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16ª MOSTRA DE PRODUÇÃO INDEPENDENTE - LEVANTE !
11ª REVISTA MILÍMETROS REVISTA-CATÁLOGO MILÍMETROS EDIÇÃO NÚMERO 11/ ANO 2021
idealização e realização
ABD Capixaba coordenação geral
Diego de Jesus produção executiva
Maria Grijó Simonetti coordenação de comunicação
Ana Luiza Calmon assessoria de comunicação e redes sociais
Lívia Corbellari coordenação de produção da mostra
Leandra Moreira assistência de produção
Ana Carolina Pagani coordenação técnica
Melina Galante - sessão tve Melina Galante
direção
edição
Livia Corbellari reportagem e redação
Cristina Oliveira, Elaine Dal Gobbo, Honório Filho, Karen Manzoli, Maria Fernanda Conti, Ricardo Aiolfi, Thiago Sobrinho ensaios
Aiano Bemfica Mineiro, Bárbara Maia Cerqueira Cazé, Maria Grijó Simonetti, Maynõ Cunha da Silva, Raysa Calegari, Rosa Caldeira, Suellen Vasconcelos revisão de textos
Amanda Poubel Bonamigo projeto gráfico e diagramação
Diana Klippel
cenografia
Diego Nunes Nathalia Assumpção Tiago Santos apresentação
Juane Vaillant Jussan Silva e Silva vinhetas
Vinicius Caus - Comboio Studio Tati Franklin Suellen Vasconcelos designer e diagramação
Diana Klippel comissão de seleção da mostra competitiva
Maria Clara Escobar Suellen Vasconcelos Maria Grijó Simonetti comissão de júri mostra competitiva
Karol Mendes Úrsula Dart apoio
Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES) TV Educativa do Espírito Santo (TVE-ES) colaboração
Realizadores e Realizadoras do Espírito Santo Equipe da TV Educativa do Espírito Santo Hugo Reis
www.abdcapixaba.com.br @abdcapixaba
TIRAGEM: 200
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
EDITORIAL Desde que assumi a Presidência da ABD Capixaba em julho de 2020, penso em como tirar forças e entusiasmo para enfrentar os percalços que surgem neste país, dia após dia. Da ameaça do fim de nossa existência, passando pelo incêndio de nossa memória, e chegando às tentativas de destruição de qualquer futuro digno possível, parece-me que só há um caminho: o confronto. Precisamos, mais do que nunca, combater ideias retrógradas, conflitar os seres do absurdo e chocar, através da arte, formas obsoletas e reacionárias.
online à disposição na internet, para que qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, pudesse assistir; a segunda foi a renovação da parceria de sucesso com a TV Educativa do Espírito Santo, a qual exibirá a abertura do evento e toda a programação da Mostra Competitiva em rede estadual de televisão, atingindo todo o território do estado. Dessa forma, apesar dos percalços e problemas, conseguimos difundir e alcançar um público nunca antes atingido pela Mostra, como o público do interior capixaba, que carece de salas de cinema.
E, para mim, não há como, neste momento, pensarmos em confrontos individuais. É hora de nos unirmos coletivamente em defesa da Democracia, do Direito à arte e da perpetuação de políticas públicas culturais diversas e abrangentes. Penso que só unidos poderemos superar todo esse momento difícil que temos passado em nosso setor. É hora de criar agendas e ações coletivas uníssonas no setor Audiovisual Capixaba. Chegou o momento de pensarmos juntos no futuro, ou não teremos futuro algum.
Neste ano, logo após as sessões da TV Educativa, de modo a propiciar reflexões e proliferar ambientes de discussão, teremos, em adição à programação, um debate online no YouTube da associação com os realizadorxs de cada filme, em um encontro direto com o público. Além disso, a Mostra, em seu caráter formativo e de perpetuação de ideias, promoverá, também, três minicursos, de forma gratuita e online, com temas em conexão aos princípios norteadores do evento: Ficção como Arma de Guerra, com Anti Ribeiro; Crítica de Cinema, com Kênia Freitas e; Introdução ao Roteiro, com Rodrigo de Oliveira, esse último voltado apenas a realizadorxs de cidades do interior do estado.
O momento em que vivemos é único. Estamos em 2021 e ainda vivemos uma pandemia – que parece estar ficando para trás apesar das incertezas. Continuamos sob orientação de distanciamento social; ainda é difícil reunir pessoas e aglomerar para ver filmes no cinema – coisa de que muito gostamos. Nossos encontros e debates presenciais ainda necessitam esperar mais um pouco para acontecer. Mesmo assim, precisamos nos mover em prol do setor e da arte, pois com os golpes frequentes, a falta de mobilização de nossa parte pode ser fatal. Por conta disso, o tema da 16ª Edição da Mostra de Produção Independente é “Levante!”. Nós, da produção da mostra e da Diretoria da ABD, temos por objetivo convocar a categoria à luta contra os ataques à cultura e à memória do audiovisual do nosso país, uma batalha que se dá nas trincheiras da arte e nos frontes das narrativas audiovisuais. Chegamos a dezesseis anos desse evento de importância singular para o setor capixaba, exibindo trinta e duas obras na Mostra Competitiva sob a curadoria de Maria Clara Escobar, Suellen Vasconcelos e Maria Grijó. Em um panorama amplo das últimas produções de realizadorxs capixabas, estamos promovendo médias e curtas-metragens, videoclipes, webséries, filmes experimentais, ficção e documentário, dos mais diversos desenhos de produção e orçamentos. Com isso, mostramos que o audiovisual é uma importante manifestação de resistência e enfrentamento em momentos de crises. Mais do que nunca, a promoção do audiovisual capixaba é primordial. Seguindo esse preceito, e sempre com o foco de distribuir o cinema capixaba à todxs, continuamos neste ano com duas medidas que apresentaram ótima repercussão no último ano: a primeira foi a alocação de todas as obras em uma plataforma
Por fim, temos a honra de prosseguir com mais uma Edição da Revista-Catálogo Milímetros, mantendo sua tradição de tratar de temas do setor audiovisual capixaba com pautas de relevância histórica em nosso cenário atual, como os impactos contínuos da pandemia nas produções e sua retomada, o legado da Lei Aldir Blanc, a preservação do patrimônio, entre outras. Ademais, retornamos, nesta edição, com reflexões sobre nossa arte através dos ensaios de Raysa Calegari Aguiar, Rosa Caldeira, Maynõ Cunha da Silva, Bárbara Cazé e Aiano Bemfica. Desejo, em nome de todos envolvidos com esse projeto, que, ao longo destes dias de promoção e debates sobre o cinema capixaba, possamos compreender a força das ações coletivas e construir, a partir daqui, o futuro que acharmos justo, tanto para nosso setor quanto para nossa arte. Antes de terminar, gostaria de manifestar o mais profundo pesar pelo falecimento, neste ano, do fundador da ABD Capixaba e um dos maiores cineastas do estado e do país, Orlando Bonfim Netto. Roteirista, diretor, fotógrafo, militante do setor cultural e homem público, Orlando foi uma das maiores referências do nosso setor, deixando um vasto legado para a nossa e as futuras gerações.
DIEGO DE JESUS Coordenador-geral da 16ª Mostra de Cinema Independente Presidente da ABD Capixaba - Biênio 2020/2022
INSTITUCIONAL
REPORTAGENS
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BALANÇO DA GESTÃO 2020-2021
LEVANTE! KAREN MANZOLI
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ORLANDO BOMFIM, NETTO: A CULTURA CAPIXABA NAS TELAS DO CINEMA RICARDO AIOLFI
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O FORMATO EMERGENCIAL HONÓRIO FILHO
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UMA NOVA RETOMADA PARA O AUDIOVISUAL CAPIXABA THIAGO SOBRINHO
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PRODUÇÃO CAPIXABA EM DIÁLOGO COM EDITAIS CRISTINA OLIVEIRA
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RUMO À TELA GRANDE MARIA FERNANDA CONTI
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MIDIATECA CAPIXABA FARÁ INTEGRAÇÃO DE ACERVOS CULTURAIS ELAINE DAL GOBBO
SU
MÁ
ENSAIOS
CATÁLOGO
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BÁRBARA MAIA CERQUEIRA CAZÉ
MARIA GRIJÓ SIMONETTI SUELLEN VASCONCELOS
QUEM PODE CONTAR HISTÓRIAS COM O CINEMA?
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A SABEDORIA GUARANI E AS NOVAS TECNOLOGIAS MAYNÕ CUNHA DA SILVA
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CINEMA DO EKÊ ROSA CALDEIRA
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O CINEMA COMO TERRITÓRIO DE ARTICULAÇÃO POLÍTICA AIANO BEMFICA MINEIRO
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REALIZADORAS CAPIXABAS: UMA PESQUISA SOBRE O CINEMA DE MULHERES DO ESPÍRITO SANTO. RAYSA CALEGARI AGUIAR
RIO
LEVANTE: O QUE PODE O CINEMA?
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CATÁLOGO 16ª MOSTRA PRODUÇÃO INDEPENDENTE - LEVANTE!
xi revista milímetros
BALANÇO DA GESTÃO 2020-2021 Associação se adapta para fortalecer ainda mais às suas ações políticas e culturais
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institucional
Eleita em julho de 2020, a diretoria da Associação Brasileira de Documentárias e Curta-Metragistas do Espírito Santo (ABD Capixaba) iniciou o mandato durante a pandemia, precisando adaptar suas ações para o virtual. Pela primeira vez, a Mostra Produção Independente, que traz um panorama da produção capixaba, foi realizada de forma online, com transmissão pelo site, pelo YouTube e na TV Educativa. A 15ª Mostra de Produção Independente aconteceu durante o mês de dezembro, em 2020, no mesmo ano em que a associação completou 20 anos de muita história e luta. Foram exibidos 56 filmes que tiveram mais de 6 mil visualizações, com média de 300 visitantes por dia no site. Além da exibição dos filmes e dos cursos e debates realizados, a mostra também produziu dois ABD Conversa, contando com representantes do nosso audiovisual, pesquisadores e o poder público a fim de discutir sobre as novas formas de fazer cinema e a importância da preservação do patrimônio audiovisual. O projeto ABD Conversa se iniciou ainda antes da Mostra com o debate “Cinema Negro – histórias e narrativas contemporâneas no Brasil”, realizado em setembro de 2020. O objetivo é continuar com os encontros, de modo a promover o compartilhamento de saberes entre realizadores capixabas e de outros estados. Todo conteúdo está disponível no canal youtube. com/ABDCapixaba. Uma importante questão acompanhada de perto pela gestão da ABD Capixaba foi a implementação da Lei Aldir Blanc, a qual foi essencial para diversos realizadores e realizadoras que precisaram se adaptar ou se reinventar totalmente durante a pandemia. Em setembro de 2020, foi realizado o 6º Fórum do Audiovisual capixaba, que discutiu a Lei Aldir Blanc no setor e a sua aplicação no Espírito Santo. O encontro permitiu que os realizadores esclarecessem dúvidas e contribuíssem com a construção do repasse do investimento na forma de auxílio e editais.
A atuação da Associação esteve em todo o processo da Lei Aldir Blanc e do Funcultura, desde o lançamento dos editais até o repasse da verba, auxiliando e representando os realizadores nas reuniões do Conselho Estadual de Cultura e do Município de Vitória. Ressalta-se que a ABD Capixaba enviou um ofício para a Secult-ES, solicitando a prorrogação dos prazos de execução e de prestação de contas dos projetos contemplados nos Editais da Lei Aldir Blanc, levando em conta os efeitos da pandemia que atrasaram muitas produções. Além disso, no intuito de aumentar a visibilidade dos projetos contemplados, a associação cedeu espaço em seus perfis nas redes sociais para colaborar com a divulgação de diversas produções, como webséries, filmes, podcasts, mostras e cineclubes. A seleção foi feita por meio de uma chamada aberta. Nesses 21 anos, a ABD Capixaba esteve presente e atuante nas principais conquistas por políticas e ações de valorização do produtor e da produtora audiovisual no Espírito Santo. Felizmente, a força da associação tem se tornado cada vez maior, considerando-se que, entre 2020 e 2021, o número de associados aumentou em 30%. Assim, pensando em uma gestão e atuação para o presente e para o futuro, a atual diretoria aprovou, em assembleia, mudanças significativas no estatuto, o qual está mais moderno e permitirá que a ABD continue sua luta perante a classe do audiovisual capixaba. Ademais das questões técnicas, um dos objetivos da reforma estatutária é permitir o ingresso de mais realizadores e realizadoras, agregando toda a cadeia do setor audiovisual.
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LEVANTE!
xi revista milímetros
Um chamado para a construção de caminhos no mercado cultural e cinematográfico brasileiro
KAREN MANZOLI
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especial
Resistir é imperativo, é urgente, é agora. No contexto político e socioeconômico brasileiro, são muitas as lutas superadas cotidianamente pelos realizadores de cultura e audiovisual, a fim de preservar os direitos conquistados e construir um futuro mais promissor. “Não reconhecer a produção cultural e o cinema como elemento fundamental na economia do país e desprezar toda uma cadeia produtiva é de uma total ‘canalhice’. A gente, de fato, precisa se posicionar, marcar território e pressionar. Porque um país sem cinema é um país sem memória e história. Que será de nós sem isso?”. A opinião e o questionamento firmados por Adriano Monteiro, realizador audiovisual e integrante do coletivo Damballa, traduz o sentimento de milhares de pessoas que fazem parte e dependem da cadeia produtiva de cultura e, principalmente, do cinema no Espírito Santo e no Brasil. Se a insatisfação social e econômica são motores para uma eventual transformação política, o cinema e todas as formas de cultura são, certamente, ferramentas extremamente potentes para a preservação da memória social, bem como instrumentos de luta contra os ataques constantes à cultura e à história do audiovisual em nosso país. Devido a isso, a 16ª Mostra Produção Independente da ABD Capixaba traz o tema “Levante!”, um chamado urgente à construção dos caminhos para o hoje e para o futuro. “Temos que unir isso com ações coletivas, militância e realmente mudar as coisas, para que a gente não entre num estado fascista que odeia a arte e chama artista de ‘vagabundo’. A mostra tenta resgatar essa esperança através da arte. Esse ano recebemos 93 inscrições, mais do que no ano passado, que foi por volta de 80. Acho que só de a gente continuar produzindo filmes já é uma resistência, e prova, principalmente, que o povo capixaba vai continuar fazendo arte e lutando”, comentou o presidente da ABD Capixaba, Diego de Jesus.
ON-LINE E EVENTOS HÍBRIDOS Dos muitos impactos causados em nossa sociedade em razão da pandemia da Covid-19, talvez um dos poucos legados que teremos é uma profunda reestruturação do formato remoto e do modelo de realização de eventos, sobretudo culturais e artísticos. A realização da 16ª Mostra ABD, feita de maneira virtual neste ano e no ano passado, segue uma tendência de esquema híbrido que, segundo realizadores culturais, tem vantagens e desvantagens, contudo veio para ficar. O realizador audiovisual e produtor multimídia, Diego Nunes, disse que o sistema híbrido é importante, mas apontou um desafio ainda a ser superado. “Por um lado, acho que a gente
não pode sair do híbrido, porque ampliamos os campos e as telas, mas, por outro, ainda existe uma grande parcela da população que tem dificuldade com acesso. Vimos isso em algumas comunidades, quando fomos fazer uma oficina. Percebemos que não tinha essa possibilidade (do remoto), porque as pessoas tinham o equipamento, mas não tinham o hábito. Tudo na vida delas permaneceu presencial, por conta do descaso governamental. Em muitos casos, elas não conseguiram sequer manter seus trabalhos, quiçá trabalhos com acesso remoto”, contou. Para o presidente da ADB, Diego de Jesus, além da expansão para o virtual, outra iniciativa importante é trabalhar na captação de verbas por meio de editais de incentivo de maneira mais bem distribuída, para que promovam e ampliem as janelas de produção. “Como a gente está expandindo os recursos, pelo menos em nível estadual, a gente precisa lutar para que essa distribuição seja diversa, para que atendam toda a diversidade que é o audiovisual capixaba hoje, e não fique só em alguns grupos e focados apenas nas regiões metropolitanas. É preciso chegar no interior, que seja igualmente distribuído entre homens e mulheres, entre as raças e povos tradicionais. Essa é uma pauta que a gente tem que encarar também, para não repetir erros do passado e não achar que é só sobre a expansão do recurso”.
REPRESENTATIVIDADE NA FRENTE E ATRÁS DAS CÂMERAS Distribuir de forma igualitária os investimentos em cultura e arte é uma grande contribuição para haver maior diversidade de temas e estéticas no audiovisual. Com mais pessoas com visões e vivências diferentes, mais histórias potentes serão criadas. Um grande exemplo disso é o cinema produzido por LGBT’s, bem como filmes que trazem essa temática sem preconceitos ou estereótipos. Para a diretora do documentário “Convictas”, Kamila Barbosa Ferreira, o cinema produzido pela comunidade LGBTQIA+ sempre foi sinônimo de resistência, mas agora esse viés é ainda mais importante. “Ter o cinema LGBTQIA+ como prova de que nós existimos, que nós produzimos conteúdo, é mais importante do que nunca, ainda mais num governo machista, homofóbico, LGBTQfóbico, misógino como este. Acho que esse tema da mostra ABD, Levante, vem muito ao encontro disso. Que continuemos produzindo e encontrando meios de produzir, porque nós queremos contar as nossas histórias. Nós temos muitos diretores e produtores que fazem um conteúdo muito bacana. Então acho que esse levante tem que continuar para a gente mostrar que nós existimos e resistimos. Nosso cinema precisa ser visto e respeitado”, defendeu.
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xi revista milímetros
BASTIDORES DO DOC. CONVICTAS, DE KAMILA BARBOSA
DIEGO NUNES DURANTE AS FILMAGENS DE LIVE, DO COLETIVO DAMBALLA
Ela conta que o documentário traz histórias reais da comunidade LGBTQIA+ e aborda pontos de vista e vivências diferentes a fim de revelar, justamente, a pluralidade e diversidade de mulheres lésbicas. “A garotada de hoje está tendo acesso a uma representatividade muito mais positiva do que eu tive na minha época de adolescente. O filme é como se fosse um presente para a Kamilla adolescente, que quando estava buscando referências lésbicas só encontrava tristeza e tragédia. Então foi muito importante poder produzir esse documentário de uma perspectiva mais tranquila, mais leve e poder pensar: ‘Olha o que você pode ser, o que se tornou’, que a vida não é como naqueles filmes”.
“A gente está falando de uma produção artística que, historicamente, é de elite. Por isso, às vezes a galera da periferia encontra barreiras, mas mesmo assim se mantém motivada e não desiste dos próprios sonhos. Eu faço parte de uma geração de jovens de periferia que estão fazendo seus filmes, seja na guerrilha ou com um edital para continuar realizando. E continuo torcendo para que a situação política do país retorne para sua normalidade democrática, para que nosso setor seja valorizado, como são outras áreas da economia, e para que possamos vislumbrar a possibilidade de viver da produção do mercado audiovisual, cinema, séries e clipes como um trabalho oficial, porque hoje a gente não consegue”, completou Adriano.
No Espírito Santo – e em todo Brasil –, o setor de cultura é financiado, basicamente, por iniciativas governamentais. Apesar dos progressos alcançados, principalmente com o governo estadual, a pauta geral da classe é expandir as políticas públicas voltadas à implementação de ações de cultura, arte e audiovisual. “Agora a gente está indo para um recorde nos editais do Funcultura e ano que vem vai ser implantada a Lei do ICMS. Mas apesar dos avanços, acho que a gente ainda está no meio do caminho se comparado a outros estados. A gente precisa ir atrás de outros recursos, como a Lei Rubem Braga de Vitória, por exemplo, que está há cinco anos parada, acho que essa é uma pauta que a gente tem que levar a sério e ir atrás. Em nível federal, a gente precisa se articular com os movimentos nacionais para continuar defendendo o audiovisual e não deixar que o desmonte que está em curso das diversas formas na Ancine, Cinemateca, censura de projetos, entre outras, aconteça”, pontuou Diego de Jesus. Para Adriano, “aqui no Espírito Santo, a gente depende basicamente da Secult-ES, em termos de recursos financeiros. E o recurso está defasado há alguns anos. Para piorar, a gente vive um momento de inflação muito alta, então fazer cinema hoje é muito na guerrilha, na paixão. É conseguir equipamento emprestado, fazer parcerias com amigos por serviços mais em conta, enfim... Mas essa vontade de fazer cinema, mesmo com as dificuldades, é que acaba se tornando um ponto positivo”. 10
NOVAS FORMAS DE FAZER E LUTAR Em um mundo distópico, um grupo de pessoas escravizadas escolhem ir para uma nova terra, onde uma menina, gerada no ventre de uma dessas pessoas, é escolhida para ser a Deusa do lugar, justamente por ser a primeira e única criança a ser vista. Essa é a premissa do curta-metragem “A Deusa Menina”, o primeiro roteirizado, produzido e dirigido pela produtora audiovisual Juane Vaillant. Ela é um exemplo das realizadoras de cinema que embarcaram no realismo fantástico. “Eu acredito que toda fantasia está aí para falar e debater sobre alguma coisa de verdade. Em Star Wars, por exemplo, a arma laser é o de menos, estamos discutindo sobre regimes totalitários ”. Juane também faz parte do Projeto Remonta, um ciclo de formação audiovisual com foco em inclusão e diversidade cujo objetivo é ofertar oficinas de técnica em audiovisual para mulheres, em uma tentativa de equilibrar o mercado. “O projeto surgiu porque notamos que as mulheres no cinema normalmente estão relacionadas a partes relativas ao cuidado ou à beleza. Quando chega nas partes de fotografia, direção de arte, edição de imagem, elétrica, som, esses espaços não estavam sendo ocupados”, apontou a profissional, que atua como produtora e monitora no projeto. Ocupar espaços, produzir e transformar realidades é o caminho que muitos produtores culturais têm seguido no
especial
EQUIPE DO PROJETO REMONTA
SESSÃO DO CINECLUBE 68, NO TRIPLEX, CENTRO DE VITÓRIA
Brasil, mesmo diante de tantas adversidades. Nesse sentido, o audiovisual tem se tornado, progressivamente, a forma de viabilizar e visibilizar essas produções.
essa galera preta que faz um outro tipo de cinema porque existe, por trás, esse cenário político, uma outra estética, e essa pluralidade de histórias e narrativas e formas de contar, totalmente diferentes das outras, não se reduz somente a denunciar racismo. É muito mais do que isso”, defendeu.
Em relação a isso, o Instituto das Pretas funciona como um Laboratório de Inovação e Tecnologia Social. Fundado em 2015, em Vitória, é formado por corpos pretos e periféricos e movimentos pluriversais, potencializadores de olhares e soluções transformadoras trabalhadas em duas frentes: Escritório de Projetos e Projetos Institucionais. Uma de suas maiores manifestações é o Bekoo das Pretas, um Território Quilombo Urbano onde o corpo preto é livre, belo e rico. Porém, devido às restrições da pandemia, a festa precisou pausar; logo, uma forma de continuar a celebrar e reafirmar existências negras foi produzir a websérie “Made by Queens”. Sob a voz e vez de mulheres pretas, a produção busca redefinir caminhos na cultura urbano-periférica do Brasil e mostra a história de como uma festa se tornou um movimento que floresce nas periferias fora do eixo Rio-SP, mudando as perspectivas representativas da relação entre futuro, negócio, pretitude, cultura e mulheridades. À frente do Bekoo das Pretas ao longo desses cinco anos, Priscila Gama, CEO do Instituto Das Pretas, comentou a importância do evento e desse novo formato de contar sua trajetória: “O Bekoo é a maior festa preta periférica protagonizada por mulheres do eixo Sudeste, essa websérie abre novos caminhos.” São novos caminhos que se abrem para realizadores negros reivindicarem seu lugar no audiovisual brasileiro, porque esse é um ponto determinante que denuncia a estrutura racista do cinema como um todo, o qual opera numa mesma lógica há décadas. Para o realizador Adriano Monteiro, o cinema negro é um cinema político. “Reduzir o cinema negro a só o combate ao tema do racismo é muito pouco, porque ele é muito mais do que isso. A cada ano que passa, são muitos filmes que estão sendo produzidos por diretores pretos e pretas e que têm ganhado notoriedade em grandes festivais. A gente começou muito atrás, mas acho que, a cada ano que passa, as pessoas estão percebendo
FILMES PARA SEREM VISTOS Toda essa produção diversa e criativa precisa ser vista e discutida. Assim, um meio que também faz parte dessa resistência e luta pelo cinema são os cineclubes. Desde os anos 1980, o movimento cineclubista tem um papel importante, não só no estado mas a nível nacional, atuando como outra janela difusora dos filmes capixabas. Para o diretor de articulação e formação da Organização dos Cineclubes Capixabas (OCCa), Vitor Taveira, os cineclubes criam outro espaço muito interessante na formação de público crítico para discutir a produção audiovisual capixaba, com a vantagem de ter flexibilidade de organização das exibições e horários, o que possibilita que chegue, muitas vezes, a comunidades indígenas, quilombolas e a espaços periféricos das grandes cidades. “Há uma simbiose muito grande entre o cineclubismo e a realização audiovisual, no sentido de que o cineclubismo se interessa por esses filmes locais por ter próximos esses realizadores, que falam muitas vezes da nossa realidade e trazem muitos elementos interessantes para pensar o nosso cinema e realidade social, política e cultural. E, por outro lado, os cineastas em geral têm também uma janela para exibir, conversar e refletir sobre o seu filme junto ao público”, explicou. As dificuldades são muitas, mas há um caminho de união e luta se formando que não vai mais ceder. Há várias frentes de resistência, e a ABD Capixaba vai continuar sua militância ativa ao lado de todas, nas trincheiras da arte, no território das narrativas audiovisuais, no qual a maior arma é o nosso cinema.
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ORLANDO BOMFIM, NETTO: A CULTURA CAPIXABA NAS TELAS DO CINEMA RICARDO AIOLFI
“Sem aqueles que vieram antes de nós, que compartilham nosso tempo-espaço, que ainda virão, não existiríamos ou não faríamos cinema da mesma forma como fazemos aqui agora. Esses pontos, né, eles brilham, nos dão rumos a seguir ou nos mostram que a gente quer ir por outros caminhos, inventando-os do nosso jeito. Orlando foi um desses pontos que brilhou e brilhou muito. E nos mostrou trilhas e vai continuar a mostrar através do seu legado. Ele faz parte da rede de olhares lançados sobre as muitas e complexas realidades do Espírito Santo, das quais ele foi o pioneiro ao documentar vidas antes invisíveis às telas locais e nacionais”. — Saskia Sá
Foto: Bianca Speradio
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homenagem
Em 19 de julho de 2021, o Espírito Santo se despediu de umas das figuras mais importantes tanto para o cinema produzido aqui quanto para a cultura capixaba. Orlando Bomfim Netto, um mineiro que iniciou a carreira de cineasta no Rio de Janeiro, mas, em 1980, escolheu o Espírito Santo para morar e lançar seus olhares aos cenários até então tão desconhecidos e inexplorados. Orlando fez do Cinema uma forma de expandir olhares, pesquisas, lutas e resistências. Nas lentes do cineasta, identidades e culturas do Espírito Santo ganharam as telas do cinema num registro até então inédito. A arte de Orlando se fez num misto entre arte e política, ajudando a ecoar vozes e histórias de resistência. “Os brancos italianos de Santa Teresa, os negros áfricos de Conceição da Barra e as gentes metropolitanas misturadas são parte dos objetos de uma cinematografia que se assume como luta política, como estética e arte da vida e na vida naquele instante da nação brasileira”, conforme escreveu o cineasta e amigo, Marcos Valério Guimarães, em 2008 para o catálogo do Centro Cultural Sesc Glória, que trazia alguns filmes de Orlando novamente ao público, dessa vez restaurados pelo projeto Acervo Capixaba, da produtora Pique Bandeira. A cultura capixaba, uma das paixões de Orlando, continua a ser apresentada ao mundo por meio de seus filmes, mesmo após sua partida. Em 11 de novembro de 2021, cinco curtas do cineasta foram exibidos em Nova Iorque (EUA) na mostra “Imagens Rumo À Liberdade”, no Centro de Documentário Maysles. O evento foi coapresentado com Cinelimite, Cinema Tropical, Acervo Capixaba e Pique-Bandeira Filmes. O legado deixado por Orlando, porém, vai além dos documentários que produziu. Marcos Valério relembra que Orlando trouxe uma profissionalização do cinema para o Espírito Santo. Havia, aqui, uma experiência anterior, ainda amadora, de alguns cineastas, como Luiz Tadeu Teixeira e Paulo Torres. Orlando, entretanto, tinha experiência profissional no Rio de Janeiro, onde produziu vários filmes, como na produtora de Roberto Farias. A fala que abre este texto é da cineasta Sáskia Sá no “Seminário Foco Capixaba - Recorte 10 Anos”, no dia seguinte à partida de Orlando, visivelmente emocionada. O tema da mesa era “Curtas-Metragens: Política e Identidade”, em um recorte a partir do Espírito Santo, um eixo que se cruza e se entrelaça de tantas e inúmeras formas à vida de Orlando. “Acima de tudo, ele (Orlando) foi um forte aliado na luta pelo fortalecimento do audiovisual capixaba, fundando a ABD Capixaba no ano 2000 e tornando-se o primeiro presidente. Ele foi um mestre para muitos de nós. Incansável, ele nos mostrou os caminhos para a eterna militância para a conquista de meios de fomento e ampliação de direito para o nosso setor”, relembrou Sáskia, que, em 2004, foi a primeira mulher presidente da ABD capixaba.
Com participação ativa da ABD no Rio de Janeiro, foi Orlando um dos responsáveis por articular a criação do braço capixaba da entidade. Não foi a primeira experiência de organização do setor no estado, porém, a criação da ABD capixaba marca uma articulação do movimento local com o nacional no setor do audiovisual, segundo o cineasta Ricardo Sá. “Quando ele trouxe a ABD para cá, abriu um outro campo de atuação para todo mundo: atuação política e de dialogar com outros estados. Foi assim que o Espírito Santo começou a entrar nessa rota dos debates, e isso se reflete no trabalho que a ABD faz até hoje”, explicou Ricardo. Orlando também foi gestor de políticas culturais em vários órgãos, como no Departamento Estadual de Cultura (DEC), na Lei Rubem Braga e como diretor da TVE. No tempo em que esteve à frente desses órgãos, formulou e executou diversas políticas para impulsionar a produção cultural local. Uma das políticas desenvolvidas no DEC foi a criação de um circuito de cineclubes pelo Espírito Santo. O amigo, cineasta e médico Claudino de Jesus foi uma das pessoas que acompanhou Orlando desde a década de 1970, tanto no cineclubismo quanto nos fóruns de políticas culturais locais e nacionais, no Conselho Estadual de Cultura, no Congresso Brasileiro de Cinema e em várias instâncias do audiovisual local e nacional. “A minha lembrança mais antiga do Orlando foi esse momento de interiorização dos cineclubes, não só no interior, mas também na Grande Vitória. Tivemos um apoio e patrocínio para fazer esse projeto junto com a Secretaria de Cultura do MEC e com a Embrafilmes. Há 40 anos, mesmo na região metropolitana, tudo era muito distante, separado. Eram verdadeiras viagens”, relembrou Marcos Valério. No tempo em que foi diretor da TVE, Orlando transformou a TV em um verdadeiro polo de produção audiovisual. “A TV Educativa foi uma experiência maravilhosa porque eu dei muita sorte, tive muito apoio do Governo. Então a gente pôde transformar a televisão numa televisão de verdade. Todos os setores foram separados e receberam seus equipamentos. Nós tínhamos 16 programas próprios, programas diários, semanais e mensais. De todos os assuntos. Fizemos um programa enorme que tinha para criança, ao vivo. A TV Cultura de São Paulo até roubou da gente”, contou o próprio Orlando na biografia sobre ele, lançada em 2012 pela jornalista Ana Luiza Calmon. A passagem de Orlando pela TVE durou cerca de três anos e criou empregabilidade para artistas e produtores em todo o Espírito Santo, conforme lembrou Marcos Valério. “Infelizmente, a iniciativa foi assassinada em seguida pelos interesses da grande mídia”, narrou o amigo.
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Orlando ainda teve participação em outras iniciativas importantes para a cultura capixaba, como o Vitória Cine Vídeo e a elaboração e aprovação da Lei Rubem Braga em Vitória. No início da década de 1990, conseguiu recursos junto ao Bandes para a criação de um Polo Cinematográfico Capixaba, projeto que infelizmente foi descontinuado por conta da suspensão do repasse dos recursos. A iniciativa, entretanto, ainda produziu alguns curtas e longas, bem como serviu de porta de entrada para diversos profissionais do setor.
O CINEMA VEIO DE TREM Por volta de 1950, Orlando teve sua primeira experiência com o cinema ao assistir, em uma sala com todas as poltronas ocupadas, à passagem de uma locomotiva de ferro. Assim começa o livro-biografia de Orlando, escrito por Ana Luiza Calmon: a paixão pelo cinema veio de trem. 60 anos depois, a locomotiva também está em seu filme “Linhas Paralelas”. “O trem se faz máquina do tempo, possibilitada pelos artifícios do cinema – ainda que formas e ritmos construídos sejam arranjados de modo irregular –, e permite que a personagem reviva, reencontre ou reinvente pessoas, momentos e experiências”. Orlando nasceu em 7 de março de 1941 em Belo Horizonte, Minas Gerais. O pai, Orlando Bomfim Júnior, era jornalista de esquerda e, em 1964, passou a viver na clandestinidade devido à ditadura militar no Brasil. A ligação com o Espírito Santo veio a partir da família por parte de pai. O avô, que também se chamava Orlando Bomfim, fora prefeito de Santa Teresa cinco vezes. Ali, conheceu um pedacinho da cultura capixaba e a história da imigração italiana no Brasil.
O HOMEM POR TRÁS DOS CHAPÉUS 14
No centenário da imigração italiana no Brasil, uma revista nacional fez uma matéria sem citar o Espírito Santo. É assim que surge o documentário “Tutti Buona Gente” (1973), em que Orlando leva às telas do cinema, pela primeira vez, uma parte da cultura e da história do Espírito Santo. O documentário também inaugura a parceria com Hermógenes Fonseca e Rogério Medeiros, dois grandes pesquisadores do folclore capixaba. O filme foi exibido diversas vezes na cidade e pelo Brasil, sendo uma base para o reconhecimento de Santa Teresa como o primeiro local do Brasil a receber imigrantes italianos. O filme foi apenas o primeiro a destacar a importância, história e resistência de povos no Espírito Santo, tema frequente em sua obra. Os filmes seguintes do cineasta abordavam outras personagens e cenários de identidades marcantes do Espírito Santo: “Mestre Pedro de Aurora – Pra ficar menos custoso” (1978), “Canto para a Liberdade – A Festa do Ticumbi” (1978), “As Paneleiras do Barro” (1978), “Dos Reis Magos dos Tupiniquim” (1985). Os temas ambientais também estavam no radar de Orlando, como no filme “Augusto Ruschi Guainumbi” e “Itaúnas – Desastre Ecológico”. Além da visibilidade e registro de temas tão marcantes nas suas obras, o cineasta Ricardo Sá avalia que o tom usado por Orlando era um dos marcos de seus filmes. “Ele tinha um jeito de fazer o filme e sempre dava um tom muito solene, respeitoso, não apenas pelo tema, mas pelas pessoas que ele entrevistava. Isso é perceptível até na própria voz no off – característica de vários filmes dele”, explicou.
“Chapéu! Difícil lembrar de Orlando sem seus chapéus, adereço constante em seu visual – que era despojado. Uma camiseta, camisa por cima, manga enrolada e o chapéu. Houve uma época em que usava uma bolsa a tiracolo. Mesmo nas solenidades oficiais, ele ia assim. Não lembro de ter visto Orlando de terno nem uma única vez nos nossos quase 30 anos de convivência. Se usou, eu não vi. Ele morava lá em Manguinhos e vinha dirigindo seu fusquinha todo dia até Vitória. Até podia comprar outro carro, apesar dos relativos apertos financeiros em que vivia, mas ele gostava do fusca e também não ligava a mínima para símbolos de ostentação. Não era consumista. Só comprava livros e discos” — Jovany Sales Rey.
homenagem
Em 1975, veio a notícia da prisão do pai pela ditadura militar. Essa foi a última informação que Orlando teve de seu pai, marco esse que o acompanhou até o fim da vida. A ausência de respostas virou filme em 2012, em “Orlando Bomfim Jr. – Desaparecido Político.” “O essencial no Orlando, no jeito de ser dele, foi a marca, a chaga, que ficou com o desaparecimento do pai. Isso o tornou pro resto da vida um inimigo de qualquer forma de intolerância e de preconceitos”, relatou o escritor, dramaturgo e roteirista de cinema e TV, Jovany Sales Rey. A dor da perda do pai, entretanto, não amargurou Orlando. Pelo contrário, impulsionou sua paixão pelo humano, pela vida e identidade das pessoas. Foi inspiração a tantas gerações que entraram no audiovisual, como a própria Ana Luiza Calmon, escritora da biografia do cineasta. “Durante as horas de bate-papo que tive com ele, minha maior inspiração era o homem ali, à minha frente. Tão sereno, sábio e presente. Orlando foi um ser humano que alimentou em mim a conexão com gente como a gente. Na época eu era uma estudante de jornalismo querendo migrar para o cinema. Já são quase dez anos desde quando escrevi este livro e eu sempre lembro dos ensinamentos que Orlando compartilhou comigo através da sua fala e do seu olhar. Ele me ajudou a enxergar o cinema capixaba, nossa cultura e meu papel enquanto cidadã e trabalhadora do audiovisual com um olhar humano e consciente da minha importância para as mudanças que desejo por aqui”, contou Ana Luiza.
LEI RUBEM BRAGA Uma das pioneiras no Brasil, a Lei Rubem Braga (LRB) completou 30 anos em 2021 e foi um dos legados de Orlando Bomfim, peça essencial para a formulação e aprovação da lei no município. Um dos destaques da Lei Rubem Braga é que, além de democratizar os recursos, fomentando as produções, permite ampla participação da sociedade civil na escolha dos trabalhos a serem financiados. Em 2019, foi aprovada uma reformulação da LRB na Câmara de Vitória, visando aumentar o número de áreas contempladas, modernizar o sistema de prestação de contas, contratar pareceristas para avaliação dos projetos propostos e desburocratizar o acesso à lei. No ano seguinte, a LRB ganhou um novo selo e um cineclube para exibição e discussão das obras financiadas. Essas alterações tiveram como base o Seminário da Lei Rubem Braga, realizado em 2014 no Museu Capixaba do Negro (Mucane), no qual foram ouvidos os fazedores de cultura da capital. Orlando era gerente da Lei nessa época. “Ele conhecia a Lei desde que ela nasceu. Ora como avaliador na comissão normativa, ora como secretário executivo da lei, ora como criador/artista, conhecia cada canto, cada gargalo da lei. Tinha suas convicções e entendia que a lei precisava de atualização, que algumas coisas precisavam mudar, e ia construindo isso internamente”, contou a atual gerente da Lei, Wanya Mahyé, que trabalhou com o cineasta de 2013 a 2017 no setor. Ao longo dos 30 anos, foram 1840 trabalhos aprovados pela Lei, contribuindo para o fomento da cultura na capital capixaba. O montante de recursos destinados desde a criação da Lei ultrapassa os R$36,8 milhões.
“Orlando era um gentleman. Nunca vi ele se exaltar, destratar ninguém. Pessoa amável, gentil. É a grande memória que fica dele. Eu lembro que ele estava sempre com aquele chapéu dele. Nem era uma mania, mas era uma necessidade. Não podia pegar sol na cabeça. O chapéu era uma companhia inseparável dele, quer fosse de dia, caminhando ao sol ou mesmo a noite, que ele também usava. Ele era uma pessoa amável” — Sebastião Ribeiro Filho (Tião Xará).
“Orlando era puro entusiasmo, gentileza, generosidade, educação e carisma. Lembro da sua gargalhada, de suas batucadas na mesa, animado. Blusa xadrez de manga comprida e chapéu. Um ótimo “falador”. Falava de tudo. E sabia ouvir. Talvez, entre falar e ouvir, o ouvir era o que sabia fazer melhor. Curtia comer durante o expediente, frutas e beijins que comprava nas bancas do Centro de Vitória. Ele era um otimista ativo. Um lutador, constante e perseverante, nas batalhas travadas em prol da cultura. Um pioneiro. Respeitava o artista. Respeitava o fazer artístico. Respeitava as pessoas. Um fazedor de amigos. Todos o respeitavam, o ouviam” — Wanya Mayhé — Gerente da Lei Rubem Braga. 15
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“Ele gostava muito de receber-nos em sua casa em Manguinhos. Era um ótimo chefe de cozinha e fazia comidas magníficas para nos servir – moquecas maravilhosas, frutos do mar, saladas... Nós, os amigos, íamos para a casa dele aos sábados ou domingos pela manhã e sentávamos na varanda, ao som de músicas de excelente qualidade, petiscando delícias e batendo um bom papo. Muitas vezes assistíamos a alguns curtas. Isso quando não ficávamos o final de semana inteiro. Fomos muito felizes na convivência com Orlando. Ele será eterno em nossos corações e mentes” — Claudino de Jesus.
“Ir à casa de Orlando também era entrar no universo da cultura brasileira. A gente conversava sobre música. Ele tinha uma coleção de discos da MPB, da música internacional, do jazz, uma coleção de artes plásticas, de pinturas de grandes artistas brasileiros. Uma biblioteca genial. Encontros com pessoas do cinema do Brasil inteiro. Ele tem essa dimensão, não só da figura institucional, para a democracia, a cultura, mas também essa dimensão pessoal. Esse amigo que te abre as portas para essa dimensão da arte e da cultura e é fantástico” — Marcos Valério Guimarães.
DOCUMENTÁRIO Tutti Tutti Buona Gente
FILMOGRAFIA
(ES, 1973, 35mm, cor, 26 min)
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FICÇÃO
Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Fotografia: Douglas Lynch; Montagem: Manfredo Caldas e Leon Cassidy; Letreiros: Vera Roitman; Assistente de direção e produção: Janet Chermont; Maquinista e Eletricista: Dermeval Peçanha; Produtores: Circus Produções e Astrid Marot; Mixagem: Carlos La Riva; Efeitos Sonoros: Walter Goulart; Laboratório de Som: Tecnisom; Prêmios: Coruja de Ouro e Troféu Humberto Mauro da Embrafilme, 1976. Participou do Festival de San Sebastian, 1976, na Espanha, e do Festival de Manheim, 1976, na Alemanha. Foi exibido na Jornada Nacional de Curta Metragem (1977), em Salvador (BA).
Status 69 (RJ, 1969, 16mm, P&B, 1min30s)
O Bondinho de Santa Tereza
Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim
(RJ, 1978, cor, 16mm, 28 min)
Linhas Paralelas (ES, 2010, 35mm, cor, 14 min) Direção e roteiro: Orlando Bomfim; Fotografia: Carlos Tourinho; Produtor Executivo para Filmagem: Polyana Cogo; Direção de Produção: Alana Ribeiro; Direção de Arte: Flávia Carvalinho, Rosana Paste; Edição: Beto Wagner, Orlando Bomfim Netto; Efeitos Especiais e Desenho de Luz: Beto Wagner; Som direto: Alessandra Toledo; Assistente de Som: Constantino Buteri; Elenco: Alcione Dias, Rosana Paste, Agostino Lazaro, Janine Correa.
Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Direção de Fotografia: Douglas Lynch; Montagem: Alexandre Alencar; Produção: Lúcio Aguiar. Mestre Pedro de Aurora – Pra Ficar Menos Custoso (ES, 1978, cor, 3mm, 10 min) Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Fotografia: Douglas Lynch; Som direto: Flavio Holanda; Narração: Orlando Bomfim; Montagem: Alexandre Alencar; Pesquisa: Hermógenes Lima Fonseca e Rogério Medeiros; Títulos: Alberto Delerue; Operador de Som: Jorge Rueda; Laboratório de Som: Tecnisom; Assistente de produção: Maria de Fátima.
homenagem
COMENDA MAURÍCIO DE OLIVEIRA 2019
“Quando trabalhei junto do Orlando em Linhas Paralelas, eu falei para ele que nunca tinha andado de trem na vida, que não fazia parte da minha história. E o filme tinha a ver com trem, com encontros e desencontros, a partir das memórias e das fases da vida da personagem principal. Primeira vez que foram fazer o trajeto dos trens, ele me chamou: ‘agora você vai andar de trem!’. E aí andei bastante de trem. Fizemos uns trajetos no interior para ver as rotas, filmamos dentro daquele trem histórico. Botamos a Maria Fumaça para rodar. Foi muito bonito! Andei de trem com Orlando” — Sáskia Sá.
Crédito Leonardo Silveira - Acervo Prefeitura de Vitória
Canto para a Liberdade – A Festa do Ticumbi (ES, 1978, 35mm, cor, 19 min) Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Fotografia: Douglas Lynch; Som direto: Flavio Holanda; Narração: Orlando Bomfim; Montagem: Alexandre Alencar; Pesquisa: Hermógenes Lima Fonseca e Rogério Medeiros; Títulos: Alberto Delerue; Operador de Som: Jorge Rueda; Laboratório de Som: Tecnisom; Assistente de Produção: Maria de Fátima.
HOMENAGEM A ORLANDO BOMFIM NA 6ª MOSTRA PRODUÇÃO INDEPENDENTE - 10 ANOS DE ABD CAPIXABA EM 2010
Itaúnas – Desastre Ecológico (ES, 1979, 35mm, cor, 8 min) Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim; Fotografia: Douglas Lynch; Som direto: Flavia Holanda; Narração: Orlando Bomfim, Netto; Montagem: Alexandre Alencar; Pesquisa: Hermógenes Lima Fonseca e Rogério Medeiros; Títulos: Alberto Delerue; Operador de Som: Jorge Rueda; Desenhos: Caribé; Laboratório de Som: Tecnisom; Assistente de produção: Maria de Fátima; Prêmios: Melhor curta-metragem no Festival de Brasília, (1979), Brasília – DF. Augusto RuschiGuainumbi (ES, 1975-1979, 35mm, cor, 11 min) Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Assistente: Landa Navegantes; Produtores: Circus Produções e Antônio Copriva Filho; Apoio Cientifico: Augusto Ruschi; Fotografia: Douglas Lynch; Trilha: Jaceguay Lins; Foto Trucagem: José A. Mauro; Texto: José A. Menezes; Som direto: Jorge Saldanha; Narração: Orlando Bomfim Netto; Montagem: Alexandre Alencar; Letreiros: Augusto Bomfim; Mixagem: Carlos de La Riva. Participou da Jornada Brasileira de Curta-metragem (1970), Salvador (BA).
As Paneleiras do Barro (ES, 19783, 16mm, cor, 55 min) Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Fotografia: Douglas Lynch; Direção de som: Orlando Bomfim Netto; Montagem: Alexandre Alencar; Mixagem: TVE RJ; Texto: Rubinho Gomes. Dos Reis Magos dos Tupiniquim (ES, 1985, 35mm, cor, 10 min) Direção, roteiro e produção: Orlando Bomfim Netto; Fotografia: Douglas Lynch; Direção de som: Orlando Bomfim Netto; Montagem: Orlando Bomfim Netto, Alexandre Alencar, Ainda Marques. Orlando Bomfim Jr. – Desaparecido Político (ES, 2012, 35mm, cor, 22min) Direção: Orlando Bomfim Netto; Fotografia: Carlos Tourinho e Marcos Valério Guimarães; Montagem: Marcos Valério Guimarães.
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O FORMATO EMERGENCIAL Artistas do teatro, dança, literatura, música e outras artes tiveram que se adaptar para continuar a produzir. Com o auxílio da Lei Aldir Blanc, o formato de webséries ancorou as mais diversas inspirações.
HONÓRIO FILHO
WEBSÉRIE LITELA MÁGICA, DE MATHEUS DE MIRANDA
WEBSERIE A NOITE ILUMINADA, DA CIA JUNCO
WEBSÉRIE NÓS NAS REDES, DA CIA CIRCO EM NÓS
WEBSÉRIE CAPIXABAS DLUTA, DE CINTIA BRAGA
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reportagens
As salas de cinema se esvaziaram, o teatro ficou sem plateia, os músicos sem público em frente ao palco. Os espaços públicos foram temidos por longos meses, dando lugar a uma realidade que exigia a presença virtual e não mais a física. Produzir arte se tornou uma situação de emergência. No entanto, uma imensa porta continuou aberta e se transformou na saída de incêndio da tragédia pandêmica. Artistas da dança, do circo, da música, do teatro, da literatura e de todas as outras esferas, para não verem o próprio trabalho se tornar cinzas, tiveram que se fazer presentes online, de modo que o formato de websérie foi abraçado nas mais diversas propostas. Obviamente, o espaço virtual não é novidade e, na verdade, nem os formatos são estranhos para o público. No entanto, a pandemia transformou o que era uma questão de adaptação em sobrevivência. Sem público fisicamente presente, o audiovisual foi a maneira do artista de se fazer presente no espaço privado do público. Assim, as lives se tornaram, via de regra, um espaço a se ocupar para qualquer músico, os serviços de streaming já popularizaram as webséries, e o Youtube é um dos veículos, enquanto uma das grandes plataformas audiovisuais no mundo. Todavia, como sobreviver sem os recursos necessários para se produzir audiovisual? É nesse ponto que nos deparamos com a necessidade de existência da Lei Aldir Blanc. Foi a hora de retirar aquele projeto da gaveta, o qual parecera, por muito tempo, uma aventura; do contrário, haveríamos de elaborar imediatamente uma nova maneira de se fazer a própria arte. Em suma, a necessidade imediata era produzir, botar as mãos na massa. Um exemplo dessa necessidade urgida foi o próprio edital “Cultura Digital” da Secult-ES, que inicialmente contemplou 50 projetos de “Núcleo de Produção” e 24 projetos de “Conteúdo Digital em Audivisual”. Porém, no fim, os números tiveram de ser invertidos. Foram 133 projetos inscritos na categoria “Conteúdo Digital em Audiovisual” e 19 projetos no “Núcleo de Produção”. No final, foram aprovados 108 projetos de webséries, com proponentes residentes em 21 municípios diferentes. Webséries nos mais diversos formatos foram produzidas com o auxílio da Lei Aldir Blanc, entre elas entrevistas, vlogs, ficções, documentários, performances e peças de teatro. Em quase todas houve a necessidade de adaptação, de repensar uma maneira de existir em som e imagem, minimizando os danos causados pelo isolamento social. Para o secretário de Cultura do Estado, Fabrício Noronha, foi importante trazer para o desafio do digital o maior número possível de setores. “A questão do digital foi uma das primeiras certezas dentro de um campo de muitas incertezas. A gente iria precisar se utilizar dos meios digitais para
continuar produzindo”. Ele destacou, ainda, a importância desse momento para movimentar toda a cadeia de produção do audiovisual durante a pandemia, gerando oportunidades no setor.
LITERATURA E HISTÓRIA SÃO REIMAGINADAS EM ANIMAÇÃO Dois ótimos exemplos dessa adaptação às circunstâncias são as Webséries “Litela Mágica” e “Capixabas D’luta”. Cada uma à própria maneira, elas evidenciam a necessidade de um diálogo entre linguagens para o artista se fazer existir, colaborações que permitem que diferentes artistas e nichos existam num mesmo propósito, quase em um ato de protesto e resistência, consciente ou inconscientemente. Idealizado por Matheus de Miranda, dono do Sebo Leitura Fina localizado no centro de Vitória, a websérie “Litela Mágica” transforma em animação pequenos contos de literatura infantil escritos por autores capixabas, com 6 episódios ao todo. Matheus conta que, inicialmente, dos seis autores, ele conhecia apenas uma, sua própria cunhada Miriam Batista – autora do episódio “Dragonildo! Bebe tanta Gasolina!”. Os outros autores, por sua vez, se juntaram ao projeto por indicação de um amigo e cliente, professor universitário. Todas as ilustrações passaram por adaptações – e, em alguns episódios, por uma criação – feita pela artista Rafaela Wanzeler. “No episódio do livro “O Fio da Aranha”, foi necessário refazer todo o desenho, porque a obra da escritora Maria Elvira só tinha uma ilustração, visto que era um livro de contos. Por meio desse desenho, Rafaela fez a adaptação do estilo em todas as demais ilustrações”, contou Matheus. Os tempos são obscuros – neste período bolsonarista da história de nosso país –, toda e qualquer proposta de agregação se faz como oposição à realidade política e social. As 6 histórias infantis contadas na websérie, nas palavras do realizador do projeto, Matheus de Miranda, “trazem um sentido de pertencimento humano, de empatia, coisas que estão meio turvas atualmente”. Com discurso político direto e em defesa dos direitos humanos, a professora de história e cineasta, Cintia Braga, transformou a história de 6 personalidades capixabas em animação para o público infanto-juvenil. Assim, figuras históricas como Chico Prego, Maria Tomba-Homem e Afonso Claúdio tiveram suas histórias adaptadas com o traço do artista Luiz Quintanilha. “A websérie não tem uma narrativa que reproduz uma perspectiva folclórica, em que você precisa saber quando o personagem nasceu, morreu, quem era o pai dele. Não são essas informações que a gente valoriza. A gente valoriza uma 19
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informação que vá trazer cidadania para quem for assistir, algo que traga uma discussão sobre democracia, pelas lutas de liberdade de expressão, contra a censura, contra a tortura. Valores pela defesa dos direitos humanos”, disse Cintia Braga.
física porque somos uma companhia de circo contemporâneo, ou seja, um circo que não necessita necessariamente de uma lona para a sua itinerância. É um circo que se adapta muito bem aos palcos e teatros.”, ressaltou Maycow.
A diretora e roteirista do projeto conta que estava grávida, mas a pandemia acabou proporcionando-lhe um momento para estar sozinha, e viver isolada lhe possibilitou a oportunidade de escrever a websérie. Como integrante do meio educacional – Cintia Braga é professora da rede estadual e da faculdade municipal de Linhares –, ela contou que o “Capixabas D’luta” é sua maneira de pensar em audiovisual e educação juntos: “Muitos colegas já me procuram e estou trabalhando com o nosso material em sala de aula”.
A série captura performances circenses em meio a uma proposta de documentário sobre a cultura capixaba. São 4 episódios em que características marcantes do Estado – como a moqueca capixaba, a panela de barro e o convento da Penha – são apresentadas ao espectador atreladas a um diálogo entre corpo, performance e espaço.
DANÇA, MÚSICA, TEATRO E CIRCO Duas propostas que se originam das artes cênicas e ganham corpo em som e imagem são as webséries “Uma Noite Iluminada” e “Nós na Redes”. Ambas são projetos sementes de desejos antigos de seus realizadores, que, agora, diante da necessidade de suprir a ausência do público, se tornaram uma realidade. “É uma linguagem a mais que a gente ganha através da exploração, [...] uma camada a mais que propõe uma nova perspectiva para a companhia”, observou a dançarina Lucía Reizner. Ela e o músico Esteban Bisio são argentinos e compõem a Cia Junco. Juntos, realizaram a websérie “Uma Noite Iluminada”. Eles moram no Espírito Santo há 3 anos e contaram com uma equipe local para roteirizar e filmar. A websérie é uma adaptação livre da história “Switch on the Night”, de Ray Bradbury, e é sobre um menino que tem medo da noite. Ele é sozinho e triste até conhecer Sombra, uma menina muito alegre e misteriosa que vai lhe mostrar todas as belezas que podem habitar a escuridão. A companhia já apresentava a peça infantil antes da pandemia, misturando dança, música e teatro; com a nova realidade, tiveram a oportunidade de aumentar o caráter híbrido do próprio trabalho. A dança e a performance também fazem parte da websérie “Nós nas Redes”, projeto idealizado por Maycow Ribas e a Cia Circo em Nós. A proposta circense já encaminhava o grupo para ideias híbridas de formato e possibilidades de diálogos com diferentes cenários e públicos: “Nunca tivemos uma sede
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MANEIRAS DE CONTINUAR Para alguns artistas, o formato de websérie serviu como uma maneira de colocar o próprio trabalho em uma vitrine. O músico Zé Moreira, com 40 anos de carreira, contou que o formato de live não lhe agrada: “Talvez por ter feito muita coisa presencial e não conseguir sentir a mesma mágica nas novas plataformas, eu ainda não me sinto muito à vontade”. Na websérie “Em Composição”, ele encontrou uma maneira de se adaptar à falta de público presente, revisitando suas próprias composições e contando, em 4 episódios, algumas de suas influências, como o jazz, o Congo e a cultura mineira. “Para mim [o projeto] veio pra salvar mesmo, pagar as contas”. O músico contou com o filho mais velho, Gabriel Moreira, durante a produção da série, e reconheceu a ironia de acabar produzindo um trabalho há muito tempo desejado, mas só de fato executado em um momento tão difícil como a pandemia: “Eu já tinha uma intenção, mas a gente nem esperava que fosse durante a pandemia. No audiovisual você coloca muita gente para trabalhar, não é fácil.” A websérie pode ser ferramenta para um artista da música se reinventar, ou, também, uma plataforma de divulgação da escrita através de formatos mais comuns à TV, como por exemplo um programa de entrevista. O coletivo Palavra Negra continua o trabalho de difundir a literatura negra com a websérie “Palavra Negra: Entrevista”. Adriano Monteiro entrevista, em 5 episódios, autores capixabas, com livros que vão desde a ficção científica à poesia e trabalhos de pesquisa histórica. Adriano também é diretor do projeto: “A ideia era trazer livros autorais, independente do gênero literário”.
reportagens
PÚBLICO NA SESSÃO LUA DE SANGUE, NO SESC GLÓRIA
UMA NOVA RETOMADA PARA O AUDIOVISUAL CAPIXABA
Produções de filmes, festivais, mostras e cineclubes retomam as atividades e lutam por mais investimentos e estrutura.
THIAGO SOBRINHO
O dia de 30 de outubro de 2021 ficou marcado para o cineasta Gustavo Senna. A noite que antecedeu o Dia das Bruxas foi a pré-estreia de “Lua de Sangue”, curta-metragem de terror dirigido pelo capixaba ao lado de Mirela Morgante.
e lançar um trabalho depois desse período de pandemia. E a produção de cinema envolve muita gente. As coisas saíram do lugar. A impressão é essa. Foi bem gratificante passar no cinema a nossa produção”, comemorou ele.
Tudo aconteceu na sala Cariê Lindenberg, no segundo andar do Sesc Glória, no centro de Vitória. Na noite daquele sábado, cerca de 50 pessoas saíram de suas casas para acompanhar uma produção audiovisual local, algo impensável até pouco tempo atrás, afinal, a fim de evitar a propagação do coronavírus, salas de exibição do Estado e do País foram forçadas a fechar as portas por conta da pandemia.
Filmado em julho de 2021, “Lua de Sangue” foi uma das 389 produções audiovisuais contempladas pela Lei Aldir Blanc no Estado, segundo a Secretaria de Estado da Cultura (Secult-ES). Aos olhos de Diego de Jesus, Presidente da ABD Capixaba e coordenador geral da 16ª Mostra Produção Independente ABD Capixaba, a Aldir Blanc foi fundamental para o setor cultural como um todo.
E, ao longo dos 19 minutos do filme,100 pares de olhos acompanhavam a história de um casal de cineastas que se perde na floresta da Pedra dos Dois Olhos, em Fradinhos, em busca de um mirante para filmar o eclipse da Lua.
“Se não fosse a Lei, muitas pessoas estariam fora do mercado. A gente estava em um movimento de trazer mais pessoas para a produção audiovisual, principalmente as pessoas pretas e a comunidade LGBTQIA+. Se não fossem os investimentos, em formato de editais, com certeza a gente teria perdido muitas dessas pessoas que não estariam no setor. Elas estariam tentando outras formas de sobreviver”, complementou Diego.
Para Gustavo, a alegria foi dupla. Primeiro, a felicidade de ver um filho ganhando a vida. Acrescente o gozo de toda uma classe que pôde acompanhar de perto o retorno do público às salas de cinema e a promessa por dias melhores. “Depois de tanto tempo, a gente teria um dia para fazer isso
A 10ª edição desta mesma Revista Milímetros, publicada em dezembro de 2020, informou que o setor do cinema e audiovisual no Espírito Santo empregava mais de 1.400 profissionais em 140 estabelecimentos registrados. Diego afirmou não possuir os dados atualizados, mas tem certeza de que esse número aumentou ao longo do último ano. “Acho que os streamings e as novas plataformas, além do acesso aos equipamentos de maneira mais fácil do que antes, fez aumentar muito os realizadores e realizadoras do setor”, opinou ele.
SESSÃO LUA DE SANGUE, NO CINEMA DO SESC GLÓRIA
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CORRIDA PARA O DIGITAL No caso dos editais da Aldir Blanc, o Secretário de Cultura do Estado, Fabricio Noronha, destacou que houve uma preocupação em não segmentar os formatos. “Toda a instabilidade e a imprevisibilidade do processo da pandemia traziam para nós uma série de possibilidades. A questão do digital foi uma das primeiras certezas dentro de um campo de muitas incertezas. A gente iria precisar se utilizar dos meios digitais para continuar produzindo”, afirmou Fabrício. Dois desses projetos exclusivamente voltados para a internet têm a assinatura da produtora audiovisual e cultural capixaba Juane Vaillant. Com recursos da Lei, ela produziu vídeos para o projeto de videoarte “Tempo Suspenso”, além da série de vídeos chamada “Cultura Periférica é Pop”. Enquanto a primeira iniciativa se debruça sobre nossa relação com o tempo e o retrato de sonhos durante a pandemia através de poemas, o segundo projeto discute temas pertinentes da cultura pop partindo de uma perspectiva periférica e também feminista. Juane não pensou duas vezes ao afirmar que Aldir Blanc salvou o seu ano de 2020. Também refletiu sobre como o período da pandemia mudou a relação não só de produtores,
Quando não temos esses incentivos, não dá para produzir. E as pessoas acham que ganhamos dinheiro com views. É mentira”, ressaltou. Por outro lado, a Lei Aldir Blanc também contribuiu com a difusão de produções realizadas no Estado. Um exemplo é o Festival Tela Curta Cachoeiro. O evento teve sua primeira edição neste ano, e é uma iniciativa do Cineclube Jece Valadão, de Cachoeiro de Itapemirim no Sul capixaba. O evento aconteceu entre maio e junho de 2021, contando com oficinas e exibição de curtas-metragens realizados a partir de dispositivos móveis como celulares, webcams e tablets. “E outras formas alternativas de produção – esse “alternativas” é meio genérico, mas tínhamos em mente coisas como foto-filmes e produções com mapa 3D do Google Maps”, explicou Lucas Schuina, produtor executivo do Festival. “Queríamos um festival que desse espaço para produções da região Sul do Espírito Santo, onde é muito mais difícil encontrar gente produzindo profissionalmente, e que, ao mesmo tempo, tivesse um olhar atento a novas tendências de criação. Um evento que proporcionasse um encontro entre diversos sujeitos e formas de expressão”, complementou Lucas. De acordo com ele, só nas primeiras duas semanas de festival, mais de 8 mil pessoas visitaram o site oficial do Tela Curta. “Sabemos que apenas uma parcela bem menor, de fato, assistiu aos filmes e acompanhou as lives (em torno de 2 mil pessoas) o que, de qualquer forma, é um número muito expressivo para nós”, comemorou.
JUANE VAILANT NOS BASTIDORES DO CURTA EBE
mas também do público, em relação aos conteúdos produzidos exclusivamente para o mundo virtual. “Estamos num momento de via de mão dupla: por um lado, as pessoas perceberam a importância de quem produz online. Por outro, todo mundo acha que é produtor de conteúdo”, analisou ela, que aproveita o ensejo para ir de encontro a algumas ideias que permeiam o fazer audiovisual, principalmente em relação a vídeos publicados no YouTube. “Acho que as pessoas não entendem a realidade de um produtor digital. Com o YouTube, nós ganhamos bem pouco.
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Para Lucas, é fundamental que o poder público seja sensível aos fazedores de cultura capixaba, principalmente em um momento de crise econômica e sanitária. No entanto, ele também volta sua análise para um futuro em que a Lei Aldir Blanc deixará de existir. “Não basta lançar editais, é preciso oferecer estrutura adequada para quem trabalha com políticas culturais”, opinou.
reportagens
É PRECISO MAIS INVESTIMENTO E ESTRUTURA O Governo do Espírito Santo, por meio da Secult, ressaltou que mais do que triplicou os investimentos em Cultura, com políticas públicas inovadoras que diversificam os mecanismos de acesso aos recursos e dão mais oportunidades às pessoas para que vivam de sua criatividade. Nesse sentido, as cifras chegam a quase R$34 milhões em três iniciativas: Fundo a Fundo, a Lei de Incentivo à Cultura Capixaba e os Editais 2021. Há também uma expectativa em relação a outras iniciativas, como a Lei Paulo Gustavo, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) e a Lei do ICMS, que, segundo o coordenador geral da 16ª Mostra, tem sido debatida com a Secult-ES. Por outro lado, as poucas leis municipais de incentivo à cultura no Estado estão paradas, entre elas a Lei Rubem Braga, que está paralisada há 4 anos e os contemplados em 2020 ainda não receberam os repasses.
LUIZ EDUARDO NEVES DURANTE AS GRAVAÇÃOES DO VIDOCLIBE MITO É O CARALHO, O VIDEOCLIPE MITO É O CARALHO 2, QUE ROTERIZOU, PRODUZIU.
Para o realizador Luiz Eduardo Neves, Presidente da Organização de Cineclubes Capixabas, o setor nunca respirou em paz e baixou a guarda. “O que aconteceu nesse momento ímpar de pandemia, que atingiu diretamente a vida dos produtores culturais, foi potencializar os desafios do setor. A precarização das políticas públicas faz parte de uma linha de pensamento retrógrada em ascensão, que enxerga a produção de conhecimento, jornalismo e a reflexão por meio da cultura como inimigos. O caminho é resistir sempre”, ressaltou. Ele explicou, também, que o audiovisual brasileiro tem sobrevivido devido aos investimentos do streaming desde que a Ancine fechou as portas para os fazedores de cultura. “Os recursos da Aldir Blanc foram um respiro tardio, mas que ainda vieram. O Estado do Espírito Santo mantém seus editais, porém, no âmbito municipal, há um desgaste recorrente, inclusive com a não distribuição de recursos federais. Sempre parece uma corrida para correr atrás ou recuperar algo perdido. Dificilmente há a sensação de avanço”. O caminho é a maior articulação entre os produtores e as entidades representantes, e o avanço dependerá desse levante coletivo para barrar políticas públicas que tragam retrocesso. “Vamos continuar com a militância que sempre tivemos. Mesmo que a situação melhore um pouco, continuar exigindo o que acreditamos ser direito e uma política pública da cultura”, concluiu Diego de Jesus..
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PRODUÇÃO CAPIXABA EM DIÁLOGO COM EDITAIS Além dos editais da Secretaria de Cultura do Espírito Santo, Prefeituras de Cachoeiro do Itapemirim, Cariacica, Viana e Linhares também começam a se movimentar para colocar suas próprias leis de incentivo em prática. CRISTINA OLIVEIRA
BASTIDORES DAS GRAVAÇÕES DO DOC. A COISA TÁ PRETA - PRODUÇÃO DE LINHARES
Se a pandemia trouxe vários desafios para os mais diversos setores mundiais, não foi diferente com o mercado audiovisual capixaba. Com as produções cinematográficas reduzidas ou mesmo paradas, foi preciso buscar novas formas de incentivo e de se reinventar. Novas oportunidades surgem no setor cultural do Estado como um meio de retomada das produções. Embora várias leis municipais não estejam em vigor ou caminhem a passos lentos, as oportunidades para o setor começam a apresentar melhoras. Muitos projetos estão sendo produzidos e finalizados pela Lei Federal Aldir Blanc, bem como há outros estímulos feitos pelo Governo do Estado e prefeituras. Por meio do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), no dia 10 de novembro, o Governador Renato Casagrande lançou 26 Editais da Cultura 2021 voltados às mais diversas áreas, como música, teatro, artes visuais, dança e, claro, audiovisual. Serão investidos R$14 milhões nos projetos selecionados, e as inscrições devem ser feitas online entre os dias 24 de novembro e 11 de janeiro. O audiovisual poderá se beneficiar de vários editais não específicos para determinada área, como Diversidade Cultural Capixaba, Valorização da Cultura Urbana, Cultura Digital e Territórios Criativos. Já aqueles voltados para o setor, há sete editais: Setorial de Audiovisual, Cineclubismo, Finalização de Obras Audiovisuais, Desenvolvimento de Projetos de Audiovisual, Produção de Longa-Metragem, Produção de Documentários – Prêmio Orlando Bomfim Neto – Edição 2021 e Produção de Curta e Média Metragem de Ficção e Animação. Segundo o secretário de Cultura do Estado, Fabricio Noronha, ainda haverá uma complementaridade de outras ações nas políticas de fomento à cultura. A mais significativa delas é a implementação da Lei de Incentivo à Cultura Capixaba (LICC), que permitirá a destinação de R$10 milhões anuais para a área. A nova Lei possibilita que empresas revertam parte dos impostos sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em recursos de fomento ao setor cultural. A partir da regulamentação da Lei, anunciada em março deste ano pelo Governador, a Secult-ES será responsável pelo credenciamento de projetos culturais, pela validação desses projetos para receberem investimento e pela fiscalização do cumprimento das exigências da Lei.
NOVAS OPORTUNIDADES PARA O AUDIOVISUAL
MAIS UMA PRODUÇÃO DE LINHARES, REGÊNCIA E SEUS ENACANTOS, DE DIEGO LUIS
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Outra medida anunciada da qual poderá se beneficiar o audiovisual é o Programa de Incentivo à Economia Criativa no Espírito Santo. De autoria do deputado estadual Dr. Emilio Mameri (PSDB), a lei 11401 de 14/09/2021 foi sancionada
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pelo Governador Renato Casagrande no dia 5 de novembro, e tem a finalidade de fomentar novos empreendimentos no Estado e potencializar as iniciativas já existentes. De acordo com dados do Plano da Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura, a participação do setor criativo representa 3% do PIB nacional, tendo um crescimento médio de mais de 6% ao ano. O termo “Economia Criativa” refere-se às atividades que, a partir da imaginação, são capazes de produzir valor econômico. O projeto inclui, nessa categoria, processos que envolvem criação, produção e distribuição de produtos e serviços, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos. Logo, abrange o audiovisual, a arte, a moda, o design, a publicidade, a arquitetura, a música, entre outras diversas formas de expressão criativa.
INCENTIVOS PARA PRODUÇÕES NO INTERIOR Além dos incentivos por parte do governo estadual, as prefeituras da Grande Vitória e do interior também têm buscado outras formas de fomentar a cultura audiovisual em suas cidades. Uma delas é por meio da Lei Federal Aldir Blanc, que dispõe de ações emergenciais destinadas ao setor cultural, incluindo o audiovisual, adotadas em decorrência dos efeitos socioeconômicos da pandemia do coronavírus. Sua vigência se encerraria em junho deste ano, mas foi prorrogada até dezembro, priorizando projetos culturais virtuais que pudessem ser transmitidos por sites na internet ou pelas redes sociais. As prefeituras estão em fase de conclusão de suas produções e, até o momento, não há informação concreta sobre a possibilidade de essa lei ser aplicada em 2022. Como outra iniciativa, um programa que aos poucos vem sendo retomado é a Lei Rubem Braga, que rege em Vitória. Segunda lei municipal de fomento à cultura do Brasil mais antiga do País, ela completou, em junho deste ano, três décadas de existência, porém se encontrava parada por questões orçamentárias. Embora ainda não haja previsão sobre abertura de editais para 2022 (já que este ano também não houve lançamento de edital), a Secretaria Municipal de Cultura de Vitória (Semc) informou que está em fase de publicação dos projetos audiovisuais aprovados em 2020 contemplados por essa lei. Em Cachoeiro de Itapemirim, a Lei Rubem Braga, criada em 2008 na cidade, é o “carro-chefe” da produção audiovisual do município, segundo a responsável pelas Leis de Incentivo em vigor da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Valquiria R. Volpato. Este ano foram destinadas, para o seguimento,
até seis premiações, com um valor total de R$10.000,00 cada. A Rubem Braga encerrou suas inscrições no dia 15 de novembro e, para o ano de 2022, ainda não há previsão de quando novas serão abertas. O terceiro município do Estado a criar uma lei específica para o setor cultural foi Cariacica, que desenvolveu o Incentivo Financeiro à Cultura João Bananeira, o qual faz repasse direto do benefício aos artistas e produtores culturais residentes na cidade. Visando o fomento à cultura com políticas públicas estruturantes e desburocratizada, com mecanismos inovadores e inéditos no Estado, a lei estimula iniciativas nas áreas audiovisuais (cinema, vídeo e afins), artes musicais, artes cênicas, artes visuais, patrimônio material e imaterial, artes literárias, artes plásticas, cultura popular e arte contemporânea. Ademais, foi a única lei de incentivo municipal do Espírito Santo a não ser interrompida por conta de mudanças da administração. Os editais são publicados anualmente e, neste ano, as inscrições se encerraram em agosto. Outro exemplo é a Lei Chico Prego, inativa desde 2016, que fomenta projetos culturais na Serra e está na fase final de sua proposta de reformulação. Similarmente a outras leis, o novo texto deve acabar com o sistema de troca de bônus e prever o repasse diretor dos recursos, desburocratizando o processo. A previsão é de que o edital saia com o valor de R$1 milhão e que sua publicação se dê no primeiro semestre de 2022, com recursos destinados a produções audiovisuais. Para comemorar seus 159 anos de emancipação, Viana terá sua primeira Lei de Incentivo Financeiro à Cultura, sendo esse um marco histórico nas políticas públicas culturais da cidade, que passará a integrar a fonte de financiamento do Sistema Municipal de Cultura. Segundo a subsecretária de Esporte, Cultura e Turismo, Renata Weixter, a lei de incentivo deve sair em 2022, com vistas a abarcar Projetos de Incentivo às Artes que correspondam a trabalhos elaborados e apresentados por produtores culturais relacionados às áreas e às atividades de audiovisuais (cinema, vídeo e afins), artes musicais, artes cênicas, artes visuais, artes literárias, artes plásticas, cultura popular, arte contemporânea e patrimônio cultural. “A Lei prevê o repasse direto aos artistas de até 5% da arrecadação de ISSQN do município no formato de editais. O primeiro será lançado no primeiro semestre de 2022”, afirmou. Em Linhares, José Augusto Muleta, diretor de Cultura e Turismo do município e também diretor cinematográfico, deu sua opinião acerca do cenário audiovisual no Estado, em especial na cidade em que atua. Segundo Muleta, a pandemia freou o cenário audiovisual, contudo, com a resistência e a união dos realizadores, houve pressão para que novas possibilidades fossem criadas e exploradas. “O audiovisual virou, realmente, uma ferramenta muito concreta que ajuda muitos 25
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processos, e os realizadores audiovisuais têm que ser muito dinâmicos, têm que acompanhar todas essas etapas e é com muito entusiasmo que a gente está vendo isso tudo. Estamos prontos para trabalhar e seguir junto com a garotada, com os mais antigos também que estão lutando, fazendo nosso cinema, nossa produção audiovisual”, explicou. Como produtor cinematográfico, o que se pode esperar do ano de 2022 para o mercado audiovisual? Vivemos um processo de democratização dos meios de produção. A cada ano, os equipamentos ficam mais baratos, mais portáteis, com mais possibilidades. Por conta da pandemia, acabamos nos voltando mais para o audiovisual e houve uma aceleração de várias etapas de processos usuais, como as lives, a compra remota, a apresentação de produtos através de plataformas audiovisuais, isso impulsiona muito para frente. Outro processo importante é a descentralização do mercado publicitário. Antigamente, o mercado estava focado naquela peça de 30 segundos ou um minuto da televisão, e hoje as empresas estão muito mais interessadas em gerar conteúdo. Em vez de fazer um comercial da Viação Itapemirim, vou fazer um documentário sobre os meios de transporte, e a coisa está caminhando muito para isso. Dá um fôlego muito grande. Acredito, sim, que em 2022 teremos um ano de muita potência e de produção audiovisual. Como o senhor vê a expansão da produção audiovisual no Estado, em especial, em Linhares? Esse processo de aceleração da produção audiovisual, por causa de lives, das novas maneiras de comprar produtos, nova maneira de apresentar essa marca, ela é inerente a todos os lugares. E Linhares, com certeza, vem bebendo muito dessa água e ganhando robustez com isso tudo. Hoje toda lojinha de Linhares faz seu próprio vídeo, todos os “digitais influencers” estão reproduzindo suas coisas. A gente começa a entender o que é uma cinematografia, percebe essa qualidade da cinematografia, que vem melhorando com a ciência mesmo. As pessoas estão estudando mais, estão buscando evoluir a qualidade de seus vídeos. Começam a usar cada vez mais, trabalhar em outras plataformas, da ficção, documental, toda banda quer fazer seu videoclipe. Acredito que a coisa é dessa forma, bem orgânica mesmo, e quando é pautada por essa questão de mercado privado, de venda, de produtos, de serviços, essas lojas contratando os realizadores audiovisuais, isso impulsiona muito a coisa para a frente.
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Com a Aldir Blanc houve muitos projetos do audiovisual, mas como podemos continuar produzindo agora? A Lei Aldir Blanc é de fundamental importância nesse processo de crescimento do mercado. Por ser um edital emergencial, o valor é um pouquinho mais baixo, mas ele é muito espalhado, são muitas pessoas que conseguem ter acesso ao edital, aos prêmios, e são contemplados. Na verdade, eu acho que ela dá uma institucionalizada também, ela dá uma burocratizada importante nesse processo desse realizador audiovisual moderno que a gente tem hoje, que é essa garotada que está fazendo esses videozinhos de loja, videoclipe da banda, o primeiro curta, e está vindo de uma escola diferente. Antigamente, a pessoa tinha que estudar muito, se preparar para conseguir um equipamento para poder fazer, e hoje em dia não. O “cara” já começa com um equipamento bom, porque os equipamentos de hoje estão cada vez mais possíveis, baratos e acessíveis, e ele vai meio que aprendendo a partir disso. Então o edital pega esse “cara” que se considera um realizador informal, às vezes ele nem se dá o crédito, e o edital o coloca para estudar, fazer uma papelada, para entender a burocracia do trabalho dele. Vira uma ciência mais completa. Aqui em Linhares a gente já tem vídeos maravilhosos que foram realizados no passado. Não conseguimos ainda fazer uma mostra dos vídeos da Aldir Blanc porque só agora os cinemas foram liberados com capacidade total, e estamos preparando uma bela mostra. A Aldir Blanc é maravilhosa e nós estamos torcendo para que ela tenha vindo para ficar. Em que fase estão as produções audiovisuais em Linhares? As produções audiovisuais em Linhares estão a todo vapor! Em Linhares tem, pelo menos, quatro ou cinco produtoras em empresas grandes e robustas preparadas, mais dezenas, talvez centenas, de videomakers, de realizadores, de gente fazendo, trabalhando. Somos um município com muitas personalidades, e isso faz com que a gente tenha um mercado audiovisual muito rico. O mais legal é que o audiovisual está vivendo hoje esse processo de monetização da coisa. Os artistas trabalharam muito tempo numa realização pessoal para poder contar sua história, fazer alguma coisa que tinham uma vontade muito grande, e hoje, não. Hoje, esses novos realizadores estão se movendo para uma máquina econômica mesmo, de ganhar dinheiro fazendo vídeo. É uma coisa mais mercadológica que vem empurrando nosso mercado para frente. É um caminho sem volta, que é bom que a gente esteja trilhando.
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RUMO À TELA GRANDE Conheça os longa-metragens que estreiam este ano e as produções que estão a topo vapor até 2023.
MARIA FERNANDA CONTI
Com a volta das atividades presenciais neste último ano, motivada, sobretudo, pela vacinação contra a covid-19, realizadores do audiovisual no Espírito Santo começaram a retomar os projetos de longas-metragens paralisados em 2020. De olho no fortalecimento do setor, eles tiraram ideias do papel para os próximos anos e até finalizaram algumas produções já no forno, prestes a serem lançadas. Rodado em 2019, o filme “Os Primeiros Soldados”, do diretor Rodrigo de Oliveira, é uma das obras que conseguiu ganhar o mundo, mesmo diante das dificuldades. Sob a produção da Pique Bandeira, o drama retrata o início da primeira onda da Aids no estado, durante um período em que a doença não era sequer registrada no país. No filme, quem primeiro percebe que algo muito terrível invadiu seu corpo é o biólogo Suzano (Johnny Massaro). O desespero diante da falta de informação e do futuro incerto lhe aproximam da transexual Rose (Renata Carvalho) e do videomaker Humberto (Vitor Camilo), igualmente infectados. “São três personagens centrais que tentam lidar com essa doença mesmo sem conhecê-la, no início de 1983. Eles ainda se veem diante de uma crise dentro da comunidade LGBTQ, que absorve a notícia e tenta descobrir maneiras de enfrentar aquilo, já que era o fim da Ditadura Militar e os serviços de saúde eram extremamente precários”, avaliou Rodrigo. Foram necessários meses de pesquisas em acervos de jornais, entrevistas com figuras que enfrentaram aquele período – incluindo médicos na linha de frente contra a doença – e uma minuciosa escolha de elenco para dar vida ao roteiro.
Foto Safira Moreira
OS PRIMEIROS SOLDADOS, DE RODRIGO OLIVEIRA
A MATERIA NOTURNA, DE BERNAD LESSA
MARRAIA, DE DIEGO SCARPARO
“Antes de 1985, diziam que a Aids ainda não havia chegado ao estado. Mas, assim que a epidemia foi declarada, já havia 200 casos, o que significa que o vírus do HIV já circulava por aqui há anos. Foi a partir daí que tentamos imaginar como essas primeiras pessoas viveram tamanha experiência de descobrir uma doença inédita e cheia de estigmas”, explicou. Além de homenagear os soldados que morreram ao longo dessa batalha, Rodrigo de Oliveira ainda procurou fazer com que o longa-metragem fosse de encontro à crise da desinformação e da falta de representatividade. “Há pouco tempo vimos o presidente afirmando que quem tomasse a vacina contra a covid-19 poderia contrair o HIV. Isso é cruel. Infelizmente, nossas narrativas também são muito dominadas pelas versões europeias e norte-americanas. Todas as histórias que conhecemos sobre essa doença vêm de fora. Precisamos mudar isso”, contestou. Mesmo rodado antes da pandemia, o longa-metragem sofreu alguns atrasos e problemas de finalização por causa das restrições contra a covid-19. Porém, em contrapartida, 27
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também foi uma oportunidade para criar parcerias com profissionais de outros estados e países, conforme explicou Oliveira. “Pude editar o filme em casa, isolado, e com a consultoria de um montador uruguaio que, se não houvesse essa maior conexão digital, talvez não teria acontecido. Mas a finalização em si foi onde mais batemos a cabeça. Estávamos acostumados a fazer a finalização de imagem em 3 semanas e, neste caso, levou 4 meses”, salientou. Todavia, apesar dos perrengues, pode-se dizer que o trabalho foi recompensado. Em novembro, quando se completaram 40 anos da descoberta do vírus do HIV, Rodrigo alcançou um ineditismo no audiovisual capixaba: “Os Primeiros Soldados” ganhou os prêmios de Júri Jovem e Prêmio do Público no 70º International Film Festival Mannheim-Heidelberg, na Alemanha. Poucos dias depois, o longa também foi exibido no 52º International Film Festival of India, um dos maiores festivais da Ásia. A previsão é de que a obra ganhe as telas brasileiras no segundo semestre de 2022. “Nunca um filme capixaba teve essa visibilidade. É incrível e, ao mesmo tempo, algo pelo qual a gente trabalhou muito”, comemorou. Outro filme lançado neste ano foi o “A Matéria Noturna”, segundo longa-metragem do diretor Bernard Lessa. A obra, ambientada em Vitória, retrata o encontro de uma motorista de Uber (Shirlene Paixão) e um marinheiro moçambicano (Welket Bungué), que precisa ficar alguns dias em Vitória por conta de problemas mecânicos em seu navio. Desse encontro nasce uma paixão que transita por redutos importantes da região metropolitana, como o tradicional Bar da Zilda, no Centro da capital; perto do Sambão do Povo e, principalmente, nas redondezas do mar, representado pela Praia de Camburi e a Ilha do Boi. “Tanto Jaiane quanto Aissa estavam se perdendo, e esse encontro deles, também repleto de desencontros, faz com que cada um volte para a própria vida com um respiro a mais. Resgatam uma perspectiva de que o amor pode retomar o nosso próprio lugar no mundo”, afirmou Bernard. Além disso, Lessa procurou incorporar elementos que tivessem conexão com um período em que morou no Rio de Janeiro, onde se aproximou mais do samba, das cidades e do poder do mar. “São características importantes do filme, pois nos conectam a outros povos e resgatam um pouco da minha história e de como as pessoas vão enxergar Vitória no futuro”, refletiu. Também filmado no ano de 2019, e assim como o longa-metragem de Rodrigo Oliveira, “A Matéria Noturna” enfrentou outros vários obstáculos por conta da pandemia, interferindo
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até mesmo no financiamento do filme. “Estávamos com expectativas de estrear no meio de 2020, só que todo mundo começou a segurar os projetos. Foi criado um gargalo enorme, sem incentivos e agente de vendas, sobretudo para filmes de baixos orçamentos. Até trabalhamos online, mas não funcionou. Havia um ruído de informações por não ter esse contato físico, olho no olho”, defendeu. Apesar dos problemas, o longa foi finalizado e conseguiu o posto de Melhor Filme na Mostra Futuro Brasil – voltado para projetos em finalização –, no 52º Festival de Brasília e uma Menção Honrosa do Olhar de Cinema em Curitiba, no Paraná. Ele também foi selecionado para a competitiva nacional do XVII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
DE INFANTOJUVENIS ATÉ HORROR Na expectativa de ganharem as telas, seja do cinema ou dos streamings, ao menos quatro longas-metragens capixabas devem ser lançados no próximo ano, todos contemplados por editais da Secretaria de Cultura do estado (Secult-ES). Baseado no romance homônimo de José Marcelo Grillo, o infantojuvenil “Marraia” se passa no ano de 1967, quando crianças se envolvem em várias confusões durante uma disputa de bolinhas de gude. A adaptação do diretor Diego Scarparo, que deve sair na metade do ano que vem, foi toda filmada no distrito de Burarama, em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do estado. O primeiro longa-metragem do diretor e pesquisador Erly Vieira também está prestes a sair do forno. Chamada de “Presença”, a obra traça a relação de três personagens com as artes visuais, além de com o próprio corpo. “Colocamos os trabalhos desses nomes em diálogo, tanto a partir de imagens de arquivo de suas obras e ações anteriores quanto a partir da realização de performances inéditas, concebidas especialmente para o filme”, explicou Erly. Selecionado para um dos maiores festivais de horror do mundo, o “Destino das Sombras”, do diretor Klaus’Berg, ainda depende da liberação dos recursos de um prêmio de comercialização para ser lançado. “‘Destino das Sombras’ é uma narrativa de horror que parte de um grande medo social. O desaparecimento infantil é uma realidade mais terrível do que qualquer ficção. O filme explora esse medo através do limiar entre o psicopatológico e o sobrenatural, trazendo uma representação recorrente na história da psicologia e da psicanálise”, salienta o diretor. Vale a pena destacar, ainda, o longa-metragem “Toda noite estarei lá”, das diretoras Tati Franklin e Suellen Vasconcelos, que aborda o drama da cabeleireira Mel Rosário, impedida
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de entrar em uma igreja no Centro de Vitória por conta de sua condição de mulher trans. O filme foi selecionado para laboratório no festival “Visions du Réel”, um dos mais importantes festivais do gênero documental da Europa, realizado na Suíça.
Há, também, o longa “E quem se importa?”, que propõe a duas atrizes o exercício de recriar as histórias de vida e morte das vítimas de feminicídio do Estado. Do início ao fim do filme, elas passam por boletins de ocorrência, medidas protetivas, grupos de apoio a mulheres, entre outros.
“Acompanhamos de perto a Mel arcando com as dores e os custos dos processos judiciais envolvendo o caso, assim como reivindicando seus direitos fazendo protestos pela cidade e em frente à igreja”, detalhou Tati.
Com toda essa diversidade de narrativas, o audiovisual no Espírito Santo, apesar das dificuldades impostas, pretende ficar cada vez mais forte. Logo, seja com longas de horror seja com infantojuvenis, esse setor é criado por mãos que não desistem da luta de reerguê-lo e de transformá-lo em expressão fortalecida e fiel do audiovisual brasileiro.
NOMES PARA O FUTURO Apenas em fase inicial, mas cheias de fôlego e expectativas, outras produções também estão em curso para sair até o final de 2023. É o caso do diretor Diego de Jesus, que vai começar o processo de pré-produção do filme “Adeus, Verão” em janeiro do ano que vem. Ambientado logo após as greves secundaristas, em 2017, o enredo conta a história de Kênia e Yuri, dois adolescentes que vivem amores, conflitos escolares e uma grande insatisfação política diante da ascensão de movimentos direitistas. Esse mesmo ano também serviu como palco da greve dos policiais militares do Espírito Santo, foco central do filme “A Suga”, dirigido por André Ehrlich Lucas e Ana Cristina Murta. Sob o ponto de vista das mulheres que bloquearam a saída dos soldados dos batalhões, entrevistas exclusivas vão relembrar os motivos para o motim e como está a situação desses profissionais nos dias de hoje.
PRESENÇA, DE ERLY VIEIRA JR.
Em relação a “Margeado”, de Diego Zon, narra-se o drama de uma vila de pescadores após um desastre ambiental ocorrer nas águas que conheciam desde sempre – em situações parecidas às que conhecemos no Rio Doce, provocadas pelos desastres de Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais. As rodagens, previstas para acontecer em 2022, serão em cidades da região norte e sul do interior capixaba. Dois filmes dirigidos por mulheres que também devem sair até 2023 são “E quem se importa?”, de Roberta Fernandes, e “Onde me Perdi e me Encontrei”, de Mirela Marin Morgante. Sensibilizada com as histórias das prostitutas de São Sebastião, na Serra, Mirela chegou a produzir um trabalho menor sobre o tema. No entanto, diante da quantidade de informações mapeadas entre as décadas de 1960 e 1980, ela decidiu que era hora de transformá-las em objetos de um longa. “Agora acompanhamos o cotidiano e as lembranças de quatro mulheres que trabalharam com o meretrício na região e ainda hoje vivem no bairro onde foi o antigo território prostitucional”, explicou a diretora.
TODA A NOITE ESTAREI LÁ, DE TATI FRANKLIN
A SUGA, DE ANDRÉ EHRLICH LUCAS E ANA CRISTINA MURTA
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MIDIATECA CAPIXABA FARÁ INTEGRAÇÃO DE ACERVOS CULTURAIS Lançamento da plataforma online está previsto para julho de 2022.
ELAINE DAL GOBBO
Dois mil e vinte e dois está chegando e uma das novidades, no que diz respeito à cultura no Espírito Santo, é o lançamento da Midiateca Capixaba, previsto para julho. Trata-se de uma plataforma online, a Tainacan, para integração dos acervos culturais. Como não poderia deixar de ser, as produções audiovisuais estarão presentes, junto de outros materiais como cartazes, músicas, obras de arte, livros e reportagens, possibilitando o resgate da memória da produção cultural capixaba e a democratização do acesso, uma vez que o acervo estará disponível para consulta. Segundo informou a museóloga da Secretaria Estadual de Cultura do Espírito Santo (Secult), Paula Nunes Costa, na primeira etapa serão disponibilizados os acervos dos espaços que pertencem à administração estadual. No município de Vitória, teremos o Museu de Arte Moderna do Espírito Santo (Maes), a Galeria Homero Massena, a Biblioteca Pública do Espírito Santo (BPES), o Arquivo Público do Espírito Santo, o Palácio Anchieta e o Sistema RTV (Rádio Espírito Santo e TV Educativa). Em outros municípios teremos o Museu do Colono, em Santa Leopoldina, imóveis e bens tombados e registrados pelo Conselho Estadual de Cultura e o acervo da Orquestra Sinfônica do Espírito Santo. Paula relatou que, no momento, está sendo feita a documentação e a digitalização do acervo, havendo, para isso, contratação de profissionais e aquisição de equipamentos quando necessário. A ideia é que a segunda etapa do projeto se concretize em 2023, no objetivo de contemplar, também, os acervos municipais e da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), além das produções culturais oriundas dos editais do Fundo de Cultura do Espírito Santo (Funcultura). “Assim as pessoas podem conhecer o que está sendo produzido com recurso público. É uma maneira de dar um retorno para a sociedade”, disse Paula, explicando que não
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é preciso colocar a obra completa caso não seja de desejo do proponente do projeto aprovado no edital. “No caso de documentários, basta colocar o trailer, por exemplo”, afirmou. Ainda na segunda etapa, a ideia é disponibilizar acervos das produtoras em arquivos que possam ser reproduzidos. A Midiateca Capixaba contará com um conselho gestor formado por representantes do poder público e da sociedade civil, uma comissão de acervos e uma de moderadores. Essa última fará a moderação dos comentários dos usuários para evitar que infrinjam as regras, como é o caso de comentários ofensivos, já que a ideia é que as pessoas interajam dando informações sobre a peça que está no acervo. “Nas fotos do Museu do Colono, por exemplo, podem ter pessoas que não sabemos quem é, mas alguém ao olhar pode identificar e dizer nos comentários”, explicou Paula. A museóloga defendeu que “o digital não substitui o presencial, e sim o complementa”. Baseando-se nisso, ela acredita que a busca pelos espaços culturais cujos acervos estejam na plataforma irá aumentar. “As visitas serão fomentadas pela presença online”, disse, destacando que isso vale também para o setor audiovisual, uma vez que, conforme afirmou, pode haver mais procura pela participação de festivas audiovisuais no Espírito Santo.
MIDIATECA CAPIXABA É BEM-VINDA A iniciativa foi bem recebida por produtores audiovisuais. Para a roteirista e diretora de cinema, Sáskia Sá, é uma forma de “evidenciar uma história plural, de vários atores que a construíram do ponto de vista de culturas diversas”. Ela caracterizou a Midiateca Capixaba como uma atitude “louvável”, “Isso é política pública de Estado e deve ser mantida nas próximas gestões”, defendeu. Sáskia faz críticas ao fato de
que no Espírito Santo não existem políticas de preservação e disponibilização de acervo, o que torna a Midiateca, portanto, um “pontapé inicial”. A roteirista e diretora de cinema projeta a possibilidade de a Midiateca não se limitar somente ao virtual, ganhando também local físico. “Não existe no Espírito Santo, por exemplo, um Museu da imagem e do Som. São questões que podem ser impulsionadas, um local onde as produções possam ser materializadas”, disse. Ursula Dart, da produtora Ladart Filmes, destacou que a falta de preocupação com a preservação da memória não é exclusividade do Espírito Santo, pois ocorre em todo o Brasil. “Isso vem se modificando. Para se perceber, se entender a identidade, de onde viemos, é preciso preservar a memória”, disse. Ela acha positivo o fato de a Midiateca Capixaba contemplar vários tipos de arquivos, mas salientou a necessidade de se fazer a manutenção deles. “Os arquivos mudam. Como preservar uma película? Uma cópia de filme? Não estou falando de produções de 60 anos atrás, mas de 15, 20 anos, coisa recente. Algumas até já se perderam. O formato vai mudando e é preciso fazer a manutenção. Não é pensar que agora há um lugar para preservar um filme, tem que atualizar suas mídias, por exemplo”, alertou. Uma prévia do projeto já havia sido apresentada pela Secult em reunião do Conselho Estadual de Cultura (CEC), realizada em primeiro de abril. Os trabalhos para a construção da proposta se iniciaram em meados de 2019, primeiro ano da atual gestão. A plataforma Tainacan foi desenvolvida em software livre pela Universidade de Brasília (UnB), e os arquivos serão armazenados pelo Instituto de Tecnologia da Informação e Comunicação do Estado do Espírito Santo (Prodest), autarquia do governo estadual.
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FAÇA PARTE DA ABD! Vamos juntos lutar pelo audiovisual capixaba São 20 anos de muita luta e muita história. A ABD Capixaba esteve sempre presente e atuante nas principais conquistas por políticas e ações de valorização do setor audiovisual no Espírito Santo. Mas nossa força pode ficar ainda maior com a sua colaboração.
Gratuito até Dez.2021
abdcapixaba.com.br/registro
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QUEM PODE CONTAR HISTÓRIAS COM O CINEMA? BÁRBARA MAIA CERQUEIRA CAZÉ
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Escrevo esse texto em diálogo com imagens e cenas de filmes que colocam o meu pensamento em movimento. Escrevo acompanhada de autoras e autores que me ensinaram a renomear situações que me atravessam a partir do desenvolvimento do meu olhar opositor (HOOKS, 2019). O olhar que olha e, olhando, almeja interferir no mundo, o olhar de uma mulher negra, mãe, que nasceu na Bahia e vive no Espírito Santo há tempo suficiente para comer com prazer uma moqueca sem dendê. Para começar a conversa, quero trazer a imagem de Anastácia pintada por Jaques Arago, um desenhista francês que veio ao Brasil em uma expedição “científica” no ano de 1817. Assim o desenhista retrata Anastácia: uma mulher negra, cabelos crespos cortados baixinho, um colar de ferro lhe rodeia o pescoço e uma máscara de ferro lhe tampa a boca, presa à parte de trás da cabeça. O que não podemos ver é que tal máscara tem um pedaço de metal acoplado no interior da boca, entre a língua e o maxilar. Logo, não é somente uma máscara que cobre a boca, é uma máscara que impede qualquer tipo de movimento do maxilar ou da língua, ou seja, impede que quem a usa fale ou se alimente, consistindo em um instrumento de tortura física e psicológica. Há muitas explicações, nos livros, sobre os motivos pelos quais Anastácia está sendo ANASTÁCIA (1817), POR JAQUES ARAGO castigada. Talvez a máscara tenha sido colocada para impedir que a escravizada comesse cana-de açúcar ou cacau, dependendo da plantação onde trabalhava, ou, ainda, porque sua beleza notória seria motivos de ciúmes entre mulheres brancas... Existe uma explicação, porém, que penso ser a mais adequada, que é a seguinte: Anastácia existe em um período em que pessoas negras não eram consideradas seres humanos, por isso eram moralmente aceitáveis e juridicamente legais todos os tipos de castigos, torturas e a própria escravização. Então, é por isso que Anastácia está sendo castigada, porque ela “é”, ela é uma mulher negra, e os castigos fazem parte do projeto colonial de dominação. Há muitas versões possíveis sobre a origem de Anastácia. Talvez ela seja de alguma família real africana reconhecida pelo seu povo, e talvez isso a tenha feito exercer alguma liderança entre os seus. Há ainda quem coloque em xeque a existência dela. Eu gosto da explicação que ouvi em uma live dos professores Lilian Schwartz e Flávio dos Santos Gomes, no ano de 2020, quando iniciamos o período da quarentena (que duraria quarenta dias e se mostrou infinita), na qual falavam sobre fabulação crítica da história. Segundo eles, a pergunta “será que Anastácia existiu?” não é importante; se hoje temos o registro de Anastácia, pode-se afirmar que existiram muitas mulheres negras que ocupavam lugar de liderança em suas comunidades; assim, é possível que tenham existido muitas mulheres como Anastácia. Grada Kilomba, no livro “Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano”, usa a analogia da máscara como um instrumento real que representa o projeto colonial europeu, um símbolo das “políticas sádicas de conquista e dominação e seus regimes brutais de silenciamento dos outros” (KILOMBA, p. 33). A máscara do silenciamento, que impede que o Outro fale, narra a sua versão da história, e questiona: dentro do projeto colonial, “Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?” (Ibidem) Quero chamar atenção para esse Outro que precisa ser silenciado. Quem são eles? Dentro do projeto colonial, que nasce com o advento da invasão das Américas por portugueses e espanhóis, esses Outros são os sujeitos racializados. A ideia de raça como “uma construção mental que expressa [através] [d]a experiência básica da dominação colonial” (QUIJANO, p. 117), ainda hoje se constitui como balizador do poder hegemônico, mostrando sua estabilidade e durabilidade. Até aquele momento na Europa, a noção de identidade dos povos era pautada em procedência geográfica ou país de origem, tal como o espanhol ou o português; contudo, no contato com as Américas, as relações sociais se configuraram a partir da dominação. As identidades foram associadas às hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes e, ainda, os traços fenotípicos foram associados às questões de ordem cultural, mental e sexual. Estabeleceu-se, então, uma relação desigual, tendo o poder como linha que distingue os europeus brancos dos “outros”, aqueles agrupados de modo violento, como índios e negros, corpos que se pode usar para fazer a máquina do mundo girar. Essa noção foi se tornando, paulatinamente, um instrumento de poder econômico, político, cultural, epistemológico e até pedagógico. A empreitada colonial educativa e civilizatória esteve impregnada da ideia de raça. A partir dessa concepção, a história nos conta como indígenas e negros foram – e seguem sendo – desumanizados para justificar escravização, epistemicídio, genocídio, violência sexual, fome e todos os tipos de misérias. Na aposta em conceber o mundo a partir de outras bases, a decolonialidade nasce como um projeto acadêmico, político e artístico, cujo objetivo é questionar o que está posto historicamente, isto é, a colonialidade do poder, do ser e do saber e oferecer instrumentos e estratégias para transformar a realidade. 35
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Desse modo, amparada na perspectiva da decolonialidade, retomo as perguntas de Grada Kilomba: “Quem pode falar? O que acontece quando falamos? E sobre o que podemos falar?”. Para Franz Fanon, um psiquiatra negro da Martinica (território francês ainda hoje), no livro “Peles Negras, Máscaras Brancas”, o fenômeno da linguagem é importante porque é na linguagem que a existência do outro é validada, isso porque, segundo o autor, “falar é existir absolutamente para o outro” (FANON, 2018, p. 33). Tomando a comunicação como ato de negociação entre sujeitos – o que implica, necessariamente, um acordo baseado na horizontalidade no qual cada um pode ser inteiro, como cada um é –, um fala porque está sendo ouvido, eu te escuto porque você existe e fala. Minha escuta autoriza a narrativa do outro e, em última instância, a existência do outro. Entretanto, negociações nem sempre são tranquilas ou pacíficas. Se, hoje, mulheres negras, como eu, usamos a nossa voz como sujeitos, escrevemos, publicamos e fazemos filmes, é porque exercemos um direito conquistado com muita luta e sangue. Lélia Gonzalez nos conta que, certa vez, um grupo de negros foi convidado a participar de um lançamento de livro sobre a temática racial. Com uma escrita ácida característica, a autora continua: os negros não puderam sentar na mesma mesa que os brancos, como também não puderam falar no evento, até que uma “neguinha atrevida” fez questão de usar o microfone e assim “estava armada a quizumba” (GONZALEZ, 2018, p. 191). O que Lélia nos ensina com essa história é que não podem falar de nós sem nós – hoje um jargão muito presente na fala da juventude negra. Em um movimento de atualização desses Outros, além dos sujeitos racializados, podemos incluir também pessoas LGBTQI+, pobres, mulheres, desempregados, sem teto, pessoas com deficiência etc. A colonialidade do ser ampliou o espectro desses Outros, e cada vez mais segue impossível tornar-se um ser humano “padrão”. Na medida em que o projeto colonial silencia as vozes desses sujeitos considerados Outros, o projeto decolonial revisita a história para trazer à tona as narrativas historicamente silenciadas e invisibilizadas. Quero trazer uma segunda imagem, que é a releitura de Anastácia na obra Anastácia livre, do jovem negro e artista plástico Yhuri Cruz. Na imagem, Anastácia é uma mulher negra, cabelos crespos cortados baixinho, olhar sereno, com a fisionomia leve, lábios grossos e nariz proeminente. Ela ainda é retratada com uma linda gargantilha dourada, e sua imagem é emoldurada por duas camélias brancas, as mesmas flores usadas por abolicionistas do século XIX. Yhuri Cruz liberta Anastácia da tortura e do silenciamento. Desse modo, o artista também liberta todos os Outros da iconografia que os mantém atrelados à violência colonial. Fiquem com essa imagem de cura. Anastácia agora pode falar e contar, com a sua própria voz, muitas histórias. O regime de silenciamento dos Outros causou danos, mas não nos destituiu do que somos. Contar histórias faz parte de nossa condição humana, e o cinema é uma maneira de contar histórias. Retomando a Lélia Gonzalez, “o lixo vai falar, e numa boa” (GONZALEZ, 2018, P. 193), porque as histórias serão melhores quanto mais plurais e polifônicas forem. Em um momento no qual temos vivenciado constantes ataques aos direitos fundamentais para garantir uma existência digna, é fundamental demarcar as conquistas para termos real dimensão de todas as perdas. ANASTÁCIA LIVRE (2020), POR YHURI CRUZ
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Talvez esteja na hora de armamos uma quizumba ou um Levante! Um cinema inspirado na resistência política de Zózimo Bubull, que, na década de 70, mesmo com o país vivendo a ditadura militar, filmou “Alma no olho”. O corpo de um homem negro, na tela de fundo branco, ensaia gestualidades de liberdade. No ponto, ele quebra as algemas brancas que limitam sua performance e gargalha consciente de sua conquista. A ousadia libertária (também política, importante frisar) de Adélia Sampaio é outra fonte de inspiração. Ela, no ano de 1984, ano da abertura política, filmou “Amor maldito”. A relação amorosa entre duas jovens mulheres foi considerada uma afronta à sociedade, e acabou por ser classificado no gênero pornochanchada. Sobrevivemos ao longo período de confinamento e medo (da contaminação e morte iminente) assistindo a filmes e séries, ouvindo música, coisas que a arte nos faz quando nos permitimos ser atravessados por ela. A arte, principalmente o cinema, nos permite experimentar outras temporalidades, como nos ensina Ailton Krenak em uma narrativa que circula entre o seu povo: “quando você sentir que o céu está ficando muito baixo, é só empurrar e respirar” (KRENAK, 2019, p.28), como se pudéssemos dilatar o tempo com um gesto. Uma arte que nos provoca a trilhar caminhos para sermos quem somos em toda a nossa potencialidade. Todos esses considerados Outros estão reescrevendo a história da população brasileira em nosso imaginário, incluindo a diferença, e estão fazendo isso resgatando a história não contada, a história que nos foi negada, fazendo um cinema que possibilita curar a ferida aberta pelo projeto colonial.
REFERÊNCIAS CRUZ, Yhuri. Monumento a voz, 2019. Disponível em: https://yhuricruz.com/2019/06/04/monumento-a-voz-de-anastacia-2019/. Acesso em: 01 fev. 2020. FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: GONZALEZ, Lélia. Primavera pra as rosas negras: Lelia Gonzalez em primeira pessoa... Diáspora Africana: Editora Filhos da África, 2018, p. 190-214. HOOKS, bell. Comendo o outro: desejo e resistência. In: HOOKS, bell. Olhares Negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019b, p. 64-95. KILOMBA, Grada. Memórias da plantação – Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Cia das Letras, 2019. QUIJANO, Aníbal. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Disponível em bibliotecavirtual.clacso. org.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf
AUTORA Bárbara Maia Cerqueira Cazé é mulher negra, baiana e mãe de Joaquim. É Pedagoga, Mestra em Educação e doutoranda em Educação na UERJ. Idealizadora e coordenadora do Cineclube Afoxé e do Festival Cinema Também é Quilombo. Organizadora do livro “Mulheres Negras na Tela do Cinema”, publicado em 2020 pela Editora Pedregulho. É também realizadora audiovisual, tendo o seu curta “Réplica” eleito melhor filme pelo Júri Popular na Mostra de Cinema Independente da ABD Capixaba em 2020. 37
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A SABEDORIA GUARANI E AS NOVAS TECNOLOGIAS MAYNÕ CUNHA DA SILVA
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Muito antes da chegada dos colonizadores ao continente da América do Sul, meu povo já existia e caminhava sobre o Ywy Rupa, essa terra em que pisamos e moramos. O povo Guarani sempre foi um povo pacífico, e é um povo que até os dias de hoje guarda sua memória, mesmo não possuindo escrita como os hieróglifos dos egípcios, ou grandes cidades como os vizinhos Incas.
É verdade que, nos últimos 500 anos, fomos submetidos a violências, abusos e ao extermínio, foram muitas as práticas de genocídio aos povos indígenas no Brasil, muitas nações sucumbiram diante dos colonizados. Com a diversidade étnica estimada da época superior a 1.000 povos diferentes, hoje fomos reduzidos a 305. Além disso, muitos parentes perderam suas línguas, sendo assim, atualmente apenas 274 línguas indígenas são faladas no Brasil. Muitos povos foram proibidos de falar as suas línguas maternas, além de muitos também terem sido obrigados a aderir à cultura não indígena, histórias que se repetiram durante os últimos 5 séculos.
Primeiramente, os Colonizadores, junto aos jesuítas, enganaram os indígenas e os obrigaram a se confinar em missões devido a violências e ameaças que ocorriam aos indígenas que não estivessem nas reduções jesuíticas. Aqueles indígenas fora das missões eram tidos como “selvagens” e “poderiam” ser “caçados” para o comércio de escravos.
O Serviço de Proteção aos Índios (SPI), por sua vez, em decorrência de empreendimentos e interesses privados, retiravam grupos de indígenas de seus lugares originários e os confinavam em reservas indígenas criadas por eles. Além de todo esse processo histórico, o cenário atual de nosso país não se mostra favorável aos povos indígenas, pois hoje sofremos a maior ameaça aos direitos e aos territórios indígenas desde a ditadura militar.
A ameaça da PL490, o Marco Temporal, são absurdos criados para burlar o direito dos indígenas ao mínimo de dignidade. O direito aos territórios não deveria ser questionado, levando em consideração todo o processo de colonização agressivo a que fomos expostos, bem como o fato de meus ancestrais já estarem aqui antes da chegada dos europeus ao nosso continente. Naquele período, éramos mais de 3 milhões e todos possuíamos terra para viver da maneira que Nhãderu – O criador – nos ensinou. Atualmente, somos aproximadamente 1,3 milhão de indígenas, e muitos de nós ainda não possuem terra demarcada, sendo obrigados a morar em beiras de estradas, em casas de lonas improvisadas. Vez ou outra, são retirados desses locais, ouvindo que a terra que seus ancestrais diziam ser deles não lhes pertence mais.
Apesar das tantas influências dos invasores, o povo Guarani ainda preserva sua língua, também a cultura, as djeroky-danças, porai - cantos, porãdu - rezas e, principalmente, seu modo ser. A oralidade – Aywu/mõgweta – foi e ainda é a principal ferramenta de manutenção dessa cultura. Através das gerações que se passaram, a cultura e a língua do povo chegaram até mim para que eu possa levá-las adiante. Acredito que cada tempo possui sua especificidade e, portanto, os problemas a serem sanados são diferentes. Hoje, cabe à minha geração usar das ferramentas das linguagens para repassar o arãdu, a sabedoria viva guarani que existe na memória dos txe ramoĩ kwery – anciãos de cada comunidade –, superando os obstáculos e usufruindo das tecnologias para fortalecer o meu povo.
Durante muitos séculos, as nossas histórias foram escritas e ilustradas por pessoas não-indígenas, que acabaram criando um estereótipo do indivíduo indígena. Até hoje, os livros didáticos nos ilustram como antigamente, andando nu ou de “tanga”. A imagem do indígena para a sociedade brasileira está congelada, a imagem que é transmitida é sempre de um sujeito moreno de cabelo liso que vive de caça e pesca, que vive pintado, e, quando se deparam com um indígena contemporâneo, ficam decepcionados, por que uma pessoa de cor mais clara e cabelo cacheado não pode ser indígena, ou que não podemos dirigir carro, ter celular, ser médicos ou desenvolver qualquer outra função que os não indígenas também desenvolvem.
Gradativamente, no decorrer da nossa história, figuras importantes foram abrindo espaço para o protagonismo indígena na sua própria história, e assim vamos conseguindo abrir espaços para nossa própria narrativa, podendo expressar nosso verdadeiro modo de ser. Muitos artistas indígenas vêm surgindo nas últimas décadas; músicos, escritores, atores e cineastas indígenas têm usado diversas formas de linguagens, ora para denunciar situações enfrentadas por comunidades em suas regiões ora para promover e fortalecer sua cultura. 39
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Acredito que, a partir do audiovisual, conseguimos alcançar inúmeras possibilidades de fortalecimento e promoção da reflexão sobre o modo de vida e a situação política e cultural dos povos indígenas na atualidade. Acredito que todas as filmagens realizadas com os mais velhos, por exemplo, serão nossa enciclopédia um dia.
Observo que, à medida que vamos perdendo os espaços de nossos territórios devido à prática do desmatamento, o desaparecimento da fauna e da flora também traz um impacto enorme para a cultura indígena. Muitos animais e plantas do nosso dia a dia estão sumindo, deixando de serem comuns em nosso cotidiano; logo, acredito na grande possibilidade de perda dos saberes relacionados às plantas e aos animais, bem como o vocabulário Guarani devido à perda do contato cotidiano com esses elementos.
O povo guarani é conhecido por sua versatilidade no uso das tecnologias não-indígenas para o fortalecimento da sua cultura, como acontece no Rap Guarani com o Kunimi MC, Brô MC’S, Ozguarani, ou então no audiovisual, no qual observamos uma imensa diversidade no conteúdo, não só Guarani como dos povos indígenas em geral. Na literatura, os autores indígenas também se fazem presentes com Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Daniel Munduruku, Olívio Djekupe e outros mais.
A Musicalidade sempre foi presente entre o povo guarani. Somos um povo que canta e dança todos os dias, dançamos para os criadores, para a natureza, para a vida e a morte. A partir da música, meu povo também transmite seu saber aos mais jovens, mostramos, nas músicas tradicionais, a resistência da nossa língua e da nossa cultura. Conhecidos como um povo bastante adaptável, os Guarani fluíram muito bem no estilo de música“Rap”, que, apesar da origem Afrodescendente estadunidense, abriu caminho para o grupo Brô MC’S, primeiro grupo de Rap indígena do país que é composto por 4 guarani da etnia Guarani-kaiowá. Em suas letras, falam sobre as lutas que enfrentam no Estado do Mato Grosso do Sul que, por sinal, é o Estado com maior índice de violência aos povos indígenas no Brasil. Kunumi MC e Oz Guarani de São Paulo, assim como os Brô, falam sobre a preservação da cultura e a militância indígena, o levante pelo fortalecimento dos povos originários e, sobretudo, denunciam a perda e a demarcação das terras indígenas. Além desses grupos musicais, outros grupos indígenas também vêm se formando para o fortalecimento do movimento indígena.
O audiovisual, para nós guarani em específico, tem sido uma ferramenta importantíssima, também considerada assim pelos anciãos das aldeias, que costumam destacar a importância de estarmos filmando suas memórias para guardá-las, porque os tempos são outros e os interesses também. Logo, temos que procurar maneiras de conquistar os mais jovens, criando mecanismos para incentivá-los a aprender mais sobre a nossa cultural. Além de uma importante ferramenta na preservação da cultura guarani hoje, o cinema também tem sido de grande valor para a militância contra a violação de nos nossos direitos e para o levante dos povos originários contra os assédios às Terras Indígenas.
Hoje, em nosso Estado, conseguimos criar o primeiro núcleo de audiovisual indígena, que se chama “reikwaapa?” com a proposta de discutir assuntos sobre o povo guarani no Espírito Santo. A palavra “Reikwaapa” significa “você sabia?”. A partir desse núcleo, criamos, primeiramente, uma websérie com 4 episódios sobre o modo de vida guarani, procurando romper o estereótipo indígena, transmitir nosso modo de vida e, sobretudo, registrar uma parte da nossa cultura.
Poder ter um núcleo em nossa comunidade tem despertado o interesse dos mais jovens e, com isso, nos mantemos mais próximos dos mais velhos e da nossa tradição. A tendência é continuarmos produzindo mais filmes para fortalecer nossa cultura. Durante os trabalhos, sempre buscamos envolver crianças, jovens e anciãos. Toda vez que vamos produzir um filme, por mais que façamos o roteiro, gostamos de deixar o ancião à vontade para falar, pois, além de grandes aprendizados, acabamos saindo com mais conteúdo para produção de outros filmes do que imaginaríamos, por exemplo. Ademais, sempre foi costume do meu povo que os mais jovens se sentassem ao lado dos mais velhos para ouvir o mõgweta, o aconselhamento dos mais velhos, as histórias do nosso passado e aprender nosso modo de vida.
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Na minha TI (Terra Indígena Tupinikim Guarani), já atuei como professor de educação básica. Durante minha experiência em sala de aula, pude observar que muitas das temáticas que mais interessavam ao nosso planejamento escolar estavam na cabeça dos mais velhos, pois a oralidade é muito importante para que possamos conhecer nossa própria história, acreditamos que conhecer a história nos ajuda a conhecer nossa identidade enquanto povo.
Apesar da literatura indígena ter ganhado força a partir de 1980, e de existirem bastantes escritores indígenas, muitos dos materiais didáticos enviados pela rede pública não correspondem à realidade das comunidades indígenas. Dessa forma, acredito que precisamos continuar produzindo materiais a partir das formas de linguagem como o audiovisual, música e literatura.
Adaptamo-nos a essas maneiras de linguagem para continuarmos existindo enquanto povo. Com o passar das décadas, sempre aprendemos novas maneiras de levar adiante nosso modo de vida tradicional, que é de extrema importância para nossa vida aqui na Terra. A partir dessas maneiras de linguagem, trazemos a importância do levante pela terra, pela natureza, pela saúde, educação e sabedoria dos povos tradicionais.
↑ ASSISTA A WEBSÉRIE REIKWAAPA
AUTOR Meu nome é Maynõ Cunha da Silva, nascido no Rio de Janeiro. Cresci no Espírito Santo, em Aracruz, na TI Tupinikim Guarani. Desde muito novo, sempre tive interesse no fortalecimento do meu povo e comecei atuando como produtor de documentários indígenas. Tive experiências com a Redes olhares para o Mundo, Museu do índio – RJ, Programa Saberes Indígena na escola, além de desenvolver serviços audiovisuais para empresas que prestam consultoria às comunidades indígenas da minha TI. Em 2016, comecei a atuar como educador indígena na EMPI ArãduRetxakã, na aldeia de Três Palmeiras, como contratado da Prefeitura. Atualmente, estou em fase final de graduação no curso de Educação indígena PROLIND pela UFES. 41
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CINEMA DO EKÊ ROSA CALDEIRA
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A história começa com uma maldição jogada nesta terra há mais de 500 anos e que resiste até hoje. Ela está presente em cada trans, periférico, preto, marginal que resiste e profetiza outras tantas conjurações para que possamos enfrentar mais um fim do mundo. Essa história vem sendo contada por tecnologias ancestrais de saberes orais, musicais, corporais, religiosos, coletivos e descolonizados. Assim, é honrando essas ancestralidades que hoje ocupamos cada vez mais espaços, incluindo as artes e o cinema, uma expressão artística que, mesmo surgida no seio da industrialização de países colonizados, também é reapropriada por nossos saberes. Falo, nesse sentido, de um cinema que se transforma em truque, ekê, periferia, negritude, maloka. Entretanto, o lugar de partida desta conversa é outro: aprendi que, para começar qualquer discussão, falar como chegamos até aqui é essencial, ou seja, falar sobre qual é o nosso truque. Todo mundo sempre me chamou de Rosa, até mesmo minha mãe. Sou um jovem trans, irmão de 7 se contarmos com os agregados, cria da periferia de Francisco Morato. Minha mãe sempre me ensinou muito, mas a contação de histórias veio mesmo direto no sangue. Diz a lenda que meu avô ganhou o primeiro campeonato de mentiras no interior de Minas Gerais e, desde então, a galera ia até o enterro para ouvir ele falar. Foi esse o chamado que eu segui na vida, até porque, como qualquer jovem periférico da década de 90, eu sou cria do rap, racionais e tantos outros. Cêis tão ligado, né? Por conta dessas poesias cantadas, entre um tropeço e outro, como qualquer causo periférico que eu poderia contar, descobri que era possível trabalhar com cinema e, principalmente, contar histórias com ele. O que faltava era entender que eu também poderia fazer isso. Falar sobre cinema, para mim, sempre foi difícil, mas o motivo dessa complexidade foi se transformando ao longo dos anos. Até pouco tempo, a maior questão era a complexidade dos nomes: Tarkovsky, Copolla, Apichatpong; nunca vi nem comi, só ouvi falar. Era muita teoria falando grego. Havia pouco conhecimento e muita idealização da minha parte sobre o que seriam esses cânones do cinema inalcançáveis. Na época, eu era muito mais próximo dos vídeos do YouTube, das séries pastelão, desse meio termo entre performance, vídeo e documentário, do que de outras linguagens audiovisuais. O lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” era a minha máxima, não me referindo ao Cinema Novo, mas a um audiovisual instintivo meu e dos meus para retratar nossas realidades periféricas por nós mesmos, em primeira pessoa do plural. A gente ia assim, em um cinema que partia de dentro para fora, retratando nossas vidas. Nessa brincadeira, construímos uma coletividade que desaguou na Maloka Filmes, um polo de resistência malokeira do cinema comunitário, criado na Zona Sul da Periferia de São Paulo. Nessas investigações, ficamos na pegada do documentário por muito tempo. Foi somente anos depois, em 2019, que decidimos fazer nosso primeiro filme de ficção. As referências eram de videoclipes, séries, vídeos do YouTube das travestis pretas e dos filmes que nos fascinavam: Spike Lee, Filmes de plástico, e vários curtas-metragens. Também tinha o incrível “Peripatético”, da Jéssica Queiroz, o “N3GRUM3”, enfim, um bocado de curtas que nos faziam pensar sobre como é foda ter gente perto de você que faz o corre, que é referência de verdade. Tá ligado? Fizemos o filme da forma mais instintiva de todas, que sempre nos rodeou e nos trouxe até aqui: a coletividade. Resolvemos dividir a direção entre quatro pessoas, o roteiro em cinco, direção de foto em três. Para a gente não foi nada absurdo: antes mesmo de pensarmos que história iríamos contar, era óbvio que seria assim, coletivo, a maneira mais simples que conhecíamos. Mas aí, podepa, gravamos. Nosso bairro, famílias, vidas e amigos retratados nas telas e atrás das câmeras. Nossas histórias. Nomeamos o filme de “PERIFERICU”. No começo nem estávamos pensando nesse rolê de festival não, o negócio era exibir na quebrada, rodar pelas favelas, cineclubes, levar a discussão, estender a conversa pros nossos. Eu sempre me lembro do PERIFERIATRANS, um festival de 2016 na quebrada da zona sul de São Paulo, que sinto que foi a semente que plantou em meu coração a vontade de trabalhar com arte. A minha vontade era plantar sementes em quantos malokeiros fosse possível. No final, o filme rodou mais de 200 exibições, recebeu mais de 30 prêmios. Feito por pessoas trans, pretas e periféricas. Isso tudo foi incrível, mas ser um corpo marginal que fura a bolha é carregar a contradição de ocupar um universo muito distante do seu. Então, o conflito “para que serve esse rolê de festival? Em que tipo de pessoa isso chega?” ainda estava lá, até porque essa história de festival é contraditória para caramba. Foi aos poucos que a gente entendeu a lógica perversa desses ambientes. O fato de a gente estar lá, representando uma quebrada diversa, trans e preta, excluía que outros como nós também estivessem. Éramos a exceção, o selo de representatividade, a validação de que eles precisavam para dizer que eram inclusivos, porque a estrutura, de fato, de quem organizava, ninguém tinha nem pensado em mudar. 43
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No segundo festival presencial a que fomos, levamos nossa caixa de som e fizemos um baile funk na rua, em frente ao evento. Apareceu a galera que trabalhava na limpeza, o povo das quebradas ali perto. Obviamente veio a polícia, porque tinha “muita gente suspeita”. Assim, a pergunta: qual o sentido de ter um filme feito por nossos corpos em um festival se o próprio evento não consegue refletir sobre sua estrutura e o quanto ela é transfóbica, embranquecida e burguesa, desde as músicas que tocam na festa até os coordenadores do evento? Estar nos lugares sendo um corpo marginal é sobre querer existir de verdade, não apenas enquanto cota no palco para validar a exceção que exclui outras pessoas como a gente de estarem ali. Então, você descobre que o dinheiro, o prestígio e as oportunidades circulam nesses mesmos lugares contraditórios e, pela mais justa redistribuição de poderes, também queremos ocupar esses ambientes de alguma forma. Logo, querendo ou não, esse negócio de cinema é potente. Criar imagens, significados, possibilidades de existência para além da simples sobrevivência, construir mundos possíveis a partir do impossível. Você só pode existir no mundo se você consegue se imaginar nele, isso tem uma potência enorme para corpos marginais que são sub-representados e, principalmente, desumanizados pelas artes no geral. Falar dessas artes visuais é debater muito mais do que cinema. Nesse ponto, sinto que comecei a entender certas coisas sobre o que era o cinema. Quem decidia se uma pessoa era considerada ou não cineasta era a validação emitida por esses espaços acadêmicos. Porque a trava que faz performance no YouTube não é cinematográfica o suficiente? Porque tem 5 filmes de apartamento da FAAP em um festival qualquer e não tem um sequer da Leona Vingativa? Tudo isso para dizer que entendi que, para além de cineasta, o nosso cinema, o meu cinema, é um cinema do ekê, do pajubá, do truque, protagonizado sim pelas pretas, periféricas, transviadas. Tivemos que fazer um filme foda do caralho, ganhar mais de 30 prêmios, ter a existência autorizada pela estrutura, para ter nossas existências periféricas validadas, porque a autoestima da burguesia cisgênera e branca, que estuda cinema desde os 17 anos, é tão forte que quem não se encaixa nesse padrão não consegue se ver enquanto válido de forma nenhuma. Com isso não descarto a academia, o cinema de Cannes ou toda a história dessa arte que surgiu, justamente, como ferramenta da colonização, mas questiono o descarte de certas narrativas que essas mesmas instituições promovem desde a origem da sétima arte. O cinema do equê nada mais é do que um cinema que entende que falar sobre cinema é muito mais do que debater se gostamos de “Bacurau” ou não, é conversar sobre outros marcos civilizatórios, em que os saberes periféricos, transviados e pretos, do vogue ao candomblé, são resgatados, CIStemas, desestruturados. Esse sistema não é uma nuvem do Dropbox, mas é corporificado como branquitude, cisgeneridade e colonização, que se articulam e se organizam para manter certos grupos no poder. Por isso, temos que aprender a construir armaduras para essa guerra, e as artes do ekê fazem parte dessa busca. Ekê no pajubá pode ser traduzido como mentira, mas, seguindo a tradução da incrível multiartista Vita Pereira, também pode ser entendido enquanto truque. O truque não pode ser nomeado ou ensinado, mas é algo que pode ser experienciado diariamente. Cada um pode construir seu próprio truque. As ancestralidades pretas, trans, periféricas construíram suas tecnologias para atravessar seus próprios apocalipses, assim como nós estamos construindo nossas armaduras para enfrentar o nosso fim de mundo cotidiano, até porque o fim do mundo é o hoje, é o Brasil, é a realidade que enfrentamos, que foi construída a partir de sangue, apagamentos, genocídios. Falar sobre essa história não dita e apagada é também uma forma de realizar essa travessia. O cinema e a arte do ekê não podem ressuscitar nossos mortos, acabar com todas as violências, fazer brotar as plantações ou encher os rios, mas ela pode ser um plano de fuga. É preciso imaginar para poder escapar e construir outros fins. Por isso, o cinema só faz sentido se for uma arte do Ekê. Assim, pergunto, qual é o seu truque para atravessar o fim do mundo?
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AUTORES A Maloka Filmes (@malokafilmes) é uma produtora de audiovisual comunitário que atua na Zona Sul de São Paulo formada por três jovens periféricos LGBTs, Nay Mendl, Rosa Caldeira e Well Amorim. Entre nossos filmes, destaque para Perifericu (@perifericu) e o nosso longa-metragem Raízes (@raizes.doc). Nosso texto foi escrito a partir de saberes compartilhados entre nós sobre cinema e colocado em palavras-poesia por Rosa. Rosa é diretor, diretor de fotografia e roteirista. Cineasta trans e militante, sempre juntando ideias para atuar com cultura TLGB e periferia. Seu último curta-metragem, “Perifericu”, recebeu mais de 30 prêmios, incluindo Festival de Tiradentes, Curta-Kinoforum e Festival Mix Brasil. É coidealizador do Festival Perifericu, festival de cinema na periferia da Zona Sul de São Paulo que vai acontecer em 2021. Busca, junto aos seus, um reolhar sobre a imagem de experiências transviadas faveladas em primeira pessoa.
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O CINEMA COMO TERRITÓRIO DE ARTICULAÇÃO POLÍTICA1 AIANO BEMFICA MINEIRO
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O Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)2 é uma organização que atua nacionalmente há mais de vinte anos, estando presente em dezessete estados do Brasil, e cujas bandeiras centrais são a Moradia Digna, a Reforma Urbana e o Socialismo. A ocupação de terrenos e edifícios sem função social é uma de suas principais formas de luta, uma vez que se configuram como meios concretos de mobilização e organização de famílias sem-teto, redes de apoio e entidades. Além de atuarem no enfrentamento ao déficit habitacional – levantando casas, construindo bairros e produzindo cidades –, as Ocupações Urbanas participam da construção de subjetividades e narrativas, tornando-se, também, formas de disputa de outras legitimidades e ordenamentos sociais possíveis. A produção e a circulação de imagens nesse cenário de lutas vêm se tornando mais um território de atuação política, contribuindo para os rumos da construção das comunidades e do próprio Movimento3. Dessa intricada relação entre o audiovisual e as ocupações organizadas pelo MLB nasceram mais de trinta obras realizadas em todo o país – entre videoinstalações, conteúdos para a internet, curtas e longas-metragens. Algumas dessas produções têm sido programadas em mostras e festivais dentro e fora do Brasil, acumulando mais de uma centena de exibições e prêmios em importantes eventos do cinema e das artes contemporâneas brasileiras, além de serem presença recorrente na programação de mostras temáticas ligadas a campos como Direitos Humanos, Antropologia, Geografia, História, Arquitetura e Urbanismo. Ao circular, essa expressiva produção não apenas conta histórias dos lugares e expõe contradições arraigadas em nossa sociedade, mas também tem se mostrado capaz de abrir espaços de atuação política em campos tradicionalmente restritos, como os das artes e da academia. Uma vez vistas, as obras passam a impulsionar toda uma produção derivada de textos especializados, trabalhos científicos, entrevistas, debates e reportagens.
(Autoria: Pedro Rena Todeschi).
A experiência com o audiovisual, vale dizer, não se restringe à produção, sendo também centrais as iniciativas de exibição e formação 4. Tais processos culminaram recentemente na concepção de uma plataforma online do próprio Movimento, a Mostra Lona: Cinemas e Territórios (2020)5. Lançada em Maio de 2020, logo nos primeiros meses da pandemia da COVID-19 no Brasil, a Lona reúne filmes realizados junto ao MLB, buscando articulá-los com outras produções audiovisuais brasileiras pautadas em questões e experiências territoriais e periféricas.
FOTOGRAFIA DE UMA DAS SESSÕES DO 1O CIRCUITO FORUMDOC.UFMG NA OCUPAÇÃO VITÓRIA.
Faltando pouco para completar uma década desde o lançamento do primeiro curta-metragem filmado nesse contexto6, proponho estabelecer, aqui, um espaço de convergência dos pensamentos de Dona Vilminha, Edinho Vieira, Frei Gilvander, Poliana Souza e Kadu Freitas – pessoas que constroem trajetórias de vida, militância e realização junto a esses territórios. Acionando o pensamento desses sujeitos através de trechos de entrevistas e passagens de filmes por eles realizados, busco olhar não para as obras em si, mas para relações de engajamento do audiovisual com a luta das Ocupações Urbanas, pensando possibilidades de articulação entre diferentes formas de atuação política através do cinema. 47
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“PRA TRAVAR A BOCA DESSE POVO”
FOTOGRAMAS DO FILME MEMÓRIAS DE IZIDORA
Dona Vilminha, uma das mais antigas moradoras da região da Izidora, maior conflito fundiário urbano da América Latina7, apresenta uma interessante visão sobre o papel da imagem nas disputas pelo direito à moradia: “Essa filmadora aqui eu comprei para filmar a Ocupação Esperança, porque o pessoal fala que é mentira e não é mentira. É verdade, tá aqui!”, conta-nos ela, à porta de sua casa, com sua câmera em mãos, numa das tantas cenas em que aparece, com sua presença forte e falas assertivas, no longa Memórias de Izidora (2016)8. Em uma sequência um pouco mais adiante, Dona Vilminha volta a falar sobre a relação entre aquilo que sua câmera filma e a verdade: Se falar que é mentira, tem a gravação toda. Toda passeata e toda reunião que vai ter eu tô no meio pra gravar. Pra travar a boca desse povo, pra eles saberem o que eles estão falando… Eu arrumo uma televisão aí e ponho lá fora pra todo mundo ver. Eu ponho meus filmes aí e vai encher esse lote todo, mas não tem problema não, pode encher esse lote todinho, ó! Eu quero ver é a verdade do que tá rolando aqui. Eles ficam falando que é mentira. Não é mentira. As coisas ditas são verdades (Memórias de Izidora, 2016).
Vilminha, que também é congadeira e uma das responsáveis por confeccionar as bandeiras e armas de uma Guarda de Congado, mantém em DVDs um extenso acervo de vídeos gravados ao longo dos oito anos de luta nas comunidades da região. Ela fala em “mostrar a verdade”, e atribui à exibição dessas imagens a capacidade de persuasão e convencimento em prol das negociações. Daí a importância de filmá-las, guardá-las e exibi-las.
“E, O DIA QUE ESSA MEMÓRIA FALHAR, TEM UM VÍDEO, UMA FOTOGRAFIA” Em outra passagem do mesmo filme, Edinho Vieira – jovem morador de Ocupação que fez sua formação em audiovisual, através das oficinas desenvolvidas pelo MLB e que é hoje coordenador nacional do Movimento – projeta uma incidência no futuro ao abordar a estreita ligação da imagem com a história e a memória dos territórios: A imagem dentro da Ocupação, além da representação, também tem um papel muito forte de nunca esquecer o que essas pessoas passaram. E, o dia que essa memória falhar tem um vídeo, uma fotografia. É muito importante para que as pessoas que forem vir a seguir possam ver, no livro de história delas, o que elas passaram um dia (Memórias de Izidora, 2016).
Essa reflexão segue sendo desenvolvida nas obras dirigidas por Edinho. O documentário Izidora: Dias de Luta, Noites de Resistência (2019)9 é um forte exemplo da aposta do cineasta em abrir seus filmes como espaço de rememoração e consolidação das narrativas sobre tais territórios. Durante uma live transmitida pelo festival Semana de Cinema, Edinho Vieira conta sobre as motivações para realizar o curta-metragem Registrar o ponto de vista de quem construiu, de fato, essa luta, é uma coisa importante para a gente para daqui a 10, 20 ou 30 anos... Hoje, depois de quase 8 anos, a Izidora passa por um processo de urbanização muito aquém do que a gente esperava. Existe ainda uma grande luta para que seja uma urbanização na perspectiva do povo. Mas 48
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é um processo de urbanização e pode ser que, daqui um tempo, nem ter esse nome mais os bairros tenham. (...) E pode ser que todas as lideranças, inclusive as que tiveram o sangue derramado, sejam apagadas também. Então, acho que registrar a memória é importante para poder dizer de onde essas lutas nascem, de onde a cidade nasce.10
Filmado por jovens moradores e moradoras que acompanham de dentro a luta daquelas famílias (aliás, são também parte dela), o documentário lança mão de entrevistas como principal dispositivo para instaurar um espaço íntimo entre relato e memória.
“É MUITO IMPORTANTE A GENTE FAZER A LUTA E ESCREVER A LUTA” Importante referência para a pauta das ocupações em Belo Horizonte, Gilvander Luís Moreira, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e frei carmelita, vem comunicando, ao longo dos últimos quinze anos, a luta por terra e moradia no campo e na cidade. Entre notas públicas, fotografias, postagens na internet, programas de televisão e vídeos que alimentam canais do Youtube, ele registrou e fez circular conflitos fundiários em todo o estado de Minas Gerais. Em sua trajetória, filmou os processos de surgimento, organização, resistência e despejo de dezenas de Ocupações. Tal como Vilminha ou Edinho, ao falar da relação de suas imagens com as lutas, ele elabora, com extrema lucidez: Primeiro, o nosso corpo é um instrumento importantíssimo. O nosso corpo, a voz e as mãos. Pegar, fazer, lutar. Dar as mãos e usar as nossas pernas. Outro instrumento muito importante que eu descobri é esse aqui, ó: uma caneta BIC [levanta uma caneta com as mãos]. Eu fiz muitos calos nas mãos nos sete anos trabalhando “a meia” em fazenda de latifundiário… Mas depois eu fiz uns calos nas mãos com isso aqui, ó: com a caneta BIC no dedo escrevendo [levanta as mãos diante da câmera mostrando os calos]. Descobri que a gente tem que lutar, mas a gente tem que escrever também para registrar as lutas feitas. Em todas as lutas que a gente faz tem que escrever uma nota, um manifesto. É muito importante a gente fazer a luta e escrever a luta. Depois da caneta, a outra ferramenta que eu descobri foi isso aqui, ó: o celular [e mostra o aparelho celular para a câmera]. Na minha experiência, para além de falar, a outra coisa importante na luta das Ocupações pela moradia própria, digna e adequada é a fotografia. (...) Uma fotografia pode destruir a imagem de uma pessoa, mas uma imagem também pode salvar e garantir a luta de uma Ocupação. (...) Para além do poder da caneta e do celular, eu descobri o poder da filmadora [fala empunhando uma handcam]. A filmadora é melhor que o celular e tem um tal de zoom. Se você puxar o zoom, com 100 ou 250 metros de distância, poderia ver o nome do policial escrito no peito – é que muitas vezes os policiais tentam esconder, apesar de ter uma regra que o policial tem que andar identificado (...). Quando eu fui estudar teoricamente, senti muita alegria quando a gente vai olhar na história da humanidade e todos os companheiros que foram revolucionários, seja Mahatma Gandhi, Jesus Cristo, apóstolo Paulo, Pastor Martin Luther King ou Che Guevara, todos colocaram como uma das prioridades da atuação a questão da comunicação. A Bíblia, principalmente o novo testamento, são cartas. É comunicação. Eu descobri que Guevara subiu a Sierra Maestra com os guerrilheiros, mas levando no ombro uma rádio comunitária para, de cima da serra na guerrilha, comunicar com os camponeses da região…. Então, sem comunicação, os braços e as pernas da luta diminuem muito. Por isso, nos últimos quinze anos, em dois canais que administro no YouTube, eu tenho mais de 4.000 vídeos-reportagem.11
Em uma visita rápida aos canais mantidos por Frei Gilvander, basta conhecer um pequeno conjunto de vídeos para perceber como, além da relevante extensão de seu trabalho, há o desenvolvimento sistemático desse método. Gilvander filma no bojo dos mesmos processos em que articula apoios, negocia com o Estado e celebra rituais ecumênicos. Uma liderança política e religiosa que, como ele mesmo destaca, aprendeu a colocar em sincronia corpo, voz, caneta BIC, telefone celular e câmera: “Pegar, fazer, lutar”.
“ISSO ACONTECEU PORQUE TINHA UMA CÂMERA CERTA NO LUGAR CERTO” Tendo como ponto de partida as possibilidades da relação entre a produção de imagens, o desenvolvimento das lutas e a sua circulação nas redes sociais, Poliana Souza, moradora da Ocupação Eliana Silva, no Barreiro, e Coordenadora Nacional do MLB, nos diz da importância concreta dessa articulação: Primeiro, eu acho importante o papel da rede social, a gente dialoga com um outro público da sociedade. Para além das redes sociais, o papel da comunicação é extremamente importante. Por exemplo, tivemos o caso da Gabi que, como eu disse, em Mário Campos (MG) levou um tiro no rosto e perdeu oito dentes. Quase morreu. Esse caso teve uma visibilidade enorme, chegou a ter mil pessoas assistindo ao vivo e depois o vídeo alcançou 2% da população 49
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do Brasil inteiro. Isso aconteceu porque tinha uma câmera certa no lugar certo. E só conseguimos fazer os reparos necessários – conseguimos o dinheiro para a cirurgia com uma vaquinha – por causa dessa visibilidade. O caso que aconteceu na região de Izidora, por exemplo, uma ocupação que estava pra ser despejada, e não foi por causa do filme “Na missão, com Kadu”. Tem o Kadu gravando com uma criança no colo e mostra a ação da polícia. (...) Depois disso, a ONU fez uma carta para o governo do estado de Minas Gerais dizendo que a polícia militar não tinha condições de fazer aquela reintegração de posse, que era impossível fazer nas condições que estavam dadas. Então, isso pra gente é de muita valia. Mas o que a gente entende é que essa militância virtual não pode estar desvinculada do chão da terra. É necessária a luta no território. O papel da militância virtual tem que ser dialogar, divulgar, falar sobre o que acontece no território.12
É quando militância, imagem, território e circulação estão articulados que as possibilidades de intervenção concreta na realidade se potencializam. Ao relembrar a importância dos planos realizados por Kadu Freitas durante uma marcha violentamente reprimida no dia 19 de junho de 2015, a dirigente remonta às imagens de Na Missão, com Kadu (2016)13, que podem ser vistas, se olharmos para os diferentes percursos possíveis de aliança entre a produção audiovisual e as lutas, como uma espécie de paradigma em que convergem algumas de suas principais potências.
“NÓS ESTAMOS GRAVANDO E VAI PÔ É MUNDIAL!” Kadu Freitas foi uma liderança comunitária, morador da Ocupação Vitória, e cineasta que participou de oficinas e dos processos de realização de alguns filmes, dentre os quais se destacam Na Missão, com Kadu e Memórias de Izidora, ambos de 2016. Infelizmente, foi assassinado ainda em 2015, antes mesmo de vê-los finalizados. Armado com um celular e munido de uma profunda noção de sincronia de ações – própria de quem é escolado pela vida nas atividades de coordenação (pegar, fazer, lutar, filmar, coordenar, liderar, negociar, salvar…) –, Kadu Freitas, que era militante das Brigadas Populares e Coordenador da Ocupação Vitória, acreditava na capacidade de suas imagens de circular e mobilizar como forma direta de intervenção em sua realidade.
FOTOGRAMAS DO FILME NA MISSÃO, COM KADU - AO LADO DE UMA DAS BARRICADAS DA OCUPAÇÃO VITÓRIA, MORADORES E MORADORAS ASSISTEM ÀS IMAGENS FILMADAS POR KADU.
Não poderia estar mais certo. Imerso nos processos, e consciente das diferentes nuances que envolvem o fazer político na luta das ocupações, ao filmar a repressão da Polícia Militar de Minas Gerais durante uma marcha, Kadu consegue, nesses dois planos, lançar mão de uma narração em off – densa e contundente – que se soma à força de sua câmera para, simultaneamente, resistir, denunciar a violência e propagandear a necessidade de um outro mundo: Vocês querem que a gente viva um sistema maldoso, mas nós não vamos aceitar isso não, jamais! Tá? Nós estamos gravando e vai pô é mundial! Tem que rodar é mundial essas porra aqui, esses trem. Porque isso aqui, ó, não existe isso não! Não existe a gente sair pra lutar por moradia e eles jogarem bomba, spray e dando tiro de borracha. Se eu não pego a criança ali, eles iam passar por cima dela!
Um rápido olhar sobre os percursos das imagens realizadas por Kadu deixa ver algumas das formas como elas chegaram, efetivamente, a incidir na realidade:
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1) Foram disponibilizadas na internet e, em um par de horas, haviam alcançado mais de 100 mil reproduções apenas no Facebook; 2) Tornaram-se provas materiais do excesso de violência praticada pela PMMG ao longo do ato, em um pedido de Mandado de Segurança concedido pelo Superior Tribunal de Justiça em Brasília que, efetivamente, impediu que o despejo dessas comunidades fosse realizado ao longo de mais de um ano; 3) Foram ponto de partida e também constituíram parte do curta-metragem “Na Missão, com Kadu”, que rodou mais de 50 salas e sessões no Brasil; 4) A partir da repercussão desse curta-metragem e sua circulação por salas e festivais, as imagens de Kadu foram analisadas por diferentes pesquisadoras e pesquisadores de diversas áreas.14
Mesmo após o assassinato de Kadu, suas imagens continuaram circulando, e Na Missão... segue sendo exibido em sessões informais dentro de comunidades, plataformas de vídeo na internet, salas de aula pelo Brasil e em mostras. Assim, ao mover-se e ser visto, o filme vem construindo uma ampla rede de visibilidade que, a cada sessão, reafirma o pedido de Kadu: “Nós estamos gravando e vai pô é mundial! Tem que rodar é mundial essas porra aqui, esses trem!”.
PENSANDO O CINEMA COMO TERRITÓRIO À produção que emerge dessas lutas somam-se as diversas iniciativas de exibição de cinema e formação em audiovisual junto às comunidades. Além disso, a circulação dessas obras produz novos espaços de reflexão e debate, os quais contribuem para a consolidação de perspectivas insurgentes contrárias ao status quo reacionário, que insiste em se impor no presente político do brasileiro. Pensar no cinema realizado junto às lutas das Ocupações Urbanas como um território de articulação política não é apenas uma aposta metafórica – visto que é justamente o direto à terra urbana que ocupa o centro das disputas protagonizadas por essas comunidades –, mas consequência de uma experiência com o audiovisual que articula, de forma consciente, diferentes modos de intervenção na realidade. Constitui-se, por fim, um território, fundado no exercício da vida, atravessado pelas disputas de poder e como lugar privilegiado de produção simbólica, onde história e memória interpretam papéis tão importantes. Movidos por uma pulsão de verdade, pela vontade de constituição de memória, pelo interesse em narrar a própria história, pela busca por uma ferramenta de agitação política ou pela possibilidade de intervenção no curso de um conflito, essas lutadoras e lutadores sociais elaboram sobre a relação entre sua própria produção imagética e o desenvolvimento de suas lutas, convidando-nos a refletir sobre o cinema em suas diversas e complexas relações com o mundo; o mundo, em suas diversas e complexas relações com as imagens; e as imagens, em suas diversas e complexas relações com as lutas.
REFERÊNCIAS 1 Esse texto é fruto de algumas reflexões que venho desenvolvendo ao longo da minha pesquisa de Mestrado em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais. Agradeço a Cláudia Mesquita, minha orientadora, pelas contribuições ao trabalho como um todo e à Ana Luisa Murta pela leitura atenciosa, revisão e contribuições. 2 Para conhecer mais sobre o movimento, acesse: www.mlbbrasil.org.br 3 Em A Imagem Tática: reflexões sobre o papel das imagens na atuação do MLB, um dos capítulos do livro Comunicar, Insurgir (Alesandra Brito, Olívia Pilar e Ana Guerra, 2020, Selo PPGCOM), me debruço mais detidamente sobre as formas de participação dessas imagens. O livro está disponível no link: https:// seloppgcom.fafich.ufmg.br/novo/publicacao/comunicar-insurgir/ 4 Em meio às iniciativas de exibição – pensadas não apenas como forma de circulação das obras, mas também como espaço de encontro e debate nas periferias –, foram fundamentais as edições de 2015, 2016, 2017 e 2018 do Circuito.forumdoc.UFMG e as diferentes edições da Itinerância Forumdoc.BH. Quanto aos processos formativos, cabe destacar a participação e o envolvimento de militantes e de comunidades nas atividades do 54º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (2014); nas oficinas OPALA – Oficina de Produção e Alfabetização Audiovisual –, oferecidas pelo Cinecipó em parceria com o cineasta santista Anderson Lado Beco (2018); e na realização do projeto Ocupa Mídia (2017), desenvolvido em parceria com a ONG francesa Internet Sem Fronteiras, e que ofereceu processos continuados de formação em comunicação nos territórios onde o Movimento atua. 5 Para conhecer a iniciativa e alguns dos filmes realizados nesse contexto, acesse: www.mostra-lona.com.br.
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6 A rua é pública (2012), de Anderson Lado Beco, filmado na Ocupação Eliana Silva, em Belo Horizonte. O filme pode ser visto através do link: www.mostra-lona.com.br/acervo/a-rua-e-publica.html 7 Surgidas em Junho de 2013, Rosa Leão, Esperança e Vitória são as três Ocupações Urbanas que conformam a região da Izidora. Juntas, essas comunidades somam hoje mais de dez mil famílias (cerca de 40.000 pessoas) e configuram, como dito, o maior conflito fundiário urbano da América Latina e um dos seis maiores do mundo. 8 Codirigido por Vilma da Silveira, João Victor Silveira de Paula, Kadu de Freitas, Edinho Vieira e Douglas Resende, o filme está disponível online e pode ser visto através do link: www.mostralona.com.br/acervo/memorias-de-izidora. 9 Um dos frutos do Ocupa Mídia, o filme é codirigido por Edinho Vieira, Raquel Rodrigues e Sthefany Paula, e pode ser assistido através do link: www. mostra-lona.com.br/acervo/izidora-dias-deluta. 10 Realizada no início do segundo ano de pandemia no Brasil, a atividade foi parte da sessão chamada Nossas vozes, nossos olhares, nossa luta, da qual Edinho Vieira também foi curador. Para assistir, acesse: www.youtube.com/watch?v=2WGP8OgoNhU&t=87s&ab_channel=SemanadeCinema 11 Trecho transcrito do debate realizado pela Semana de Cinema e disponível através do link: www.youtube.com/watch?v=2WGP8OgoNhU&t=87s&ab_channel=SemanadeCinema 12 Passagem retirada da Entrevista com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, publicada no livro No Tremor do Mundo (Luisa Duarte e Victor Gorgulho, 2020, editora Cobogó). 13 Na Missão, com Kadu (2016) foi codirigido por Aiano Bemfica, Kadu Freitas e Pedro Maia de Brito, e pode ser assistido através do link: www.mostra-lona. com.br/acervo/na-missao.html 14 Trecho retirado da página do artigo A Imagem Tática: reflexões sobre o papel das imagens na atuação do MLB (Aiano Bemfica, 2020, p. 304). Publicação já referenciada na nota 3.
AUTOR Aiano Bemfica é realizador audiovisual e militante do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), seus trabalhos transitam entre o documentário, as artes visuais e o mídia-ativismo. Graduado em Antropologia Social (DAA/UFMG) e mestre em Comunicação Social (PPGCOM/UFMG), no centro de sua pesquisa estão as intersecções e potências entre as lutas sociais do presente e a produção/circulação de imagens realizadas no bojo destes processos. Destacam-se, em sua produção, os filmes “Na Missão, com Kadu” (2016), “Conte Isso Àqueles que Dizem que Fomos Derrotados” (2018), “Entre Nós, Talvez Estejam Multidões” (2020) e a videoinstalação “Caminhará nas avenidas, entrará nas casas, abolirá os senhores” (2021). Atualmente, contribui com a coordenação, produção e curadoria da “Mostra Lona – Cinemas e Territórios”, e é membro do grupo de pesquisa Poéticas da Experiência. 52
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REALIZADORAS CAPIXABAS: UMA PESQUISA SOBRE O CINEMA DE MULHERES DO ESPÍRITO SANTO RAYSA CALEGARI AGUIAR
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Quem tem o hábito de esperar os créditos ao final dos filmes, ou faz o exercício de ler as fichas técnicas das produções audiovisuais, seja de filmes ou séries, sejam brasileiros ou internacionais, pode facilmente notar que a participação das mulheres na realização de produções audiovisuais concentra-se à frente das objetivas, trabalhando como atrizes. Fora disso, normalmente envolvem-se em alguma função técnica em setores “tradicionalmente” femininos, estigmatizados por valorizarem as “qualidades naturais” imputadas às mulheres, como no papel da zelosa produtora ou talentosa diretora de arte. É ainda baixo o registro de nomes femininos em posições de poder na hierarquia cinematográfica, como direção e roteiro. Observa-se claramente esse padrão no relatório de participação feminina no audiovisual brasileiro, publicado pelo Observatório do Cinema e Audiovisual (OCA) em 2019, o qual revela que, no ano de 2018, as mulheres ocuparam 20% da direção, 25% do roteiro, 41% da produção executiva, 12% da direção de fotografia e 57% da direção de arte das obras audiovisuais que emitiram Certificado de Produto Brasileiro (OBSERVATÓRIO, 2019). Entretanto, tem-se revelado que as mulheres tiveram, sim, papeis muito mais diversos e importantes, bem como ocuparam as mais diferentes funções nos processos que compõem a realização cinematográfica no decorrer da história do cinema, especialmente em seus anos iniciais, antes de a sétima arte ser descoberta como indústria lucrativa e poderoso instrumento de propaganda. De acordo com Mahar, No começo do século, no contexto norte-americano de produção, as mulheres eram parte considerável da equipe dos sets de filmagem, sobretudo em funções como roteiro, cenografia, figurino e montagem. Essa participação irá diminuir expressivamente com a consolidação da indústria cinematográfica e dos studio system, a partir do final da década de 1910. Os nomes femininos na direção e nos demais ofícios tornam-se, então, cada vez mais raros. (apud MARTINS, 2015, p. 54)
Funções com exigência de conhecimento técnico ou de grande poder dentro do set, ocupadas por mulheres em diferentes momentos, foram massivamente apagadas dos registros históricos, das listas de destaque, das grandes homenagens e de praticamente todo o reconhecimento, não importando quão cruciais foram suas ideias para o desenvolvimento do cinema. Em consideração a essa tendência de esquecimento das cineastas e suas obras, foi feita, entre 2019 e 2021, a pesquisa intitulada Realizadoras Capixabas: o cinema de mulheres no Espírito Santo em três gerações, fruto do programa de Pós-graduação em Comunicação Social e Territorialidades da UFES. O objeto da pesquisa foram as realizadoras que produzem cinema no estado do Espírito Santo. O trabalho foi feito objetivando a construção de um registro do cinema produzido por essas mulheres, além de catalogar quem eram essas profissionais e suas obras, facilitar o acesso a essas informações para pesquisas posteriores, promover o reconhecimento dessas realizadoras e contribuir com dados sobre o cinema de mulheres no Brasil.
A PESQUISA Para a construção do panorama sobre esse recorte do audiovisual capixaba, propôs-se uma caminhada dividida em três capítulos. No primeiro deles, é apresentada a história do cinema realizado por mulheres no Espírito Santo, desde seus primeiros registros na década de 1980 até o ano de 2019. Nesse contexto, foi proposta a organização dessas realizadoras por gerações, sendo cada uma delas marcadas por três fatores: disponibilidade de formas de financiamento, acesso à formação na área e viradas tecnológicas. O conteúdo usado para a construção desse recorte geracional veio, em grande parte, do cruzamento de dados entre as matérias e fichas técnicas presentes nas dez edições da Revista Milímetros, publicadas pela ABD entre 2008 e 2019, e o livro Plano Geral (2015), obra catálogo da produção audiovisual capixaba. As duas referências se complementam e se reforçam, e é a partir dessa troca de dados e informações que foi possível a construção do panorama. A primeira geração foi marcada pelas primeiras experiências em vídeo, ainda na década de 1980, realizadas em parceria com a TV Educativa do Espírito Santo (TVE) pela linha de financiamento do Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), tendo vivenciado pouquíssimos cursos de formação e pouca disponibilidade de formas de financiamento. A segunda geração, por sua vez, se caracterizou pelo perfil universitário das novas realizadoras, que tiveram os primeiros contatos com o audiovisual ainda dentro da faculdade, propiciados por meio de cursos de formação ora realizados pelo Departamento Estadual de Cultura (DEC) ora oferecidos pelo Festival de Cinema de Vitória a partir de 1997. Em relação a isso, o fortalecimento da Lei Rubem Braga foi um grande contribuinte. A geração assistiu, ainda, a uma grande virada tecnológica com a popularização definitiva das tecnologias digitais, bem como à transição dos suportes analógicos para o vídeo digital. A terceira e última geração delimitou-se pela criação do curso de graduação em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal do Espírito Santo, em 2010, e pela criação do Fundo de Cultura do Estado do Espírito Santo (Funcultura), em 2009. No campo 55
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tecnológico aconteceu, concomitantemente, o aprimoramento dos recursos de produção digital, que fizeram com que as realizações audiovisuais tivessem um boom no período. O segundo capítulo da pesquisa se aprofunda na história da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtametragistas do Espírito Santo – ABD Capixaba –, principal entidade de classe do audiovisual no estado, responsável por promover a Mostra Produção Independente anualmente desde 2004. Apresentou-se os contextos culturais e políticos de sua fundação no ano 2000, suas realizações e avanços no setor do audiovisual no Espírito Santo, entre outros aspectos históricos. Analisou-se, também, dez edições da Revista Milímetros, a revista do audiovisual capixaba, publicada e elaborada pela própria ABD, com conteúdo sobre a história do setor no estado e seu desenvolvimento ao longo dos anos, que funciona, principalmente, como catálogo para os filmes participantes da Mostra Produção Independente realizada pela Associação. A Mostra Competitiva realizada pela ABD é uma das principais janelas de exibição para a produção audiovisual independente do estado. Como suas edições se dispõem ao longo de mais de dez anos, tornou-se um território comum às realizadoras de todas as gerações, bem como uma grande fonte de pesquisa para entender como se conectam, se assemelham e se diferenciam as gerações de realizadoras capixabas. Questões como profissionalização das produções e a própria presença – ou não – dessas mulheres na competição dizem muito sobre como o audiovisual capixaba se constrói historicamente. Por fim, o último capítulo apresenta entrevistas feitas com algumas realizadoras de cinema capixabas representantes de cada uma das gerações. Da primeira leva de diretoras, foram entrevistadas Luiza Lubiana e Sáskia Sá, cujos primeiros registros como diretoras se deram nos anos iniciais da década de 90. Da segunda geração, que começa sua carreira a partir do final do século XX, foram ouvidas Tati Rabello, Virgínia Jorge e Luciana Gama, e da terceira geração, marcada a partir de 2011, foram ouvidas Tati Franklin, Carol Covre e Daiana Rocha, egressas do curso de Cinema da UFES. As realizadoras foram questionadas quanto às histórias pessoais, seus entendimentos quanto à origem e à etnia, como suas carreiras se desenvolveram, como aconteceram suas entradas nos circuitos de festivais, dentre outros aspectos da história de cada uma. Elas relataram, também, experiências no set enquanto mulheres cineastas, suas percepções sobre o cenário profissional, as diferenças entre trabalhar em uma equipe feminina ou masculina e suas experiências com relação ao audiovisual no período pandêmico. As entrevistas foram conduzidas com a intenção de confirmar se o desenho geracional proposto, baseado em evidências documentais, se confirmaria em seus depoimentos, o que notavelmente aconteceu. Além disso, foi através do cruzamento desses depoimentos que se tornou mais clara a percepção das diferenças intergeracionais, bem como de paradigmas que ainda carecem de mudanças no setor audiovisual.
UM CORPUS A SE EXPLORAR Investigar a história do cinema de mulheres do Espírito Santo resultou no levantamento de diversos dados importantes, a começar pelas próprias edições da Revista Milímetros, importante fonte de informação sobre a produção audiovisual local. As primeiras edições, impressas, foram totalmente digitalizadas, todas as dez edições reunidas online e disponíveis para acesso. Além das revistas, os dados expostos pela pesquisa revelaram detalhes do audiovisual capixaba que, isolados, são de difícil percepção: diferenças entre as gerações, importância de políticas públicas para o setor, percepções acerca da condição da mulher no dia a dia de uma produção audiovisual, entre vários outros aspectos. Escolhida como objeto de pesquisa por ser um evento voltado a realizadores independentes e locais, a Mostra Competitiva da ABD Capixaba revelou-se um reflexo dos padrões estatísticos do cinema nacional, apresentando números bastante diferentes entre direções masculinas e femininas concorrentes ao longo dos anos. O boletim do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa da UERJ (GEMAA) apresenta alguns dados acerca da presença feminina no audiovisual brasileiro, analisando números relativos aos filmes de maior bilheteria do país entre 1995 e 2018. Dentre esses, as direções distribuem-se em 84% diretores homens brancos; 21% mulheres brancas; 2% dos diretores são homens pretos e pardos; e mulheres pretas e pardas não foram registradas na direção em nenhum dos 240 filmes analisados pelo grupo. As obras analisadas pelo GEMAA são todas grandes obras comerciais, um segmento de mercado que, indubitavelmente, tem presença feminina menor.
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FIGURA 1: CAPAS DAS DEZ EDIÇÕES DA REVISTA MILÍMETROS
Questiona-se, portanto: por que as mulheres são também minoria na principal Mostra Competitiva local para realizadores independentes? Por que não vemos um grande aumento no número de mulheres na direção a partir da edição número 3 – ano em que as primeiras realizadoras da terceira geração começam a compor os números – se elas representam absoluta maioria na quantidade de formados do curso de graduação em Cinema da Universidade? Seria possível compreender o que motiva essa disparidade? E porque ela ainda existe? A própria entidade tem uma composição extremamente paritária entre homens e mulheres desde sua data de fundação, seja na composição de suas diretorias seja no corpo de curadores e de jurados, e temáticas de inclusão são uma constante nas pautas da Associação. Por que, mesmo nessas condições, ainda há tanta diferença, e como podemos, afinal, caminhar para diminuí-las? Pesquisas como essa são a chave para a compreensão do cenário audiovisual do Espírito Santo e são essenciais para embasar a proposição de políticas públicas mais inclusivas. O universo das mulheres realizadoras de audiovisual no Espírito Santo é, sem dúvida, mais complexo do que o alcançado pela pesquisa. Há uma série de documentos, festivais e outras fontes de informações que devem trazer, ainda, outros dados históricos sobre o cenário do audiovisual local. Os próprios filmes, por si só, contam muito sobre as características dessa produção, são uma rica fonte de informação. Realizadoras capixabas foi um passo inicial, permanecendo como convite às próximas pesquisas a se aprofundarem em outros corpus, para que essa história fique cada vez mais completa.
REFERÊNCIAS: BOLETIM GEMAA Nº 7. Raça e gênero no cinema brasileiro 1995-2018, 2020. Disponível em: <http://gemaa. iesp.uerj.br/wp-content/uploads/2020/04/BOLETIM-ESPECIAL-10-ANOS_FINAL_REVISADO-1-1.pdf>.
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MARTINS, Carla. Sob o risco do Gênero: Clausuras, rasuras e afetos de um cinema com mulheres. Tese (Doutorado em Comunicação Social) –UFMG. Belo Horizonte, 2015. TEDESCO, Marina C. Mulheres e direção cinematográfica na américa latina: uma visãopanorâmica a partir das pioneiras. In: HOLANDA, Karla (org.). Mulheres de cinema. Rio de Janeiro: Numa, 2019. OBSERVATÓRIO Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA). Anuário estatístico do cinema brasileiro 2018, 2019. Disponível em: <https://oca.ancine. gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/anuario_2018.pdf>.
AUTORA Raysa Calegari Aguiar é natural de São Mateus (ES), jornalista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo, mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação Social e Territorialidades (UFES). Ocupa o cargo de Técnico em Audiovisual na Universidade e, enquanto pesquisadora, dedica-se ao estudo da Teoria Feminista e à pesquisa sobre a história do audiovisual, sobretudo à história não contada das mulheres. 57
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ensaios
A Mostra Produção Independente chega à sua décima sexta edição convocando realizadoras e realizadores a uma ação coletiva, um levante cinematográfico. A seleção da mostra competitiva apresenta formas de reação possíveis do cinema aos tempos de instabilidade política e social: o que pode o cinema em meio ao caos?
OCUPAR A CIDADE A imposição do distanciamento social, devido à pandemia do coronavírus, incorreu em consequências como o esvaziamento das ruas, território importante para os levantes populares. Em Fenômenos extraordinários, a companhia de circo Junco insere, nas ruas, seres extraterrestres, a fim de nos fazer refletir acerca de nossa própria estranheza. Os movimentos circenses servem para o coletivo Circo em Nós percorrer a Grande Vitória, no intuito de contar um pouco da nossa identidade cultural na websérie Nós nas Redes. O corpo toma o movimento das águas e a ela se mescla em Corpo-Rio figurando o trajeto do Rio Itapemirim, importante corrente do estado; em Chorey, os corpos e seus reflexos se encontram no mar. Lucas Borghi, por sua vez, escolheu percorrer São Mateus em Perambular, demonstrando como a cidade exclui o seu corpo, reflexão uníssona em Atlântida, com o dançarino Nabillah Sedar, sobre sua existência em São Paulo.
CONTAR A PRÓPRIA HISTÓRIA (ancestralidade, negritude e família)
LEVANTE: O QUE PODE O CINEMA? MARIA GRIJÓ SIMONETTI SUELLEN VASCONCELOS
A dança é, também, a expressão do corpo de Castiel, a todo tempo presente em A Carbonagem e Incêndio Inevitável; já Verdade Peregrina escolhe apresentar o corpo negro de uma mulher, a qual narra sua relação com a religião apenas no final. Balaio para Kaia registra uma importante festa para as religiões de matriz africana de Iemanjá, dia dois de fevereiro. Os corpos negros retratados nesses filmes são historicamente alvos de racismo no Brasil, que é a discussão posta em A Coisa está Preta. Enquanto os filmes acima contam suas histórias a partir de símbolos coletivos, Gustavo Guilherme, em Minhas Mães, se reconcilia com seu próprio passado, e, em A voz que a Saudade Tem, Esther Almeida Borges busca fragmentos de seu recém falecido pai. A realizadora estreante na mostra, em Percorrer memórias: Por entre as ruínas da Fazenda Velha, apresenta um pouco sobre as memórias de sua família.
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Luma Lopes projeta, em recortes, seu olhar e anseios para o futuro em As far as the eye can see, ou tão longe quanto a vista alcança[1] .
RECONTAR A HISTÓRIA Narrativas de família também são pano de fundo para os documentários Ausência e O Educandário Alzira Bley como lugar de memória, que fazem uma revisita crítica a momentos históricos marcantes. No primeiro, conhecemos a argentina Victoria, filha de desaparecidos políticos durante a ditadura militar em seu país, e o segundo aborda a situação dos filhos do Hospital Colônia Pedro Fontes, forçadamente separados de seus pais. A trajetória da banda capixaba Herança Negra está em Força, Coragem e Fé, e a história por trás das músicas é o tema de Zé Moreira - Em Composição. As webséries possibilitaram a relação entre os músicos e o contexto histórico. Também lançando mão da narrativa seriada, Capixabas d’luta é uma animação que conta brevemente a história de importantes figuras históricas do Espírito Santo, como o biólogo Paulo César Vinha.
CAPTURAR O TEMPO DO AGORA Buscando representar o momento em que vivemos nos últimos anos, alguns filmes capturam instantes fugazes, cotidianos e corriqueiros, como Mais um dia, que, despretensiosamente, traz um retrato de um dia comum em uma casa. Enquanto isso, Penduradas nos transporta para os sentimentos de uma protagonista que dá voz às tantas mulheres exaustas por suportar as violências sutis do cotidiano. No videoclipe B.O, a rotineira tarefa de tomar banho é apresentada com arte e criatividade. Em Sobre cabides e roupas, acompanhamos a intimidade e a angústia de um protagonista ao escolher uma roupa para sair, e Vizinhança apresenta o estranhamento de um jovem ao chegar em sua nova casa. Gatinho da Internet, de maneira criativa e divertida, faz uma crítica às vivências consequentes da pandemia do coronavírus. No mesmo sentido, o videoclipe Mito é o caralho 2 denuncia os responsáveis pelo momento em que vivemos, e Quando o amanhã chegar faz um retrato revelador das consequências da extração de minério e do estabelecimento de grandes indústrias nas cidades.
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ARRISCAR E EXPERIMENTAR O audiovisual, em todas as suas formas, deve ser usado como arma de resistência e ferramenta de mudança social. Para isso, é importante compreender a construção dessa linguagem. No formato ensaio, a série S[C]INÉDOQUE homenageia o cinema a partir da montagem. Two girls with a moviecamera (Slumberparty) busca uma relação explícita com outras obras audiovisuais e a representação (e presença) das mulheres no cinema, enquanto Sol explicita uma reflexão sobre a representação dos negros na arte. O episódio Volta, da série Mudo Sessões, aposta na experimentação da linguagem cinematográfica enquanto expressão musical, na qual vemos a música por suas cores vibrantes e imagens caleidoscópicas. Já a animação Panapaná traz uma delicada reflexão sobre o que podemos aprender com o tempo das coisas. A 16ª Mostra de Produção Independente – Levante! – traz um compêndio de obras do cinema e audiovisual do Espírito Santo que revelam os olhares de nosso povo, de nosso cotidiano, trazem a nossa cara e a nossa história. Do interior à capital, atendemos o chamado do cinema e, como resposta, apresentamos filmes que amplificam nossos desejos e anunciam que, apesar dos tempos difíceis em que vivemos, em que a liberdade e a democracia estão sob constante ameaça, nosso cinema vive e se afirma como instrumento de luta e libertação.
A curadoria da 16ª Mostra Produção Independente – Levante! – foi feita pelas realizadoras Maria Grijó Simonetti, Suellen Vasconcelos e Maria Clara Escobar.
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MINHAS MÃES GUSTAVO GUILHERME DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 07:49 MIN | VITÓRIA | 2018
Um filme sobre ausências e silêncios, mas também sobre reencontros e reconciliações. Roteiro: Gustavo Guilherme Direção de Fotografia: Eriton Ribeiro Som: Juliana Saiter Montagem: Luciana GB Elenco: Fátima da Conceição, Felipe Conceição dos Santos, Gabriel da Conceição Gerhardt, Gustavo Guilherme da Conceição, Laurenita Guilherme, Rosana Conceição Coutinho, Rosimere da Conceição e Rossana da Conceição Gerhardt.
A VOZ QUE A SAUDADE TEM ESTHER ALMEIDA BORGES DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 9’15’’MIN | BOM JESUS DO NORTE | 2021
Em janeiro paulo - meu pai - veio a falecer devido a complicações da covid19, em um contexto que não nos deu qualquer possibilidade de despedidas. o luto se tornou assim uma experiência solitária e distante. em junho encontrei sua câmera antiga e resolvi documentar parte do cotidiano vivenciado em família durante essa pandemia, dando continuidade também a algo que ele sempre fez com dedicação: fotografar as singularidades em nossas vidas. o filme é um recorte de momentos que compõem esse processo que me é inédito e doloroso ao vivenciar a perda de um ente querido nas atuais condições. revisitando antigos áudios enviados por meu pai, sua fala e memória ecoam em nossa mente, em perfeita analogia a sua presença constante em nossos pensamentos - não há um momento que a saudade não se materialize aqui dentro. quis assim construir uma recordação visual desse período que estamos enfrentando, versando também sobre temas como a rotina, saudade, luto, memória e esperança. paulo vive em todos nós. Produção: Esther Almeida Borges
VERDADE PEREGRINA DAIANA ROCHA DOCUMENTÁRIO EXPERIMENTAL | COLORIDO | DIGITAL | 7 MIN | VILA VELHA | 2021
Fragmentos da vida na voz-memória de Dona Rosa. Roteiro: Daiana Rocha Direção de Fotografia: Daiana Rocha Produção Executiva: BULE Estúdio Criativo Edição: Daiana Rocha Elenco: Dona Rosa
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TWO GIRLS WITH A MOVIE CAMERA (SLUMBER PARTY) VICTORIA BRASIL E THAMYRIS ESCARDOA DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 6 MIN | VITÓRIA | 2021
Duas amigas descobrem como lidar com questões óbvias que se tornaram vergonhosas de se manifestarem. Parte de uma geração de feministas falhas, uma pandemia mundial e o processo da criação de um documentário. Roteiro: Victoria Brasil e Thamyris Escardoa Produção: Victoria Brasil e Thamyris Escardoa Montagem: Thamyris Escardoa
SOL FREDONE FONE VIDEOARTE | COLORIDO | DIGITAL | 01:29 MIN | SERRA | 2021
Sol é um video que contém recortes-colagens de cenas de videoclipes de rap. As imagens focam nas correntes e nos pingentes, muito utilizados por rappers/MCs, como um dos símbolos do poder preto. Roteiro: Fredone Fone Montagem: Fredone Fone
A CAMBONAGEM E O INCÊNDIO INEVITÁVEL CASTIEL VITORINO BRASILEIRO DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 34MIN | VITÓRIA | 2020
Inevitável é o acaso da forma do fogaréu. Inevitável é o fogo que acontece em mim quando eu danço. A cambonagem trata-se de um pacto: acolheremos a imprevisibilidade de nossos caminhos. Co-direção: Roger Ghil Roteiro: Castiel Vitorino Brasileiro e Roger Ghil Direção de Fotografia: Castiel Vitorino Brasileiro e Roger Ghil Produção: Castiel Vitorino Brasileiro e Roger Ghil Trilha Sonora: Castiel Vitorino Brasileiro e Roger Ghil Mixagem e desenho de som: Castiel Vitorino Brasileiro e Roger Ghil Montagem: Castiel Vitorino Brasileiro e Roger Ghil
BALAIO PARA KAIA MARESIA DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 26 MIN | VITÓRIA | 2020
Uma oferenda audiovisual às Águas Salgadas. Uma homenagem á Mãe Néia e á tradição do dia 2 de fevereiro. Produção: Yuri Paris Argumento: Maresia e Yuri Paris Fotografia: Maresia e Arthur França Ribeiro Som direto: Marcelo Shimu e Camila Cristina Ribeiro Edição: Maresia Desenho de som: Maresia e Marcelo Shimu Finalização de áudio: Marcelo Shimu
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CHOREY TATI RABELO E RODRIGO LINHALES VIDEOCLIPE | COLORIDO | DIGITAL | 4 MIN | VITÓRIA | 2021
Videoclipe Oficial de Chorey (A Transe part. Borabaez) Roteiro, direção e edição: Tati Rabelo e Rodrigo Linhales Direção de arte e figurino: Figurina Direção de fotografia: Matheus Triunfo Imagens de drone: Diogo Buloto Produção executiva e produção de set: Layla Pena Maquinaria e Best Boy: Chacal Assistente de produção: Alice Salles Still e divulgação: Luana Correa Comunicação e marketing: Perpétua Produtora
MUDO SESSÕES - VOLTA HEITOR RIGHETTI VIDEOCLIPE | COLORIDO | DIGITAL | 7 MIN | VITÓRIA | 2021
Mudo Sessões é uma performance musical que trafega entre beats minimalistas, guitarras flutuantes e atmosferas oníricas Produção musical, composição e performance: Gil Mello Direção e roteiro: Heitor Righetti Direção de fotografia: Matheus Costa Direção de arte e cenário: Bárbara Carnielli Gaffer e assistente de câmera: Marcus Supeleto Montagem e edição: Heitor Righetti Colorização e finalização: Matheus Costa Engenharia de som e mixagem: Alexandre Barcelos Estúdio de gravação: Funky Pirata Artes: Matheus Frasan e Kain Azoury Vargas
FORÇA, CORAGEM E FÉ - DIA D 3º EPISÓDIO JOSÉ AUGUSTO MULETA DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 15 MIN | VITÓRIA | 2021
A Websérie “Força, Coragem e Fé” vai contar a história da banda Herança Negra. Neste episódio contaremos como foi a retomada da banda e falaremos sobre o futuro. Produção: Herança Negra Roteiro: Herança Negra e Átila Borges Produção Executiva: Átila Borges Assistente de Direção e Edição: Maurício Jacob Direção de Fotografia: Diego Luís Captação de Áudio: Henrique Gaudio Assistente de Câmera: Daniel Bones Mixagem e Masterização: Léo Góes Arte Final: Bruno Simões
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GATINHO NA INTERNET TATI RABELO E RODRIGO LINHALES E VIANNA VIDEOCLIPE | COLORIDO | DIGITAL | 4MIN | VITÓRIA | 2020
A reclusão social provocada pela pandemia é mostrada pelo olhar poético de André Prando no videoclipe Gatinho na Internet. Roteiro: Mirabólica & Vianna & Prando Edição: Mirabólica & Vianna Produção: Mirabólica & Vianna Vídeo mapping: Mirabólica & Vianna Imagens drone: Mirartes & Helison Simer
MITO É O CARALHO 2 DIEGO CAPELETTI E LUIZ EDUARDO NEVES VIDEOCLIPE | COLORIDO | DIGITAL | 3’29”MIN | VITÓRIA | 2021
Quatro rappers contra Bolsonaro. Filiando-se a um crescente grupo de artistas que passaram a tomar posição contra o presidente do Brasil por meio de sua arte, os músicos JR Conceito, Dudu News, Misharia e Zumba uniram-se para um manifesto baseado na longa lista de ações controversas do presidente desde que assumiu o poder central. Roteiro: Luiz Eduardo Neves Produção musical: TGBlack Planet Apoio: Setor Proibido Elenco: JR Conceito, Dudu News, Misharia, Zumba, Madhu Tatto, PP MC, Troyo Rockstar, Pedro MC 027, Bia 027 Realização: Panela Audiovisual
ZÉ MOREIRA - EM COMPOSIÇÃO, EP. 2 RODA D’ÁGUA GABRIEL MOREIRA E CLÁUDIO FRANÇA DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 6’26”MIN | VITÓRIA | 2021
O projeto “Zé Moreira – Em Composição” conta com quatro episódios, cada um dedicado a uma canção e às histórias, referências, opiniões e olhares que atravessam o universo do capixaba e integram seu fazer musical. Episódio 2 “Roda D’água” Produção Executiva: Kátia Moreira e Gabriel Moreira Co-produção: Item Filmes Direção de Fotografia: Yury Aires Operador de Câmera: Thiago Souza Operador de Câmera: Yury Aires Montagem e Color Grading: Thiago Souza Som Direto: Hugo Reis Identidade Visual: Cláudio França Gaffer: Marcus Supeleto Fotografia Still: Matheus Moreira Cathering: Maristela Perim Transporte: Alessandro Gabriely
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PERAMBULAR MARCELO OLIVEIRA E LUCAS BORGHI DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 48 MIN | SÃO MATEUS | 2020
“Transicionar é um estar que se faz sempre na marginalidade, à marginalização. A minha experiência na margem é a mola que impulsiona a uma nova casa, a novas formas de vida. Estar à margem significa tão somente poder ver e ler o centro para além dele mesmo, e percebê-lo como uma grande categoria criada e inventada para simplesmente normatizar. É uma investigação de resgate das possibilidades de mim mesma, que só são possíveis porque antes de mim, eu mesma já existia em muitas outras. É um resgate memorial das minhas a partir da marginalidade mateense, da margem das águas do Rio Cricaré.” Produtora: Belas Artes projetos culturais Criadora e intérprete: Lucas Borghi Diretor, produtor de som e roteirista: Marcelo Oliveira e Lucas Borghi Diretor de arte: Clemer Ferreira Diretor de fotografia Montagem/Edição: Samuel Oliveira Drone: Alif Ferreira Figurinos: Lis Oliveira e Larissa Bonfim Pós-Produção: Belas Artes Projetos Culturais
CORPO-RIO 5 - DESAGUAR VICTORHUGO PASSABON AMORIM; WEBER COOPER DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 16’47” MIN | MARATAÍZES | 2021
Do nascer ao desaguar, um rio muito tem a nos dizer. O elemento água é o tema deste episódio. Em Marataízes as águas são entregues ao mar, lugar de transformação e transmutação. Corpo é rio, ecologia profunda. Realização: GRUPO ATUAÇÃO Produção executiva: Weber Cooper Roteiro e Direção Geral: Victorhugo Passabon Amorim; Weber Cooper Direção Artística: Weber Cooper Performance: Gabriela Prado; Leonardo Dariva; Weber Cooper Produtora: Jéssica Grillo Blunck Direção Musical: Fábio Coruja Trilha Sonora: Fábio Coelho; Fábio Coruja Figurino: Márcio Masselli Designer: Raphaela Corsi Edição e Finalização: Victorhugo Passabon Amorim Som Direto: Victorhugo Passabon Amorim Câmera e Drone: Társis Viana Fotografia Still: Esther Loris Viana
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ATLÂNTIDA DIEGO LOCATELLI DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 4 MIN | SÃO PAULO | 2021
São Paulo é a cidade onde é necessário perder-se para experimentar a falsa sensação de se encontrar. Atlântida é um documentário performático que explora a construção imaginada da maior capital da América Latina pelo olhar estrangeiro de Nabillah Sedar. A simbiose entre os organismos urbanos e a pele do ator africano recriam uma das várias possibilidades de flanar por essa grande cidade. Roteiro: Diego Locatelli e Nabillah Sedar Diretor de fotografia: Valette Direção de arte: Thiago Cusack Ass. de arte: Alice Barcelos Stylist: Rosane Senna Correção de cor: Júnios Xis Edição: Tiago Gil e Igor Selingarde Supervisor de Produção: Murilo Paiva Efeitos: Gabriel Fontenele Operador de drone: Nani “Raw Filming”
VIZINHANÇA LUCAS CARVALHO FICÇÃO | COLORIDO | DIGITAL | 9 MIN | VITÓRIA | 2021
Após se mudar para uma nova cidade sem ter a possibilidade de visitar seu novo lar antes de alugá-lo, Lucas vivencia algo estranho que acontece no local. Roteiro: Lucas Carvalho Direção de fotografia: Lucas Carvalho Direção de arte: Lucas Carvalho Montagem: Lucas Carvalho Desenho de som: Lucas Carvalho Colorização: Lucas Carvalho Elenco: Lucas Carvalho
AUSÊNCIA RICARDO SÁ DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 19 MIN | VITÓRIA | 2021
A história de Victoria del Monte, filha de desaparecidos políticos na Argentina, que foi criada no Brasil pelo avô exilado. Argumento e pesquisa: Victoria del Monte Roteiro: Ricardo Sá Fotografia e produção executiva: Ricardo Sá Imagens adicionais: Fernando Tebele (La Retaguardia) e Tribunal Oral Numero 4 de San Martin e Acervo Maria Flores Montagem: Ricardo Sá Assistência: Victoria del Monte e Monica Nitz Consultoria em história da Argentina: Hugo Cesar Guangiroli Animação e efeitos: Lucas Bonini Trilha Sonora: Ricardo Sá (a partir de Water Dance Loops) Produção de Finalização: Victoria del Monte e Monica Nitz
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O EDUCANDÁRIO ALZIRA BLEY COMO LUGAR DE MEMÓRIA JUDEU MARCUM DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 28 MIN | CARIACICA | 2021
Documentário sobre o preventório, local onde viveram os filhos separados de pais acometidos por hanseníase, internados compulsoriamente no Hospital Colônia Pedro Fontes, em Cariacica-ES. Roteiro: Anderson Gomes Barbosa Assistente de Direção: Anderson Gomes Barbosa Direção Executiva: Heleno César N. Barbosa Produção: Sirlene da Silva Pereira Câmera: Luiz Felipe Carvalho Câmera: Judeu Marcum Assistente de Câmera: Andressa da Silva Barbosa Imagens Aéreas: Nicholas Marcos D. Nascimento Captação de Áudio: Leandro Mello Edição de Som: Jone BL Animação: Luiz Felipe Carvalho Edição de imagem: Judeu Marcum Pesquisa: Anderson Gomes Barbosa Tradução: Anderson Gomes Barbosa Atores Entrevistados: Heraldo José Pereira Ex-interno e Presidente da Instituição, Gilberto Scardini Ex-interno, Edmar Galazzi Ex-interno, Geraldina Galazzi Mãe de ex-internos, Maria Aparecida Galazzi Ex-interna, Maria Pulcéria Ex-diretora, Maria Malta da Silva (Vó)Ex-funcionária, Tiago de Matos Alves Historiador.
QUANDO O AMANHÃ CHEGAR MARCELO MENDES GOMES DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 9 MIN | VALE DO AÇO | 2020
Descubra o passado, analise o presente e reflita sobre o futuro de um bairro industrial no interior de Minas Gerais. Produção: Caio Rocha Realização: APNEIA
AS FAR AS THE EYE CAN SEE OU TÃO LONGE QUANTO A VISTA ALCANÇA LUMA LOPES ALVES EXPERIMENTAL | COLORIDO | DIGITAL | 4 MIN | ITAIPAVA | 2021
Ensaio visual experimental. coletas de imagens (in)dispostas. sem compromisso com linearidade e separabilidade. sem compromisso com a fala. algo entre esses dois vetores: memórias ~ presente. Direção e montagem: Luma Lopes Alves
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PANAPANÁ GABRIEL NEMER NEVES E VERÔNICA LORRAINE OLIVEIRA DE PAULO ANIMAÇÃO | COLORIDO | DIGITAL | 1’16” MIN | CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM | 2021
Uma garotinha muito interessada pela ciência e pelo seu jardim, descobre um novo mundo em um arbusto bem próximo a sua casa. Uma crisálida! Que borboleta será que vai sair dela? Ela resolve esperar pelo momento em que verá a bela Roteiro: Gabriel Nemer Neves e Verônica Lorraine Oliveira de Paulo Animação: Gabriel Nemer Neves e Verônica Lorraine Oliveira de Paulo
PAULO CÉSAR VINHA CÍNTIA BRAGA ANIMAÇÃO | COLORIDO | DIGITAL | 9 MIN | VITÓRIA | 2021
Paulo César Vinha é o sexto episódio da websérie Capixabas D’Luta e trás a biografia deste ambientalista, que teve sua trajetória marcada pela defesa da vida e do meio-ambiente, contra a sanha do capitalismo predatório, que em nome do lucro: mata, desmata e destrói. Roteiro: Cintia Braga Produção Executiva e Direção de Produção: Dell Freire Dublagem: Duilio Kuster Cid Ilustração e Animação: Luiz Quintanilha Direção de Fotografia: Luiz Quintanilha Técnico de Som, Sound Design e Mixagem: Greco Nogueira Trilha Sonora: Greco Nogueira Edição, Finalização e Making Of: Fabio Martins Créditos Musicais: Música “Crepúsculo “ Gentilmente cedido pelo Grupo Moxuara
FENÔMENOS EXTRAORDINÁRIOS COMPANHIA JUNCO DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 9 MIN | SERRA | 2021
Uma serie de fatos estranhos está acontecendo no Espírito Santo. Urânia, uma viajante interespacial e Garambombo, um super-anti-herói, fazem aparições intermitentes que geram mistério na população. Esses personagens, dois “zé ninguéns” inconformados, parecem querer nos alertar sobre um mal que nos assombra Produção: cia.junco Elenco: Lucía Reizner · Esteban Bisio Residência artística Coletivo Nopok: Fernando Nicolini · Daniel Ernesto Poittevin Figurinista: Dudu Guimarães Criação de textos do narrador: Raúl Horacio Bisio Narrador: Chico Anibal Especialistas: Sophya Pereira Lima (Advogada), Luana Vieira (Historiadora) · Fernando Cola (Psicólogo) Apoio, logística e registro intervenções: Mónica Samudio · Enrico Rendón Salazar Edição e design de som: Esteban Bisio Registro drone: Silas Fontes (Serra) · Alif Ferreira (Santa Teresa) Handpan: Vitor Martins
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CIRCO EM NÓS - NÓS NAS REDES, EPISÓDIO “PANELA DE BARRO” CIRCO EM NÓS DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 6 MIN | VITÓRIA | 2021
“Enfim, chegaram. Superado o cansaço da viagem, logo são atingidos por um sentimento profundo: a fome. Fome de cultura local, de conhecer as pessoas que integram este espaço. Começando pela Associação de Paneleiras de Goiabeiras, as fazedoras das famosas Panelas de Barro, se deliciam com as descobertas desta arte culinária, que começa muito antes da cozinha, mas, que felizmente é onde o processo se encerra, saciados.” Intérpretes Criadores: Denise Lomeli Maycow Ribas, Palu Felipe, Tayane Almeida, Filmagem e Edição: Nathalia Lemos Making-off: Fagner Fabrete Figurino: “Figurina.Art” Ana Paula Damasio, Luara Zucolotto Identidade Visual: Carolina Carvalho Produtor Musical: Ighor Albuquerque “Nigga” Produção Local: Wesley Siqueira Áudio-descrição: Alarisse Mattar Apoio Local: Circo do céu, gymCircus, Padaria Gulellita, Cozinha mãe e filha Realização: CIRCO EM NÓS
SOBRE CABIDES E ROUPAS RENAN AMARAL FICÇÃO | COLORIDO | DIGITAL | 2 MIN | VITÓRIA | 2021
Curta metragem gravado durante o isolamento social da pandemia, inteiramente gravado com celular. Num momento de tédio, uma limpeza no armário mostra os efeitos no corpo do que a pandemia causou. Produção: jemastê filmes Uma obra de: Renan Amaral e Fran Mattoso
PENDURADAS DOMINIQUE LIMA FICÇÃO | COLORIDO | DIGITAL | 4 MIN | VITÓRIA | 2020
Penduradas é uma vídeo-arte que traduz memórias, histórias e comportamentos de mulheres. Ele traz as sutilezas de violências diárias que sofremos e a reflexão do que nos é ensinado a suportar. Texto, Fotografia e Edição: Dominique Lima Narração: Elaine Vieira
MAIS UM DIA FABRICIA SILVA FICÇÃO | COLORIDO | DIGITAL | 2 MIN | SERRA | 2020
Mais um dia de uma família em isolamento social, em um período que para muitos proporcionou uma nova rotina dentro de suas casas. Produção e Edição: Fabricia Silva Elenco: Lucas Silva e Marlene Silva
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S[C]INÉDOQUE / CAPÍTULO DEZ: DESPEDIDAS, RECOMEÇOS GUSTAVO GUILHERME DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 7 MIN | VITÓRIA | 2021
“S[C]INÉDOQUE / Capítulo Dez: Despedidas, Recomeços” é o último episódio de uma série de vídeo-ensaios que se debruçam sobre filmes de várias épocas, nacionalidades e gêneros, a fim de pensar os vários aspectos da relação entre filme e espectador.” Roteiro, narração e montagem: Gustavo Guilherme da Conceição Edição de som: Letícia Oliveira Produção: Revista Reimagem
PERCORRER MEMÓRIAS: POR ENTRE AS RUÍNAS DA FAZENDA VELHA ESTHER ALMEIDA BORGES DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 5 MIN | SÃO JOSÉ DO CALÇADO | 2021
A fazenda velha se localiza na zona rural sul-capixaba, no município de são josé do calçado. suas paisagens guardam histórias que fazem parte da memória coletiva de minha família, e são aqui evocadas através de minha avó lourdes ao relatar um pouco do seu cotidiano, das relações ali estabelecidas, dos vínculos com a paisagem e de seu olhar subjetivo do mundo. Produção: Esther Almeida Borges
B.O. MARESIA VIDEOCLIPE | COLORIDO | DIGITAL | 3 MIN | VITÓRIA | 2020
Todo mundo nasce nu, e todes cantam no chuveiro.Videoclipe de B.O., single de lançamento da cantora Maresia. Direção de audiovisual: Maresia Produção musical: Marcelo Shimu Produção geral: Yuri Paris Assessor geral: Tiago Gegenheimer
A COISA TÁ PRETA GABRIEL FILIPE DOCUMENTÁRIO | COLORIDO | DIGITAL | 32 MIN | LINHARES | 2021
“A coisa tá preta” mostra como o racismo – velado e explícito – se manifesta nas mais diversas relações sociais e transforma situações cotidianas em desafios a serem superados por pessoas negras. Direção, produção e edição: Gabriel Filipe Entrevistados: Ana Paula Ricardo, Évilyn Rosa Lirio, Joana Freitas, Marcos Vinícius Sá, Maria Valdinéia de Oliveira Adão, Poliane Passos, Ricardo Paixão, Tiago Cau Marques Atriz: Suely Bispo Imagens: Álvaro Queiroz Poemas: Ponto Histórico | Elé Semog, De Que Cor Será Sentir? | Hélio de Assis Integridade | Geni Guimarães, Sou Negro | Solano Trindade Trilha sonora: Envato Elements
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realização
apoio