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IS MAGAZINE REVISTA DE FOTOGRAFIA Nº 01 / 2010

time Crimes exemplares / Sou um homem pontual, nunca chego atrasado a um encontro. É o meu hobby. E tinha um encontro marcado. Tinha um encontro marcado e estava cheio de fome. E o empregado de mesa nunca mais me servia, demorava. Eu estava cheio de pressa, apressadíssimo, e ele respondiame indolentemente, sem querer perceber a inquietude que me roía. Não vi outra solução se não desancá-lo. Dir-me-ão que foi despropositado. Mas façam a experiência, entre dois pratos levou exactamente dezassete minutos. Estão a ver o que são, um após outro, dezassete minutos à espera enquanto vemos a agulha do relógio a correr, o ponteiro dos minutos a dar voltas e mais voltas? E o encontro a ir à vida. A chatice foi, que nesse momento, ele não se defendeu. Nem quero lembrar-me disso.\



IS MAGAZINE



EDITORIAL Assinalamos com este primeiro número a edição da revista Isomagazine. É natural que a concretização de projectos leve um certo tempo de maturação e reflexão, por vezes, tão mais longo, quanto aquele que se pretende. Então, num dado momento, as ideias que fundamentam esses mesmo projectos, adquirem consistência física. Esta observação vem a propósito do lançamento desta nova revista de fotografia. Isomagazine é uma publicação que pretende enriquecer o panorama cultural, não só em termos visuais especificamente fotográficos, mas também criar leitores atentos ao quotidiano, através de pequenas histórias. Falamos da necessidade de existir um periódico especializado em temáticas que permitam criar um público centrado nestas abordagens. Uma revista onde a imagem é potenciada pela narrativa, possibilitando diferentes leituras. Esta primeira edição dedica-se inteiramente à temática “time” (Tempo). Um Tempo de planos alterados, oportunidades imprevistas e de visões inesperadas. Momentos “expostos”, que contribuem para um novo sentido de realidade, captada e descrita por diferentes autores.



01/ MAGAZINE Ă­ndice a imortalidade / o rosto

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as cidades invisĂ­veis / a cidade e os mortos

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a causa das coisas / O TEMPO

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os sonhos de Einstein / 14 de Abril de 1905

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/ 9 de Junho de 1905

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ALAN LIGHTMAN / ANDREW MYERS / CRAIG ATKINSON / ERIKA SWENSSON / ITALO CALVINO / JULIA GALDO / JUAN FILIPE RUBIO / MIGUEL ESTEVES CARDOSO / MILAN KUNDERA / NANI MARQUINA / MILAN KUNDERA / RAFAEL ROZENDAAL / RYAN MCGINLEY /

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ilustração craig atkinson


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TIME IS THE BEST GAUGE FOR MEASSURING THE QUALITY OF AN IDEA 14

texto nani marquina


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texto milan kundera

foto julia galdo


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A IMORTALIDADE o rosto

A senhora teria talvez sessenta, sessenta e cinco anos.

direcção dele, sorriu-lhe, e fez-lhe um sinal com a mão.

Via-a da minha cadeira de repouso, reclinado diante da

Fiquei com o coração apertado. Aquele sorriso, aquele

piscina de um clube de ginástica do último andar de um

gesto, eram de uma mulher de vinte anos! A mão como

prédio moderno, de onde, através da grandes janelas

que voara com uma ligeireza encantadora. Como se, por

envidraçadas, se vê Paris inteiro. Estava à espera do

brincadeira, ela atirasse ao amante um balão de muitas

professor Avenarius, com quem de vez em quando me

cores. O sorriso e o gesto eram cheios de sedução, ao

encontro aqui para discutirmos diversos assuntos. Mas

passo que o rosto e o corpo já nada de sedutor tinham.

o professor Avenarius não havia maneira de chegar e eu

Era a sedução de um gesto, afogado na não-sedução do

ai olhando para a senhora; sozinha na piscina, mergulha-

corpo. Mas a mulher, embora devesse saber que deixa-

da até à cintura, ela fitava o jovem professor de natação

ra de ser bela, esquecera-o nesse instante.

que, em fato de treino, de pé em acima dela, lhe dava a sua aula. Enquanto ouvia instruções dele, a senhora apoiou-se ao bordo da piscina para inspirar e expirar fundo. Fê-lo com serenidade, com zelo, e era como se da profundidade das águas subisse a voz de uma velha locomotiva a vapor (essa voz idílica hoje esquecida, da

Numa certa parte de nós mesmos, todos vivemos para além do tempo.

qual não poderei dar uma ideia aos que não a conheceram a não ser comparando-a com a respiração de uma

Talvez só tomemos consciência da nossa vida em cer-

senhora idosa que inspira e expira apoiada ao bordo de

tos momentos excepcionais, permanecendo sem-idade

uma piscina). Olhava-a fascinado.

a maior parte do tempo.

A pungente comicidade dela cativava-me (e essa comi-

Em todo o caso, no momento em que se virou, sorriu e

cidade era notada também pelo professor de natação,

fez um sinal com a mão ao professor de natação (que,

uma vez que as comissuras dos seus lábios me pare-

incapaz de se conter por mais tempo, rebentou a rir), a

ciam estremecer a todo o instante), mas houve alguém

senhora nada sabia da sua idade. Graças a esse gesto,

que me dirigiu a palavra, desviando a minha atenção.

pelo espaço de um segundo, uma essência da sedução

Pouco depois, quando quis voltar a observá-la, a aula

dela, não depende do tempo, revelou-se e deslumbrou-

terminara. A senhora afastava-se em fato de banho ao

me. Sentia-me estranhamente emocionado. E a palavra

longo da piscina e quando se encontrava a quatro ou

Agnés surgiu no meu espírito. Nunca conheci qualquer

cinco metros do professor de natação, virou a cabeça na

mulher com esse nome.

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texto milan kundera

foto francisca nunes


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texto milan kundera

foto julia galdo


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texto milan kundera

foto ryan mcginley


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PORQUE A MORTE E A IMORTALIDADE FORMAM UM PAR MAIS INDIVISÍVEL, MAIS BELO, QUE MARX E ENGELS ROMEU E JULIETA

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texto milan kundera

foto julia galdo


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texto italo calvino

foto ryan mcginley


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AS CIDADES INVISÍVEIS a cidade e os mortos

Nunca nas minhas viagens tinha chegado a Adelma.

Uma vendedeira de hortaliças pesava uma couve na

Foi ao entardecer que desembarquei. Na amurada o

balança e punha-a num cesto pendurado numa corda

marinheiro que agarrou em voo a corda e a amarrou à

que uma rapariga deitara de uma varanda. A rapariga era

abita era parecido com um fulano que tinha feito a tropa

igual a uma da minha terra que enlouquecera por amor e

comigo, e já morrera. Estava na hora da lota.

se matara. A vendedeira levantou a cabeça: era a minha

Um velho carregava uma cesta de ouriços do mar num

avó.

carrinho de mão; julguei reconhecê-lo; quando me vol-

Pensei: ‹‹Chega-se a um momento da vida em que da

tei, havia desaparecido por um beco, mas percebi que

gente que se conheceu são mais os mortos que os vi-

era parecido com um pescador que, já velho quando eu

vos. E a mente recusa-se a aceitar outras fisionomias,

era criança, certamente já não poderia estar entre os

outras expressões: em todos os rostos novos que en-

vivos. Perturbou-me a vista de um doente de febres en-

contra, grava as velhas feições, para cada uma arranja

colhido no chão com um cobertor pela cabeça: o meu

máscara que melhor se adpata››.

pai poucos dias antes de morrer tinha os olhos amarelos

Os carregadores subiam as escadas em fila, curvados

e barba áspera tal como ele. Virei os olhos; não me atre-

sobre latões e barris; as caras estavam ocultas por ca-

via a fixar a cara de mais ninguém.

puzes de sarapilheira; ‹‹Agora levantam-se e reconheço-os››, pensei com impaciência e com medo. Mas não

Pensei: ‹‹Se Adelma é uma cidade que vejo num sonho, onde só se encontram mortos, o sonho faz-me terror.

tirava os olhos deles; por pouco que virasse o olhar para a multidão que enchia aquelas ruelas, via-me assaltado por caras inesperadas, ressurgidas de longe, que me fixavam como que a forçar-me reconhecê-las, como que para me reconhecerem, como se tivessem reconhecido. Talvez eu também parecesse a cada um deles alguém que tivesse morrido. Mal havia chegado a Adelma e já era um deles, tinha passado para o seu lado, confundido

Se Adelma é uma cidade verdadeira, habitada por vivos,

com aquele flutuar de olhos, de rugas, de esgares.

bastará continuar a fixá-los para que as parecenças se

Pensei: ‹‹Talvez Adelma seja a cidade a que se chega ao

dissolvam e apareçam caras estranhas, que não angús-

morrer e em que cada um reencontra as pessoas que

tia. Tanto num caso como noutro é melhor que não in-

conheceu. É sinal de que também já estou morto››.

sista a olhar para eles››.

E pensei também: ‹‹É sinal de que o além não é feliz››.

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texto italo calvino

foto ryan mcginley


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texto italo calvino

foto ryan mcginley


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foto ryan mcginley


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texto italo calvino

foto ryan mcginley


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texto miguel esteves cardoso

foto andrew myers


A CAUSA DAS COISAS O TEMPO

Em Portugal tudo o que há para o dia seguinte – dis-

Não esqueçamos que, sob muitos pontos de vista, ain-

cursos, exames, os artigos do “Expresso” – é feito de

da estamos na aurora do Neolítico.

véspera. Até o Natal, ao contrário doutros povos, é feito

“Atempadamente” é um advérbio que utilizam os go-

de véspera. Para compreender isto tudo, é preciso olhar

vernantes quando lhes fazem a pergunta mais malcriada

para a maneira como os portugueses observam o tem-

que há no contexto cultural português. Nomeadamente,

po. O Natal é bom exemplo, começando logo pela con-

“Quando”. Significa, em termos sumários: “Devagar, e

soada. Que outra nação tem, por prato representativo,

mais ou menos quando nos der na real bolha, depois se

um peixe que vive milhares de milhas náuticas da costa

verá, talvez, nunca se sabe, seja o que Deus quiser, e já

nacional, que leva meses inteiros a chegar a Portugal

é um grande pau.”

e que, quando chega, ainda tem que ficar 24 horas de

Em Portugal anda tudo atrasado, e isto só quando che-

molho antes de podermos comê-lo? Por isso em é que

ga a andar. Os horários de televisão não são cumpridos

Portugal continua em águas-de-bacalhau.

desde a primeira emissão experimental do anos 50, e

Isto deve-se à paixão que têm os portugueses pelas

os comboios, como toda a gente sabe, circulam segun-

coisas muito demoradas e o horror corresponde à frie-

do um vetusto horário cósmico, perdido nas brumas do

za desumana da pontualidade. Em 1983( e desde 1383),

Tempo, e inteiramente ligado aos ritos lígures de trans-

passámos o ano a dizer duas coisas: “Dá tempo ao tem-

portes dos Mortos; que remontam às primeiras ocu-

po” e o novíssimo, portuguesíssimo advérbio “atempa-

pações da Península. Se às vezes correspondem aos

damente”.

horários impressos (uma faceta de ‹‹Jazz Age›› que Pas-

Em Portugal já deu tanto “Tempo”, com tanta abnegada

coaes tanto abominava), isso deve-se à lei matemática

generosidade, que agora o Tempo, já mal-habituado a

da consciência e não pode ser evitado.

receber Tempo sem nada dar em troca, jámais o devol-

Os autocarros, também, em vez de saírem sozinhos

verá. O tempo que se deu ao Tempo ao longo destes

com intervalos certos, preferem deambular pela cidade

800 anos já deverá ir, segundo os nossos cálculos, em

em composições autóctones de 3 ou 4 unidades iguais

mais de 5000 anos. Fazendo as contas, isto dá a Portu-

(já vimos uma belíssima formação de seis ‹‹45s›› a subir

gal um saldo negativo de cerca de 4200 anos. E olhan-

a Avenida da Liberdade) . Isto deve-se, ao que se julga,

do para o país, é fácil verificar que o número não anda

a questões de mútua protecção contra os numerosos

muito longe da verdade. De facto, a própria História de

‹‹bandos de utentes›› que vagueiam pelas ruas a tentar

Portugal anda cronicamente desfazada do Tempo.

saltar-lhes em cima.

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A agenda para 1984 de ‹‹Nesweek››, que inclui uma

mais habitual é não se ir. E mesmo assim, porque esta-

secção sobre hábitos comerciais da Europa, diz, quando

mos em Portugal, a maneira como não se vai também

chega a vez de Portugal, que convém ‹‹chegar 15 ou

é, evidentemente, devagar. Isto é tanto assim que até a

20 minutos depois da hora marcada, para evitar longas

voz da menina que responde quando discamos o ‹‹15››

esperas››. É uma conselho útil porque portugueses são

no telefone pertence a uma artista estrangeira. Muitas

especiais em questões de pontualidade. Vir em cima da

candidatas portuguesas quiseram preencher o lugar,

hora marcada, como indica a própria brutalidade da ex-

mas o melhor que algumas delas conseguiu, seguindo

pressão é uma actividade mais do que levemente obs-

os registos da TLP, foi ‹‹Lá para o terceiro ou quarto si-

cena e socialmente desencorajada. Em Portugal quem

nal, ou lá como é que isso se chama, serão aí umas

cai na asneira de chegar à hora marcada, arrisca-se a

nove e picos, mais coisa menos coisa››. Por causa de

que digam dele, que ‹‹veio logo à ganância, o sacana do

tudo isto, o país inteiro está atrasado.

estrangeirado››.

A vanguarda está à rectaguarda, e a rectaguarda já não

Basta ver que, em português, um ‹‹caso pontual›› indica

aguarda absolutamente nada. Uns e outros fazem revis-

um fenómeno excepcional, imprevisível e insignifican-

tas que, tal como as formações de autocarros atrás cita-

te. ‹‹A hora marcada›› é uma mera referencia heurística

das, saem juntinhas em números triplos e quádruplos,

para situar vagamente um evento de cuja ocorrência só

cerca de seis a nove meses depois da temida ‹‹data

Deus tem a certeza. Tal como dizem as mulheres de

anunciada››. A ‹‹data anunciada››, em Portugal, tem um

vida difícil aos clientes impetuosos (‹‹Ó filho, não me

significado exclusivamente sebastianista. Nessa data,

marques››), as horas portuguesas também não gostam

Dom Sebastião aparecerá na barra, numa caravela bran-

de se deixar marcar. E quem as marcar, arrepende-se.

ca com o segredo da entrada para a CEE, e as revistas e

Os portugueses sabem que estão no meridiano britâni-

os comboios, as consultas no dentistas e os programas

co de Greenwich, mas é considerado rudeza denunciar

de televisão, tudo sairá a tempo, na ‹‹data anunciada››

este facto ao mundo. Se têm uma adoração obsessiva

de que nos falou Bandarra.

pelos cronógrafos de pulso que fazem ‹‹bip bip››, têm luzinhas de Natal e estrelam ovos, é só para poderem certificar que continuam alegremente atrasados. Se o país tivesse um lema, seria certamente ‹‹Não deixes de deixar para amanhã o que já ontem deixaste para hoje››. 99% da produção literária portuguesa encontrase, como todos sabemos, ‹‹no prelo››. Há vários séculos que os astrólogos e neurólogos de gabarito internacional tentam situar esse obscuro lugar onde se diz vegetarem as obras-primas do futuro, mas pouco se conseguiu apurar, excepto tratar-se, naturalmente, de uma vasta zona sideral, situada na parte anterior esquerda do cérebro (também conhecida por ‹‹gaveta››) do escritor

As únicas coisas às quais os portugueses chegam cedo são, em primeiro lugar, aos desafios de futebol e, em segundo lugar, à conclusão que não vale a pena chegar cedo a seja o que for.

ou editor, que se manifesta sobretudo à mesa do café e que tem a particularidade mental de não conseguir

‹‹Mais vale tarde que nunca›› diz o povo, mas o ditado

albergar cromossomaticamente o ‹‹tempo››.

esquece-se de elucidar que, para os portugueses, não

O que em Portugal não está no ‹‹prelo››, ‹‹está na for-

há nada, nem cedo, nem a horas, nem a tempo, que

ja››, que fica mesmo ao lado e que é um bocado pior.

valha mais do que tarde. Tarde, pela tardinha (que outro

Os responsáveis dizem sempre, em defesa deles, que

povo trata a tarde com tanto afecto diminutivo?) é quan-

‹‹Devagar se vai ao longe››. A ciência moderna, porém,

do mais bem se não fazem as coisas que há a fazer. A

permite atestar que devagar mais depressa se vai ao ar

‹‹manhã›› não existe. Dá-se a contracção (de ‹‹a›› e de

do que ao longe. Hoje em dia, de qualquer forma, são

‹‹manhã›› e vê-se que a única coisa que existe em Por-

poucos os que lá querem ir (ao ‹‹longe››) e por isso o

tugal é ‹‹ Amanhã››.

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texto miguel esteves cardoso

foto andrew myers


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P The meaning of Life

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foto andrew myers


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Suponham que o tempo é um círculo que se curva para trás sobre si próprio. O mundo repete-se a si mesmo, rigorosamente, até ao infinito. A maior parte das pessoas ignora que voltará a viver a sua vida uma e outra vez. Os comerciantes ignoram que voltarão a fazer o mesmo negócio uma e outra vez. Os políticos ignoram que voltarão a gritar da mesma tribuna um número infinito de vezes ao longo dos ciclos do tempo. Os pais guardam no coração a primeira risada dos seus filhos, como se não mais fossem voltar a ouvi-la. Os amantes quando fazem amor pela primeira vez, despem-se de medo, e olham surpresos a coxa esbelta, o delicado mamilo. Como poderiam eles saber que cada olhar, cada carícia, voltarão a repetir-se uma e outra vez, exactamente como da primeira vez? No mundo em que o tempo é um círculo, cada aperto de mão, cada beijo, cada nascimento, cada palavra, irão repetir-se com precisão. Tal como se repetirá cada momento em que dois amigos deixam de o ser, cada momento em que uma família se desmembra por causa de dinheiro, cada remoque perverso numa briga conjugal, cada oportunidade negada por inveja de um superior, cada promessa não cumprida. E tal como todas as coisas se repetirão no futuro, também todas as coisas que agora acontecem já aconteceram antes um milhão de vezes.

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texto alan lightman

foto juan felipe rubio


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OS SONHOS DE EINSTEIN 9 de junho de 1905

Suponham que as pessoas vivem para sempre.

nhecíveis. São os donos dos cafés, os professores, os

Estranhamente, a população de cada cidade divide-se

médicos e as enfermeiras, os políticos, todas aquelas

em dois grupos: os Depois e os Agora.

pessoas que não conseguem deixar de tremelicar a per-

Os Depois argumentam que não há que ter pressa de

nas quando estão sentadas. Percorrem um nunca mais

ir para a Universidade, aprender uma língua estrangeira,

acabar de vidas com uma avidez de quem não quer per-

ler Voltaire ou Newton, ser-se promovido no emprego,

der pitada. Quando dois Agora se encontram por aca-

ficar apaixonado, constituir família. Há um tempo infi-

so junto às pilastras hexagonais da fonte de Zarhringer,

nito para fazer tudo isto. No tempo que não tem fim,

põem-se a comparar as vidas que já experimentaram,

tudo acaba por ser feito e, e por conseguinte, tudo pode

trocam informações e olham constantemente para os

esperar. Além disso, o que se faz a correr não fica bem

relógios. Quando dois Depois se encontram no mesmo

feito. E quem poderá contrariar a sua lógica?

local, meditam sobre o futuro e acompanham com o

Os Depois conhecem-se em qualquer loja, em qualquer

olhar a parábola descrita pelos repuxos.

rua. Caminham despreocupadamente e usam roupas folgadas. Gostam de ler quaisquer revistas que encontrem abertas, de mudar a disposição dos móveis em casa ou de se meter nas conversas como uma folha caí da árvore. Os Depois sentam-se nos cafés a comer e a beber enquanto vão discutindo as possibilidades que a vida lhes oferece. Os Agora alegam que, com um número infinito de vidas, podem fazer tudo o que lhes passar pela cabeça. Terão um número infinito de carreiras, casarão um número infinito de vezes, mudaram in-

Mas existe algo em comum entre os Agora e os Depois. Um número infinito de vidas traz consigo um número infinito de parentes.

finitamente de estratégia. Cada pessoa será advogado,

Os avós não morrem nunca, os bisavós e os tios-avós

pedreiro, escritor, contabilista, pintor, médico, agricul-

também não, e assim sucessivamente por gerações e

tor. Os Agora estão constantemente a ler novos livros,

gerações, todos eles vivos e prontos a dar conselhos.

a tirar novos cursos, aprender novas línguas. A fim de

Os filhos nunca saem da sombra dos seus pais. Nem as

poderem saborear a vida em toda a sua infinita varieda-

filhas da de suas mães. Ninguém chega nunca a viver a

de, começam cedo não param mais. E quem poderá por

sua própria sombra.

em causa a sua lógica? Os Agora são facilmente reco-

Quando um monta um negócio, sente-se complicado a

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texto alan lightman

foto erika svensson


consultar os pais, avós e os bisavós, ad infinitium, para

de viver era morrer. A morte liberta homens e mulheres

aprender com os seus erros. Por isso nenhum empre-

do fardo de uma passado. Assim, na presença dos pa-

endimento novo é mesmo novo. Já todas as coisas fo-

rentes mais chegados, essas poucas almas afogam-se

ram experimentadas por alguém mais acima da árvore

no lago Constança ou atiram-se do monte Lema, pondo

genealógica. Na verdade, já tudo foi realizado. Mas por

fim às suas vidas infinitas.

um preço. É que, num mundo assim, a multiplicação das realizações é parcialmente contrabalançada por um decréscimo de ambição. Como tal, quando uma filha quer que a mãe a oriente, essa orientação não lhe chega num estado puro. A mãe tem que pedir ajuda à sua mãe, que por sua vez, tem de pedir à dela, e assim sucessivamente até ao infinito. Mas tal, como não podem tomar decisões sozinhos, também os filhos e as filhas não podem recorrer aos pais para obterem uma ajuda credível. Os pais não são uma fonte de certezas. Existem milhares de fontes.

O finito conquista o infinito, milhões de Outonos não dão lugar a mais nenhum, milhões de nevões não dão lugar a mais nenhum, milhões de conselhos não dão lugar a mais nenhum.

Quando cada acção tem de ser verificada um milhão de vezes, então a vida é experimental. As pontes avançam até meio dos rios e param abruptamente. Há prédios de nove andares sem o telhado. Nas mercearias, as reservas de gengibre, sal, bacalhau e carne fumada variam a cada mudança de opinião, a cada consulta feita. As frases ficam inacabadas. Os noivados terminam a poucos dias do casamento. Nas ruas e avenidas, as pessoas voltam a cabeça e olham para trás, para detectarem quem possa estar a observá-las. É este o preço da imortalidade. Nenhuma pessoa é de corpo inteiro. Nenhuma pessoa é livre. Com o passar do tempo, alguns houve que decidiram que a única maneira

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THE END




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