Revista Milímetros nº 7

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EDITORIAL Logo que assumi a presidência da ABD Capixaba, em 2015, ouvi, de um gestor público, a seguinte pergunta: “Afinal, o que faz a ABD?”. Confesso ter ficado meio paralisado com a pergunta por uns instantes. Achava que, pelo simples fato de estarmos ali, sentados à mesa para debater ações possíveis para o audiovisual capixaba para os próximos anos, essa pergunta já não precisasse de uma resposta. Passada a paralisia momentânea, matutando um pouco melhor, creio que a pergunta mais adequada fosse outra, a ser feita não por ele, mas por mim: o que leva alguém a participar voluntariamente de uma associação de realizadores audiovisuais em um Estado como o Espírito Santo, onde investir no audiovisual ainda é visto por grande parte dos gestores públicos e privados como uma espécie de caridade, a despeito dos números cada vez mais impressionantes que a Agência Nacional do Cinema (Ancine) publica anualmente? Respondendo, ainda que tardiamente, àquele gestor desavisado, o que a ABD faz é zelar pelo audiovisual em todas as suas vertentes – do(a) realizador(a) à realização, da concepção de uma obra à sua distribuição, do fazer audiovisual à construção das políticas para o audiovisual. A Revista Milímetros nº 7 é uma tentativa de abrir os olhos daqueles que ainda não perceberam o momento histórico por que passa a produção audiovisual nacional e, dentro desse cenário, apresentar caminhos possíveis para o setor local – para nossa “aldeia”. Segundo dados da Ancine, entre 2008 e 2014 o setor brasileiro de audiovisual teve um crescimento médio de 8,8% ao ano. Isso nos coloca à frente de gigantes como os setores têxtil e de autopeças, por exemplo. O próprio fato de termos hoje uma agência reguladora exclusivamente voltada para o audiovisual é a prova de que esse setor da economia criativa há muito tempo deixou de ser “perfumaria” para se transformar numa potência econômica capaz de entregar renda, empregos e, acima de tudo, soberania ao país e às unidades da federação que escolhem encarar de frente o desafio de tornarem mais competitivos seus realizadores e empresas produtoras locais. Enquanto isso não acontece por aqui, nós seguimos em frente, trabalhando e torcendo. Voltando à pergunta do segundo parágrafo, digo com tranquilidade: o que leva dezenas de realizadores(as) a dedicarem parte considerável de suas agendas à ABD Capixaba é a vontade de fazer algo de concreto pelo setor que escolhemos para trabalhar e nos divertir, a gana por ascender a um novo patamar condizente com nossas capacidades de criação e de produção. Foi isso que fizeram as gerações antes da minha – gerações e gestões que dão lastro para a ABD Capixaba desfrutar do respeito que hoje possui – e é isso que espero que façam as gerações futuras. Vida longa ao Audiovisual capixaba! Vida longa à ABD! Thiago Moulin

Presidente da ABD Capixaba - 2015/2017


Zora Curiosa, obra seriada da Ventania Produções / Imagem divulgação.


Sumário

06 | Homenagem a Valentina Krupnova 14 | Reportagem: experiências de políticas de audiovisual de diferentes estados brasileiros 24 | Entrevista: Flávio Gonçalves fala sobre o Bahia na Tela 30 | Entrevista: Débora Ivanov, diretora-presidente da Ancine 36 | Contextualização sobre as políticas de audiovisual capixaba 45 | TVE-ES e o fomento à produção local 48 |As obras seriadas ganham janelas e mercado 58 | Mostra Paralela: formas contemporâneas e alternativas de fazer cinema


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Homenagem/Perfil

A professora russa de cinema Com quase 70 anos, Valentina Krupnova é a homenageada da 12ª Mostra Produção Independente – Aldeias. Ela foi a responsável por proporcionar a primeira formação prática na área cinematográfica para uma geração de profissionais do cinema capixaba

Carolina Ruas

A elegante moça estrangeira de olhos-de-gato navega pela baía de Vitória contemplando as belezas e costumes do povo dos trópicos, mas seu olhar parece vislumbrar algo muito além do que as águas tranquilas parecem mostrar-lhe. Nas cenas iniciais como a protagonista do curta-metragem Gringa Miranda, o olhar de Valentina Krupnova, a homenageada da 12ª Mostra Produção Independente - Aldeias, contém rastros da biografia da atriz e cineasta nascida na Rússia que se aventurou nesse novo mundo marcando seu nome no Cinema Capixaba. Valentina Krupnova cruzou a história do cultural do Espírito Santo de uma forma, no mínimo, inusitada. “A gente quando é jovem nunca pensa que vai mudar pra tão longe assim, não fica planejando; as coisas acontecem”, comenta. Como funcionária do Estado, Valentina foi responsável pela coordenação de cursos teóricos e práticos na área de cinema que representaram as primeiras políticas públicas de formação para o segmento realizadas no Espírito Santo.

Formando cineastas Prestes a completar 69 anos, Valentina mantém a mesma sagacidade nos olhos ao rememorar sua trajetória no então Departamento Estadual de Cultura do Espírito Santo (DEC), órgão que equivale à atual Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult) e onde trabalhou de 1983 a 2014, quando veio a se aposentar. Foi a partir dos cursos ofertados pelo DEC, e coordenados por ela, nos anos de 1990, que foram revelados alguns dos primeiros talentos do cinema capixaba que viriam a construir uma carreira profissional e dedicada a este campo de atuação. Ela explica que os primeiros cursos eram teóricos. O Curso de Linguagem Cinematográfica, realizado em 1988, era uma demanda do DEC em parceria com o Cineclube Metrópolis. Durante os encontros, Valentina apresentava seu repertório sobre cinema europeu exibindo e discutindo filmes, além de também acompanhar uma bibliografia de história e teoria do cinema. Fizeram parte desta turma o pesquisador João Barreto e a cineasta Luiza Lubiana.

Foto: Luara Monteiro

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O Espírito Santo viveu um momento de efervescência com o esboço de um Polo de Cinema no início dos anos 1990, quando uma linha de financiamento do Bandes para produção de filmes no estado era vislumbrada como uma chance de profissionalização do setor. “A gente tinha um solo fértil, porque as pessoas estavam reunidas em torno desses filmes do polo e queriam aproveitar aquela movimentação porque amavam o cinema”, diz. Uma das contrapartidas dos produtores para se filmar com recursos do Estado era oferecer qualificação para o público local e foi nesse contexto que surgiram os Filmes-Escola. Aproveitando esses profissionais presentes no Estado e a própria boa vontade das instituições em investir em cinema, Valentina coordenou duas turmas do Curso de Realização Cinematográfica nos anos de 1994 e 1997, que resultaram em dois curtas-metragens: Gringa Miranda, lançado em 1997; e Labirintos Móveis, lançado em 1998; ambos com direção coletiva. Em 2014, lançou o curta-metragem ficcional Nega do Ébano, onde ela assume a autoria individual da obra. Paixão pela sétima arte Valentina encerrou sua carreira como assessora de cinema na Secult ao se aposentar em 2014. Quando chegou ao Espírito Santo, em 1974, era apenas uma esposa e dona de casa com um filho recém-nascido, mas uma dona de casa que se havia recém-formado em uma das mais conceituadas escolas de cinema do mundo: a Gerasimov Institute of Cinematography (VGIK), em Moscou. Fundada em 1919, a Gerasimov Institute of Cinematography é a mais antiga 8

universidade de cinema do mundo, criada ainda na fase do cinema mudo para treinar atores de filmes. Batizada em homenagem ao cineasta Sergei Gerasimov, passaram por lá grandes mestres do cinema, como Sergei Eisenstein, Alexander Sokurov, Sergei Paradjanov e Andrei Tarkovsky, em cujo longa-metragem Solaris (1972) Valentina fez um estágio já no final de sua graduação em História e Teoria do Cinema. “Mas foram só dois meses, não fiz quase nada”, diz. Nascida na cidade de Perm, na Rússia, ainda no período da União Soviética, a cineasta conta que é apaixonada por cinema desde suas primeiras experiências ainda na infância. “Com uns 11 e 12 anos eu passei a assistir todos os filmes de todas as salas de cinema que tinham da minha rua até a escola. Às vezes, eu via duas sessões por dia”. Envolvida com esse universo, Valentina lembra que passou a consumir tudo o que havia disponível sobre o tema: filmes, livros e revistas especializadas e quis estudar cinema desde muito nova. A referência de cinema de qualidade para ela está na geração da Nouvelle Vague, do cinema italiano, além de Ingmar Bergman e Akira Kurosawa. “E do Brasil só conhecia o Glauber Rocha e o Nelson Pereira dos Santos”, afirma. Valentina Krupnova estudava cinema na VGIK quando conheceu o capixaba Antônio Carlos Neves, o Toninho Neves, um dos pioneiros do ciclo de cinema amador do Espírito Santo, que ganhou uma bolsa de estudos após seu curta Veia Partida repercutir positivamente e participar de uma mostra de cinema brasileiro em Kiev. Casados, chegaram ao Brasil em 1974, com um filho e se instalaram em Vitória,


participando ativamente do movimento artístico amador capixaba no cinema, no teatro e na literatura. Valentina teve algumas experiências também com o vídeo digital do final dos anos 1980, ao dirigir os filmes experimentais Exaltação à Amazônia, Trovadores de Neotrovismo na Amazônia, produzidos em Roraima; Bahia, Galeria 13, Bahia de todos os poetas e Molga das Águas. Segundo Valentina, esses vídeos são apenas estudos de linguagem e registros poéticos de artistas da sua geração. Para além do cinema, Valentina Krupnova se envolveu com teatro, literatura e artes plásticas. Hoje ela ocupa a cadeira de número 24 da Academia Feminina de Letras do Espírito Santo. Mas sua primeira ocupação formal no Estado foi como uma espécie de secretária na Revista Espírito Santo. “Foi muito bom, porque meu português era fraquinho e a revista era muito boa, então eu passei a conhecer melhor a língua, a economia, passei a entender o estado”, explica. Quando Gerson Camata assumiu o governo, em 1983, a revista acabou e Valentina Krupnova foi remanejada para o DEC onde desenvolveu uma carreira na política cultural por 32 anos. Nesse tempo, Valentina não tem dúvidas quanto ao avanço da atual Secretaria de Cultura. Com a política de editais do Funcultura, ela reconhece que houve um crescimento considerável da produção capixaba, mas acredita que, no modelo atual, não há espaço para pensar projetos estratégicos como o que ela protagonizou. Para ela é uma questão estrutural: “Havia os setores de cinema, música, artes plásticas etc., que tinham pessoas que criavam projetos na sua área. Mas hoje, todo mundo é

assessor e cuida de tudo ao mesmo tempo, então você não tem com quem falar”. Apesar das críticas, Valentina gosta de se manter à margem e entende que esse momento de participação na vida pública já passou. “As pessoas acham que é fácil trabalhar no serviço público, mas há muitas forças e contraforças que eu senti, principalmente por eu ser uma produtora mulher, o que não era uma coisa comum como hoje. Mas a minha paixão pelo cinema sempre foi tão grande que nenhum obstáculo ia me parar.” Quatro anos se passaram desde o lançamento do seu último filme, Nega do Ébano, mas Valentina diz não ter muitos planos definidos ou uma data para um novo projeto. Com seu jeito reservado, ela diz apenas que é interessada nas histórias policiais de Pedro Maia e que talvez elas possam se transformar em um filme, talvez um longa-metragem. “Mas tem outra coisa: a gente não pode contar dos nossos planos antes de realizá-los. A partir do momento em que você conta sua ideia, está condenado a nunca mais fazê-la”. Gringa Miranda Valentina conta que a primeira turma a vivenciar a formação em realização cinematográfica oferecida pelo DEC se formou a partir de um curso de roteiro conduzido por José Jofilly durante as gravações de Lamarca, longa-metragem de Sérgio Rezende. Divididos em grupos, a turma produziu vários roteiros e o mais votado foi o roteiro escrito pelo grupo composto por ela, Luiz Tadeu Teixeira e Ricardo Sá. “Era uma história divertida, que a gente fez brincando com o fato de eu ser russa, exagerando um pouco as coisas, mas nem imaginava que 9


Curta-Metragem “Gringa Miranda”, direção coletiva (1997)

Curta-Metragem “Labirintos Móveis”, direção coletiva (1998)

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ia sair do papel”. No filme, a Gringa é uma estrangeira que nutre uma fascinação por Carmem Miranda. Ao longo da trama ela vai descobrindo e envolvendo-se cada vez mais com a cultura brasileira. Apesar de contar com o pontapé inicial do Bandes, que tinha uma verba para a produção, o filme demorou quase quatro anos para ser finalizado. “A gente foi fazendo tudo por partes, porque o Bandes custeava só 30% do orçamento, então fui buscar apoio da Funarte pra poder fazer o filme”, ela lembra. O Centro Técnico Audiovisual (CTAv) da Funarte forneceu alguns equipamentos e dois técnicos: César Elias, que assina a direção de fotografia do filme; e Edwaldo Mayrink, como técnico de som. A produção executiva, direção, direção de arte, além do papel principal de atriz, ficaram a cargo da própria Valentina. A dinâmica do curso era muito prática: com o roteiro em mãos, os alunos iam a campo sob orientação da coordenadora, acompanhando e assessorando os técnicos do CTAv. “Eu tava por trás de tudo, orientava os alunos e cada um ficava responsável por uma cena; por isso, a direção é coletiva. Mas a gente mesmo carregava os equipamentos, comprei tecidos e costurei as roupas que eu usava no filme, eu definia tudo o que tinha em cena, e, depois de rodar, fui pro Rio acompanhar a montagem”, esta que ficou a cargo da montadora Vera Freire. Produzido e finalizado em 16mm, Gringa Miranda estreou timidamente em uma sessão no Cine Metrópolis em 1997 e foi selecionado no 4º Vitória Cine Vídeo no mesmo ano. Embora não tenha tido uma carreira significativa, o filme revelou os cineastas Ricardo Sá, Gabriela Egito e Carlos Augusto de Oliveira.

Labirintos Móveis Já o segundo curso do ciclo de filmes -escola foi fruto de recursos do Ministério da Cultura. Com a experiência do primeiro curso, Valentina conta que montou o projeto para repetir o modelo que, após dois anos de tramitação nas instâncias públicas, foi aprovado e o recurso liberado. Para participar do curso de roteiro, primeira etapa do deste, os alunos passavam por uma seleção que escolheu como vencedor o roteiro de Labirintos Móveis. Fizeram parte desse grupo Alessandra Toledo, Erly Vieira Jr., Luciana Gama, Lizandro Nunes, Ursula Dart, Vanessa Frisso, Janaína Serra, Thaiz Sabbagh, Gustavo Feu, entre outros. “A princípio, o Lizandro não foi selecionado, mas no primeiro dia ele simplesmente apareceu e disse que ia ficar, então ficou. Eu não ia expulsar alguém que queria aprender, e acabou que ele se tornou um bom profissional”, comenta. Também em 16mm, Labirintos Móveis acompanha um grupo de jovens amigos que se encontram para celebrar um noivado. Ao longo da noite, eles resolvem escrever um poema coletivo e, conforme escrevem, relembram episódios reveladores da última festa de réveillon que passaram juntos. Além dos alunos, o filme teve Jorge Monclar como instrutor e diretor de fotografia, trilha sonora original composta por Marcos Moraes e montagem de Vera Freire. A direção de atores teve orientação de Paulo Halm. O lançamento aconteceu no Teatro Glória ao ser selecionado para a programação do 5º Vitória Cine Vídeo em 1998. Sobre o período em que esteve à frente dos filmes-escola, Valentina tem certeza de que foi a sua principal contribuição 11


para o cinema capixaba, por isso guarda muito boas lembranças. “A gente fez a nossa parte, mas esse tempo acabou”, ela reflete. Hoje aposentada, ela guarda em pastas-catálogo todos os recortes de jornal e arquivos dessa época. Enquanto folheia os papéis amarelados pelo tempo, faz comentários sobre os ex-alunos quando jovens e arrisca falar sobre os caminhos que cada um seguiu. “Eu vejo que hoje tem esse curso de cinema na Ufes e alguns dos nossos alunos daquele tempo estão lá também. Então, claro que a gente tem uma certa responsabilidade aí porque foi essa geração que percebeu a necessidade e foi atrás de fazer cinema”. Nega do Ébano A obra mais recente de Valentina é o curta-metragem Nega do Ébano, realizado entre 2009 e 2013 com recursos da Lei Rubem Braga de Vitória. O filme é baseado em uma crônica policial do jornalista Pedro Maia, publicada em jornal que faz referência ao conto de fadas Branca de Neve, mas que trata de questões relacionadas aos grandes centros urbanos, como a violência e a criminalidade. Em Nega do Ébano, Valentina assina roteiro, produção e direção. “Eu tinha vontade de fazer esse filme com os ex-alunos na equipe, mas só Ricardo Sá participou como assistente de direção”. O filme conta com a atriz Maria Ceiça, como protagonista, e uma equipe mista entre profissionais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Rodado em formato digital – a contragosto da diretora – Nega do Ébano estreou no Festival de Vitória – 20º Vitória Cine Vídeo em 2013.

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“Nega do Ébano”, de Valentina Krupnova (2014)


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Um paralelo entre as políticas de fomento ao setor praticadas em diferentes estados mostra a importância do investimento público em tornar sustentável a cadeia produtiva do audiovisual

“Filhos da Lua na Terra do Sol”, documentário de Danielle Bertolini (2016) / Imagem Divulgação

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Para fazer o audiovisual brasileiro acontecer Marcos Sacramento

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O audiovisual brasileiro injetou na economia nacional R$24,5 bilhões no ano passado, de acordo com um estudo divulgado em 2016 pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). Este campo da economia criativa, composto pela produção de obras nos mais diversos formatos (filmes, seriados, programas de TV etc.) e gêneros (ficção, documentário, animação etc.) veiculadas em diferentes janelas (cinema, televisão e on-demand), são produtos assistidos por públicos igualmente diversos e, alguns deles, com grande apelo popular como as telenovelas das TVs abertas e filmes na linha de Minha Mãe é Uma Peça 2, estão à frente de importantes setores econômicos como, por exemplo, a fabricação de celulose e de produtos farmacêuticos, que registraram em 2014 rendas de R$ 22,6 e R$18,8 bilhões, respectivamente. Como é de se esperar, em um país de enormes dimensões como o Brasil e repleto de desigualdades entre diferentes estados e regiões, esse bolo de recursos gerados pelo audiovisual não é dividido em partes iguais; e o pedaço maior está concentrado nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Dentro desse cenário de adversidades e incertezas, a Ancine exerce o papel de motor do desenvolvimento do audiovisual brasileiro da atualidade, por meio de financiamento para produções nas mais diversas linguagens e do incentivo à capacitação e à formação de público e de mão de obra. Em estados fora do eixo Rio-São Paulo onde a produção audiovisual passa por um período de efervescência, como Ceará e Pernambuco, a Agência surge como uma das principais parceiras. Por outro lado, onde o segmento engatinha e recebe pouco investimento público dos 16

governos locais, como no Espírito Santo, a interlocução com a Ancine é escassa e os recursos captados ficam aquém do necessário para se fomentar uma cadeia produtiva que seja, de fato, sustentável. Para compreender o porquê destes cenários díspares, é necessário analisar as realidades desses estados. No caso dos bem sucedidos exemplos de Ceará e Pernambuco, percebe-se em comum a existência de um olhar diferenciado por parte do poder público local em relação ao audiovisual, resultando em um fluxo contínuo de produções, realização de festivais, exibições e capacitações. O exemplo desses dois estados contrasta com o cenário de penúria do audiovisual capixaba apesar de os três terem PIBs semelhantes: Pernambuco, com R$ 155,14 bilhões, tem o maior PIB; seguido do Espírito Santo, com R$ 128,7 bilhões; e do Ceará, com produto interno bruto de R$ 126,00 bilhões. Entretanto, a comparação entre os PIBs per capita, que consiste na divisão do valor do PIB pelo número de habitantes e que dá uma dimensão mais precisa da riqueza local, afasta o Espírito Santo dos colegas nordestinos. Enquanto aqui o PIB per capita é de R$ 33.148,56 e está entre os mais altos do país, o de Pernambuco (R$ 16.722,05) e do Ceará (R$ 14.255,05) estão no extremo oposto da tabela. Constata-se, com isso, que a questão financeira isoladamente não é determinante para o desenvolvimento do audiovisual, pois, mesmo com PIBs per capita relativamente baixos, Ceará e Pernambuco conseguem sustentar uma indústria de audiovisual que tem se consolidado e feito a sua produção chegar aos mercados brasileiro e internacional.


Ceará: o audiovisual como vetor de desenvolvimento Palco de sucessos de público como Praia do Futuro e Cine Holliúdy, ou de crítica como O Céu de Suely e Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois, o Ceará destinou para a Cultura um orçamento de quase R$ 150 milhões de reais em 2017. Em maio, foram anunciados investimentos de R$ 59,5 milhões apenas para o setor do audiovisual, iniciativa que prevê até a construção de salas de cinema em municípios do interior do estado. Desta quantia, R$ 40 milhões são do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e R$ 19,5 milhões do próprio estado. Segundo o Coordenador de Política do Audiovisual da Secretaria de Estado da Cultura do Ceará, Duarte Dias, o momento positivo do audiovisual cearense é resultado do diálogo entre o poder público e os realizadores, que se articularam por meio do Fórum Cearense de Audiovisual e da Câmara Setorial do Audiovisual, criados, respectivamente, em 2009 e 2011. “Primeiro, atribuo esse avanço à maturidade do setor. Houve um amadurecimento. Temos nesse momento várias gerações de realizadores atuando no estado. A rapaziada que batalhava por isso no final dos anos 60 e 70 está ainda na ativa, se conjugando com os novos realizadores que surgiram de coletivos, de cursos de formação. É um amadurecimento tanto do ponto de vista político quanto técnico. E tem a boa vontade do governo, que assumiu se identificando com essa possibilidade que o audiovisual proporciona e vendo isso também como uma forma de alavancar a economia, a cultura; vê que isso tem poder de geração de emprego e de estabilidade”, explica Duarte Dias.

Duarte Dias - coordenador de Política do Audiovisual da Secretaria de Estado da Cultura do Ceará / Imagem divulgação.

E os investimentos públicos do Ceará voltados para o audiovisual atendem a diversas instâncias da cadeia produtiva do audiovisual; entre elas, a difusão e a formação de público para o cinema. No primeiro semestre deste ano, o Governo Cearense lançou o projeto Cinema na Cidade, que prevê a construção de 20 salas de cinema distribuídas estrategicamente em dez municípios do interior a fim de formar uma rede de circulação de conteúdos audiovisuais. O investimento previsto é de R$ 20 milhões pela Ancine, via Programa Cinema Perto de Você, de e R$ 12 milhões pela Secult-CE. A expectativa é de que as salas estejam prontas para uso até meados de 2018. Os números parecem ser grandiosos, mas ficam modestos diante da intenção do governador do Ceará, Camilo Santana, para os próximos anos, conforme destaca Duarte. “Ele quer até o final do mandato destinar 1,5% do PIB para a cultura”.

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Pernambuco: em plena era de ouro No caso do Estado de Pernambuco, onde muitos chamam o atual período, iniciado em 1997 com a estreia de Baile Perfumado, de “era de ouro”, é impossível dissociar a efervescência da produção audiovisual de estímulos vindos do poder público, dos quais um dos mais importantes é o Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura Pernambuco). O diferencial deste fundo em relação ao de outros estados foi ser desmembrado em um fundo específico para o audiovisual. Criado em 2007, o Funcultura Audiovisual foi uma reivindicação dos realizadores, devido à importância do setor e das especificidades em relação às demais manifestações artísticas, e deu ainda mais fôlego à produção local. No ano da sua criação o fundo destinou R$ 2,1 milhões e beneficiou 29 projetos. No ano seguinte, o valor quase dobrou, passando para R$ 4 milhões. A cifra aumentou ano após ano, até atingir o valor de R$ 11,5 milhões no biênio 2011/2012, ficando estável neste patamar até o último edital, de 2016/2017, no valor de R$ 10,150 milhões. Neste último, foram disponibilizados no total R$21,1 milhões, dos quais R$ 11 milhões são provenientes do Governo Federal, via FSA. A parte que cabe a Pernambuco neste último edital fica pouca coisa atrás da soma dos recursos destinados pela Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES) para todos os editais de audiovisual entre os anos de 2009 e 2016, que somaram R$ 10,8 milhões. Ou seja, o que Pernambuco investiu em audiovisual em apenas um ano é equivalente ao que o Governo Capixaba investiu ao longo de 18

sete anos – uma prova eloquente de que o audiovisual não é visto pelo poder público local como um setor da economia criativa capaz de gerar receita e empregos para o nosso estado. Apesar de o PIB pernambucano ser somente 17% maior do que o do Espírito Santo, o percentual do PIB investido nos últimos editais de audiovisual é bem maior que o investimento feito pelo Espírito Santo no mesmo período. Enquanto Pernambuco investiu R$ 10,15 milhões em 2016 por meio do Funcultura Audiovisual, o que representa 0,0065% do PIB do estado, o último edital para o audiovisual publicado no Espírito Santo, também em 2016, teve o valor de R$ 1,93 milhão, igual a 0,0014% do PIB local. Se o Espírito Santo investisse na mesma proporção de Pernambuco, ou seja, 0,0065% do PIB, o valor do edital deveria ser de R$ 8,4 milhões, mais de quatro vezes o valor atual. Não bastassem as cifras miúdas, vale lembrar que, em 2015, o Governo do Espírito Santo chegou a propor um corte de 75% no montante de recursos investidos via editais, o que desencadeou no movimento #OcupaSecult. Audiovisual para a diversidade A busca pela diversidade étnica e de gênero, bem como a inserção de segmentos minoritários na sociedade são demandas que chegaram aos editais destinados à produção audiovisual pernambucana. Um dos mais volumosos da atualidade, o Programa de Fomento à Produção Audiovisual de Pernambuco, com recursos da ordem de mais de R$ 20 milhões, reserva, na edição 2016/2017, o percentual de 20% dos projetos para realizadores


negros e indígenas, além de pontuação diferenciada para mulheres. A preocupação em fazer com que os projetos favorecidos atinjam a perfis variados aparece inclusive nos projetos

de formação, que deverão destinar no mínimo 50% das vagas a estudantes de escolas públicas, mulheres, negros e negras, indígenas e pessoas com deficiência.

10º Festival de Cinema e Triunfo-PE (Foto: Verner Brenan)

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Mato Grosso: de cenário de produções para berço de realizadores Outro estado com perfil econômico semelhante ao Espírito Santo, mas que experimenta um momento diferente para o mercado de cinema e vídeo, embora em uma escala menor que dos nordestinos, é Mato Grosso, palco de diversas obras, mas com produção assinada por realizadores locais ainda tímida. Mesmo não sendo possível falar em efervescência no audiovisual, os recentes editais lançados para o setor, em parceria com a Ancine, sinalizam que o estado está se articulando e se movimentando na direção certa. Lançado em 2015, o edital Procine Cuiabá 01 destinou R$ 1 milhão para produtoras de cinema e vídeo sediadas em Cuiabá para a produção de um telefilme no valor de R$330 mil, dois documentários de R$ 115 mil cada, dois curtas documentários no valor de R$ 50 mil cada, um curta de animação de R$ 100 mil e três curtas de ficção no valor de R$ 80 mil cada. Do valor total do edital, R$ 660 mil são provenientes da Ancine e o restante, R$ 340 mil, foram destinados pela prefeitura. Um ano depois, foi lançado um edital dentro do Programa Brasil de Todas as Telas, da Ancine, com valor total de R$ 4,5 milhões, dos quais R$ 3 milhões são do FSA e R$ 1,5 milhões foram aportados pelo governo do Mato Grosso, por meio de sua Secretaria de Estado da Cultura, contemplando 19 projetos. São dois longas-metragens de ficção ou animação no valor de R$ 900 mil cada, três projetos de telefilme documental com valor unitário de R$ 400 mil, seis projetos de curta ou média-metragem de ficção ou animação de R$ 120 mil cada, seis de cur20

A diretora Danielle Bertolini / Imagem divulgação.

ta ou média-metragem documental, cada um sendo orçado em R$ 80 mil, e dois pilotos de produtos para a TV no valor de R$ 150 mil cada. “Esta é uma demanda represada há bastante tempo, pois aqui nunca havia existido um edital para longas-metragens, por exemplo. Houve participação da sociedade civil, que está sendo ampliada no edital que será lançado em outubro, de acordo com a Secretaria de Cultura”, diz a documentarista mato-grossense Danielle Bertolini. A realizadora lembra que o estado está em vias de lançar mais um edital, desta vez no valor de R$ 6 milhões, também com parte dos recursos vindos da Ancine.


Para o futuro, a realizadora vislumbra um panorama de crescimento e boas perspectivas. “Em 2017, foi criada uma associação de profissionais audiovisuais do estado, da qual sou atualmente a Presidente do Conselho. Há cada vez mais uma organização dos estados da região CONNE (Centro Oeste, Norte e Nordeste), tendo sido criada uma associação que irá reunir produtores desses estados”, explica Bertolini. Ela destaca, ainda, outras iniciativas surgidas a partir da articulação entre produtores, realizadores, Sebrae e Secretaria de Cultura de Mato Grosso: criação do MT Lab (Laboratório de Desenvolvimento de Projetos), Maratona Criativa Audiovisual e a previsão de implementação de uma Film Comission para 2018. A realizadora foi uma das contempladas pelo Prodecine, com o documentário curta-metragem Filhos da Lua na Terra do Sol, obra que aborda a relação entre albinos e o calor de Cuiabá. A produção foi selecionada para festivais como a Mostra Sesc de Cinema (Melhor Filme), Egypt Film Festival, Mzanzi Woman Film Festival e Carybbean Film and Market. Espírito Santo: vendo a banda passar O Espírito Santo poderia estar em situação similar à destes três estados se houvesse um direcionamento por parte do setor público de fortalecer o audiovisual, seja por meio da implementação de um plano de cultura que fizesse acontecer as metas e propostas impressas no papel, seja pela composição de uma estrutura que permitisse a execução mais especializada e eficiente da política cultural voltada para o setor audiovisual.

Essa falta de um direcionamento público, de visão do audiovisual como elemento indispensável na promoção cultural e capaz de impulsionar diversas áreas da economia, pode estar por trás do lapso que fez com que o Espírito Santo captasse menos recursos em relação ao que tinha direito junto ao FSA nos anos de 2015 e 2016. Naqueles anos, ao buscar o recurso junto à Ancine, a Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES) deixou de captar toda a cota disponível para o Espírito Santo por ter o entendimento de que o fator multiplicador de 1,5, referente ao recurso destinado pela agência em relação à contrapartida dos Estados fosse válido apenas para o investimento local em longas-metragens, quando na realidade poderia ser somado também o valor dos editais da Secult-ES para curtas-metragens. Assim, em 2015 a Secult-ES aportou R$ 1.929.630 no audiovisual e captou R$ 750 mil junto ao FSA. No ano seguinte, a Secretaria destinou R$ 1.936.000 e recebeu R$ 855 mil do FSA. Por ter considerado somente os longas, a secretaria deixou de receber do FSA R$ 1.309.500 em 2015 e R$ 1.279.500 no ano de 2016. Foram R$ 2.589.000 a menos no Espírito Santo só porque a Secult-ES não conhecia, de forma pormenorizada, as regras da Ancine*.

* O Programa Brasil de Todas as Telas da Ancine oferece recursos de acordo com a quantia destinada pelos órgãos locais. O valor oferecido pode ser de até duas vezes o valor investido pelos órgãos locais dos estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, até uma vez e meia nos estados da região Sul, Minas Gerais e Espírito Santo e até uma vez os valores aportados por órgãos dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Por exemplo: se a Secult-ES destinasse R$ 2 milhões para o audiovisual do Espírito Santo, teria o direito de captar esse valor multiplicado por 1,5, o que daria R$ 3 milhões recebidos da Ancine.

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O subsecretário de Estado de Gestão Administrativa, Ricardo Pandolfi, não vê o cenário desta forma e responsabiliza o momento econômico pela limitação das ações voltadas ao audiovisual: “Infelizmente a gente está passando por um processo de crise, mas ainda a gente tem um processo de continuidade dos editais. Imagina se não tivesse esse recurso disponível todo ano para trabalhar nesse setor. O nosso papel hoje é manter e ampliar esses recursos, no sentido de buscar parcerias, para que esse valor aumente”, diz Pandolfi. Na visão do subsecretário, a participação do poder público em algumas instâncias da cadeia audiovisual tem seus limites e cabe à iniciativa privada investir em determinados espaços. “O Estado não vai buscar esse financiamento dessa linha de sala de cinema, porque isso é do ponto do empreendedor. O Estado não vai ter um cinema público, não faz sentido manter essa questão”, explica Pandolfi. “Se eu posso chamar isso de indústria, ela também tem muito o papel do empreendedor nela”, completa o subsecretário, a respeito da participação do poder público no desenvolvimento ao audiovisual. O presidente da ABD Capixaba, Thiago Moulin, é enfático em relação à participação do Espírito Santo no que diz respeito à busca por incentivos junto à Ancine. “Basicamente, quem se organiza leva. Nesse sentido, O Espírito Santo não está no Sudeste, não está no Nordeste; o Espírito Santo não está em lugar nenhum. E também não está em carreira solo. A gente está em uma nau sem rumo”.

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10ยบ Festival de Cinema e Triunfo-PE. Foto: Verner Brenan


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ENTREVISTA

Bahia na Tela: a história por trás do maior edital de audiovisual do país “Nós acreditamos que TV pública tem que dar retorno à sociedade com essa produção que foi feita com recurso público”, Flávio Gonçalves, diretor-geral do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB)

Marcos Sacramento Por meio de uma política cultural séria e participativa, é possível superar as dificuldades orçamentárias locais e buscar recursos externos. Uma experiência eloquente é o caso da Bahia, estado que lançou em maio deste ano o Bahia na Tela, edital voltado para a produção de conteúdos inéditos para a TV Educativa da Bahia. No exemplo baiano, a importância dada ao desenvolvimento da produção audiovisual fica evidenciada não apenas pelo volume de recursos públicos investidos, mas na ampla articulação entre as diversas instâncias e pastas do governo para fazer essa política cultural acontecer. Considerado até agora o maior edital do país voltado para o audiovisual, o Bahia na Tela vai disponibilizar R$ 20,212 milhões, a maior parte desse recurso ficou por conta da Ancine, por meio do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), valor que será integralmente disponibilizado para a produção das obras. A contrapartida do governo baiano será a adição R$ 824mil, montante que será investido no pré-licenciamento das produções. Esses investimentos foram feitos via Prodav 01 e 02, Foto: de Sergio Isensee.

modalidades de chamada do FSA onde Ancine investe diretamente nas produtoras para a realização das obras e a emissora de TV arca com o pré-licenciamento desses conteúdos para exibição. “Em uma interlocução com a Secretaria da Fazenda e apoio da Secretaria de Cultura, nós conseguimos uma autorização junto ao Governo do Estado para realizar esse investimento, que é muito significativo considerando o tamanho do nosso orçamento atual”, disse o diretorgeral do Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (IRDEB), Flávio Gonçalves, a respeito do esforço para se obterem os recursos necessários para a contrapartida financeira exigida pelo edital. Quais foram as principais dificuldades encontradas para se tornar possível a elaboração do edital Bahia na Tela, considerado o maior do país? A principal dificuldade foi encontrar o orçamento para licenciamentos dos conteúdos, pois o FSA financia a produção, mas isso requer a assinatura de um contrato prévio com uma emissora de TV que realize 25


o pré-licenciamento. Para esses R$ 20 milhões, nós tivemos que aportar R$ 824 mil. Isso, para a nossa realidade, é uma quantidade significativa de recursos. Ao longo dos últimos meses, em uma interlocução com a Secretaria da Fazenda e apoio da Secretaria de Cultura, nós conseguimos uma autorização junto ao Governo do Estado para realizar esse investimento, que é muito significativo considerando o tamanho do nosso orçamento atual. Essa foi a principal dificuldade nesse momento de restrições orçamentárias no Brasil. Na Bahia não é diferente. A própria gestão e elaboração do edital foi uma dificuldade, mas isso nós fizemos em parceria e sintonia com a Ancine e também utilizamos alguns outros editais como exemplo, mas usando como base toda a legislação do FSA. Ainda sobre o Bahia na Tela, como funcionou a definição do conteúdo, dividido em séries de ficção, telefilmes documentais e séries documentais? Fizemos uma reunião, uma análise do que já temos na grade de programação da TV, seja conteúdo próprio seja conteúdos de terceiros. Temos conteúdo da TV Brasil, conteúdo licenciado não oneroso (que não paga licenciamento, mas exige autorização) e programação própria. Temos uma programação infantil, desenhos, cobertura do esporte local, transmissão de shows, cultura, debates. Considerando a nossa programação própria e o que a gente tem de terceiros, a gente dialoga com um universo grande de cidadãos e telespectadores e parte desses tem solicitado a presença desses temas nas telas das TVs. Em vista disso, definimos que nesse edital não teria animação, porque já temos mui26

tos conteúdos de animação que vêm da TV Brasil e focamos em conteúdo documental ou ficção. Elencamos quatro séries de ficção, uma produção mais complexa do que conteúdo documental e que exige bastante da produção local. Por isso, definimos uma quantidade que consideramos que o mercado vai ter condição de absorver. E a respeito dos 23 temas? Quais foram os critérios adotados nas escolhas? Fizemos um debate dos perfis dos conteúdos de ficção e documental, que dialogam com temas amplos, envolvem muitas pessoas que não necessariamente estão presentes nas telas das TVs. Por isso, fizemos esse recorte, um recorte bem amplo. A gente tem séries, por exemplo, sobre terceira idade. Agora, como vai ser o projeto é algo bem amplo, mas o fato é que temos um universo grande de pessoas de terceira idade que veem televisão e não têm tanto conteúdo assim para a terceira idade. Portanto, é uma oportunidade de a TV ofertar a esses cidadãos esse tipo de conteúdo. Isso vale para esporte, para cultura, vale para o universo LGBT, vale para aspectos de mulheres, juventude, meio ambiente, a gente tem o maior litoral do Brasil então isso também é importante, aspectos do interior do estado, porque há uma demanda grande do interior do estado de se ver na TV. Fizemos um grande levantamento com base nesses diálogos que a gente tem com a sociedade, que tem exigido conteúdo para determinados públicos que não estão presentes nas emissoras comerciais, que não fazem opção de privilegiarem determinados perfis de conteúdo.


Quem participou da elaboração deste edital? Houve participação de realizadores ou da sociedade civil? Esses grupos tiveram voz na escolha dos temas contemplados pelo edital? Esse edital foi uma elaboração nossa, do IRDEB, como gestor do canal, como outras emissoras de TV fazem. O edital ficou aberto por 90 dias e recebemos sugestões por e-mail ao longo desse processo. Recebemos sugestões de pessoas, produtoras, associações de produtores. Depois do edital lançado, a partir das sugestões que recebemos, emitimos algumas alterações. Parte das alterações solicitadas nós incorporamos, então foi publicado um novo edital com essas alterações. Uma delas, inclusive, no caso das séries de ficção. Eram quatro, com temas predeterminados, e nós deixamos uma das categorias em aberto, para tentar permitir que outras temáticas fossem apresentadas. Em relação ao tema, foi a única alteração a partir das sugestões que foram feitas. E fizemos algumas outras de procedimentos de documentos que eram exigidos em uma determinada etapa, que foram incorporados. Isso em diálogo com a Ancine. Obviamente que é um edital do IRDEB, nosso, mas baseado na legislação da Ancine. A Ancine declarou apoio e considerou o edital bem elaborado a partir da concepção de grade de programação da TVE daqui da Bahia. Como a TVE da Bahia se insere na política audiovisual do estado? É a primeira vez que o IRDEB faz esse edital de licenciamento de conteúdo. O IRDEB fez em 2014 o edital de Arranjo Regional, que é outra linha do FSA, e no ano passado a Secretaria de Cultura

da Bahia já lançou um edital de Arranjo Regional. Nós consideramos que a política está correta, deste edital ser lançado pela Secretaria de Cultura porque a política de incentivo ao audiovisual vem de lá, assim como vem do Ministério da Cultura e da Ancine. Nós, enquanto TV pública, temos que nos associar na medida em que existam políticas públicas de fomento ao audiovisual que passem especificamente por uma televisão e por uma televisão pública. Nós temos exibidos todos os conteúdos do edital do Prodav das TVs públicas, que foi uma parceria da EBC, da TV Brasil e de canais comunitários, de canais educativos e de canais universitários. São 250 horas de conteúdo do Prodav das TVs Públicas do Programa Brasil de Todas as Telas que nós começamos a exibir este ano e nos comprometemos a exibir todas as produções. Existem seis conteúdos que foram produzidos aqui na Bahia; outros, a grande maioria, não. Nós acreditamos que TV pública tem que dar retorno à sociedade com essa produção que foi feita com recurso público. Por isso, estamos exibindo todos os conteúdos independentemente de serem feitos na Bahia ou não. A gente se insere na medida que existem políticas públicas de incentivo à produção audiovisual e essas políticas devem ser implementadas pelos órgãos que tratam diretamente dessas políticas. Quais as perspectivas de ações futuras? Nós estamos finalizando as inscrições, vamos concluir o processo de análise. Até o final de dezembro e início de janeiro é o cronograma previsto para que o resultado seja publicado e, a partir disso, 27


a assinatura de contrato com as produtoras que vão pleitear os recursos via Prodav 01 e Prodav 02 na Ancine e, por fim, chegarmos na etapa da produção, de fato, das obras. Nossa perspectiva é concluir esse processo, depois fazer uma avaliação e, quem sabe, no ano que vem manter o

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lançamento de um outro edital nos mesmos moldes, mas com toda uma análise, não só de como se deu esse processo desse ano, mas também do que nós teremos de demanda para o próximo ano em relação a conteúdo. Pois não serão necessariamente os mesmos que estão sendo produzidos


agora, mas pensando também em outras linhas a partir de uma mudança de programação na TV. Esperamos que, a partir de agora, seja uma constante, que o IRDEB consiga manter o lançamento anual deste edital via Prodav 01 e Prodav 02 com recursos do FSA.

Aqui e na página anterior, imagens do documentário “Viva o Abaeté”, de Hewelin Fernandes, filme produzido com recursos da própria TV Educativa da Bahia.

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Débora Ivanov Diretora-Presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine)

Imagem divulgação Ancine.

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ENTREVISTA

“É impressionante ver que o audiovisual cresce na crise” Marcos Sacramento

Diretora-presidente em exercício da Ancine, Débora Ivanov é advogada e produtora de cinema e televisão com mais de 60 obras no currículo – entre curtas, médias e longas-metragens, telefilmes e séries para televisão. Foi diretora executiva do Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo (SIAESP) por 20 anos e titular do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual. Nesta entrevista, Ivanov fala das perspectivas da Agência diante do cenário de crise econômica e política que atinge o país, sinaliza algumas mudanças para o futuro próximo e traça um breve panorama do cenário audiovisual fora do eixo Rio-São Paulo, com o crescimento de produções vindas de estados com pouca ou nenhuma tradição no audiovisual. “Fico muito entusiasmada em ver essa diversidade. Sou de São Paulo e é muito bom ver essas obras com olhar diferente circulando pelas telas”, diz Ivanov, a respeito das obras de regiões como Norte e Nordeste. Ela elogia, inclusive, o Espírito Santo, por causa do volume considerável de projetos enviados à Ancine entre os anos de 2012 e 2016.

Qual sua avaliação do Programa Brasil de Todas as Telas e a perspectiva de cumprimento do planejamento inicial? Quais ajustes foram realizados para cumprir o plano ao longo desses anos? Continuamos com os editais todos em curso, apesar da mudança de gestão e da mudança do comitê gestor, com a renovação total dos membros, nós pactuamos manter todas linhas para que não houvesse nenhuma descontinuidade, mas promovemos algumas revisões e estamos discutindo aprimoramentos. Por exemplo, as cotas regionais. Nós temos, por lei, que cumprir 30% dos recursos para o Norte, Nordeste e Centro-Oeste e, por motivos de livre deliberação da Ancine (não por lei), nós dedicamos 10% para a região Sul, e os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Mas nem todas as cotas nos últimos anos foram cumpridas, quer dizer, essa é uma cota mínima, mas principalmente as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, tiveram dificuldade em completar esse mínimo. Por isso, a gente pegou os saldos dos editais e organizou editais específicos para darem conta desse cumprimento legal. Nós também reduzimos em 50% o valor das licen31


ças para qualquer projeto de televisão que vier fora do eixo Rio-São Paulo, porque a sanção das regiões tem que mudar para os principais canais de televisão; isso foi um pleito do próprio setor. Outra questão que estamos discutindo é como desburocratizar o acesso do público ao editais, como tornar mais simples, mais fácil as regras. Nós nos propomos a fazer em alguns meses, a curto prazo.

ainda não temos nenhum tipo de restrição, porque a nossa arrecadação de Condecine tem garantido as nossas ações. Quanto à troca de diretores, o tempo delas não casa com mudança de governo. Todas as agências reguladoras são assim justamente pra manter a continuidade das ações independentes do cenário político.

Em relação isso, o que de concreto podemos sinalizar? Hoje o regulamento geral do Prodav, por exemplo, tem em torno de 80 páginas, mais as regras de cada edital específico, mais modelos de contrato para cada edital específico. Então, é um rolo de documentação gigante. Queremos reduzir o número de regras, padronizar todos os contratos para deixar todo o entendimento mais simples, mas isso só a partir do ano que vem. Estamos fazendo todo esse movimento até o fim do ano, mas para vigorar a partir do ano que vem. As regras complexas vão ficar mais simples, há um esforço gigantesco na agência para se atingirem essas metas agora.

Diante do recente fechamento das unidades técnicas do Prodav TVs Públicas há um temor de que essa política perca capilaridade e eficácia. Quais as perspectivas de continuidade para os editais da Ancine? As unidades técnicas foram criadas somente para os editais das TVs públicas. Eles de fato estão atrasados, mas o fato de se fecharem as unidades técnicas não significa que os editais irão parar, até porque ainda estão ocorrendo entregas da segunda edição e da terceira programamos para outubro. Na verdade elas não fecharam e, sim, mudaram para dentro da TV Brasil por conta de racionalidade de custos de operação para deixar a gestão mais próxima da televisão. Mas todo mundo pode ficar tranquilo que tudo vai continuar.

Como a Ancine tem sido afetada pela atual crise política e econômica que o Brasil tem passado? Inevitável que a agência seja impactada, como qualquer cidadão ou instituição, pela crise econômica no país. Houve uma redução brutal na captação de recursos de empresas privadas na Lei Rouanet; vemos isso muito claramente. Por outro lado, o FSA supriu essa queda. É impressionante a gente ver que o audiovisual cresce na crise; está na curva contrária. E até aqui

O que justifica esse agrupamento de Espírito Santo, Minas Gerais e os estados do Sul para as cotas de investimento da Ancine? Que semelhanças foram encontradas nesses estados para que eles ficassem nesse mesmo grupo? A Lei do Fundo Setorial do Audiovisual previu que 30% dos recursos seria para Norte, Nordeste e Centro Oeste. São 20 estados para 30% do recurso. Se Rio e São Paulo são os polos econômicos e de produção audiovisual do país; se você tira

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esses 20 estados e tira Rio-São Paulo, o que sobra é a região Sul, Minas Gerais e Espírito Santo. Pelo fato de a própria agência entender que deveria haver alguma ação específica para essas regiões, a lei determinou que se destinasse 10% como mínimo para essas regiões. Dependendo do volume de projetos, pode-se chegar a muito mais. Esperamos que chegue a mais. O mercado vai aquecendo, vai amadurecendo, então vai competindo em todas as linhas. Mas é um esforço para incluir todo o Brasil, é um esforço de descentralização para que a gente tenha mais diversidade cultural. Há uma demanda por parte de algumas produtoras e realizadores quanto à clareza dos critérios para aferição dos pontos de desempenho comercial e artístico dos projetos submetidos à avaliação da Ancine. Por que não existe uma tabela ou guia que explicitam esses valores/critérios de pontuação? É uma demanda que sempre comparece, mas os critérios são bem complexos mesmo. Tem muitas variáveis; por isso, existe uma demanda para simplificar essa pontuação. Por exemplo, quando é desempenho comercial, a pontuação não é sobre a bilheteria bruta; é só sobre a receita. Se o produtor ficou só com 5% das receitas do filme, se ele teve que abrir mão de tudo pra financiar a obra, só conta o que ele recebeu de receita, e não pelo todo. Existe uma discussão para se revisitaem esses critérios, mas para o ano que vem. Nesse processo de implementação das políticas da Ancine, que experiências bem sucedidas praticadas por estados de fora do eixo Rio-São Paulo, junto

com a Ancine, você poderia apontar? Fala-se muito em Ceará e Pernambuco, por exemplo. Ceará e Pernambuco são realmente os destaques de investimentos locais mais robustos. Agora, temos Brasília e a Bahia que também começam a se destacar em termos de investimento. Agora, sem falar em grandes investimentos e, falando em diversidade, destacaria o Piauí, que conseguiu um recurso específico para investir na proporção de um para dois com a Ancine. Então, você começa a ver Acre, Roraima, Amapá surgindo com produções bacanas. Temos visto de fato uma cultura regional se expressando através do audiovisual de Norte a Sul do país. Em termos de arranjos regionais, temos até hoje 82 editais aprovados, quase 60 já lançados e um investimento de quase R$ 400 milhões. Fico muito entusiasmada em ver essa diversidade. Sou de São Paulo e é muito bom ver essas obras com olhar diferente circulando pelas telas. Sobre o Espírito Santo, de 2012 a 2016 também não foi pouco, viu? Foram 190 obras independentes registradas aqui na Ancine. É bastante, sabe? São 56 produtoras classificadas como produtoras brasileiras independentes, 34 em Vitória. Está indo bem. A maioria é classificação nível 01, o que quer dizer que elas estão no início da carreira de produção de conteúdo com recursos públicos; então, você vê que é um mercado mais jovem. E, se você tá no nível 01, tem um teto de captação de até R$ 5 milhões. Por esses números dá pra ver que o Espírito Santo é jovem na produção para televisão, mas que tá vindo com tudo. Tem que ter mais amadurecimento como em qualquer profissão. 33


Há algo mais direto que a Ancine possa fazer para que essas jovens produtoras ganhem competitividade? Claro que a gente gostaria de ter bastantes ações de capacitação, mas o melhor de tudo é você ter recursos para produzir. Eu venho do mercado privado e eu tinha uma produtora que começou do zero. Quando eu comecei, não tinha nada; só tinha edital de curta-metragem. Então, mesmo que seja difícil acessar, o melhor de tudo é ter acesso aos recursos pra você fazer um curta-metragem, um média-metragem e começar a exercitar esse mercado. Fiquei pensando aqui sobre a minha trajetória e vejo que isso foi algo gradual. Meu primeiro curta não foi lá tudo isso. Meu segundo curta foi mais ou menos, foi bacana, já fiz em película. Aí fiz um documentário. Fiz muito institucional para poder sustentar a minha carreira até que um dia, depois de muitos anos, fiz um documentário altamente premiado e deu aquele impulso. Mesmo assim, eu não tinha dinheiro para fazer o segundo. Aí vai na luta pra fazer o segundo. Enquanto isso, sobrevivia mesmo com institucionais, produção cultural. Até conseguir fazer o primeiro longa foram anos, e aí não foi um sucesso comercial, foi um sucesso cultural com vários prêmios e tal. E assim você vai evoluindo. Hoje, ter recursos acessíveis é o principal estímulo que a política pública poderia dar. Para a gente se fortalecer, uma coisa que eu fiz muito foi a coprodução; é se juntar com quem vai saber fazer um pouco melhor que a gente. Eu fiz muitas coproduções. Você junta o que cada um tem de melhor e faz um grupo para você se fortalecer.

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Documentário #Resistência, de Eliza Capai.

Documentário “Casa da Xiclet”, de Sofia Amaral.

Ver matéria sobre os filmes da Mostra Paralela na página 56.


Os atores Marcos Palmeira e Eliane Giardini no filme “O Amor Está no Ar”, de Amylton de Almeida.


Políticas Culturais e o Cinema Capixaba Breve histórico sobre políticas para o audiovisual no Espírito Santo mostra o descompasso entre a atuação do poder público e o potencial de desenvolvimento desse setor

Carolina Ruas

A História do Cinema no Espírito Santo está repleta de personagens apaixonados que fizeram filmes movidos pela vontade de experimentar, quase sempre com poucos recursos e uma grande capacidade de fazer “mais com menos”. De fato, muita iniciativa individual e pouco investimento público compõem essa história, que já chega perto de completar cem anos a contar desde que Ludovico Persici registrou as primeiras imagens do Espírito Santo na década de 1920 utilizando o equipamento que ele próprio inventou: o Aparelho Guarany. A própria noção de política pública para cinema no Brasil só começa a se consolidar nos anos 1960, com a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC) e, na sequência, com a fundação da Empresa Brasileira de Filmes, a Embrafilme. Os interesses do regime totalitário em criar uma indústria nacional com forte intervenção e regulação estatal fez da Embrafilme uma instituição capaz de conciliar as demandas dos realizadores e os ideais de um tempo e de, assim, fortalecer o projeto nacionaldesenvolvimentista do Governo Militar. A criação da Embrafilme é um marco na história do cinema brasileiro por ter

viabilizado a produção e distribuição da produção nacional dos anos 70 e 80, em que o cinema brasileiro chegou a ocupar 35% das telas de exibição do país, além de revelar uma grande geração de cineastas que ganharam reconhecimento por todo o mundo. Instituição responsável por fazer acontecer uma sistemática política de incentivo à produção e distribuição do cinema nacional, a Embrafilme foi extinta em 1990 após a redemocratização do país durante o Governo Collor. Mas apesar de na esfera federal haver um projeto e uma visão estratégica para o desenvolvimento do Cinema já nos anos 1960 (apesar da descontinuidade), no Espírito Santo, a política pública para o cinema vai demorar a se desenvolver. Vale lembrar que em 1967 foi instituído o Conselho Estadual de Cultura, marco fundamental da estruturação da gestão pública da Cultura no Espírito Santo, embora sem poder executivo. É somente em 1990 que o estado institui uma pasta específica para a área da Cultura – com dotação orçamentária e autonomia de gestão e execução das políticas públicas, por meio da fundação da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES). 37


No cenário nacional, após um período desértico na política pública para cultura, é somente a fundação da Agência Nacional do Cinema – a partir da resolução do Congresso Brasileiro de Cinema, em 2001 – que marca o retorno de um projeto estratégico para o desenvolvimento do cinema brasileiro, seja pela regulação e tributação do mercado, seja por meio de políticas distributivas. Partindo da Ancine, há uma série de ações sistemáticas que passam pelo recolhimento da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), pela gestão do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e dos Programas de Apoio ao Desenvolvimento do Cinema e do Audiovisual: Prodecine e Prodav. O Polo Estadual de Cinema É um paradoxo, portanto, pensar que, no momento de grande crise que se abateu no cinema brasileiro a partir do fechamento da Embrafilme no início do governo Collor, o Espírito Santo arriscou uma notável expressão cinematográfica. No início dos anos 1990, o cinema capixaba experimentava pela primeira vez a ideia de profissionalização, na tentativa de implementação de uma nova linha de financiamento do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes) que proporcionou o esboço de um Polo Estadual de Cinema. Os recursos do Bandes atraíram projetos de todo o Brasil que, como contrapartida, utilizaram cenários, figurantes e técnicos do Espírito Santo. Em alguma escala, esses filmes abriram oportunidades para a formação prática dos capixabas que até então faziam cinema de forma amadora. Neste contexto, foram realizados 38

quatro longas-metragens com recursos do Bandes no Espírito Santo: Vagas para moças de fino trato, de Paulo Thiago; Lamarca, de Sérgio Rezende; Fica Comigo, de Tizuka Yamasaki; e, por último, O amor está no ar, de Amylton de Almeida, o primeiro longa-metragem de ficção em 35mm rodado no Espírito Santo por um diretor capixaba e com equipe majoritariamente local. Portanto, esta última é a única produção proveniente do Polo Estadual de Cinema que concretizou os objetivos de estimular uma produção genuinamente capixaba. A linha de crédito do Bandes e a ideia do Polo cinematográfico acabaram interrompidas no meio do caminho diante da recessão daquela época. A linha de crédito findou, pois os filmes não deram o retorno financeiro previsto. Além do financiamento do Bandes, outros dispositivos foram criados na década de 90 que, se não estimularam diretamente a produção, despertaram o interesse em fazer cinema. Em 1991, foi criada a Lei Rubem Braga, mecanismo pioneiro de incentivo fiscal a nível municipal que, não demorou muito, tornou-se a principal responsável pelo desenvolvimento da produção de curtas-metragens nos anos seguintes. Ao mesmo tempo, nesse período houve o surgimento de alguns cursos livres na área de cinema, os “filmes-escola”, oferecidos pelo antigo Departamento Estadual de Cultura (DEC), que revelaram uma potente geração de cineastas capixabas que iriam levar o cinema profissionalmente pelos próximos anos. O próprio Amylton de Almeida, em 1992, ministrou o curso O Corpo e a Imagem na Escola de Teatro e Dança FAFI, com o objetivo de formar plateias e sensibi-


lizar o público já existente de cinema. Deste curso resultou o documentário em vídeo Cupido no ar (1992) que foi, justamente, o embrião de seu primeiro e único longametragem, que utilizou alunos egressos do curso, a exemplo dos corroteiristas Marcelo Siqueira e Fabiano Gonçalves. Além deste, foram oferecidos ainda dois outros cursos de realização cinematográfica sob coordenação de Valentina Krupnova. Em 1995, a turma esteve na direção coletiva do curta-metragem Gringa Miranda, com nomes como Ricardo Sá e Luiz Tadeu Teixeira na equipe; da mesma forma, o produto final da turma de 1997, o curta-metragem Labirintos Móveis, marcava o primeiro trabalho em cinema de Erly Vieira Jr., Luciana Gama, Lizandro Nunes e Ursula Dart. Em 1998 um curso de cinema em Super 8 foi coordenado por Danilo Solferini e Willian Hinestrosa e revelou ainda Ana Cristina Murta, Alexandre Serafini, Alexandre Vassena e Virgínia Jorge na direção do curta de três minutos O Enforcado. Do Funcultura ao longa-metragem Nos anos 1990 a política cultural para o cinema capixaba era voltada à formação dos profissionais e ao aquecimento desse mercado por meio da realização de curtas-metragens como produto de experimentação e inovação da linguagem. Para tanto, os filmes -escola, a Lei Rubem Braga e o Vitória Cine Vídeo – atual Festival de Cinema de Vitória e janela que exibe anualmente uma programação focada no curta-metragem nacional desde 1994 – foram a tríade fundamental para alimentar esse projeto e estabelecer o curta, durante muito tempo, como a principal vocação do cinema capixaba.

Também por isso, a entidade que veio a representar todo o setor a partir desse momento é justamente a Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas do Espírito Santo, a ABD Capixaba. A fundação dessa entidade, em 2000, foi fator fundamental para a estruturação e organização das pautas do setor e, desde então, os realizadores capixabas subiram mais um degrau rumo à profissionalização, entendendo a importância de estarem juntos para articular com outras instituições e reivindicar a atualização e universalização das políticas públicas para o cinema no Estado. A política cultural no Espírito Santo só avança mais um degrau a partir de 2008, quando a Secult institui o Fundo Estadual de Cultura (Funcultura) e, a partir de então, passa a realizar editais públicos de fomento com repasse direto de recursos para os realizadores de arte e cultura do estado. Em 2009, é lançado o primeiro edital para produção de longa-metragem de baixo orçamento, com o prêmio de R$ 500 mil. Essa foi a primeira vez que o Estado investiu em um segmento considerado “de ponta” do audiovisual naquele contexto. Dentro da dinâmica que rege o mercado de cinema profissional, o longa-metragem, até então, era o produto que legitimava o mercado da indústria cinematográfica e que tinha um maior alcance dentro e fora do país. Por isso, na última década, sempre foi uma pauta de reivindicação do setor o investimento na produção de longa-metragem. A política distributiva dos editais do Funcultura foram extremamente importantes porque organizaram o repasse de recursos disponíveis na Secult para os realizadores executarem seus projetos a partir 39


de critérios, em tese, mais objetivos. De lá para cá, muitos filmes foram produzidos e/ou finalizados por meio dos editais, e a produção capixaba de cinema também tomou consistência com o surgimento de várias empresas produtoras de audiovisual. Na esteira do que foi desenvolvido em âmbito federal a partir da fundação da Ancine em 2001, diversos estados da federação conseguiram estruturar políticas complementares para estimular a produção local (ver reportagem na página 12). No Espírito Santo, entretanto, a política pública para o cinema pouco evoluiu em quase dez anos desde que os editais do Funcultura foram lançados. A cada ano, a Secult convoca as entidades a discutir como distribuir o recurso disponível entre as diversas linguagens atendidas por seus editais – e a ABD é uma das entidades com papel decisivo na destinação de recursos para o audiovisual – porém a estagnação dos investimentos da pasta tem empurrado a sociedade civil para um confronto entre os setores por conta da escassez dos recursos. Ainda para 2017, a Secult informa que o orçamento do Funcultura dedicado ao cinema vai crescer de R$ 2,6 milhões para R$ 4 milhões – orçamento composto pelo aporte da Ancine, sendo R$ 1.932.000 provenientes do Governo do Estado e R$ 2.160.000,00 como aporte do Fundo Setorial do Audiovisual/Ancine. Embora se reconheça que os recursos estão aquém do praticado em demais estados da federação, para o subsecretário de Estado de Gestão Administrativa, Ricardo Pandolfi, “O papel da Secult é manter e ampliar os recursos dos editais e fazer a articulação do setor com as outras entidades, mas é papel do empreendedor cultural 40

ir atrás desses recursos”. Segundo ele, a Secretaria tem cumprido seu papel e articulado junto com as entidades no sentido de buscar parcerias e há diversas “conversas” encaminhadas envolvendo Ancine, TVE, Prefeitura de Vitória, Arquivo Público, entre outras. Enquanto o pensamento do Governo do Espírito Santo está centrado em um modelo que aguarda a iniciativa e pressão dos realizadores (ou empreendedores) para se movimentar na direção apontada, outros estados da federação já estão com propostas avançadas na formulação de novas políticas inovadoras, como é o caso de Pernambuco, que caminha para a instauração de uma agência reguladora estadual nos moldes da Ancine. Até mesmo o Plano Estadual de Cultura (PEC), documento aprovado por lei estadual em 2013 e que aponta os principais caminhos a seguir pela Gestão durante o decênio 2013-2023, está longe de se concretizar. A saber, o PEC orienta duas ações a se cumprir especificamente no campo do audiovisual, que têm a ver com preservação da memória, distribuição e ampliação dos espaços de exibição: a criação de um centro de referência do audiovisual do Espírito Santo para acomodar acervo de obras locais e promover a distribuição de produtos audiovisuais; e a promover a expansão e a interiorização dos espaços de exibição audiovisual, como o incentivo à criação de cineclubes que promovam debates para o envolvimento da comunidade na reflexão do conteúdo das obras e que valorizem a produção local, inserindo-a na programação (respectivamente itens 3.2.4 e 3.2.7 do Plano Estadual de Cultura – Lei nº 10.296/2014).


Apesar disso, na condução das políticas públicas atuais, não há sinais de preocupação em fazer-se cumprir tal documento. Ainda que a Secult-ES se mostre sempre disponível para o diálogo com a categoria, a impressão final é de que o cinema e o audiovisual no Espírito Santo não ocupam o mesmo papel estratégico que ocupam no restante do Brasil nos dias atuais. Pandolfi explica que a Secretaria é orientada por uma estrutura transversal e que atualmente não há possibilidade de uma reorganização interna que justifique uma instância específica para o audiovisual. E com isso deixa claras as limitações da atuação da Secretaria nas políticas dos campos da formação e da difusão para o audiovisual. O próprio subsecretário resgata a fragilidade do setor ao levantar os números do PNAD Contínua de 2016 do Instituto Jones dos Santos Neves: “Nós somos um estado pequeno da federação, então a nossa economia reflete isso. Na Economia Criativa, o audiovisual representa menos de 2%, e fica atrás do artesanato, por exemplo, que é 7% dessa cadeia”, informa resignado. Até então, os editais do Funcultura dão conta de estimular a produção, mas, conforme a cadeia vai se desenvolvendo, é preciso ampliar o acesso e avançar em busca da universalização dos recursos, como cumprimento de sua função pública. “É claro que antes dos editais era muito pior, e nisso também houve cobrança do setor para que eles fossem evoluindo no formato, na distribuição…Apesar de ser sempre aquém da demanda”, comenta o realizador Alexandre Serafini. O cineasta teve o primeiro longa-metragem de sua carreira financiado via edital do Funcul-

tura e está fazendo carreira mundo afora. Para ele, o diálogo entre a Secult e os realizadores precisa ser aprimorado e a postura da instituição precisa ser mais robusta para pensar a política para o futuro: “A Secretaria tem que brigar pra ter sempre mais a oferecer, porque o mercado cresceu também, tem mais gente fazendo. E a Secult precisa se ver como coprodutora nos projetos”, defende. Na contramão do entendimento contemporâneo sobre a importância das indústrias criativas, no Espírito Santo, o Audiovisual – tido em vários lugares do mundo como a cadeia mais complexa da Economia Criativa por abrigar diversas linguagens e uma série de ocupações técnico-artísticas – não possui sequer uma coordenação responsável dentro da estrutura de gestão por formular estratégias para o desenvolvimento do setor do ponto de vista econômico e/ou artístico. A ABD Capixaba está em diálogo direto com a Secult e demais instituições para aprimorar a política de fomento, mas a operação da pasta deixa muito a desejar, seja pela falta de experiência em articular os recursos externos, como os disponíveis pela Ancine, seja por falta de infraestrutura do próprio órgão. Como organização social, a ABD pode apontar caminhos, mas a Secretaria precisa desenvolver e gerir a política pública para o audiovisual e o que fica evidente é que não há espaço e tempo dentro da instituição para se pensar estrategicamente o setor como vértice da indústria criativa local. O fomento cultural nos municípios No âmbito municipal, a Lei Rubem Braga de Vitória foi um forte estímulo à 41


produção de curta-metragem no Espírito Santo uma lei criada ainda em 1991, no mesmo contexto em que surgia a Lei Rouanet em âmbito federal. Ambas inauguraram no Brasil a utilização da renúncia fiscal, mecanismo que veio a se popularizar em diversos estados e municípios brasileiros entre os anos 1990 e 2000. No decorrer dos anos, a experiência da Lei Rubem Braga pôde ser expandida para outros municípios do Estado, cada qual com suas particularidades. Os municípios de Vila Velha, Cariacica, Serra e Cachoeiro de Itapemirim já possuem leis municipais de incentivo à cultura e, ainda que essas leis ainda não tenham um aporte de recursos suficientes para impulsionar o setor na ponta da profissionalização, dão conta de atender uma demanda de produção de cinema local e iniciante. Apesar do pioneirismo, a Lei Rubem Braga de Vitória está ficando para trás no que tange à atualização do mecanismo de fomento. Um dos maiores gargalos das leis de incentivo baseadas no modelo de renúncia fiscal é a dificuldade dos proponentes em acessar grandes empresas incentivadoras dispostas a realizarem a operação. Para resolver esse problema, os municípios de Cariacica e Serra fizeram alterações nas suas respectivas leis, transferindo a responsabilidade do repasse de recurso para a própria prefeitura e evitando que projetos contemplados não sejam realizados por desistência das empresas incentivadoras ou por problemas na operação. A Lei Rubem Braga, além de tudo, encontra-se, há dois anos, congelada. Desde então, a prefeitura de Vitória vem sendo cobrada pelos setores culturais, mas alega que enquanto existirem projetos pendentes 42

de prestação de contas, o município não irá reabrir o edital. Nos últimos três anos da lei, foram captados cerca de R$ 5,5 milhões via renúncia fiscal, distribuídos em 207 projetos, sendo apenas 13 ligados ao setor de cinema e audiovisual. De 1994, quando a lei entrou em vigor, até 2012 foram cerca de 200 projetos aprovados na categoria Cine/Foto/Vídeo. O último edital a ser disponibilizado pela prefeitura data de 2015 e não selecionou nenhum projeto na área de cinema e audiovisual. Situação das leis municipais de incentivo à cultura da Região Metropolitana da Grande Vitória: Lei Rubem Braga – Município de Vitória: Lei Municipal nº 3.730 criada em 1991 permite às empresas que participam do processo descontar 20% do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e/ou do IPTU devido por contribuintes do município, sejam eles pessoas físicas ou sejam jurídicas, para o incentivo de obras, preferencialmente ligadas à cultura do Município, devendo o proponente ser pessoa física ou jurídica domiciliada em Vitória. Desde 2015, a lei não abre edital e a prefeitura alega problemas nas prestações de contas de projetos contemplados nos anos anteriores. Lei Chico Prego – Município de Serra: Lei Municipal nº 2.204, em exercício desde 1999, também permite a dedução do ISSQN em troca de investimentos nos projetos culturais propostos. Nesse caso, o desconto pode ser de até 50% da dívida do contribuinte, sendo que o valor investido pelo patrocinador é integralmente recuperado. Em 2017, a lei sofreu alteração modificando a forma de pagamento dos projetos contemplados, passando para


o município a responsabilidade de fazer o repasse diretamente aos postulantes. A alteração ainda está em análise na Procuradoria Geral do Município e em 2017 não haverá abertura de edital. Lei João Bananeira – Município de Cariacica: Lei Municipal nº 4.368 prevê a concessão de incentivos fiscais pela dedução do ISSQN devido por qualquer contribuinte do município, sendo ele pessoa física ou jurídica. Ativa desde 2005, a lei diz que o contribuinte pode descontar até 20% dos encargos devidos e a lei dá prioridade a projetos que tenham ligação com a cultura de Cariacica, mas não há restrição quanto à origem do proponente. Em 2015, esta lei passou por uma alteração para que os recursos fossem de repasse direto ao contemplado, tornando-se então

a Lei Municipal de Incentivo Financeiro à Cultura “João Bananeira”, com previsão do lançamento do terceiro edital neste formato ainda em 2017. Lei Vila Velha Cultura e Arte – Município de Vila Velha: Lei Municipal nº 4.573, promulgada no ano de 2007. Consiste na dedução do ISSQN e/ou do IPTU devidos por contribuintes municipais, pessoas físicas e jurídicas, através de Bônus Culturais. A renúncia fiscal pode variar de 20% a 100% de acordo com o valor do imposto devido. Em 2016, a lei passou a se chamar Lei Homero Massena, por sugestão do Conselho Municipal de Cultura. Apesar da mudança no nome, no momento a lei está suspensa devido a problemas na prestação de contas de projetos contemplados nos anos anteriores.

Reunião do Conselho Estadual de Cultura do Espírito Santo /Foto: Ascom-Secult-ES.

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Imagem de “Deriva”, websérie da Ciano Filmes / ver matéria na página 45.


Por uma janela maior na TV pública A viabilização de um arranjo envolvendo a TVE-ES e a Ancine é um dos caminhos para se fomentar a produção audiovisual capixaba

Carolina Ruas

A sofisticação do desenvolvimento da produção audiovisual no Brasil passa, inevitavelmente, pela necessidade de se diversificarem formatos e ampliar o alcance da produção independente para múltiplas telas. A partir dos anos 2010, a mudança de paradigma do setor está ligada fortemente ao avanço do audiovisual nacional nos mercados de televisão e serviços on demand. É verdade que a televisão brasileira constitui um mercado forte que exibe conteúdo nacional em larga escala desde os anos 1970. Ao mesmo tempo, este mercado nunca esteve aberto à produção independente, devido a seu caráter altamente concentrador. Apenas recentemente é que surgem algumas políticas públicas que vão garantir a presença de conteúdo nacional nas grades dos canais de TVs, como a Lei da TV Paga (Lei nº 12.485/2011) que determina uma cota de produção independente na programação, e o surgimento do Programa de Apoio ao Desenvolvimento ao Audiovisual Brasileiro (Prodav) da Ancine, com linhas de incentivo específicos para a produção de obras seriadas, telefil-

mes, documentários e ficções com foco no mercado de televisão. O regulamento geral do Prodav contém inúmeras formas de incentivo, da produção ao licenciamento de conteúdos e, inclusive, prevê um módulo de desenvolvimento regional, em que o suporte financeiro é destinado a arranjos regionais articulados entre governos estaduais, televisões e outras instituições locais. Especificamente as chamadas Prodav 01 e Prodav 02 têm o foco na produção de conteúdo para televisão. Em outras palavras, essas linhas simbolizam uma oportunidade para aquecer a produção de conteúdo local para a televisão no Espírito Santo, uma conversa já iniciada entre as entidades, a ABD Capixaba, a Secult-ES e a TV Educativa do Espírito Santo (TVE-ES). Historicamente, a TVE-ES, como emissora pública e de concessão educativa, é a única emissora local com abertura para a exibição de produção independente, por meio de alguns programas como o Curtavídeo, dedicado à exibição do curtametragem, porém sem remunerar os realizadores por essa veiculação. Apesar de sofrer um processo de sucateamento há 45


muitos anos, a TVE continua mantendo uma linha de programação que dá espaço e liberdade ao conteúdo capixaba e, portanto, visualiza nesse módulo de arranjo local do Prodav uma forma de qualificar ainda mais essa atuação e, de fato, tornar-se uma agente no mercado audiovisual local. Segundo Geraldo Magela, Diretor -Presidente da Rádio e TV Espírito Santo, desde o final de 2016 que a TVE-ES está construindo uma parceria com a Secult para acessar esses recursos da Ancine que vão permitir a abertura de editais específicos para a produção de conteúdo para a grade de TV. “A partir do momento em que essa linha é lançada, isso transfere a possibilidade da TVE ser mais protagonista nesse processo, não somente uma exibidora”, comenta Magela. De todo modo, a articulação parece estar longe de chegar às vias de fato. O investimento da Ancine depende da organização local e da partilha de responsabilidades entre as partes. No arranjo capixaba, a expectativa é de que o Governo Estadual – por meio da Superintendência Estadual de Comunicação Social (Secom), a quem a TV está submetida – ofereça um aporte inicial para que a Ancine complemente com recursos do FSA (ver exemplo da TVE da Bahia na matéria da página 22). A Secult seria a responsável por atuar na

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elaboração dos editais públicos para a produção desse conteúdo junto com a TVE -ES, que fica responsável por arcar com o licenciamento e com a exibição das obras produzidas a partir deste edital. Olhando a distância, o arranjo regional capixaba tem muitas chances de prosperar, mas para caminhar, antes de tudo, é preciso que as instituições estejam organizadas para iniciarem essa operação. Segundo informações da Ancine, a negociação emperrou na fase de consulta prévia, quando foi constatado que o registro da TVE-ES na agência estava irregular, de modo que a instituição ficou legalmente impedida de fazer qualquer parceria. A Secult-ES aguarda a sinalização da Ancine, enquanto que a TVE-ES garante que está se movimentando para que ainda em 2017 tenhamos boas notícias sobre o arranjo. Enquanto a nova realidade do mercado de conteúdos para a televisão e a presença dos recursos da Ancine nos demais estados da federação avançam e já começam a mostrar os sinais do aquecimento no sentido de alavancar uma indústria brasileira competitiva e sustentável, fica cada vez mais nítida a impressão de que o Espírito Santo precisa fazer o dever de casa para começar, ao menos, a aparecer no mapa da produção audiovisual do Brasil.


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A vez e a hora das séries Obras audiovisuais em formato seriado têm ganhado cada vez mais público e janelas de exibição e viabilizado a sustentabilidade econômica da produção independente. Experiências capixabas mostram que as séries são um espaço fecundo para experimentação de linguagem e veiculação das mais diversas temáticas

Leonardo Vais

Se para você maratona é apenas uma corrida de longa distância, as suas definições sobre o termo precisam ser atualizadas. Brincadeiras à parte, maratona também é o hábito de assistir a vários episódios de uma série em sequência. A prática ganhou força com a popularização, nas últimas décadas, de produções, hoje clássicas, como Friends e Sex and the City, além de sucessos contemporâneos como Grey’s Anatomy, House of Cards e Game of Thrones. A forma como os espectadores foram mudando o hábito de consumir programas de televisão aconteceu de forma significativa a partir da popularização e qualidade da internet. Os serviços de streaming são uma ferramenta decisiva para esta mudança. Cada vez mais o público brasileiro se adapta às mudanças e a novos suportes como computadores, smartphones e tablets, além do próprio aparelho de TV. A tecnologia streaming permite que se acompanhe a transmissão de um evento ao vivo – como um show – ou, no formato on demand, em que o usuário pode escolher quando, onde e o que pretende assistir. As duas formas mais populares de con-

sumo on demand no Brasil são a Netflix e o Youtube. O Brasil foi o primeiro mercado internacional da Netflix, que chegou aqui em 2011. A série 3%, thriller de ficção científica pós-apocalíptico, foi a primeira produção brasileira original desenvolvida para o canal. Lançada em 19 países, 3% é a série de língua não-inglesa mais assistida nos Estados Unidos, além de um bom desempenho na Austrália, Canadá, França, Itália, Coreia do Sul e Turquia. Já o Youtube é o espaço mais democrático tanto para o consumo quanto para a produção de conteúdo. Tudo pode ser encontrado ali: de culinária a vídeos de pegadinha, de programas religiosos aos canais dos Youtubers, além de produções audiovisuais seriadas ou, como são popularmente conhecidas, as webséries. Tendo a web consolidada como uma plataforma de veiculação da produção audiovisual, cada vez mais e mais produtores foram se aventurando na produção de conteúdo. Além disso, o fomento público realizado por meio de editais de cultura e a implementação da Lei da TV Paga (Lei nº 12.485/2011) democratizaram a produção e

Nas páginas 45 e 46, imagem da série audiovisual “Fagulha”, do Assédio Coletivo com o Bonde - Núcleo Móvel.

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o acesso a essas obras. Essa nova legislação determina que todos os chamados canais de espaço qualificado devam veicular um mínimo de 3h30 de conteúdo brasileiro semanalmente em horário nobre, sendo metade de produtora independente. Vale um adendo: de acordo com dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), em 2016, foram registradas 3007 horas de obras independentes, sendo 68% de obras seriadas. O mercado de conteúdos para a televisão ou para serviços on demand, especialmente em formato seriado, tem se mostrado crescente e capaz de alavancar a indústria audiovisual brasileira traçando sustentabilidade econômica para o setor. Catalisada pelos investimentos públicos, a produção de séries tem possibilitado que as produtoras independentes desenvolvam obras audiovisuais visando uma carreira comercial que era bem restrita há alguns anos. Essa nova realidade tem impactado positivamente na gestão e organização da produção audiovisual independente. Novos filhos da web Uma das primeiras webséries produzidas no Espírito Santo foi o Filossofá, idealizada e dirigida por Marcos Luppi. A websérie era um talk show itinerante, que tinha como cenário um sofá laranja que era deslocado a cada episódio para um cenário que dialogava com o tema e o entrevistado, podendo tanto ser as dunas de Itaúnas quanto uma avenida movimentada. Nas entrevistas, filosofia, poesia e humor pastelão para tirar o bate-papo do lugar comum. “A ideia do Filossofá, surgiu quando eu estava pensando, aos 21 anos, em uma TV on-line. Com quatro episódios lançados 50

entre 2010 e 2011, este ‘talk show’ itinerante veio como a 17ª e última ideia para fechar o quadro de programação da TV ou canal on-line” explica Luppi. Para ele, a ideia era criar algo inusitado. “Levar um sofá para ambientes externos causa estranheza e a estranheza nos faz sempre repensar”. O primeiro ano da série foi resultado do projeto de pós-graduação de Marcos. Os episódios do Filossofá passaram a integrar o conteúdo on-line do programa de rádio Vice Verso, veiculado na Rádio Universitária 104.7 e apresentado, à época, por Jamille Ghil e Ítalo Galiza, parceiros do diretor na produção. O programa foi oferecido para dois canais de televisão antes de ir para a internet. Hoje, sete anos depois, Luppi acredita que o resultado do projeto talvez não fosse tão original e moderno se tivesse se consolidado na TV. “A linguagem teria que ser menos. Menos experimental, menos abusada na montagem. A TV, depois dos anos 1990, ficou careta na linguagem de enquadramentos e cortes. Tá tudo igual e bonitinho. A ideia era abarrotar de metalinguagem entre a narrativa, a linguagem, o tema, o cenário, o entrevistado e a entrevistadora. Não sei se na TV seria um lugar pra isso”. Para ele, a televisão perde cada vez mais espaço para a internet. Isso em função do mundo contemporâneo que desestabilizou a rotina a partir da evolução tecnológica e, consequentemente, cultural. “O óbvio já não me segura olhando para TV. Eu tenho meu smartphone na minha mão, posso consultar agora, talvez ao vivo, o que meu ídolo está falando, comendo, lendo, trepando, lá nos lives do Instagram, por exemplo. Então, não é só uma questão de programação, não é só uma questão de


interatividade, não é só uma questão de infinitas plataformas, não é só uma questão de originalidade. É tudo isso junto e numa perspectiva sem fórmulas concretas do que se pode ou não se pode fazer”. Regionalizando a produção televisiva Um dos destaques da produção audiovisual é a oportunidade de transversalizar conteúdos. Apresentar um olhar sobre a cultura de cada região ganha nova dimensão a partir da produção de filmes e séries, o que oxigena narrativas, amplia o alcance da cultura local e torna seus produtos finais ainda mais interessantes. Para estimular essa diversidade na telinha e contribuir com produção de conteúdos regionais, o Fundo Setorial do Audiovisual lançou as chamadas Prodav TVs Públicas em 2014 e 2015. Do Espírito Santo, dois trabalhos foram selecionados por essas chamadas: Zora Curiosa, da Ventania Produções; e

Habitação Social – Projetos de um Brasil, da Pique-Bandeira Filmes. Idealizada por Maria Grijó e Diego de Jesus, a série de ficção Zora Curiosa é um retorno às memórias de infância da dupla e conta com 27 episódios de dois minutos. “A ideia surgiu de uma vontade nossa de produzir algo para crianças que remetesse às produções que nós víamos quando pequenos e também em abordar as brincadeiras do nosso estado e mostrá-las para crianças de todo o país”. Em fase de produção, a série documental Habitação Social – Projetos de um Brasil é uma coprodução entre as produtoras Pique-Bandeira Filmes e A Flor e a Náusea, de São Paulo, e trata de diferentes projetos de moradia de interesse social. Com ideia original e direção geral de André Manfrim, os 13 episódios de 26 minutos desenrolam em ordem cronológica uma história da habitação social no Brasil.

Bastidores da série “Habitação Social - Projetos de um Brasil”, co-produção entre as produtoras Pique-Bandeira Filmes (ES) e A Flor e a Náusea (SP) / Foto: Lucas Eskinazi.

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“A ideia nos foi apresentada pelo André e pela equipe da produtora paulista ainda em fase de desenvolvimento. A partir daí trabalhamos juntos no projeto e na estrutura da série”, explica Vitor Graize, codiretor do projeto e fundador da Pique-Bandeira. Segundo Vitor, a oportunidade de se realizar um trabalho em parceria permitiu à equipe a possibilidade de ampliar o olhar sobre o processo de produção. “A coprodução é um exercício de escuta e de compartilhamento. Nesse caso, como a equipe é composta por profissionais sediados em Vitória e em São Paulo, necessitávamos de uma base de produção e uma equipe de produção na capital paulista. Foi muito importante nesse sentido e também no desenvolvimento da série”. Além da oportunidade de chegar a “outros brasis”, ser contemplado por um edital público garante condições de trabalho mais potentes para os realizadores. “O prêmio para a produção da série nos obrigou a planejar o trabalho em função desse projeto pelos próximos dois anos, pelo menos. Também tivemos a possibilidade de investir na estrutura da produtora, pois a produção da série simultaneamente a outros projetos que vinham sendo realizados nos exigia uma estrutura mais ampla. O prêmio para a produção nos deu também tranquilidade, pois uma das principais questões da produção audiovisual é a dúvida se teremos recursos para produzir os próximos projetos e consequentemente manter a estrutura criada”, diz Graize. Maria Grijó e Diego de Jesus consideram estas iniciativas fundamentais para dar visibilidade e incluir produtoras de outras regiões do país no mapa da produção audiovisual. “O edital de produção para 52

TVs Públicas, que só teve duas edições infelizmente, é ainda mais importante nesse processo já que, por ter se mostrado mais diverso do que as outras linhas e não ser voltado exclusivamente para uma produção comercial, acabou por se tornar uma porta de entrada para as produtoras de estados menos tradicionais”. Para Vitor Graize, os editais são uma forma de democratizar a programação televisiva, além da oportunidade de empresas independentes terem alcance e representatividade em todo o território brasileiro. “Acredito que as diferenças não se dão em função do público x privado, mas principalmente pela linguagem específica do meio: a televisão. Além disso, o que certamente mudaria seria a possibilidade de uma empresa produtora independente situada no Espírito Santo produzir uma série de abrangência nacional. Essa é uma das principais qualidades dos editais de TV – não só públicas, pois há linhas de fluxo contínuo e outras para as TVs privadas – do Fundo Setorial do Audiovisual, abrir espaço para produções independentes situadas fora do eixo econômico e político do audiovisual brasileiro. Assim, a TV ganha novas vozes, novos sotaques e formas de olhar o mundo. Essa é a principal importância do Fundo Setorial do Audiovisual”. Janelas para diversos assuntos No Espírito Santo, uma variedade de séries foi aparecendo nos últimos anos. Música, mobilidade urbana, questões de gênero, coletivos culturais, todos os temas cabem no formato e a maior parte desses projetos usam a internet como plataforma para circulação. Deriva Sessions e Pedal, da Ciano Filmes, são dois bons exemplos


Imagem da websérie “Deriva”, da Ciano Filmes.

disso. O primeiro projeto reúne dois músicos – também diretores – para falar sobre música instrumental. A ideia surgiu pela carência de espaços para tratar o assunto. “Os programas de cultura no rádio e na TV são raros e não conseguem abarcar em profundidade a produção de música autoral e instrumental. Deriva desponta, então, como um espaço importante para ecoar a produção autoral da música instrumental capixaba, primando por vídeos com alta qualidade na captação do som e da imagem, sendo uma forma de qualificar também o material de divulgação dos músicos envolvidos”, explica Luanna Esteves, produtora e diretora da série. De acordo com ela, a escolha pela internet é por ser um território acessível para se difundir e se democratizar a arte, além de ser um caminho para aproximar o público do compositor. “A internet é o espaço para democratizar o acesso aos conteúdos, diferente da TV que se limita a estabelecer uma comunicação unilateral. São mídias

diferentes, apesar de a internet pautar cada vez mais as linguagens e narrativas da TV”. Deriva fez sua estreia em 2016, conta com seis episódios e foi produzida com recursos do Fundo Estadual de Cultura (Funcultura), por meio do Edital de Projetos Culturais Setoriais de Música. O formato seriado foi escolhido pela oportunidade de ampliar o número de personagens do programa, além de detalhar seus trabalhos. “A proposta é apresentar a obra de compositores diferentes, num formato que permita a exibição de, pelo menos, duas de suas músicas e um bate-papo descontraído. Tendo um formato predefinido, conseguimos transitar por diferentes contextos, sonoridades, sem perder a identidade da série”. Já Pedal, série ainda inédita, surgiu após a viagem do diretor Ramon Zagotto pela Holanda e a percepção das bicicletas como meio de transporte. “Mudei para Vitória e a distância do meu deslocamento diário passou a ser humanamente possível 53


de ser percorrida de bicicleta. A partir daí comecei a pensar o porquê de não existirem muitas pessoas fazendo isso, já que é relativamente fácil se deslocar de bicicleta por Vitória. Daí surgiu a ideia da série. Eu queria investigar essa questão e, principalmente, estimular outras pessoas a começarem a pedalar”. O trabalho inicialmente foi pensado como série em função de um edital público. À medida que o projeto foi sendo desenvolvido, a produção seriada foi sendo uma alternativa para várias possibilidades de veiculação para além da internet. “Fomos desenvolvendo o projeto e consolidando-o como série pensada também para a exibição em canais de televisão. No nosso caso de série documental, acredito que o fato de você poder dividir um produto em episódios torna-o mais didático para o público. Desse modo, ele também pode selecionar e consumir apenas o que julgar mais interessante dentro da obra completa”, explica Ramon. Os dois diretores afirmam que os editais são fundamentais para fomento da produção audiovisual autoral. “Toda produção audiovisual é custosa, precisa de dinheiro para garantir um resultado final com boa qualidade de captação e finalização, ainda que para a internet. O Deriva traz um conteúdo naturalmente ‘nichado’, não é todo público que se interessa. No meu entendimento, ele tem vez na TV paga e na internet. E quem banca o piloto da TV paga, senão edital? E quem banca produção pra internet com um conteúdo mais direcionado, senão edital?”, pergunta Luanna. Para Ramon, este tipo de financiamento se torna importante pela qualidade do produto apresentado, além do fazer ar54

tístico. “No nosso contexto, é bem difícil conseguir produzir uma série autoral completa – com o mínimo de profissionalismo – sem recurso de edital ou lei de incentivo. A não ser que você tenha um merchandising poderoso envolvido ou uma equipe que compre sua ideia e dê o sangue pela obra”. E acrescenta: “O mais importante desses financiamentos é que eles dão a oportunidade de os produtores desenvolverem suas obras sem a necessidade do apelo comercial, o que torna a expressão artística mais autêntica e as motivações políticas mais verdadeiras”. Espaço para ativismo Abrir caminho para que outros coletivos da Grande Vitória ganhem visibilidade. Esta é a proposta da série Fagulha, que está disponível no Youtube, uma parceria do Assédio Coletivo com o Bonde – Núcleo Móvel. “A websérie vem na tentativa de dar conta das produções de coletivos culturais que em sua maioria estão à parte das grandes mídias ou das linhas de financiamento que existem para projetos. Entendemos que deveríamos utilizar da nossa capacidade de espalhar conteúdo, por se organizar em rede, para poder mostrar possibilidades de transformação de realidades de coletivos que em sua maioria atuam territorialmente ou de forma desterritorializada em periferias”, explica Guilherme Rebêlo, o produtor do Assédio Coletivo e do Bonde – Núcleo Móvel de Comunicação. Lançada no final de 2016 e composta por quatro episódios, Fagulha foi produzida com recursos do Funcultura por meio do Edital de Coletivos Artísticos Juvenis. O momento de afirmação da identidade enquanto mulher negra foi o pontapé


para a produtora cultural Charlene Bicalho produzir a websérie Raiz Forte. “Assim como a maioria das mulheres negras que passam por esse processo, as buscas por minhas identidades iniciaram a partir do momento que resolvi assumir meus cabelos crespos. Depois disso passei a buscar outros espelhos, identidades, me recriar, me remontar”. A identificação de outras mulheres levou Charlene a pensar no trabalho. “O reflexo imediato de outras mulheres ao se depararem com meu corpo, me despertou a necessidade de comunicar com um número maior de pessoas sobre as questões que perpassam todas as instâncias de nossas vidas e que tinham em comum o cabelo como fio condutor. Daí, surgiu a ideia de criação da websérie enquanto plataforma para narrativas em primeira pessoa”. Composta por três episódios, Raiz Forte aborda a relação de mulheres com sua negritude a partir do cabelo nas fases da infância, adolescência e vida adulta. Realizada em 2012, essa websérie foi contemplada pelo Edital de Websérie do extinto Programa Rede Cultura Jovem. Em 2016, essa primeira experiência se desdobra na websérie Mulheres de Raiz Forte com perfis de mulheres de diferentes estados brasileiros que explicitam o modo singular como cada uma delas assume sua negritude nos dias atuais. Para Charlene, as webséries são um caminho para se chegar direto ao público. “Um formato série destinada à internet nos proporciona uma flexibilidade no desenvolvimento do trabalho, sem regras, restrições e exigências geralmente impostas por emissoras, por exemplo, nos permite também trabalhar com episódios menores,

gratuitos, alcançando assim uma resposta imediata do público”. Segundo Guilherme, as webséries são a possibilidade de se produzir um material que “se aproxima da linguagem da TV e apresenta uma narrativa de fácil acesso tanto pelo tamanho de cada um dos episódios, quanto pela rapidez com que os conteúdos podem ser assimilados. A internet reinventa várias possibilidades de interação e difusão de conteúdos que a TV nunca deu conta justamente por ser um formato de poucos para muitos. Mas não são independentes, porque um reverbera no outro”. MEMÓRIA: Telecontos Capixabas A literatura sempre foi uma fonte de inspiração para as produções audiovisuais. Não é de hoje que a televisão e o cinema mantêm um caso de proximidade com o universo literário. São vários filmes e novelas de sucesso adaptadas de um livro, uma peça, um conto ou um poema. Entre 1984 e 1985, a TV Educativa do Espírito Santo flertou com a obra de autores que produziam no estado e produziu a série Telecontos Capixabas. O programa, idealizado e dirigido por Toninho Neves, levou ao ar 12 programas que tinham em média 40 minutos, divididos em dois blocos, e apresentavam a produção literária capixaba na televisão. “Isso era muito importante: todos eram autores capixabas. Passamos entre oito meses e um ano gravando esse trabalho”, relembra Gerusa Contti, atriz e produtora do programa. De acordo com Gerusa, a ideia de realizar os Telecontos Capixabas surgiu a partir da produção de outro programa que era realizado na emissora chamado Periquito Maracanã. “Os telecontos foram 55


uma sequência de um trabalho que Toninho Neves fazia na TV Educativa. Daí em diante, a gente viu que poderia fazer um trabalho maior, melhor e mais bem feito. Toninho, que era cineasta, tinha estudado na Rússia e estava à frente do departamento de criação da TV na época e sugeriu essa pauta”, relembra ela. Os programas eram produzidos com recurso da própria TVE. A equipe era formada por Toninho Neves, diretor geral; Gerusa que, além de produzir e adaptar, também atuava ao lado de Vera Viana; Cristina Valadão e Denize Martins. A série adaptou textos de autores como Ricardo Conti, Alvarito Mendes Filho e do próprio

Toninho Neves, além de contar no elenco com os atores José Augusto Loureiro, Markus Konká, Márcia Gáudio, Luiz Tadeu Teixeira, entre outros. Para Gerusa, a produção dos programas é a prova de que as tevês educativas podem ser uma vitrine e um espaço de valorização dos artistas locais. “Além de ser a adaptação de textos de autores capixabas, o trabalho envolveu grande parte dos artistas capixabas, dos atores capixabas. A importância deste trabalho é que uma TV pequena, uma TV regional, pode fazer um trabalho bom, ela pode levantar o trabalho literário de uma cidade e dos artistas daqui”.

Nesta e na próxima página, imagens de um dos episódios dos “Telecontos Capixabas”, produção dirigida por Toninho Neves e veiculada na TVE-ES nos anos 80.

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Um jeito diferentão e contemporâneo de fazer cinema Mostra Paralela traz filmes produzidos e distribuídos de forma inventiva e pouco convencional. Essas experiências de realização cinematográfica indicam possibilidade de novos caminhos para novos realizadores

Miguel Filho

Em um quarto na cidade de São Paulo um jovem cineasta está em frente ao computador. Preocupado com a produção do próprio filme, que a cada dia parece impossível de se realizar, ele tenta descobrir como arranjar dinheiro, equipe, elenco etc. É ali, em frente à web, que ele faz sua pesquisa. Busca editais? Leis de incentivo? Patrocínio de grandes empresas? Não. Ele busca perfis de Facebook e colaboradores virtuais. Foi assim que nasceu o curta-metragem Quando Parei De Me Preocupar Com Canalhas, de Tiago Vieira, um dos filmes da Mostra Paralela da 12ª Mostra Produção Independente – Aldeias, seção que busca apresentar os caminhos inovadores trilhados por diretores de diferentes lugares para resolver seus problemas de produção. Além dele, há trabalhos de outros realizadores como Eliza Capai, documentarista responsável pelo média-metragem #Resistência; e Sofia Amaral, diretora de Casa da Xiclet; que trazem histórias que têm em comum um expressivo posicionamento político e a busca por estratégias alternativas, seja na produção, seja na distribuição. E isso Tiago Vieira entende bem. Foi lá em 2008 que, ao ler uma edição da revis-

ta Piauí, o cineasta se apaixonou pela história em quadrinhos do artista Caco Galhardo. Na HQ, um homem entra em crise ao se desiludir politicamente e perceber que, mesmo em lado antagônico, agia de forma tão radical quanto os conservadores que desprezava. Não demorou para que Tiago escrevesse um argumento e pedisse a autorização de Galhardo. Com o aval positivo do quadrinista era só tocar o barco e realizar o filme. Bem… mais ou menos… Com uma conta de produção praticamente zerada, o cineasta quebrou a cabeça para encontrar uma forma de sustentar o projeto. O primeiro passo a ser descartado foi a busca por um edital público. “Não fazia sentido pedir apoio a um órgão público sendo que o quadrinho inclusive criticava esse sistema”, pondera Tiago. Segundo o realizador, o próprio Galhardo colocou esse posicionamento como uma condição para liberar os direitos da HQ. Daí, veio uma caminhada por empresas parceiras. Um caminho que acabou resultando em zero retorno. Foram tantas idas e vindas que somente em 2013 apareceu uma solução que parecia ser a luz no fim do túnel (ou na futura sala de projeção): o crowdfunding. 59


Crowdfunding é uma expressão em inglês que representa o financiamento coletivo. Funding significa financiamento e crowd, multidão. Ou seja, o financiamento feito pela multidão. De forma prática, o idealizador do projeto abre uma conta em um site que organiza esse financiamento e pede doações do público em troca de recompensas da produção. No caso de Quando Parei De Me Preocupar Com Canalhas as recompensas foram quadrinhos exclusivos de Caco Galhardo. “Foi uma forma de começar a produção, mas, lógico, que não dá pra arrecadar o mesmo que um edital. Pra ter uma ideia, o orçamento original era de R$ 80 mil e tive que cair para R$ 35 mil. O crowdfundind foi uma ferramenta fundamental, mas não pagou o filme todo. Serviu para o transporte e alimentação”, revela Tiago. Mas se o financiamento coletivo não pagou toda a produção, como o cineasta conseguiu reunir uma grande equipe e ainda um elenco de peso (no curta estão Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos e Otto)? No filme, o protagonista João vive uma série de rupturas amorosas, profissionais e de amizade. Na produção, Tiago Vieira viveu o contrário. Foi agrupando pessoas, amigos e parceiros de forma colaborativa, ou seja, profissionais que trabalharam por acreditar no projeto, sem receber pelo mesmo. O primeiro passo para essa onda de colaboração foi encontrar o protagonista, Matheus Nachtergaele. Sabe onde? No Facebook. Foi na rede social que Tiago achou um perfil do ator e, mesmo sem saber se era real, enviou uma mensagem sobre o projeto. E não é que Matheus respondeu? Não só respondeu como também entrou de cabeça no curta-metragem. Além de prota60

gonizar o filme, ele ainda trouxe o músico pernambucano, e agora ator, Otto para o set de filmagem. “O apoio do Matheus foi fundamental para que as pessoas se empolgassem ainda mais com o projeto. Assim, foi aparecendo uma equipe maior do que eu esperava”, comemora o cineasta. Com Paulo Miklos, o convite também foi feito na cara e na coragem. Uma colega de produção conseguiu o telefone do músico e Tiago ligou. O convite foi aceito assim que Miklos soube que contracenaria com Nachtergaele. “Ele falou que era fã do Matheus e perguntou se teria alguma cena com ele (risos)”. E assim o filme finalmente saiu do papel e ganhou as telas em 2016. Uma jornada de oito anos que só foi possível por causa do apoio coletivo. “O meu filme só saiu porque encontrei pessoas que colaboraram. Ainda é muito difícil fazer cinema independente no Brasil”, conclui Tiago. Hoje o curta já reúne passagens pelos principais festivais do Brasil e do mundo, incluindo Espanha, Reino Unido, Turquia e Portugal. Fomos a festivais e vieram as premiações. Destaque para os prêmios de melhor roteiro e melhor ator no Festival de Gramado, além dos prêmios de melhor filme do júri, melhor filme do público e melhor ator no Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro. Uma colaboração para falar de colaboração Quem também teve a experiência de fazer cinema fora do auxílio de grandes editais foi a cineasta Sofia Amaral ao produzir e dirigir o média-metragem Casa da Xiclet, uma produção difícil que trouxe uma realização não só profissional, mas


também pessoal. Isso porque a personagem retratada no documentário é também uma grande amiga da realizadora, a artista plástica Adriana Xiclet. No filme, acompanhamos como a artista capixaba, nascida em Linhares, radicou-se em São Paulo e lá montou a galeria de arte Casa da Xiclet. Um espaço em que acontecem exposições, espetáculos musicais, projeção de filmes, jogos, festas e oficinas, mas que também é a residência da artista. Tudo aberto ao público. Quem vai ao espaço visita não só uma galeria, mas realmente a casa da Xiclet. E lá pode trocar ideias, participar de encontro de amigos de Adriana e conviver com o fazer artístico de diferentes criadores, enfim, entrar em contato com a experiência de viver arte. E se o filme fala de uma pessoa que leva o sentido de colaboração para todos os dias da própria vida, o crowdfunding se tornou a melhor forma de levantar fundos para realizá-lo. “A gente até tentou alguns editais, mas a Xiclet tem resistência. Ela é meio avessa a esse sistema. Ela é underground. Aí, pensamos: a Xiclet tem tantos admiradores, tantas pessoas visitam o espaço… Por que não tentar um financiamento coletivo?”, explica Sofia. Não só tentaram como conseguiram. Com o dinheiro arrecadado foi possível pagar as passagens para as locações do filme (São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Linhares), custos de produção e ainda um cachê simbólico para a equipe que contou com profissionais do Espírito Santo. Entretanto, Sofia confidencia: o filme foi feito por amor. Um ano envolvida com o projeto sem receber nada por ele. “Eu sobrevivo porque tenho outros trabalhos,

mas do filme mesmo eu não recebi nada. Na verdade, gastei”, conta aos risos. E é com esse pensamento coletivo que o projeto seguiu seu caminho. No média, acompanhamos diferentes depoimentos sobre Xiclet. Amigos, admiradores, artistas e público trocam impressões que são colocadas em contraponto aos depoimentos da própria protagonista. É como se o telespectador estivesse ali com Adriana, vivenciando cada fase da consolidação de sua casa-galeria. Também participam do filme a família de Xiclet e o artista plástico Nelson Leirner, um dos ídolos de Adriana. Uma forma de identificarmos de onde veio e o que almeja a personagem, sua raiz e seu sonho, cada uma das fontes, da sua forma, transformadas em motivações para a sequência de sua residência e obra de arte. Em certo momento do filme, a irmã de Xiclet chega a falar que esperava que a irmã tivesse aproveitado mais o sucesso do espaço para uma economia própria, mas logo à frente somos confrontados pela fala da protagonista em um diálogo com Nelson Leirner. Quando o assunto é a sobrevivência, Xiclet afirma que, além da galeria, também conta com as colaborações voluntárias de amigos a quem ela não hesita em pedir. Revelando que já praticava no dia a dia a ideia que tornou possível a realização do média: o crowdfunding. A obra só foi possível mesmo, segundo a diretora, porque, além do crowdfunding, apareceram colaboradores em diferentes fases do filme. “Como as imagens de arquivo dos primeiros anos da casa. Só conseguimos isso porque as imagens nos foram cedidas de forma afetiva. Sem essas imagens o filme não seria o mesmo”, co61


memora Sofia. Entre esses colaboradores está uma equipe formada por profissionais do Espírito Santo que tornou possíveis as filmagens nas locações capixabas. Agora, o média-metragem faz o circuito de festivais e sua idealizadora pensa em possibilidades para dar sequência à carreira do filme: “Pensamos em talvez negociar com canais de TV paga e também com plataformas digitais”, uma forma de fazer com que mais pessoas possam ter acesso ao universo alternativo e possível de Xiclet. Resistir ao convencional E se, de um lado, os realizadores estão descobrindo novos meios de produção e captação; do outro, cineastas também inovam na difusão e no lançamento de suas obras. Assim ocorre com #Resistência, filme de Eliza Capai, um média-metragem que documenta as ocupações de órgãos públicos que se deram em diversas partes do país no momento do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. No início do governo interino de Michel Temer, a ocupação da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo desencadeou no país uma série de outras ocupações, como a do prédio da Fundação Nacional de Artes no Rio de Janeiro e a da Assembleia Legislativa de Alagoas; cada uma com sua própria luta, sua própria bandeira. Negociando com esses grupos, Eliza teve acesso a esses locais e registrou momentos delicados e também importantes para o debate político no Brasil. Não por acaso, o filme ao ser finalizado não seguiu o circuito convencional de exibição. Ao invés de grandes festivais ou um circuito comercial, a diretora optou 62

por uma distribuição ainda mais democrática e colaborativa. Nada mais natural que uma obra, que questiona a grande mídia e se coloca contrária à cultura do autoritarismo e da misoginia, possa encontrar um caminho descentralizado e gratuito. Dessa forma, o filme é distribuído através da internet para diferentes grupos e ocupações. Para se exibir o média-metragem, basta ir até a plataforma digital em que o documentário está disponível, fazer um cadastro e, preferencialmente, realizar uma sessão seguida por um debate. Só na semana de lançamento, que coincidia com um ano do afastamento da presidenta Dilma, #Resistência foi exibido em mais de 70 lugares, incluindo exibições fora do país. O link da plataforma está na página oficial do filme no Facebook. Esses são exemplos de que o convencional possa não ser o único caminho a seguir, de que há novas formas de se pensar o cinema para realizadores que querem dialogar sobre o Hoje. Se vivemos um período em que vemos o crescer das guerras digitais pelas diferentes percepções políticas, é também nesse universo virtual que acompanhamos o crescimento do colaborativo, o qual torna possível a existência de pensamentos diferentes do que está instituído, como também uma forma de ser independente ao se pertencer a um coletivo.


12 mostra

a

produção independente

Aldeias CATÁLOGO

63


MOSTRA COMPETITIVA CAPIXABA

203

(Documentário, 18 min, 2016, 10 anos) Direção e Roteiro: Luana Cabral e Luciana GB; Direção de Produção: Ana Carolina Pagani; Produção Executiva: Luana Cabral; Direção de Fotografia: Luciana GB; Som Direto: Victor Neves e Januária Holmes; Montagem: Luana Cabral e Luciana GB; Edição de Som: Ricardo Ton, Victor Neves e Januária Holmes; Mixagem: Ricardo Ton; Trilha Sonora: Ricardo Ton e Lucas Côrtes; Design Gráfico: Fábio Baptista; Color Grading: Ramon Zagoto. O transporte diário das trabalhadoras domésticas das luxuosas mansões da Ilha do Boi.

Black Catolic Galactic

(Videoarte, 2 min, 2017, Livre) Direção, Roteiro, Direção de Produção, Produção Executiva, Direção de Fotografia, Direção de Arte, Montagem, Edição de Som: Henrique do Carmo; Trilha Sonora: Mariano Marovatto. O sofrimento torna alguém santo? Todos lembram de Cristo por causa do sofrimento. Mas quem lembra da mulher negra, mãe solteira, periférica? O sofrimento torna alguém santo?

C(elas) As Minas (Documentário, 18 min, 2017, Livre) Direção: Brunella Alves, Roteiro: Brunella Alves e Isabella Mariano; Direção de Produção, Produção Executiva, Direção de Fotografia: Brunella Alves; Som Direto: Victor Neves e Januária Holmes; Montagem, Edição de Som: Marcelo N. Reis; Mixagem: Ricardo Ton; Trilha Sonora: Mulheres - Bella Larbac, Mary Janes, P. Drita e Budah; Dolos - Drake Stafford, Fotografia: Áthilla Hércules e Marcelo N. Reis A participação feminina no cenério do hip hop, tomando espaço com todo o seu empoderamento.

(Documentário, 18 min, 2017, Livre) Direção e Roteiro: Gabriela Santos Alves; Direção de Produção: Melina Galante Leal; Produção Executiva: Maria Grijó Simonetti; Empresa Produtora: Ladart Produções; Direção de Fotografia: Ursula Dart; Som Direto: Alê Toledo; Montagem: Carol Covre; Edição de Som: Marcus Neves. Os meses finais da gravidez e os primeiros após o nascimento dentro de uma penitenciária. Exibido no 7º Social World Film Festival Itália (2017), 13º Women’s World Mostra Audiovisual (2017) – Florianópolis-Brasil e 6º Mic Género (2017) - México e Argentina.


Como areia do mar

(Documentário, 19 min, 2016, Livre) Direção, Roteiro, Direção Executiva, Montagem: Raphael Sampaio; Direção de Produção: Bipe Couto e Adryelisson Maduro; Direção de Fotografia: Willian Rubim; Som Direto: Lucas Danto; Edição de Som, Mixagem: Gabriela Sampaio e Ricardo Ton; Trilha Sonora: Deyvid Martins. Compilado de memórias de três idosas, onde suas histórias de vida se cruzam e se misturam a serviço de sensações múltiplas, refletindo suas dores, traumas e opressões vividas. Exibido no 23º Festival de Cinema de Vitória e no 28º Festival Internacional de CurtasMetragens de São Paulo.

Divina Luz

(Documentário, 15 min, 2017, 12 anos) Direção e Roteiro: Ricardo Sá; Direção de Produção: Monica Nitz; Produção Executiva: Monica Nitz e Ricardo Sá; Empresa Produtora: Interferências Filmes; Direção de Fotografia: Diego Navarro; Montagem: Luca Bonini; Edição de Som: Cons buteri. O pensamento vivo de Luz del Fuego, a bailarina naturista que balançou o Brasil nos anos 50. Exibido no Cine Ouro Preto ( MG/ 2017), Festival Internacional de Curtas de São Paulo (SP/2017), Festival Internacional de Curtas de BH (MG/2017), 24º Festival de Cinema Vitória (ES/2017), Festival Internacional de Cinema Experimental - DOBRA (RJ/2017), Festival L´Etrange - (Paris - França 2017) JacksonVille Documentary Film Festival (Florida - EUA /2017), Pirenópolis.Doc (GO/2017), Festival Luso Mundo (Bruxelas Bélgica/2017).

Córrego Grande, 13

(Documentário, 13 min, 2015, Livre) Direção, Roteiro, Direção de Produção, Direção de Fotografia, Som Direto, Montagem: Carol Covre; Produção Executiva: Vitor Graize; Empresa Produtora: Pique Bandeira Filmes; Edição de Som, Mixagem: Marcus Neves. Na rua Córrego Grande, eu e meus avós conversamos sobre fotografia e um futuro museu. Exibido no 27º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo, 23º Festival de Vitória, 16ª Mostra do Filme Livre (RJ/MG) e na Mostra Estadual Sesc de Cinema em 2017.

Entre

(Videoclipe, 4 min, 2016, Classificação Livre) Direção, Direção de Fotografia, Montagem: Tati W Franklin e Suellen Vasconcelos; Roteiro: Joana Bentes; Direção de Produção, Produção Executiva: Daiana Castilho; Empresa Produtora: FIlmes Fritos e PlanoB Arte e Projeto Videoclipe da música “Entre” da cantora Joana Bentes.


Espírito São

Hic

(Documentário, 26 min, 2016, Livre) Direção, Roteiro, Montagem: Léo Alves Ferreira; Direção de Produção: Lívia Egger e Marcela Mattos; Produção Executiva: Tania Caju; Empresa Produtora: Garupa Filmes e Caju Produções; Direção de Fotografia: Matheus Henrique Triunfo Costa; Som Direto, Edição de Som: Fernando Paschoal; Direção de Arte: Raphael Genuino e Fabiane Salume. Uma viagem sagrada pelo Espírito Santo que une cinco personagens em diferentes histórias de fé. Exibido no 23º Festival de Cinema de Vitória (2016).

(Experimental,15 min, 2016, 14 anos) Direção e Roteiro: Alexander Buck; Direção de Produção: Éder Formigoni; Produção Executiva: Magno Santos; Empresa Produtora: Finordia Produções Culturais Ltda.; Direção de Fotografia: Alexandre Barcelos; Som Direto: Fernando Boechat Paschoal; Direção de Arte: Thiago Lins; Montagem: Diego Navarro; Edição de Som, Mixagem e Trilha Sonora: Marcus Neves. O maratonista africano Wandijiru Kebebe é acometido por uma crise de soluços, transformando-o em um fenômeno midiático mundial. Seleção nos Festivais Zózimo Bulbul, Festival 11o CineBH, Festival de Cinema Fantástico POE, Festival Cine Clube Jacareí - Corvo de Gesso 2017. pique-bandeira filmes a p r e s e n ta

Frequência (Documentário, 5 min, 2014, Livre) Direção: Dayana Cordeiro e Willian Rubim; Roteiro: Dayana Cordeiro; Argumento: Willian Rubim; Direção de Produção: Inglydy Rodrigues; Direção de Fotografia: Dayana Cordeiro; Som Direto: Dayana Cordeiro, Inglydy Rodrigues e Willian Rubim; Montagem: Inglydy Rodrigues e Maurício Corteletti; Edição de Som: Inglydy Rodrigues e Renata Rodrigues; Assistente de Produção: Hélio Perin; Assistente de Fotografia: Juliana Saiter. “Do verbo ouvir, infinitivo impessoal. Possível de escutar, mais que ouvir.”

r a mon a lva r a d o, Je ss é Fe rr e i r a da S i lva , m e i ry Ba rr o s e Wa lt e r ri b e i r o a lves Vi tor G r a i ze d i r e ç ã o d e F oto G r a F i a i g or pon t i n i m o n ta G e m e a S S i St. d e d i r e ç ã o r o d r i g o d e o l ive i r a Wi l l i a n r u b i m c o n t r a- r e G r a e e l é t r i c a r a fae l r o o s Ku st e r F oto G r a F i a St i l l Fe l i p e am a r e lo m a r c u s n e ve s a S S i St. d e S o m d i r e to e m i c r o F o n i Sta e st eb a n Vive r o s m . astor ga H u g o r e i s d i r e ç ã o d e p r o d u ç ã o e p r o d u ç ã o d e F i n a l i z a ç ã o m a r i a G r i j ó S i mon e t t i p r o d u ç ã o d e a rt e patr i c i a B r agat to p r o d u ç ã o e x e c u t i Va Vi tor G r a i ze p e S q u i S a G i s e l e B e rn a rd e s m o n ta G e m d i e g o d e Je s u s m oto r i Sta a l c e m i r Fe rr e i r a p r o J e to G r á F i c o e st ú d i o G ome s + c a str o + l or e n ç ão c o lo r G r a d i n G e m a St e r i z a ç ã o e st ú d i o a z u l qu e não H á , r i o d e Ja n e i r o

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(Ficção, 25 min, 2016, Livre) Direção, Roteiro, Produção Executiva: Vitor Graize; Direção de Produção: Maria Grijó Simonetti; Empresa Produtora: PiqueBandeira Filmes; Direção de Fotografia: Igor Pontini; Som Direto: Marcus Neves; Montagem: Rodrigo de Oliveira; Edição de Som, Trilha Sonora: Hugo Reis; Mixagem: Marcus Neves; Assist. de Direção: Rodrigo a S S i St. d e

apoio

pat r o c í n i o

p ro d u ção


de Oliveira; Assist. de Fotografia: Willian Rubim; Contra-regra, Elétrica: Rafael Roos Kuster; Fotografia Still: Felipe Amarelo; Produção de Arte: Patricia Bragatto; Pesquisa: Gisele Bernardes; Assist. de Montagem: Diego de Jesus. Três homens se encontram em um antigo hotel abandonado. Nesse edifício aparentemente sem vida, eles buscam construir uma nova história. Suas vozes se misturam ao ruído das ruas. Exibido na 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes, 16ª Mostra do Filme Livre, 12ª CineOP - Mostra de Cinema de Ouro Preto, 1ª Mostra Sesc de Cinema Nacional - Destaque Estadual de Roteiro, Direção e Desenho de Som.

Melodiário, sobre a obra de Jaceguay Lins (Documentário, 25 min, 2015, Livre) Direção, Roteiro, Direção de Produção e Montagem: Marcos Valério Guimarães; Empresa Produtora: HD3D Cine Vídeo; Direção de Fotografia: Matheus Costa; Direção de Arte: Marcelo Ferreira; Som Direto, Mixagem, Edição de Som: Pedro Magalhães; Trilha Sonora: Jaceguay Lins. Ensaio sobre a obra musical, cinematográfica e poética do Maestro, poeta, montador e trilheiro de cinema Jaceguay Lins. Artista da vanguarda musical brasileira na década de 1970, Lins fez trilhas e músicas para grandes nomes do cinema brasileiro. Na década de 1980 veio reger a Orquestra Filarmônica do Espírito Santo e passou a desenvolver pesquisas sobre a cultura popular, agregando a expressão folclórica às suas composições. Exibições em cineclubes e salas especiais, Mostra Sesc Regional (2017).

No Caminho da Escola (Animação, 9 min, 2017, Livre) Direção e roteiro: Alunos do Projeto Animação; Direção de Produção, Produção Executiva: Beatriz Lindenberg; Empresa Produtora: Instituto Marlin Azul; Montagem: Marcelo Perin; Trilha Sonora: Pedro de Alcântara; Orientação de Roteiro: Rosaria; Orientação de Animação: Ariane Piñeiro, Marcelo Perin, Marinéia Anatório e Rosaria; Tratamento de Imagens: Ariane Piñeiro, Irson Barbosa e Marinéia Anatório. No caminho da escola, uma menina faz uma viagem alucinante por planetas imaginários e perde a primeira aula. Exibido no III Edição Cine Jardim – Festival de Cinema de Belo Jardim (2017), 16ª Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis (SC/2017).

Platônico (Videoclipe, 3 min, 2017, Livre) Direção, Direção de Fotografia: Pedro Cunha; Roteiro, Montagem: Pedro Cunha e Ariel Lacruz; Direção de Produção: Ariel Lacruz; Edição de Som: Jackson Pinheiro; Trilha Sonora: De-Bando. Primeiro videoclipe da De- Bando. Lançado no Cineclube Central em 24 de maio de 2017.


Polígono

Transvivo

(Ficção, 12 min, 2016, Livre) Direção e Roteiro: Caio Fabricius; Direção de Produção, Produção Executiva: Maria Grijó; Direção de Fotografia: Willian Rubim; Som Direto: Esteban Viveros; Direção de Arte: Juane Vaillant; Montagem: Caio Fabricius; Edição de Som, Mixagem: Esteban Viveros e Sann Gusmão; Trilha Sonora: Sann Gusmão; 1º Assistente de Fotografia: Junior Batista; 2º Assistente de Fotografia: Gabriel Cardoso; Assistente de Produção: João Oliveira; Escultura: Alexandre Brunoro; Assistente de Direção: Eduardo Madeira; Assistente de Montagem: Mariana Bending Lis comeu uma uva e se lembrou.

(Documentário, 30 min, 2017, Livre) Direção, Roteiro, Produção Executiva, Montagem: Tati W Franklin; Direção de Produção: Tati W Franklin e Suellen Vasconcelos; Empresa Produtora: Filmes Fritos; Direção de Fotografia: Shay Peled e Junior Batista; Som Direto: Gabriel Neves; Edição de Som, Mixagem: Leo Molini; Trilha Sonora: Joana Bentes; Assistência de Direção: Suellen Vasconcelos; Produção: Wagner Vieira; Assistência de Produção: Bruno Gueller Transvivo é um documentário que acompanha as vivências de Izah e Murilo enquanto passam pelo processo de transição de gênero.

Sweet River

(Videoclipe, 4 min, 2017, Livre) Direção, Roteiro, Direção de Produção, Produção Executiva, Direção de Arte, Montagem, Trilha Sonora: Manfredo; Empresa Produtora: Moustache Produções Artísticas; Direção de Fotografia: Léo Merçon e Glauber Castro; Som Direto: Léo Merçon e Glauber Castro; Edição de Som: Fabiano Hirota e Manfredo; Mixagem: Fabiano Hirota Sweet River antes de ser apenas um videoclipe de música, surge como um manifesto em forma de lamento artístico, explorando as belas e tristes imagens captadas por uma expedição feita pela ONG. “Últimos Refúgios (ES)”, dias após o rompimento da barragem de rejeitos em Mariana (MG) em 2015. E propõe a reflexão sobre os impactos nocivos do nosso consumo no meio ambiente.

Verônika Oyá Mareow

(Videoarte, 3 min, 2017, Livre) Direção, Roteiro, Direção de Produção, Produção Executiva, Montagem, Edição de Som, Mixagem: Herbert Fieni; Direção de Fotografia: Anderson Bardot; Direção de Arte: Herbert Fieni e Jaklane Almeida; Trilha Sonora: Cantigas populares Candomblé Ketu; Assistente de Fotografia: Roger Gomes Ghil; Produção de Set: Fabrício Fernandez. Como traduzir em poesia a narrativa de um assassinato? Com Verônika morta, sua parceira de palco Athenna recorre a mitologia de Oyá, a que rompe o véu entre mundos e conduz os Mortos, para honrar as almas de suas irmãs travestis através do jogo cartográfico da Performance.


Mostra Pararela Quando parei de me preocupar com canalhas Dir. Tiago Vieira

Ficção, 15 min, 2015 Classificação: 12 anos João Carlos se acha politizado, mas começa se dar conta de que vem se tornando tão chato quanto os taxistas da cidade.

#Resistência

Dir. Eliza Capai

Documentário, 55 min, 2017 Classificação: livre As ocupações aos prédios públicos e às ruas, durante os meses interinos de Michel Temer.

Casa da Xiclet

Dir. Sofia Amaral

Documentário, 47 min, 2016 Classificação: 14 anos Sem curadoria, sem jabá, sem juros, sem patrocínio, sem entrada e sem saída.







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12ª Mostra Produção Independente/Aldeias FICHA TÉCNICA Coordenação Geral Thiago Moulin Produção Executiva Thiago Moulin e Leandra Moreira Coordenação de Produção Leandra Moreira Produção das Mostras e Coordenação de Exibição Alexandre Serafini Assessoria de Comunicação Paulo Gois Bastos Redes Sociais Guilherme Rebêlo Design Gráfico Gabriel Perrone

REVISTA-CATÁLOGO MILÍMETROS Edição nº 7 / Ano 2017 Pauta Thiago Moulin, Leandra Moreira e Ricardo Sá Supervisão Editorial Thiago Moulin Edição e Reportagem Paulo Gois Bastos (MTB/ES 2530) Reportagem e Redação Carolina Ruas, Leonardo Vais, Marcos Sacramento e Miguel Filho Revisão de Textos Luiz Cláudio Kleaim Fotografia Luara Monteiro

Apresentadora Janine Correa

Apoio Cine Jardins Instituto de Artes e Técnicas em Comunicação (Iatec) Link Digital Rádio Cidade Secretaria de Cultura/Ufes TV Gazeta

Vinhetas Thiago Rocha

Patrocínio Banestes – Banco do Estado do Espírito Santo

Vídeo Homenagem Ricardo Sá

Realização Associação Brasileira de Curtas-Metragistas e Documentaristas do Espírito Santo (ABD Capixaba) www.abdcapixaba.com.br Facebook e Instagram: @abdcapixaba

Produção de eventos Juranda Alegro

Comissão de Seleção da Mostra Competitiva Alexandre Serafini Iza Rosenberg Leandra Moreira Comissão do Júri da Mostra Competitiva Daniela Zanetti Felipe Redins Joyce Castello

AGRADECIMENTOS A todos(as) aqueles(as) que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste evento. Tiragem: 350 exemplares DISTRIBUIÇÃO GRATUITA



12 mostra

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produção independente

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