorar. A escola tinha equipamentos de paint-making muito bons, tinha estúdios próprios para cada técnica de impressão e nós conseguíamos percorrer os vários estúdios durante o programa Erasmus. Era um programa curricular muito flexível que me permitiu escolher as cadeiras que queria fazer: design gráfico, animação multimédia, onde explorei tecnologias analógicas e digitais: litografia, serigrafia, hatching, entre outros. Em cada estúdio tínhamos um professor e um tutor, o tutor era alguém mais jovem que estava mais virado para a parte prática que nos ensinava a experimentar e a perceber a tecnologia, e o professor avaliava mais a vertente teórica e conceptual dos projectos, resultou muito bem, não em termos de finalização de projectos para lançar no mercado mas como um momento de experimentação. Como era mais reservada e tímida foi também um momento em que pensei “Estou aqui sozinha, sem as minhas referências todas, dos meus colegas e professores. Vou experimentar, vou perder o medo” e foi mesmo isso que aconteceu. Foi bom para abrir horizontes, conhecer pessoas de diferentes nacionalidades e viajar bastante.

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A Imagem como Narrativa Anexos

Quando regressei para a Faculdade de Belas Artes o curso estava em reestruturação, o curso passou de cinco para quatro anos e portanto no último ano foi um choque, e pude optar por qualquer cadeira do curso todo, foi um ano muito esquisito. Apareceu a cadeira de Ilustração, que não existia, com o Gémeo Luís que foi fundamental para tudo o que tenho feito até agora. Foi um semestre a trabalhar afincadamente naquilo, apesar de ter outras cadeiras, estava muito focada em ilustração e trabalhámos bastante, experimentámos muitas técnicas e o projeto final consistia em fazer um livro para um concurso e fiz o livro todo: fez-me sentir que era capaz. Consegui, do nada, fazer aparecer um livro de trinta e tal páginas com uma narrativa, com uma história, com conteúdo e nesta altura usei carimbos, resultado das experimentações em Polónia e desta vez aplicar num projecto sério. Não pensei muito no que seria o público-alvo, se era ou não infantil. Era um livro/álbum ilustrado onde viria a ter texto e imagem. Neste projeto já tinha o texto portanto o que tentei fazer foi não tentar replicar o texto mas sim trazer algo novo da minha autoria: criar o ambiente, criar o cenário, criar as personagens e foi interessante perceber que podia acrescentar conteúdo à história que já estava escrita e que poderia ser um co-autor. Pela primeira vez comecei a meter isso em prática, e também na relação texto -imagem onde consegui fundir graficamente as formas de modo a que funcionasse como um todo em que cada plano respire e funcione e não há um texto muito 54

forçado que está a prejudicar a imagem, as coisas já funcionavam de certa forma, correu bem. Não ganhei o concurso, nem o livro foi publicado. Relativamente à minha passagem para o mercado de trabalho acabei por ser convidada pelo Gémeo Luís para trabalhar com ele e assim fiquei durante dois anos, primeiro como estagiária e depois como júnior designer. Foi super importante primeiro porque comecei a trabalhar com um ilustrador de referência, sabe tudo sobre ilustração e autores, estava constantemente a dar-me conselhos sobre o que fazia bem e mal. Aprendi a ter ritmo de trabalho, recebia projetos exigentes, projetos que tinham de ser feitos em simultâneo, aprendi a gerir o tempo e a lidar com clientes. Apesar de o trabalho não ser meu, tinha directrizes definidos, deume aquela “estaleca”. Foi uma pessoa incontornável no meu percurso. Com esta experiência consegui arranjar emprego numa empresa, onde estou até agora em colaboração que no fundo é mais um cliente mas tenho um contrato e estou a prestar serviços dentro dos escritórios deles - é uma empresa que desenvolve produtos de software e hardware, coisas mais tecnológicas - faço o desenho gráfico de aplicações e de parte da comunicação, a par disso tentei sempre desenvolver os meus projetos, tenho tido assim praticamente dois empregos. O meu escritório/atelier vai evoluindo, para se tornar um projeto sustentável e independente do qual posso depender a cem por cento, esse é o objetivo de um futuro próximo. [Rita Balixa] Na escola secundária enveredei logo pelo agrupamento de artes, ao entrar na faculdade entrei no curso de Artes Plásticas/Escultura inicialmente com o intuito de permutar para Design de Comunicação mas rapidamente fui tomando o gosto pela componente prática da Escultura e acabei por ficar até ao final.


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Ao terminar o curso comecei a procurar alguns trabalhos na área da ilustração através de candidaturas espontâneas e ao mesmo tempo fui complementando a minha formação com alguns workshops sobre ilustração e quando dei por mim estava a fazer o meu primeiro trabalho como ilustradora de verdade. [José Saraiva] Formei-me na FBAUP, Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Ainda a meio do curso tive a oportunidade de levar o portfólio para diversas empresas e consegui trabalho a que dei continuidade no fim do curso. Destaco as milhares de ilustrações que fiz para a Porto Editora. [Joana Rosa Bragança] Estudei em Olhão até ao secundário, fiz a licenciatura em Artes Visuais em Évora e uma especialização em Ilustração Artística no ISEC, em Lisboa. O percurso escolar teve aspectos positivos mas também resultou num certo desencantamento académico. Quanto à transição para o mercado de trabalho, é caso para perguntar — Que mercado de trabalho? — Precariedade é já a norma...

2. De que forma surgiu o seu interesse pela ilustração? [Joana Estrela] Tive uma optativa de Ilustração na faculdade e dois dos meu professores de design no primeiro ano eram ilustradores. Acho que isso ajudou muito. [Júlio Dolbeth] A questão é que logo no início não percebia bem o que era a ilustração, era mais a vertente do desenho. Quando estava na Faculdade de Belas Artes estava indeciso entre Design e Pintura, e na minha ideia queria Pintura. O Design na altura estava a dar os primeiros passos e comecei a achar alguma piada e percebi que havia ali um campo muito vasto, como a tipografia que podia depois integrar no campo da ilustração. [Mariana, a Miserável] O gosto pelo desenho surgiu já desde pequena, quando pintava com canetas Molin, embora nessa altura não tivesse a noção que desenhar podia ser um trabalho. Por isso, preferia dizer que queria ser florista. Todos nós começamos quando somos pequenos, uns param e outros não. [Rita Balixa] Gosto de desenhar já desde muito pequena, talvez por influência do meu irmão que também é ilustrador. Ao longo do meu percurso escolar fui também desenhando sempre de forma regular e tive a sorte de ter um professor muito inspirador que me apresentou ao mundo da ilustração digital. Ao entrar para a faculdade, nunca larguei o desenho digital e em papel e tentei sempre aliar o meu gosto pela ilustração ao meu trabalho em escultura.

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A Imagem como Narrativa Anexos

[José Saraiva] Sempre gostei de desenhar e, também por isso, devorava banda desenhada. Na faculdade tive a oportunidade de conhecer muitos novos ilustradores com o prof. António Modesto. Na altura foi uma revelação pois não tinha consciência da possibilidade de se trabalhar com a imagem ilustrada em tantas áreas diferentes. [Joana Rosa Bragança] Assim como surgem as vocações.

3. Já teve alguma experiência na área da ilustração infantil? Se sim, como surgiu? [Joana Estrela] Fiz uma vez um livro infantil para um concurso da Ilga Portugal. Acabei por não ganhar mas publiquei-o eu, como uma zine, e chama-se “Os Vestidos do Tiago”. [Júlio Dolbeth] Tive uma má experiência. No sentido em que é um bocado difícil relativamente ao público-alvo, é um público muito específico e por vezes é muito difícil trabalhares para esse público e consegue ser complicado eu sair do meu registo embora tente fazer coisas do tipo “cute” e queridas mas às vezes sai um bocado…é complicado.

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[Mariana, a Miserável] A experiência foi positiva, há muito tempo que aguardava que me caísse nas mãos um livro para ilustrar e nada melhor que realizar esse sonho com a Raquel. Primeiro porque é minha amiga e este livro é o seu primeiro e muito importante para ela e depois porque confiou totalmente em mim e no meu trabalho. Isto de ilustrar livros ainda é novo para mim porque a primeira vez aconteceu ainda este ano com o “12”. [Rita Balixa] Quase todos os trabalhos que fiz estiveram ligados à ilustração infantil e surgiram através de contactos espontâneos que fui fazendo com diversas editoras. [José Saraiva] Sim, já tive muitas. A primeira foi para a Porto Editora. Abriram uma coleção para crianças e selecionaram alguns ilustradores que com eles colaboravam, tendo sido um dos escolhidos. O livro foi “A princesinha dos bordados de oiro”, escrito por Alexandre Parafita. [Joana Rosa Bragança] Sim. Através de contacto de autor interessado e editora posicionada no segmento etário descrito.

4. As suas ilustrações são dirigidas a um público com determinada faixa etária?


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[Joana Estrela] Quando trabalho não costumo pensar muito em faixa etária. Mas, segundo as estatísticas do facebook, a maior parte das pessoas que me seguem são mulheres dos vinte aos vinte e cinco. Também me inscrevo nesta faixa etária por isso suponho que esteja a fazer trabalho para gente parecida comigo. [Júlio Dolbeth] Não defino isso, mas sem dúvida é um bocadinho mais para um público mais adulto. Por exemplo, vejo com os filhos dos meus amigos e nem sempre acham piada aos meus desenhos (estou sempre a desenhar e é quase obsessivo, gosto de fazer este tipo de brincadeiras com crianças) e tento adaptar um bocadinho. [Mariana, a Miserável] Sim, os meus desenhos são para adultos. Eu gosto mais de desenhar sobre conceitos que só aprendemos quando somos adultos. [Rita Balixa] Apesar do meu estilo estar muito ligado à ilustração infantil nem sempre as minhas ilustrações são dirigidas ao público mais jovem. [José Saraiva] Creio que se pode dizer que, no seu estado “mais natural” as minhas ilustrações são para um público adulto, capaz de ler subtextos, enquadrando-se bem em livros de poesia. Mas, com algumas nuances, esse público torna-se mais abrangente. [Joana Rosa Bragança] Por convicção sou avessa a categorizações etárias, entendendo que o desenho é cognoscível - ou não - por quaisquer humanos e não-humanos.

5. Quando é abordado/a para realizar algum tipo de ilustração, tem liberdade de criação ou algum tipo de restrição? [Joana Estrela] Normalmente tenho muita liberdade porque não sou paga! Até agora não consegui trabalhar em jornais ou revistas, para livros de outras pessoas, para marcas ou agências de publicidade... Suponho que aí haja mais restrições. Mas a maior parte das vezes que me convidam para coisas, como ilustradora, é para exposições e projectos colectivos. Nesses casos, as pessoas que te convidam a participar falam disso como uma colaboração. Eles não são teus clientes, são pessoas que te estão a incluir num projecto, e por isso dão-te muito mais margem de manobra para fazeres o que quiseres. Isso às vezes é muito positivo, outras vezes não. Com o meu livro de banda desenhada, tive imensa liberdade. Mas acho que isso não é comum nas editoras, a Plana é especial.

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A Imagem como Narrativa Anexos

[Júlio Dolbeth] A ilustração parte sempre de encomenda, por isso quando chamo aquilo de ilustração é porque esteve ali qualquer coisa, como por exemplo no trabalho do Felicidário ou outro projeto qualquer. O resto é desenho, por isso é que digo que sou artista e ilustrador porque quando não existe encomenda ou um propósito comercial então aí já é desenho: exposições, colaborações. Tenho tido sempre liberdade, a única coisa que me é proposta são temas, onde tenho de adequar o trabalho. No campo da ilustração as coisas já são muito específicas: ilustrar um texto ou uma colaboração editorial. [Mariana, a Miserável] Todos os trabalhos têm um tema específico. A diferença entre as exposições colectivas, encomendas ou colaborações e o trabalho mais pessoal que desenvolvo para exposições individuais ou fanzines é que, na maior parte das vezes, o tema não é escolhido por mim, e há limitações a nível de formato ou cor. Eu gosto dessas duas situações. [Mariana Rio] Varia muito. Faço trabalhos com clientes para objectos mais comerciais (dou o exemplo da AMBAR - papel de embrulho) onde havia uma direcção, queriam atingir determinado público-alvo e uma guide line específica “Este padrão vai ser para crianças, este para menino, este para menina” e muito sinceramente tentei fugir 58

um bocado até porque era um concurso, não era uma encomenda directa, não é muito usual fazer esse tipo de propostas mas fiz porque queriam realmente mudar e fazer coisas mais arrojadas. Tentei inserir-me num público-alvo mais infantil mas isso para mim nunca é o fundamental do projecto, porque se algo é realmente bom vai conseguir atingir várias faixas etárias. Quero que as pessoas gostem de coisas com determinadas qualidades, quero, digamos “formatá-las” a pensar de forma diferente. As coisas estiveram durante muito tempo formatadas num sentido, por exemplo nos papéis de embrulho: as coisas são assim porque foram sempre assim e nunca ninguém as pôs em causa, mas gosto de repensar “Porque é que tem de ser assim? É um padrão ok. Tem de funcionar como padrão? Tem que automaticamente multiplicar? Tem que ter x formas que vão ser repetidas? Tem que funcionar assim? As cores têm que funcionar?” mas não penso “Isto tem que ter carrinhos porque é para menino” percebi que era isso que eles queriam e fiz algumas propostas que iam nesse sentido, tinha que vender algumas. Primeiro entreguei aqueles que queria que fossem aprovados, mas disseram-me que estava difícil então enviei um com os carros e sabia que esse ia ser aceite: graficamente não me chateava estava minimamente bem mas chateava-me o facto de serem carrinhos para meninos porque as meninas também conduzem, porque gosto de carros, porque gosto de corridas de carros. Acho que se eu tenho o papel de criar alguma coisa então devo criar algo que faça sentido, naquele caso criei uma série de florestas imaginárias e acho mais importante uma criança perceber que existe ficção e que existem personagens fictícias, estas cores funcionam e eu não tenho de pintar sempre as árvores de verde, num trabalho artístico sobre árvores eles podem ser azuis e é isso que faz sentido para mim e gostei muito mais dessas respostas mais arrojadas.


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Depois há outro tipo de trabalhos encomendados, como para exposições sobre um tema onde tento sempre fazer a minha pesquisa sobre esse tema, fazer os meus desenhos/esboços e perceber o que posso acrescentar. Entreguei à pouco tempo um trabalho para um exposição que vai estar na CIRCUS sobre a Torre dos Clérigos num formato A3, onde teria que entregar o trabalho num formato digital e iria ser impresso num papel x, estava tudo detalhado. A partir desse tema tento acrescentar, criar algo, trazer conhecimento para o trabalho: subi à torre dos clérigos, fotografei, visitei, recolhi flyers e desdobráveis, fui à internet pesquisar quem desenhou a torre, quem mandou fazer, porque foi mandado fazer e decidi juntar toda essa matéria trabalhável. A partir daqui criei uma narrativa baseado no relógio da torre que faz a ligação entre passado e futuro e havia uma frase escrita na exposição que também tinha haver com a essa relação do conhecimento que temos do passado, do presente e do futuro e fiz um jogo entre a geometria da arquitectura e do espaço e as personagens do passado e do presente e consegui fazê-los conviver nesse trabalho portanto é mais complexo do que apenas a Torre dos Clérigos. [Rita Balixa] Esses factores dependem sempre do cliente e do projecto. Mas regra geral tenho sempre alguma liberdade criativa na forma como ilustro o material que me dão. Claro que por vezes é necessário fazer um ou outro ajuste mas até ao momento nunca tive nenhuma experiência verdadeiramente castradora. [José Saraiva] Pode variar, mas existe sempre grande liberdade criativa. Claro que ilustrar poesia do século XIX é diferente de ilustrar um texto para crianças. Nestes contrastes, sou eu quem coloca, por vezes, algumas restrições. [Joana Rosa Bragança] Sendo sempre relativa, a liberdade de criação e algum tipo de restrição, própria ou alheia, são concomitantes.

6. Considera as suas ilustrações descritivas ou autónomas relativamente aos textos? [Joana Estrela] Eu trabalho muito com imagem e texto juntos. Tenho alguma dificuldade em separá-los. Mas geralmente o texto é meu. Há falta de gente que me contrate fui aprendendo a fazer coisas autónomas e a ser mais autoral. [Júlio Dolbeth] Tento sempre adequar as ilustrações ao texto embora nem sempre seja fácil, às vezes tento fugir um bocado dos estereótipos e das coisas mais óbvias.

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[Mariana, a Miserável] Depende daquilo que é pretendido. Há duas situações, uma é uma exposição, um picture book, um catálogo ou um fanzine em que a ilustração é completamente independente do texto e se encerra em si mesma ou pertence a um conjunto de imagens e a outra situação é quando estou a ilustrar determinado livro ou artigo para revista ou jornal em que tenho de respeitar o texto mas considero que, mesmo nesses casos, uma boa ilustração tem de conseguir dizer tudo. [Mariana Rio] As minhas ilustrações tentam ser autónomas. São feitas por alguém que percebeu o texto e que pesquisou sobre os temas que estão no texto. Por exemplo para a Casa da Música nesse projeto, como base, foram-me dados os textos (sobre os espetáculos) já paginados e deram-me a liberdade de criar. “Descola-te dos espetáculos, vamos fazer uma espécie de fanzine, um coleccionável. Todos os anos vamos convidar ilustradores diferentes. Explora o espaço como quiseres, cria uma narrativa, não é importante repetires o que está no texto”. Enviaram-me fotografias dos espetáculos (para crianças como serviço educativo), que são super ricos. O meu trabalho foi ler os textos que me forneceram e pensar que imagem é que eu vou passar às crianças, aos pais, aos professores através da minha linguagem visual e também através das minhas narrativas. Fui buscar aos textos ideias sobre mundos: num dos textos há uma alusão ao espaço, não me colei ao cenário mas fui buscar a ideia de espaço, comecei por criar uma nave espacial que trazia várias 60

personagens do espaço para a terra e a partir daí comecei a construir uma história minha. Comecei a ver muitos espetáculos sobre a inclusividade, onde a Casa da Música pretende incluir o maior número de pessoas de estratos sociais diferentes, de origens diferentes no Porto para um espetáculo na rua, então decidi fazer uma cidade onde as pessoas estão todas à janela a tocar e as criaturas dos espaço vêm invadir também e vêm chamar as pessoas às janelas e com isto comecei a criar uma história. [Rita Balixa] Tento sempre fazer por que tenham alguma vida para além do texto, mas nem sempre é isso que se pretende e portanto essa questão varia muito consoante o tipo de trabalho que me é encomendado. [José Saraiva] Situam-se algures entre esses dois extremos. Uma ilustração deve ter sempre uma ligação formal com a origem textual. A dificuldade está em manter essa ligação numa imagem que possa acrescentar novas perspetivas ao texto embrionário. [Joana Rosa Bragança] Ambas. Tanto o texto como sua ilustração são descritivos e autónomos, mas é à simbiose, ao colectivo actuante, que se deve atender.


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7. Que técnica(s) artística(s) utiliza? De que forma essa(s) técnica(s) valoriza(m) o seu trabalho? [Joana Estrela] Costumo desenhar com grafite. Muitas vezes em papel de máquina. É um processo pouco especial, mas acho que torna as coisas mais íntimas. [Júlio Dolbeth] Durante muito tempo trabalhava muito com, digamos, técnicas essenciais ao desenho: lápis e borracha. Mas como tenho um bocadinho mais de tempo para me dedicar mais à área tenho experimentado muito os acrílicos, e com cor, algo que não é muito costume mas que tenho gostado muito de fazer. Quando são ilustrações comerciais (exposições, etc) utilizo bastante a wacom - mesa digitalizadora. [Mariana, a Miserável] Depende do tipo de trabalho. Normalmente utilizo tinta acrílica e grafite sobre papel mas quando sei à partida que o desenho será multiplicado de forma digital, eu trabalho em layers de mancha (de forma manual) com folhas de papel vegetal e depois digitalizo as várias camadas e monto tudo no photoshop, quase como trabalhar com uma wacom mas com tinta da china. Não sei se as técnicas que utilizo valorizam o meu trabalho mas tento sempre trabalhar com materiais e técnicas com as quais estou à vontade e, até agora, tenho tido sempre o poder de escolha. 61

[Mariana Rio] Os carimbos é uma marca que ficou porque saiu uma vez numa entrevista que eu carimbava. Aquilo que tu dizes a um jornalista é muito importante, disse uma vez “Eu não fiz isto com uma pintura, eu carimbei. Eu carimbo não pinto.” e saiu “Mariana Rio não pinta. Carimba.” Passado uns meses numa outra entrevista tentei explicar que não é a técnica que define o meu trabalho, é tudo o resto, todo o pensamento, toda a pesquisa. Mas de facto é a técnica que provavelmente utilizo mais na ilustração, porque traz uma série de coisas ao meu trabalho que são interessantes e que gosto mas não é só isso que faço: trabalho com digital, tenho ilustrações que trabalho mais a nível digital com carimbos, outras que são originais e que não têm praticamente nenhuma manipulação digital. O projecto da JUP por exemplo, a finalidade era fazer uma animação em que ia ter de mover pequenos elementos da ilustração por isso não fiz um original completamente acabado, fiz na mesma com carimbos e pintura mas em peças separadas para digitalmente juntar e animá-las mais facilmente. Num trabalho que fiz de um mapa tinha que ter muitas interacções com o cliente para avaliar se o mapa estava a ficar bem construído com os elementos que precisavam nos sítios certos, tinha como base o google maps e os mapas desenhados pelo cliente mas estava sempre sujeita a confirmações, era complexo e neste caso teve que ser em formato digital. A técnica depende muito do projeto, primeiro analiso o projeto e só depois escolho a técnica, quando se trata de um trabalho mais pessoal, para uma exposição, para uma publicação faço originais porque acho que ainda acrescenta valor ao trabalho.


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O carimbo traz alguma imprevisibilidade ao trabalho de que gosto: determinada mancha não tinha aparecido aqui se não tivesse sido um carimbo porque se tivesse pintado se calhar tinha preenchido a forma, mas como foi pintado noutra superfície e foi carimbado criou uma textura uma mancha que eu depois aproveito ou se não gostar tapo portanto há sempre um processo de pintura também: de tapar, de aprimorar, de ir buscar pormenores tentando nunca perder aquela expressividade que surgiu no início. É isso que tento melhorar, é conseguir a melhor combinação entre dois mundos, entre o expressivo, plástico e imprevisível dos carimbos e depois a forma a forma como corto um linóleo ou como recorto um cartão. Quando quero uma forma determinada e fico a decidir com que tipo de cartão quero fazer o carimbo, com um cartão mais fino a forma fica mais precisa, se for com um muito grosso e difícil de cortar vai ficar com mais imprecisões e mais torto e às vezes obrigo-me a ir ao limite de cortar uma coisa super detalhada nesse tipo de cartão porque é aquilo que quero. Esse processo fascina-me porque acho que acrescenta algo ao trabalho, mas não é só isso que faço. Quando o projecto exige, a técnica varia. [Rita Balixa] A minha técnica varia um pouco, se por um lado desenho muito em formato digital por outro tenho alturas em que me dedico mais à técnica de colagem. A técnica digital permite-me maior rapidez na entrega dos trabalhos, a colagem oferece-me mais variedade de texturas e liberdade na exploração das formas. 62

[José Saraiva] Utilizo lápis de cor, acrílico, guache, computador e, recentemente, também técnicas de impressão manual. Estas últimas ajudam a dotar de alguma expressividade e crueza os meus registos figurativos, tradicionalmente frágeis. [Joana Rosa Bragança] Essencialmente aguarela. O valor está na minha identificação com a técnica e no que consigo “dizer” através dela. Neste momento, a aguarela é o material que me permite “comunicar” melhor.

8. Sente que o processo criativo tem alguma ligação com a sua infância? Se sim, de que forma? [Joana Estrela] Não conscientemente. Mas a nossa infância tem um papel importante no desenvolvimento da nossa personalidade, e a nossa personalidade tem um papel importante no desenvolvimento do trabalho artístico, por isso está tudo ligado. [Júlio Dolbeth] Tem ligação com tudo o que está à minha volta, há sempre abordagens de certa forma codificadas onde talvez apenas uma pessoa consiga entender. Tenho sempre buscar referências ao meu quotidiano.


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[Mariana, a Miserável] Não sinto que tenha a ver com a minha infância, foi algo que fui desenvolvendo sozinha, ainda hoje não tenho nenhuma maneira fixa de fazer as coisas, ainda estou a aprender. [Mariana Rio] Lembro-me da Manuela Bacelar que tinha uma colecção chamada “Tobias” e no fundo era um personagem que saía das páginas e começava a andar pelo Mundo, ia na mochila dos miúdos para a escola e passava por uma data de peripécias. E foi graças a isso que conheci a ilustradora, e perguntei à minha mãe o que isso queria dizer e lá me tentou explicar e disse “É isso que quero ser”. Com uma mãe em letras e um pai em engenharia não é fácil, mas a minha mãe sempre me apoiou muito e foi ela que descobriu a Soares dos Reis para eu seguir essa área, não há mais ninguém na minha família ligado à arte. A decisão veio realmente a partir dos livros da minha mãe e da minha avó, lembro-me também de desenhar imenso e dizem que pareço muitas vezes uma criança a desenhar se calhar foi por causa disso. Quando era criança lembro-me de todas as crianças desenharem mas eu exagerava um bocadinho, passava mesmo um dia todo com um bloco de folhas e umas canetas de feltro e fazia competições entre equipas de canetas e fazia desenhos com cada equipa e fazia de júri e escolhia a equipa que ganhou, inventava muito esse tipo de jogos. Provavelmente alguma coisa ficou desses tempos. [Rita Balixa] Sim, por vezes dou por mim a desenhar cenas, objectos ou figuras de livros que adorava na infância e que de certa forma me ficaram impressos na memória. [José Saraiva] Um pouco. Talvez o facto de ter sido uma criança introvertida mas ter tido uma infância feliz oriente algumas escolhas formais e expressivas para um universo nostálgico. [Joana Rosa Bragança] Sim, tudo é ligável.

9. Dá mais importância à originalidade ou à técnica? [Joana Estrela] É difícil separar as duas. Acho que dominar uma técnica, conhecer os materiais, permite-nos encontrar formas novas de fazer as coisas. Sou da opinião de que é preciso conhecer a caixa para conseguir pensar fora dela. [Júlio Dolbeth] A originalidade é uma palavra um bocado complexa. Se calhar penso que estou a fazer uma coisa original e às tantas está alguém no Japão a fazer exatamente o mesmo.

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Acho que tem haver com a honestidade do trabalho, sou menos permeável em relação às influências embora tenha muitas referências no trabalho (quotidiano, cultura pop, história da arte, capas de discos) elementos que fizeram parte da minha adolescência e que continuam a fazer parte do meu trabalho. [Mariana, a Miserável] Se estás a falar de técnica como saber imitar a realidade tal como ela é com o desenho perfeitinho, eu valorizo isso e gostava de ser assim mas procuro acrescentar alguma coisa por isso dou mais importância à originalidade. [Mariana Rio] Acho que uma coisa não substitui a outra, acho que não tenho que escolher. Dou importância à orginalidade, tenho muito cuidado com isso, consigo ficar horas a olhar para um desenho e pensar “Vou deitar isto fora porque já visto nalgum lado” porque são aquelas referências que ficam e sem querer passam para o trabalho. A técnica pode levar à originalidade, acho que o processo do trabalho em si tem algum impacto na originalidade. Quando eu saí da faculdade não tinha acesso a nada, agora tens o behance e outras plataformas, tens acesso ao mundo todo. Acho que a técnica me ajuda na originalidade. [Rita Balixa] 64

Ambas têm a sua importância, ter uma boa ideia e não saber concretizá-la é tão mau como ter uma excelente técnica e só desenhar coisas sem graça. [José Saraiva] Ao conceito. [Joana Rosa Bragança] Ao que dou mais importância é a não me deixar aprisionar em dualismos.

10. O que é mais relevante no processo criativo: a sua imagem enquanto ilustradora ou imaginar-se no lugar da pessoa/criança leitora? [Joana Estrela] Acho que penso sempre como leitora. Porque, antes de publicações, antes de exposições, antes de tudo, eu desenho para me entreter a mim própria. Senti que isso mudou um bocado à medida que se vai tornando um trabalho a tempo inteiro, e no qual estou dependente, e a investir numa carreira e tenho muito mais medo de falhar. Às vezes começo a entrar numa espiral de “será que isto é bom o suficiente?” “será que as pessoas vão gostar?” e é um bocado angustiante e tenho de parar e dar uns passos atrás e voltar ao espaço mental em que estou a fazer aquilo só por mim. Isso é difícil, mas acho que passamos todos por isso. Quando faço coisas para uma crianças, o processo de desenhar é igual mas antes de escrever ando uns tempos a ler muito mais literatura infantil. Também tento pensar no que é que eu gostava de ver em livros, quando era mais nova.


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[Júlio Dolbeth] Num trabalho de interior há sempre um feedback do público e essa resposta às vezes pode fazer-me parar aquele caminho e seguir outro. Nomeadamente o último trabalho que expus aqui na galeria (Dama Aflita) onde utilizei muito acrílico e outras técnicas, com os quais as pessoas não estavam habituadas a ver no meu trabalho e sinto que o feedback foi positivo ao ponto de dar continuidade a esse trabalho. Se fosse negativo, possivelmente ia repensar. [Mariana, a Miserável] Se me estás a perguntar em relação à minha imagem enquanto “marca” eu acho que isso é apenas uma consequência que advém do facto de desde o início desenhar genuinamente, sem preocupações e ser consistente. Acho que o facto de o meu trabalho ser grande parte das vezes auto-biográfico também contribui para uma “imagem” forte mas sinceramente não acho que é o mais importante. Quero passar uma mensagem e é claro que fico contente quando o “espectador” percebe o que quero dizer e se revê nisso. [Rita Balixa] Imagino muitas vezes como será que o leitor vai receber o meu trabalho. Será que vai reparar naquele pequeno detalhe? Será que vai encontrar alguma falha que eu não estou a ver? Penso muito nisso quando revejo o trabalho terminado mas enquanto estou a desenhar penso mais em mim, no que gostaria de ver em determinado lugar e gosto até de fazer pequenas referências a outros trabalhos que fiz e ao meu universo. Os chamados easter eggs. [José Saraiva] Nos livros para crianças, a criança leitora está omnipresente. Na restante produção literária abordo o texto com distanciamento. [Joana Rosa Bragança] Nenhuma destas.

11. O que lhe distingue de outros ilustradores? [Joana Estrela] Bem, as ilustrações são minhas. Não acho que o meu trabalho sejam incrivelmente original e super novo, conheço mais autores que fazem coisas parecidas comigo. Mas esses autores não sou eu. Não sei exactamente dizer o que faz de mim diferente, porque não é muito concreto - é uma espécie de filtro pessoal que transporto para qualquer trabalho, inconscientemente. Por exemplo: Há algum tempo fiz um bordado que, achava eu, não tinha nada a ver com o meu estilo. Porque era um bordado, porque era uma escala maior que a que costumo trabalhar, porque não era figurativo e praticamente não tinha nada escrito. Mas quando os meus amigos o viram na exposição disseram-me que aquilo tinha mesmo a minha cara. Acharam isso porque era um trabalho simples e delicado, mas eu nunca tinha sequer pensado que isso fossem características tão evidentemente minhas.

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[Júlio Dolbeth] Não sei. Penso que não tem de ser eu a fazer esse “julgamento”. Agrupamo-nos sempre seja em termos formais, em termos técnicos e em termos conceptuais. [Mariana, a Miserável] O que me distingue é que eu tenho a minha forma de contar as histórias e não há duas pessoas iguais. É por isso que é um bom desafio colocares 10 ilustradores a desenhar a mesma coisa, vais encontrar 10 coisas diferentes. [Mariana Rio] Acho que é muito importante conheceres o que está à tua volta: em editorial aqui, em editorial na Europa, nos Estados Unidos e saberes posicionar-te num nicho que ainda não está ocupado e tentar não sair dali e ando sempre a descobrir como tentar fazer crescer a minha visão, e perceber como me movimentar sem “pisar o território” de alguém. Há uma frase que é “ Se tu não fizeres algo, alguém vai fazê -lo” ou seja se tens uma ideia e tu não o fazes alguém o fez e já não é tua. Ainda hoje li uma entrevista de uma ilustradora e ela dizia “Aprendi com os anos, com o trabalho a fazer livros que as ideias andam a pairar no ar, mesmo em cima da nossa cabeça e nós temos momentos de agarrá-las, e eu agarrei esta ideia deste livro e pensei que ela é minha” ainda não havia nenhum livro sobre aquele assunto feito daquela maneira. Tinha outro livro que estava a fazer e que tinha de entregar e deixou-o a meio para 66

começar a fazer os esboços daquele para conseguir acabar e publicar o projecto antes que alguém agarrasse essa ideia também. [Rita Balixa] O meu estilo de ilustração, o que não quer dizer que seja melhor ou pior do que o estilo dos outros ilustradores. [José Saraiva] Suponho que é uma resposta a ser dada pelos outros. [Joana Rosa Bragança] A banda sonora.

12. Em que é que se inspira? [Joana Estrela] Amigos e e coisas que acontecem e ouço à minha volta. [Mariana, a Miserável] Na minha opinião existe sempre uma tendência para nos inspirarmos no que nos rodeia, em coisas que ouvimos ou lemos em algum lado, histórias de amigos ou até na nossa própria vida. Depois depende do trabalho de cada um, mas é definitivamente uma característica do que faço.


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[Rita Balixa] Em tudo à minha volta, conversas que oiço na rua, nas tropelias das crianças que me rodeiam, em mim própria e na minha infância e claro no trabalho de outros ilustradores que admiro. [Mariana Rio] Inspiro-me em muita coisa, tento estar sempre atenta ao que me rodeia: às conversas das pessoas do metro, no café, ao mundo. Ler sempre que posso, viajar, conhecer sítios diferentes, ter sempre o meu caderno de esboços e ir fazendo desenhos, cinema e teatro. [José Saraiva] Em tudo o que me rodeia, o trabalho de autores, que observo, a vivência dos meus filhos,… [Joana Rosa Bragança] Animais, pessoas, literatura, música, histórias locais, entre outros.

13. A forma como ilustra, é uma forma de auto-narrativa? [Joana Estrela] Sim, desenho muitas histórias autobiográficas, ou só biográficas, ou semi-autobiográficas se é que isso existe. [Júlio Dolbeth] Quando sou eu a fazer os meus desenhos sim. Tem a ver com o que é a ilustração em si e eu não posso criar as minhas narrativas quando me é encomendado, onde por exemplo tenho de ilustrar um bolo. Tento sempre representar esse bolo mas com elementos vindos do meu imaginário mas tem sempre que descrever alguma coisa porque é algo pretendido. Quando é desenho não, isso é sempre auto-narrativo. [Mariana, a Miserável] Ser “Mariana, a miserável” é poder ser outra pessoa, é poder dividir-me e ter a confortante sensação que estou a passar o trabalho e as responsabilidades para outras mãos. É o acto de assumir os meus erros, a minha natureza desastrada e a minha falta de jeito para desenhar. [Mariana Rio] Sim, é sempre acrescentar, narrar e criar uma história. Ás vezes acontece só num plano, só numa ilustração como foi no trabalho da Torre dos Clérigos, ou então há uma sequência e a preocupação maior com as personagens, o movimento, a relação entre o espaço e o tempo. Portanto isso é tudo procurado e está sempre a acontecer em cada projeto seja ele um cartaz ou um livro, tento sempre introduzir a narrativa. Fazer design também é ilustrar.

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[Rita Balixa] Não sendo escritora, quando faço trabalhos de carácter pessoal geralmente recorro à ilustração como forma de auto-narrativa, ou seja, tento transmitir uma ideia sem recorrer à palavra escrita para a explicar, mas esse aspecto varia conforme o tipo de trabalho que esteja a desenvolver, por vezes o que se pretende é que a ilustração acompanhe um texto e nesse caso a auto-narrativa já não se aplica. [José Saraiva] Existem elementos que se repetem e podem constituir, primeiro, um estilo individual. Mas tenho um trabalho muito diversificado. Quando está próximo das exigências do mercado, não existe possibilidade de auto-narrativa. [Joana Rosa Bragança] De algum modo sim, mas só na medida em que somos o que fazemos.

14. De que forma a ilustração consegue comunicar? [Joana Estrela] A ilustração comunica visualmente. A clareza e a complexidade dessa comunicação dependem do autor. [Júlio Dolbeth] 68

Comunica de forma muito poderosa. Começa logo pelo início da aprendizagem, o primeiro contacto que temos com a arte, com as histórias é através dos desenhos. Os livros para as crianças são extremamente ricos nesse sentido é a primeira relação que têm com o mundo visual ilustrado. Antes de começarmos a escrever começamos a desenhar. [Mariana, a Miserável] A ilustração consegue contar-te a estória de uma forma muito mais imediata que o texto e, muitas vezes consegue acrescentar ou contrariar o texto no sentido de produzir uma mensagem muito mais rica. Numa só imagem consegues dizer muitas coisas e isso é comunicar. [Mariana Rio] Eu acho que a principal especificidade da ilustração é, e costumo dar este exemplo, mostro uma fotografia (falo em fotografia representativa-registo) deste espaço e a seguir faço uma ilustração deste espaço. Vou pegar nessa fotografia e desfragmentá-la e vou criar uma narrativa a partir daquela cadeira, que é personificada e tem um encontro com uma mesa, aí já estou a acrescentar, para mim essa é a principal diferença. Dei o exemplo de um trabalho do Isidro Ferrer: um cartaz sobre a emigração que é um tijolo com a pega de uma mala, para mim é um exemplo máximo de uma boa ilustração, comunica tudo, é genial, faz um cartaz sobre emigração com duas fotografias e junta-as para formar uma imagem que diz tudo: fala sobre construção civil, o peso que um emigrante carrega, a dificuldade, tudo.


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Olhas para aquela imagem e aquilo comunica tudo o que ao autor quis dizer de uma forma super directa. Para mim é fascínio todo da ilustração é puderes criar uma imagem que tem, duas uma: ou é muito directa e comunica tudo o que queres dizer através de metáforas, personificações ou outros recursos estilísticos ou então é uma imagem por camadas que tu à primeira percebes uma coisa depois olhas mais uma vez e vês outra mensagem subliminar, é isso que me fascina na ilustração e porque é o meio/ recurso preferencial para o meu trabalho na comunicação. [Rita Balixa] Uma simples ilustração pode ser uma forma muito eficaz de passar informação que em forma de texto exigiria linhas e linhas de palavras, por outro lado também tem as suas fraquezas. Uma história apenas ilustrada, sem qualquer recurso à palavra, não consegue passar todos os detalhes sensitivos que num texto fácil e rapidamente se conseguiriam transmitir. [José Saraiva] As possibilidades de criar símbolos gráficos são infinitas. Devemos ter um conhecimento alargado da retórica do desenho para transmitir uma mensagem que possa ser compreendida pelo espetador, mesmo em contextos de transmissão de uma ambiguidade controlada. [Joana Rosa Bragança] Da forma que se não pode dar conta por palavrear.

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A Imagem como Narrativa Projeto de Pesquisa Mestre Pedro Serapicos Design Grรกfico e Publicidade 3ยบ ano Mรณnica Pereira 9120172 Ano Letivo 2014/2015


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