Aprendizagem de comando e liderança através do estudo histórico de erros e fracassos nas guerras

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MILTON ROBERTO DE ALMEIDA

Aprendizagem de Comando e Liderança através do estudo histórico de erros e fracassos nas guerras.

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em História Militar, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito à obtenção do título de Especialista em História Militar.

Orientação: Prof. Carlos Roberto Carvalho Daróz

São Paulo 2014 1


RESUMO

Erros de comando, que levam a fracassos as operações militares estão presentes na grande maioria das guerras e batalhas. O objetivo deste trabalho é reforçar o conceito de que a história militar, estudando esses erros, jamais poderá ser desconsiderada como importante instrumento educacional na preparação de futuros comandantes e líderes militares. Não cabe, neste trabalho, a busca de motivos psicológicos para justificar o comportamento inadequado de alguns comandantes militares, pois isso cabe a um estudo de psicologia. O objetivo aqui é apenas mostrar que, na grande maioria das campanhas militares, erros de comando que levam às derrotas estão sempre presentes, cabendo-nos apenas identificá-los segundo os princípios da guerra para evitar sua futura repetição. As três campanhas militares escolhidas como exemplo desses erros de comando (Batalha de Crécy, Campanha de Dardanelos e Batalha da França), sintetizam comportamentos militares repetitivos, encontrados em quase todos os eventos militares apresentados pela história, em todas as épocas, da Antiga à Moderna. Embora apresentados de forma superficial, os exemplos permitem que se discutam as principais causas dos fracassos, fundamentados principalmente na complexidade sistêmica da guerra, nos comportamentos dos líderes e nas características das organizações militares. Finalizando, com a apresentação e discussão dos resultados, podemos assimilar algumas lições sobre comando e liderança e das competências essenciais que fundamentam o sucesso militar.

Palavras-chave: História. Comando. Liderança. Erros militares. Guerra. Competências

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ABSTRACT

Command errors, which lead to failures of military operations are present in the vast majority of wars and battles. The objective of this work is to reinforce the concept that military history, studying these errors, can never be disregarded as an important educational tool in preparing future leaders and military commanders. Does not fit in this work the search for psychological to justify the inappropriate leadership behaviors of some military commanders because it is up to study in the psychology science. The goal here is just to show that in most military campaigns, command errors, that lead to losses, are always present, leaving us only to identify them according to the principles of war, to prevent their future recurrence. The three military campaigns chosen as an example of these errors of military command (Battle of CrĂŠcy, Dardanelles Campaign and Battle of France), synthesize repetitive behaviors found in almost all military events presented by history, in all the ages, from Ancient to Modern. Although presented in a superficial way, the examples allow us to discuss the root causes of failures, based primarily on systemic complexity of the war, the behaviors of leaders and the characteristics of military organizations. Finally, at the presentation and discussion of the results, we can assimilate some lessons on leadership and command and key competences that underlie military success.

Keywords: History. Command. Leadership. Military mistakes. War. Competencies.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................................................... 05 Cap. 1 - Importância do Estudo da História Militar para a Aprendizagem através dos Erros ..............................................................................................................................09 Cap. 2 - Complexidade da Guerra e dos Erros de Comando ........................................11 Cap. 3 - Investigação de Erros de Comando - Três casos históricos ............................14 3.1 - Batalha de Crécy (1346) .............................................................................14 3.3 - Batalha de Dardanelos (1915) ....................................................................17 3.3 - Batalha da França (1940) .......................................................................... 26 3.4 - Similaridades entre os erros de comando nas três batalhas ..................... 29 Cap. 4 - A natureza do fracasso ................................................................................... 32 4.1 - Complexidade sistêmica da guerra ........................................................... 32 4.2 - Causas humanas ....................................................................................... 33 4.3 - Causas organizacionais ............................................................................. 36 Cap. 5 -Apresentação e discussão dos resultados - Lições de Comando e Liderança Aprendidas ................................................................................................................... 40 5.1 - Competências essenciais de Liderança e Comando ................................. 42 5.2 - Inteligência Situacional (Situational Awareness) ....................................... 43 5.3 - Liderança Estratégica ................................................................................ 44 5.4 - Comunicação Interpessoal ........................................................................ 47 Conclusão ..................................................................................................................... 50 Bibliografia .................................................................................................................... 54

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INTRODUÇÃO O assunto “erros de comando e liderança”, abordado neste trabalho, pode ser expresso pelas seguintes questões: Por que experientes líderes militares falharam e quais as causas dessas falhas? O que e como aprender com esses erros? Por que exércitos bem preparados, bem equipados e comandados por oficiais competentes falharam de modo inesperado? Por que ocorreram falhas de avaliação situacional, comunicações e coordenação de esforços? Por que comandantes militares que tinham um fantástico histórico de conhecimentos e realizações militares cometeram erros grosseiros de planejamento, tomada de decisões e execução? Por que identificamos os mesmos erros, século após século, nas histórias de guerras e batalhas? São frequentes, em batalhas de todas as épocas, relatos de falhas de comando por negligência, imperícia, falta de visão estratégica, falhas de comunicações entre os comandantes e suas tropas, incapacidade de decisão em tempo hábil, uso inadequado de recursos humanos e materiais, incapacidade de perceber as inovações tecnológicas e adequar-se a elas, entre outras. Os erros e fracassos diante de situações de guerra ou emergências continuam ocorrendo nos dias de hoje. As lições do passado não foram aprendidas e as forças armadas, de modo geral, e órgãos de defesa pública continuam agindo de forma inadequada no enfrentamento dessas falhas, humanas e organizacionais. A arquitetura de comando, de planejamento, de decisão e mecanismos de controles não têm sido frequentemente bem definidos e estruturados, mostrando-se ineficientes diante de situações críticas, provocando, como consequência, desastres e tragédias de grandes proporções políticas, econômicas, sociais e militares. Estudar o passado, adquirindo conhecimentos e conceitos para melhor agir no presente é fundamental para que dirigentes de todas as áreas, civis e militares, aprendam como construir o caminho do sucesso e, também, como evitar o caminho do fracasso.

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Esta é uma pesquisa qualitativa da literatura disponível sobre o assunto, em meios impressos e na Internet, sendo a grande maioria de origem norte-americana, uma vez que os Estados Unidos da América tem se envolvido na maioria dos conflitos armados internacionais nos últimos cem anos. Sendo adeptos de pesquisas e estudos de raciocínio crítico, aplicam esses conhecimentos nos estudos das batalhas para identificar as causas de sucessos e fracassos. O capítulo Um aborda a Importância do estudo da História Militar para a aprendizagem através dos erros, conceituamos História Militar e destacamos sua importância para a educação de líderes militares, utilizando a metodologia da Aprendizagem através dos Erros. Assim como tentamos reproduzir as ações que levaram uma operação militar ao sucesso, também devemos estudar os erros cometidos pelos comandantes para evitar sua repetição no futuro. No capítulo Dois, é analisada a Complexidade da Guerra e os Erros de Comando, analisa-se a guerra como um conjunto interagente de partes (sistema), dependentes do comando humano para seu funcionamento e eficácia. Erros humanos, principalmente de Comando e Liderança, podem ocorrer e colocar em risco o sucesso das operações militares, com consequências desastrosas em termos não apenas da perda vidas e recursos, mas também pelo impacto econômico, político e social. No Capítulo Três, temos a Investigação de Erros de Comando - Três Casos Históricos, onde foram escolhidos três exemplos de operações militares que reproduzem os principais erros de comando, encontrados na maioria das batalhas já registradas pelos historiadores. São eles a Batalha de Crécy, Campanha de Dardanelos (ou Batalha de Galipoli) e a Batalha da França. É uma apresentação sintetizada de cada campanha militar, ilustrando apenas os principais aspectos que apresentam as falhas estratégicas ou operacionais. No Capítulo Quatro, A Natureza do Fracasso, é abordada a complexidade sistêmica da guerra, os diferentes fatores envolvidos e as causas humanas e organizacionais com maiores responsabilidades sobre os fracassos das operações militares. Esses tópicos são abordados não apenas focando os eventos históricos mencionados mas também proporcionando conceitos atuais para que sirvam de 6


aprendizado aos líderes de hoje e de amanhã. No Capítulo Cinco, Apresentação e discussão dos resultados são apresentadas as lições de comando e liderança que podem ser aprendidas com os estudos das batalhas escolhidas como exemplos destacando-se a importância das competências de inteligência situacional, liderança estratégica e da comunicação interpessoal. A História Militar é a sala de aula do soldado, onde estudo de casos históricos permite o envolvimento com grande variedade de situações de aprendizagem, muitas baseadas em ações reais, que possibilitam o desenvolvimento de novas competências e habilidades de liderança e comando. Embora a aprendizagem através dos estudos de casos históricos seja de grande validade educacional, para que esta eficiência não seja perdida, é necessário atenção para não incorrer em erros de estudo que produziriam mais resultados negativos do que positivos. É preciso cuidado com a tendência de raciocinar para o passado ao invés de para o futuro ou focar apenas em fatos pontuais que fortaleçam tendenciosidades ou preconceitos. O autor Taylor (2009, p. 249) comenta em seu livro “Military Leadership, in Pursuit os Excellence”, sobre algumas “armadilhas de aprendizagem” que podem ser ocasionadas pela aprendizagem baseada em estudos de casos históricos: “Tentamos reduzir o risco de isso ocorrer nas fases iniciais de preparação do programa, incluindo uma discussão sobre "armadilhas de aprendizagem”, falácias lógicas realmente associadas com o conhecimento prévio dos resultados . Identificamos três dessas armadilhas para evitar especificamente como processamos os estudos de caso: (1) o erro de causalidade para trás, onde apenas o resultado é tomado como prova da eficácia dos “inputs” de liderança, (2) o "mito da inevitabilidade ", em que os eventos passados são assumidos como tendo sido inevitáveis e, assim, é possível perder a ambiguidade e complexidade dos momentos, e as questões de liderança inerente a essa complexidade, (3) e a tendência de escolher apenas as partes da experiência histórica que reforçam as atitudes preconcebidas e preconceitos, e de rejeitar novas perspectivas. Discutir armadilhas de aprendizagem tem se mostrado valioso para manter esses erros de raciocínio fora do programa, mas também se tornou um mini lição em si mesmo, com os participantes reconhecendo como essas falácias são comumente usados como técnicas de persuasão nos processos organizacionais e políticos atuais”.

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É realmente muito comum, nos cursos e treinamentos de liderança baseados em estudos de casos, a ocorrência das falácias apresentadas por Taylor. A tendência de escolherem-se algumas partes dos eventos históricos para reforçar ou contradizer comportamentos existentes caracteriza-se como uma tendenciosidade que inibe o desenvolvimento das organizações e bloqueia a inovação. Também avaliar os eventos apenas pelos seus resultados, de vitória ou derrota, significa ignorar a complexidade dos fatores envolvidos nos acontecimentos. Assim, os investigadores históricos devem resguardar-se em não misturar a realidade atual em que vivem, com suas expectativas e desejos, com a realidade das pessoas que estão sendo investigadas.

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Capítulo 1 Importância do estudo da História Militar para a Aprendizagem através dos Erros A História Militar1 demonstra que sucesso e fracasso caminham juntos nas guerras de todos os tempos, resultado das competências de comando de alguns e das incompetências de outros. Sucessos são sempre comemorados e utilizados para engrandecer o poder militar, político e social de uma nação. Fracassos ou derrotas nunca são bem recebidos por ninguém, principalmente pelas organizações militares, porque trazem como consequências grandes perdas de vidas e recursos. Daí a importância dos estudos de ambos. A falta de estudos de conhecimentos históricos ou da incapacidade de raciocinar sobre esses ensinamentos sobre como tratar os grandes problemas da guerra e sua condução tem predominado, no passado e no presente, com resultados funestos. O estudo de eventos históricos nos proporcionam meios de aprender através dos sucessos e erros dos outros, ajudando a compreender a natureza e condições dos processos de planejamento, tomada de decisões, comunicações, liderança e controle dentro das operações militares. Analisando eventos do passado podemos reinterpretar situações do presente sem repetirmos erros de nossos antecessores. É muito mais do que simplesmente saber o que foi feito de maneira errônea; é proporcionar aos atuais líderes possibilidades de desenvolverem suas competências de liderança, empatia, criatividade e visão estratégica. A História Militar é a fonte geradora de conhecimentos concernentes às ações fundamentais de comando e liderança, baseados nos princípios imutáveis da Arte da Guerra. Napoleão (2010) recomendava o estudo da História Militar para o desenvolvimento das competências de comando e liderança: "Leia e releia as 1

A AHIMTB – Academia de História Militar Terrestre do Brasil conceitua História Militar como sendo “a parte da História da Humanidade que nos permite reconstituir a História da Doutrina Militar. É a Ciência e a Arte da Guerra utilizadas pelos exércitos, com fim de, respectivamente, se prepararem para as guerras ou quando nelas forem empregados.”

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campanhas de Alexandre, Aníbal, César, Gustavo, Turenne, Eugênio e Frederico; molde-se a eles: esta é a única maneira de se tornar um grande capitão e descobrir os segredos da arte da guerra. Seu gênio, iluminado por este estudo, o fará rejeitar as máximas opostas às desses grandes homens". Clausewitz disse que “os exemplos históricos iluminam tudo, dando grande valor à História Militar”. Napoleão (2010) considerava em seu planejamento não apenas o sucesso mas, também, a derrota, imaginando cenários piores para suas campanhas: "Para não ficar surpreso de obter vitórias, só se deve pensar em derrotas. Não perca de vista a possibilidade de meu exército da Itália ser repelido e obrigado a recuar para Alexandria, até mesmo para Gênova, e faça com que a artilharia, o arsenal e os armazéns de víveres estejam em bom estado." Dessa forma podia antever as possíveis fraquezas de suas forças e prever erros de forma a tomar medidas corretivas antes que estes viessem, de fato a ocorrer. É essa também uma forma de aprendizagem através dos erros. A aprendizagem através dos erros é um caminho, atualmente utilizado por grandes organizações empresariais e militares, para o desenvolvimento de pessoas, principalmente daquelas em posições de comando.

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Capítulo 2 Complexidade da Guerra e os Erros de Comando Uma guerra é um evento complexo que obriga os comandantes militares, para tomarem melhores e mais acertadas decisões, a analisar diferentes cenários de guerra e hipóteses de ações dos adversários, recursos disponíveis e opções de emprego da força. Segundo Clausewitz, "A guerra é um ato de violência com que se pretende obrigar nosso oponente a obedecer nossa vontade [...] A guerra é sempre o choque de dois corpos hostis em oposição, e não a ação de um poder vivo sobre uma massa inanimada [...] Enquanto o inimigo não estiver vencido, ele poderá vencer-me; então não serei mais dono de mim mesmo; ele irá ditar-me as suas leis, como eu fiz a ele. [...] Na guerra, mais do que em qualquer outro lugar no mundo, as coisas acontecem de modo diferente daquilo que tínhamos esperado e, quando vistas de perto, têm um aspecto diferente daquele que tinham à distância.”

"Na guerra, tudo é obtido através de cálculo; o que não for profundamente meditado em detalhes não produz resultados”, escreveu Napoleão (2010), e continua: “A guerra é feita de acidentes. Apesar de obrigado a curvar-se a princípios gerais, um líder nunca deve perder de vista tudo o que pode colocá-lo em condições de tirar proveito desses acidentes. O vulgo chamaria isso de sorte, mas se trata de uma qualidade do gênio." A arquitetura de planejamento da guerra precisa adaptar-se continuamente à evolução do ambiente estratégico complexo, volátil e incerto onde esta acontece, às inovações tecnológicas e às necessidades de aprendizagem dos líderes militares para acompanha-las. O líder militar precisa estar continuamente sintonizado com as mudanças para mudar sua forma de pensar, elevar suas competências e habilidades e, principalmente, aprender com os erros. E aqui encontramos o maior desafio para os militares: inovar-se dentro de instituições hierarquicamente rígidas, fundamentadas em conceitos e regulamentos tradicionais e resistentes às ideias de mudanças. É 11


justamente essa incapacidade de mudança de raciocínio que poderemos observar, nas diversas batalhas da história e nos três exemplos citados neste trabalho, como a causadora dos principais fracassos militares. Em seu livro “Military Misfortunes: the anatomy of failure in war”, Eliot Cohen faz um comparativo entre as competências dos antigos e modernos líderes militares, escrevendo que “há uma grande diferença entre o grau de controle exercido por um Napoleão, que podia visualizar completamente o campo de batalha e influenciar diretamente o que estava acontecendo nele, e um moderno líder responsável por uma campanha, muito distante dos eventos e vulnerável às mais variadas forças, submetendo seu comando a grande esforço”. (COHEN, p.06). Erros humanos são normais e podem ser esperados dentro da imensa rede de interações intergrupais e intragrupais existentes no ambiente operacional das campanhas militares. Erros que podem ocorrer pela escolha inadequada de objetivos, pela má elaboração do planejamento ou pelo emprego errôneo dos recursos para atingi-los. A maioria desses erros baseada em informações incorretas ou incompletas, levando a uma míope percepção situacional provocada pelos métodos ou sistemas de coleta e interpretação de informações existente em cada época. “No mundo medieval, a obtenção de informações em tempo real era intrinsecamente difícil, exceto para distâncias muito curtas”, cita John Keegan, em seu livro “Inteligência na guerra: conhecimento do inimigo, de Napoleão à Al-Qaeda”. E continua: “Simplesmente não era possível levá-las adiante do avanço das tropas inimigas com velocidade suficiente. Essa situação perduraria durante os séculos vindouros”.(KEEGAN, 2003, p32). Poderemos observar, em toda a história militar, que a maioria dos erros que levaram ao fracasso nas batalhas são provenientes de informações incorretas sobre as circunstâncias, ou a falta delas, levando os líderes políticos e militares à tomada de decisões desastrosas. Seja nas idades antiga, média ou moderna, os processos de decisão fundamentam-se sempre no conhecimento. E a execução do planejamento adequado, sabemos hoje, fundamenta-se em comportamentos de aceitação de ideias e sugestões envolvendo vários atores, sejam eles pares ou subordinados hierárquicos. 12


Isso raramente acontece dentro de estruturas hierárquicas rígidas e autoritárias, bastante presentes nas instituições políticas e militares. Os três exemplos de fracassos militares, apresentados a seguir, foram escolhidos por bem representarem essas situações.

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Capítulo 3 Investigação de Erros de Comando - Três Casos Históricos Para exemplificar os grandes erros de comando que podem levar uma operação militar ao fracasso foram escolhidas três batalhas ou campanhas bastante citadas pelos historiadores militares: a Batalha de Crécy, a Campanha de Dardanelos (ou Batalha de Galipoli) e a Batalha da França. Esses três exemplos contém similaridades de erros de planejamento, comando, liderança, execução e controle das operações, os quais também podem ser encontrados em quaisquer outras batalhas de tempos antigos ou modernos.

O

foco

dessa

investigação

de

fracassos

militares

concentra-se,

principalmente, nos processos de raciocínio dos comandantes, apontados sempre como os principais responsáveis pelos resultados de uma campanha militar.

3. 1 - Batalha de Crécy (1346) A Batalha de Crécy é um dos ícones da história militar pelas lições que carrega. É a supremacia da tecnologia mais adequada (arcos de longo alcance, facilidade de manejo e rapidez de tiro) contra menos adequadas (bestas pesadas, desconfortáveis para utilizar e transportar, difíceis de carregar e lenta cadência de tiros); é o confronto de duas estratégias de combate, onde os ingleses adaptam-se às condições do terreno, ao tempo e às condições físicas dos homens e os franceses agem impulsivamente, não considerando as dificuldades do terreno, as condições físicas e mentais dos homens, as condições de emprego das armas e a coordenação de emprego entre a infantaria e a cavalaria. O modo de combate francês, típico da era medieval, colocando a ênfase do combate na cavalaria, mostrou-se totalmente inadequada para a ocasião, resultando em desastrosas consequências. No dia 26 de agosto de 1346, depois de uma longa marcha de Cherbourg até a cidade de Crécy, na França, as forças inglesas invasoras depararam-se com um grande exército franco-genovês. Eduardo III, comandante do exército inglês, dirigia-se para o reduto britânico em Calais e pretendia evitar o combate em campo aberto com o 14


exército francês, comandado por Filipe VI. Eduardo III, percebendo que seria alcançado antes de atingir Calais, armou acampamento em local elevado, entre as cidades de Crécy e Wadicourt, para facilitar sua condição defensiva. Incorporando estratégias aprendidas durante as guerras com os escoceses, Eduardo III ordenou que seu exército lutasse a pé. O número exato de guerreiros de Eduardo III não é perfeitamente conhecido, sendo estimados entre 9.000 e 12.000 homens, sendo 7.000 arqueiros. Eduardo III passou parte da manhã e da tarde motivando suas tropas com visitas, elevando o moral e espírito de luta. O exército francês, por sua vez, seguia em marcha forçada no encalço dos ingleses. Necessitando de descanso, pararam e acamparam muito distantes da posição inglesa e, no dia seguinte, tiveram que fazer uma longa e cansativa marcha de aproximação de combate, quase sempre sob chuva. O exército francês, com uma força estimada entre 30.000 e 72.000 combatentes mais cerca de 6.000 arqueiros genoveses, chegou tarde devido à travessia a vau do rio Somme, cujas pontes haviam sido incendiadas por ordens de Filipe para retardar o avanço de Eduardo. O combate inicial ocorreu no final da tarde, por volta das 16 horas, com o sol declinante ofuscando a vista dos franceses. Aconselhado a aguardar pelo combate até o dia seguinte, Filipe VI, pressionado pelos impacientes nobres franceses, deu ordem para o avanço dos mercenários genoveses, os quais ainda estavam em preparação após a longa marcha. Estes partiram sem prévio reconhecimento do campo de batalha e de modo desfavorável, morro acima em direção às posições inglesas. Diversas coisas aconteceram para ajudar a bloquear esta primeira carga. A chuva que havia caído o dia inteiro deixou o terreno alagado e enlameado. O sol surgiu, no momento do ataque, com todo seu esplendor, ofuscando a visão dos genoveses. A cerca de 150 – 200 metros de distância, os arqueiros ingleses surgiram de trincheiras camufladas, que haviam sido escavadas por ordem de Eduardo III nos flancos de suas forças (um truque aprendido com os escoceses em Bannockburn e que poderia impedir qualquer ataque da cavalaria francesa), despejando uma chuva de flechas sobre os genoveses e provocando pesadas baixas. Para completar o pavor das forças francesas, 15


Eduardo III tinha em seu poder vários canhões (bombardas), que assustavam mais pelo barulho do que pelo efeito do disparo. Enfurecido pelos acontecimentos, Charles de Alençon, irmão de Felipe VI, iniciou uma carga de cavalaria morro acima, atropelando os genoveses que fugiam morro a baixo. Novamente os arcos ingleses, com cerca de 1,80m de comprimento e capaz de permitir uma cadência de lançamento de 12 flechas por minuto, entraram em ação. As flechas inglesas perfuravam as armaduras dos cavaleiros franceses provocando inúmeras mortes, dentre as quais a do próprio Alençon. Os cavaleiros franceses, adstritos aos preceitos de honra e bravura de sua estirpe, insistiram nas investidas, realizando 15 assaltos à posição inimiga, todos sem coordenação. No auge da confusão no lado francês, os cavaleiros ingleses desceram a encosta a pé e, antecedidos pelos arqueiros e apoiados pelos lanceiros galeses, trucidaram os nobres franceses, inermes em suas armaduras ao serem derrubados de seus cavalos que patinavam na lama. (BITTENCOURT). Uma das cargas foi comandada pelo cego João I, rei da Boêmia e Conde de Luxemburgo, nascido em 1296. Procurando por seu filho Charles, embrenhou-se na luta, acompanhado por seus cavaleiros. No dia seguinte o corpo do Rei João I foi encontrado pelos ingleses foi honrado pelo Príncipe Eduardo, adotando parte do escudo de armas de João I, três plumas brancas e o lema “Ich dien” (“Eu sirvo”). Na manhã seguinte à batalha estima-se que 12.000 corpos jaziam pelo chão, mortos ou feridos. Muitos dizem, porém, que 30.000 foram os mortos. Entre estes estavam 11 príncipes, incluindo Charles de Alençon e João da Boêmia, e 1.200 cavaleiros, a elite da nobreza francesa. Exausto e ferido, Filipe VI retirou-se protegido pela escuridão para o castelo de Broye e, após breve descanso, continuou em direção a Amiens acompanhado apenas de sessenta homens. O restante de suas tropas havia sido abatida ou fugido para todos os lados. Infelizmente, para os franceses, as lições não foram aprendidas e, dentro do âmbito da Guerra dos Cem Anos, os erros repetiram-se durante a Batalha de Poitiers, em 19 de setembro de 1356. 16


Para esta batalha, encaixam-se bem as lições de Napoleão (2010): "Se o inimigo assumiu uma boa posição e está à sua espera, recomendo que você o reconheça e estabeleça bem seu sistema antes de atacá-lo. Um movimento para frente sem bons preparativos pode vencer quando o inimigo está em retirada, mas nunca vence quando o inimigo está posicionado e decidido a defender-se; portanto, ou um sistema ou um preparativo vence a batalha”.

3.2 - Batalha de Dardanelos (1915) A Campanha de Galipoli, também conhecida como Batalha de Dardanelos, ofereceu a oportunidade para os líderes Aliados na Primeira Guerra Mundial para quebrar o impasse mortal na Frente Ocidental e abrir linhas críticas de comunicação entre os aliados ocidentais e a Rússia. Falta de planejamento, a falta de orientação, a incapacidade de comunicar de forma clara o conceito de operações, juntamente com a má avaliação dos requisitos para o sucesso da missão e acompanhamento foram fatores-chave que convergiram para destruir a sincronização operacional. A sincronização é um atributo vital das operações de combate, que produz uma potência máxima de poder em relação a um ponto decisivo, coordenando todas as capacidades, elementos e ações das forças operacionais em tempo, espaço e finalidade. O efeito líquido da sincronização bem-sucedida é a sinergia da força - quando as capacidades e força de combate excede a soma das suas partes. O pivô de operações bem-sucedidas é traduzir o planejamento conjunto para execução sincronizada. As repercussões trágicas das falhas para fazer isso foram notavelmente demonstradas durante a I Guerra Mundial no teatro Galipoli das operações. Geoffrey Regan (2000) descreve o ambiente de comando estratégico da expedição de Dardanelos da seguinte forma: “Sir John French pode ter considerado a expedição Galipoli em 1915 como um "espetáculo", mas não havia necessidade de enviar palhaços para comandá-la. Assim como o Almirantado se recusou a liberar mais de um de seus navios de guerra de primeira linha para uso em Dardanelos, então a França recusou-se a permitir que seus melhores comandantes fossem movidos da França, onde se sentia que a guerra seria decidida. Não é de estranhar que "raspando o fundo do barril", o Ministro da Guerra, Lord Kitchener, tenha vindo com "a coleção

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mais abjeta de generais jamais coletada de uma só vez" para irem com os antiquados pré-Dreadnoughts que compunham a força naval. Esta foi uma resposta inadequada ao que poderia ter sido uma das campanhas mais 2 brilhantes da guerra”.

A Campanha de Galipoli teve como palco a península de Galipoli (em turco: Gelibolu) na Turquia, de 25 de abril de 1915 a 9 de janeiro de 1916, durante a I Guerra Mundial. Foi uma das campanhas mais custosas e trágicas da guerra. Forças britânicas, francesas, australianas e neozelandesas desembarcaram em Galipoli, numa tentativa de invasão da Turquia e captura do estreito de Dardanelos. A tentativa falhou, com pesadas perdas para ambos os lados. Os aliados se retiraram do local durante os meses de dezembro de 1915 e janeiro de 1916. As divisões ANZAC (Australian and New Zealand Army Corps) se viram especialmente danificadas, e esta campanha passou a significar certa dissensão por parte do aliados oriundos da Nova Zelândia e da Austrália, que acusaram as tropas britânicas de arrogância, crueldade e inaptidão, bem como principais responsáveis pelo fracasso das operações. O Anzac Day (25 de abril) continua a ser a comemoração mais significativa dos veteranos na Austrália e na Nova Zelândia, superando o Dia do Armistício / Dia da Lembrança. Do sítio da ANZAC, na Internet, retiramos a seguinte sequência de principais eventos da campanha: Em 02 de agosto de 1914, a Turquia (Império Otomano) assina um tratado secreto com a Alemanha (Império Alemão) contra a Rússia (Império Russo). Dois dias depois, em 4 de agosto, o Império Britânico e Domínios declarou guerra ao Império Alemão e seus aliados. No dia 10 de agosto, depois de fugir navios de guerra britânicos no Mediterrâneo, os cruzadores de batalha alemães Goeben e Breslau chegam ao estreito de Dardanelos e são autorizados a seguir até Constantinopla, onde foram nominalmente entregues à marinha turca. Em 31 de agosto, o Primeiro Lorde do Almirantado britânico, Winston Churchill, 2

Texto original: “Sir John French may have regarded the Gallipoli expedition in 1915 as a “sideshow”, but there was no need to send clowns to command it. Just as the Admiralty refused to release more than one of its front-line battleships for use in the Dardanelles, so French refused to allow his best commanders to be moved from France, where he felt the war would be decided. It is not surprising that in “scraping the barrel” War Minister Lord Kitchener came up with “the most abject collection of generals ever collect in one spot” to go with the antiquated pre-Dreadnoughts that comprised the naval force. This was one inadequate response to what could have been one of the most brilliant campaigns of the war”

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pediu ao Chefe do Estado-Maior britânico imperial para elaborar um plano "para a apreensão da Península de Galipoli por meio de um exército grego, com vista à admissão de uma frota britânica no Mar de Mármara. Os gregos produziram um plano detalhado para a captura de Galipoli que envolveria cerca de 60.000 homens. Churchill sentiu que era improvável a Turquia permanecer neutra entre Grã-Bretanha e Alemanha, e que os turcos iriam entrar na guerra ao lado da Alemanha. Sobre a ameaça da Turquia, Winston Churchill escreveu: "O preço a ser pago na tomada de Galipoli, sem dúvida, será pesado, mas não haveria mais guerra com a Turquia. Um bom exército de 50.000 homens e poder marítimo poria fim à ameaça turca”. Em 08 de setembro, a Turquia, para não prejudicar sua economia, recusou-se a fechar o estreito de Dardanelos aos navios estrangeiros, apesar da forte pressão alemã para isso. No dia 09 de setembro os britânicos retiraram sua missão naval da Turquia. Uma força naval britânica na entrada dos Dardanelos ordenou, em 27 de setembro, impediu a passagem de um barco torpedeiro turco, obrigando-o a retornar. Os turcos, em seguida, fecharam o estreito, colocaram minas, desligaram os faróis e colocaram forças militares ao longo das falésias. No dia 28, a frota turca bombardeou os portos russos do Mar Negro de Odessa, Sebastapol e Feodosia. Navios de guerra britânicos, em 03 de novembro, sob ordens de Londres , abrem fogo contra fortes turcos que guardavam a entrada do estreito de Dardanelos em Sedd-el-Bahr (na península de Galipoli) e Kum Kale (na costa asiática da Turquia) . O paiol em Sedd-el-Bahr explodiu, destruindo todas as armas pesadas na área. No dia 13 de dezembro, em Sari Sighlar Bay, ao sul da cidade de Cannakele, nos Dardanelos, o submarino britânico B11 torpedeou e afundou o navio de guerra turco Messudieh em condições difíceis. O comandante do B11, tenente Norman Douglas Holbrook, foi condecorado com a Cruz de Victoria e os membros de sua tripulação receberam outros prêmios bravura. Um oficial da marinha alemã comentou com o vice-cônsul americano em Cannakele, o Sr. Enghert, que ele (o naufrágio) tinha sido "resultado de um intenso trabalho de inteligência". 1915. No dia 03 de janeiro, Winston Churchill telegrafou ao comandante das forças navais britânicas no Mar Egeu, vice-almirante SH Carden, perguntando se Dardanelos poderia ser forçado apenas pela ação naval. Carden respondeu que a passagem pelos estreitos não poderia ser apressada, mas poderia ser forçada por "operações prolongadas". Em 04 de janeiro os russos derrotaram um grande exército turco no Cáucaso, em Sarikamish. A batalha foi travada em uma temperatura de 30 graus abaixo de zero e mais de 30.000 turcos congelaram até a morte. Antes disso, os russos pediram aos britânicos para encenar uma ação diversionária contra os turcos para atraí-los para longe da Rússia. No dia 13 de janeiro, o Conselho de Guerra britânico tomou uma decisão que "o Almirantado deveria se preparar para uma expedição naval em fevereiro, para bombardear e tomar a Península de Galipoli, tendo Constantinopla como seu objetivo". (ANZAC, 2014)

E, a partir de 15 de janeiro de 1915, começaram as atividades militares na península de Galipoli. Nessa data, segundo a página da ANZAC, o submarino francês Saphir afundou em Dardanelos, perto da cidade de Cannakele. Sua tripulação nadou para a praia, mas o capitão Fournier, com a bandeira francesa, permaneceu com seu 19


navio, Apesar de uma tentativa de resgatá-lo, Fournier afogou-se. Entre 19 e 25 de fevereiro forças navais aliadas tentaram forçar a entrada no estreito de Dardanelos, bombardeando os fortes turcos exteriores. Após, entre 26 de fevereiro e 3 de março, destacamentos de fuzileiros navais foram desembarcados em fortalezas turcas em Kum Kale, no continente, e no Sedd-el-Bahr, em Galipoli. colocando muitas das armas turcas fora de ação. Grandes barcos de pesca britânicos, equipados improvisadamente como caça minas e com tripulações em grande parte civis, não obtiveram sucesso na retirada das minas do estreito de Dardanelos. Reais Fuzileiros Navais, enviados para desembarque em Sedd-el-Bahr, encontraram forte resistência e tiveram que retroceder. Em 13 de março, o Marechal de Campo Lorde Kitchener nomeou o General Ian Hamilton, 62 anos, comandante da Força Expedicionária, compreendendo a Divisão Britânica 29, o ANZAC (Austrália - New Zealand Allied Corps), uma divisão da Marinha Real Britânica e um Corpo Francês de Exército. Hamilton foi orientado a realizar operações militares terrestres "apenas no caso de a frota não para conseguir passar e depois de todos os esforços terem sido esgotados”. No dia 18 de março de 1915, uma nova tentativa naval aliada foi realizada para forçar a passagem pelo estreito. Dezoito navios de guerra britânicos e franceses, atacaram os fortes mas, apesar de enfraquecerem as baterias turcas com pesado bombardeio, não conseguiram passar. Intimidados com o afundamento de três navios de guerra (HMS Irresistible, Bouvet e HMS Ocean) e pesadas avarias em outros três (HMS Inflexible, Gaulois e Suffen), com uma perda de mais de 700 marinheiros, desistiram de novos ataques. As forças turcas, por sua vez, tiveram suas baterias de canhões bastante enfraquecidas e não poderiam suportar nova investida dos navios ingleses e franceses. No entanto, estes não o fizeram. O fracasso das operações navais levou à opção de uso de forças terrestres. O Vice-Almirante Sir John de Robeck informou Winston Churchill que não seria possível capturar a península de Galipoli sem a ajuda do exército. O General Sir Ian Hamilton, comandante da Força Expedicionária do Mediterrâneo aquartelada na ilha grega de Lemnos, participou em 22 de março de uma conferência com o Almirante Robeck a 20


bordo do HMS Queen Elizabeth, onde tomaram a decisão de realizar o desembarque anfíbio em larga escala em Galipoli. O ataque se iniciou em 25 de abril de 1915 com o estabelecimento de duas cabeças-de-ponte3, em Helles e Gaba Tepe. Entretanto as tentativas de tomar toda a península fracassaram, frente à resistência tenaz oferecida pelas forças turcas. Informações chegaram ao comandante do Quinto Exército Otomano, o TenenteGeneral alemão Otto Liman von Sanders, a respeito dos 70.000 homens aliados reunidos na ilha grega de Lemnos. Von Sanders, prevendo o ataque iminente, havia posicionado seus 84.000 homens ao longo da costa, onde ele esperava que os planos de invasão tivessem lugar. Até o final do dia, fortes contra-ataques turcos haviam confinado os britânicos a dois pequenos bolsões de terra, um no Cabo Helles, na ponta da península, e outro em Anzac Cove, a oeste da parte mais larga da península. Apenas os franceses tiveram sucesso em seu desembarque em Kum Tepe. As baixas foram pesadas para todos os lados nesse dia de operações militares. De 28 de abril a 4 de junho ocorreram as três batalhas de Krithia, uma aldeia turca. . Entre 25 e 28 de Abril as tropas britânicas haviam consolidado sua posição inicial das praias de desembarque, em Helles, para formar uma linha em toda a ponta da península de Galipoli. No entanto, em 28 de abril, na primeira batalha de Krithia, eles não conseguiram dominar a aldeia ou de fazer qualquer progresso contra os turcos até a península. Entre 6 e 8 de maio, os britânicos, juntamente com as forças da França, Austrália e Nova Zelândia, lutaram a segunda Batalha de Krithia, mas as linhas turcas posicionadas na aldeia não caíram. Sobre os turcos, o reverendo Creighton, capelão britânico, escreveu em 18 de maio: “As posições turcas ficam mais fortes a cada dia. Os turcos são magnificamente bem comandados, bem armados, muito corajosos e numerosos”. No dia 12 de maio ocorre o torpedeamento do couraçado inglês “HMS Goliath” por um torpedeiro turco. O comandante do “HMS Goliath”, Thomas Lowrie-Shelford, e 3

Cabeça de Ponte ou Testa de Ponte é um termo de terminologia militar referente a uma posição provisória ocupada por uma força militar em território inimigo, do outro lado de um rio ou do mar, tendo em vista um posterior avanço ou desembarque. (Fonte: Wikipedia)

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570 tripulantes foram perdidos. E, em 25 de maio, o submarino alemão U-21, sob o comando do tenente Otto Hersing, torpedeou e afundou o “HMS Triumph” que protegia o navio de transporte de tropas para Anzac Cove. O general William Birdwood, comandante

do

ANZAC

Corps,

escreveu

que

“o

Triumph

apenas

virou-se

repentinamente, como um mergulho de peixe, e foi direto para o fundo. Foi realmente uma visão terrível mas solene". Após esse naufrágio, o almirante Sir John de Roebuck ordenou o deslocamento dos navios de guerra britânicos para a relativa segurança do porto de Mudros. Sobre isso, o correspondente de guerra britânico Compton Mackenzie escreveu: “A sensação de abandono era aguda... Cada homem havia parado a olhar para o vazio desconhecido da água... É certo que a Marinha Real Britânica nunca executou uma manobra mais desmoralizante em toda a sua história”. E os submarinos alemães não davam descanso aos ingleses: no dia 27 de maio foi torpedeado o “HMS Majestic” e, no dia 30, o navio de transporte de tropas “Tiger”, que havia sido disfarçado para se parecer com um cruzador. No Helles, em 04 de junho de 1915, os britânicos lançaram a terceira batalha de Krithia. Embora tenham conseguido romper as linhas turcas no sentido da aldeia de Krithia, esta vantagem não foi aproveitada e as linhas de defesa turca se mantiveram posicionadas. Os britânicos sofreram mais de 4.500 vítimas, os franceses mais de 2.000 e os turcos admitiram mais de 9.000 mortos e feridos. As condições de vida dos soldados eram das piores. O cabo britânico Alex Riley escreveu sobre os piolhos que infernizavam os soldados: “Nos coçávamos e arranhávamos até não suportamos mais. Virávamos as roupas do avesso e queimávamos os piolhos com as pontas de cigarros acesos. O estalo de um piolho queimado era um dos sons mais doces que conhecíamos”. Enquanto os soldados padeciam nas trincheiras, no dia 18 de junho Sir Ian Hamilton e sua equipe comemoravam o 100° aniversário da Batalha de Waterloo, com um jantar especial de lagostim. Três dias depois, em 21 de junho, forças francesas em Helles lançaram um ataque com pouco sucesso, sofrendo mais de 2.500 baixas. Os turcos perderam 6.000 soldados, entre mortos e feridos. Entre 28 de junho e 5 de julho as forças turcas 22


revidaram, atacando posições britânicas em Gully Ravine, sofrendo 16.000 baixas. Os britânicos recusaram uma trégua para poder enterrar os mortos. Até o dia 13 de julho as forças britânicas haviam avançado apenas 500 metros em Helles, a um custo de mais de 17.000 vítimas. O número de baixas turcas, no mesmo período, superou 40.000. Um soldado britânico escreveu que “o campo de batalha parecia uma estrumeira e cheirava como um cemitério aberto”. Um grande desembarque aliado ocorre na Baía de Suvla em 6 de agosto. visando capturar as montanhas de Chunuk Bair e outras posições turcas nas colinas. Pouco sucesso obtiveram os aliados e, em 17 de agosto, Sir Ian Hamilton informou Lorde Kitchener que a ofensiva de agosto tinha falhado. Ele pediu 45 mil homens como reforços para as unidades já em Galipoli e mais outros 50.000 para realizar novas ofensivas. No dia 21, os britânicos avançaram em Suvla contra posições turcas em Scimitar Hill e os chamados 'W' Hills, enquanto uma força Anzac atacava Hill 60. O ataque, feito sob calor sufocante e forte névoa, foi um fracasso e provocou mais de 5.000 baixas britânicas. Muitos feridos morreram em incêndios no matagal, iniciados pelas bombas de ruptura. Winston Churchill resumiu esta batalha com estas palavras: “As perdas britânicas foram pesadas e infrutíferas... Neste campo de batalha escurecido pela névoa pereceram o Brigadeiro-General Lord Longford, Brigadeiro-General Kenna VC, o coronel Sir John Milbanke VC e outros paladinos. Esta foi a maior batalha realizada na Península, e está destinada a ser a última”. Numa tentativa de estimular os avanços das tropas, o General Sir Ian Hamilton visitou Suvla. No entanto, os turcos haviam recebido reforços e fizeram os britânicos retroceder para a posição de Teke Tepe. Os aliados perderam o controle das colinas, tornando as ofensivas de agosto um fracasso. Até ao final de agosto os aliados haviam perdido mais de 40 000 homens. O General Ian Hamilton solicitou mais 95 000 homens, embora apoiado por Winston Churchill, Kitchener não estava disposto a enviar mais tropas para a área, uma vez que não podia desfalcar a frente ocidental na Europa. Decisão essa fortalecida pela entrada do Reino da Bulgária na guerra, em 6 de setembro de 1915, como aliado da Alemanha, Austro-Hungria e Turquia, que possibilitaria o envio de reforços da Alemanha para as 23


forças turcas em Galipoli, por via ferroviária. Diante desse cenário de derrotas, o Comitê de Dardanelos demitiu o General Sir Ian Hamilton do comando da Força Expedicionária do Mediterrâneo, nomeando como seu sucessor o General Sir Charles Monro. Monro, por sua vez, foi demitido em 04 de novembro por haver sugerido a Lorde Kitchener a necessidade de evacuação das tropas. Foi substituído pelo Tenente-General Sir Willian Birdwood. Lorde Kitchener, em seguida, deixou Londres para visitar Galipoli e inspecionar a situação nas posições de Helles, Anzac e Suvla Bay. Em 15 de novembro Winston Churchill, um dos principais arquitetos da Campanha de Galipoli, demitiu-se do Governo e foi servir junto ao exército britânico na França. Uma semana depois, Lorde Kitchener aceita a ideia de evacuação das tropas, que implicaria na retirada de mais de 93.000 soldados, 5.000 animais, 200 armas pesadas e grande quantidade de munição. Com a ocorrência de tempestades severas, que se transforam em nevascas, no final de novembro, provocando a morte de 280 homens e 16.000 casos de queimaduras por exposição ao frio, apenas em 07 de dezembro foi autorizada a evacuação. No dia 19 foram retiradas as últimas tropas britânicas das posições de Anzac e Suvla, praticamente sem baixas. Em 3 de janeiro de 1916 as tropas francesas foram evacuadas de Helles. No dia 7, forças turcas lançam violento ataque sobre os restantes 19.000 britânicos que ainda permaneciam em Helles, mas muito soldados turcos, percebendo que os soldados britânicos estavam deixando a península, recusaram-se a deixar suas trincheiras, fazendo cessar o ataque. A Campanha de Galipoli chegara ao seu final Em 8 de janeiro de 1916 foi completada a evacuação, com a retirada de Helles. Cerca de 480 000 soldados aliados tomaram parte na fracassada Campanha de Galipoli. As tentativas de abrir caminho através da península resultaram infrutíferas, devido às dificuldades do terreno e à obstinada resistência das tropas turcas. O estreito permaneceu fechado aos aliados até o final da guerra, dificultando o apoio aos russos. Numa campanha caracterizada por políticas e objetivos mal definidos, fraco e improvisado planejamento, comandantes despreparados e arrogantes, insuficientes e inadequados armamentos para o tipo de operação que se pretendia realizar, tropas 24


inexperientes, falta de sincronização operacional entre as ações marítimas e terrestres, logística inadequada e deficiências, em todos os níveis, sobre os fatores críticos de sucesso para a missão, os britânicos e seus aliados tiveram cerca de 220.000 baixas (43.000 mortos). Houve mais de 33.600 perdas entre as tropas ANZAC (mais de 1/3 de mortos). As tropas coloniais franceses tiveram 47.000 baixas (5.000 mortos). Do outro lado, as baixas turcas são estimadas atualmente em cerca de 250.000 (65.000 mortos). Peter Hart coloca em seu site “Peter Hart Military Historian” esta breve descrição sobre a campanha de Galipoli: Galipoli compartilhou as falhas de cada campanha lançada naquele ano ignorante. Na verdade, ela forneceu uma lista de verificação com as características definidoras comuns a todas as aventuras militares britânicas na Mesopotâmia, Salônica e na África Oriental, em 1915: a falta de metas realistas, nenhum plano coerente, o uso de tropas inexperientes, uma falha em compreender ou disseminar corretamente mapas e inteligência, apoio de artilharia desprezível, arranjos logísticos e médicos totalmente inadequados, uma subestimação grosseira do inimigo, comunicações facilmente interrompidas, comandantes locais incompetentes e todas revestidas com falso excesso de confiança que leva ao desastre inexorável. Galipoli foi condenada antes de começar; todos os dias apenas prolongou a agonia e terminou em um tal nível de catástrofe que só poderia ser disfarçado então - e desde então pelo discurso ufanista de Churchill e seus acólitos. (HART, 2014).

Diante deste resumo da Campanha de Galipoli, caracterizada por uma inútil carnificina devido à incompetência de comando de um grupo de políticos e militares, só resta finalizar com um ato nobre de Mustafa Kemal, Tenente-Coronel na época do conflito e posterior primeiro Presidente da Turquia, cujo nome passou a incorporar a denominação “Ataturk” (o pai dos turcos), que erigiu um memorial na enseada de Anzac, “àqueles que derramaram seu sangue e perderam suas vidas”. A inscrição diz: “Você agora jaz no solo de um país amigo, portanto descanse em paz. Não há diferença entre os Johnnies e os Mehmets para nós, e portanto eles repousam lado a lado em nosso país. Vocês, mães que enviaram seus filhos de países distantes, enxuguem suas lágrimas; seus filhos agora repousam em nosso colo em paz. Após perderem suas vidas nesta terra, eles também se tornaram nossos filhos”.

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3.3 - Batalha da França (1940) A Batalha da França iniciou-se em maio de 1940 quando forças militares da Alemanha invadiram a França, rompendo a Linha Maginot, um sistema de fortificações construído para defender a fronteira leste da França. Considerada inexpugnável, a Linha Maginot foi facilmente rompida pelos alemães. E essa fragilidade não se caracterizava apenas pela arquitetura estratégica da Linha Maginot, efetivo e disposição das tropas francesas e armamentos utilizados. A maior fraqueza das defesas francesas era a própria mentalidade de seus comandantes, arraigados em conceitos e métodos estratégicos ultrapassados de planejar a guerra. Reagan (2000) escreveu sobre a fragilidade defensiva que existia na região de Ardenas e da negação do fato pelos comandantes militares franceses: “Ardenas é impenetrável ... este setor não é perigoso.” Julgamento fatal do Marechal-de-Campo Henri Pétain, em 1934, tentando justificar, mesmo diante de evidências históricas contrárias, a viabilidade da Linha Maginot e do Plano Dyle do General Gamelin, em 1940, que mostravam ser necessárias apenas defesas pontuais nas fronteiras leste e nordeste da França com a Alemanha e a Bélgica. Quando os alemães atacaram através das Ardenas, descobriu-se que a região estava praticamente desprovida das divisões francesas para sua defesa. A história mostra que a região de Ardenas sempre proporcionou um caminho para o interior da França utilizado por invasores há pelo menos 200 anos antes da Primeira Guerra Mundial. Em 1938, o General Prétalat, durante um exercício militar, utilizou exatamente o mesmo plano que os alemães iriam utilizar em 1940 e, com apenas sete divisões de infantaria e duas divisões blindadas, venceu rapidamente as defesas francesas. Ao invés de aprender, o Comandante-em-Chefe francês Maurice Gamelin decidiu suprimir todos os relatórios referentes ao fiasco, insistindo que, no caso de uma invasão real, as forças reservas poderiam deter o inimigo.

Sobre essa atitude de Gamelin, de suprir informações que poderiam ter dado mais tempo e melhorado o planejamento das defesas e posicionamento adequado dos recursos bélicos franceses, Napoleão poderia ter dito que "A perda de tempo é irreparável durante a guerra; os motivos alegados são sempre ruins, pois as operações só dão errado devido a atrasos. As hesitações e os meios-termos, na guerra, levam tudo a perder."

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O vídeo “Exército da França em 1940” descreve a situação do exército francês em maio de 1940, sob o comando do general Maurice Gamelin, apontado como o responsável pela derrota diante das forças alemãs. (YOUTUBE.COM, 2014). Dentre os diversos erros atribuídos a Gamelin são apontados, no mencionado vídeo, os seguintes: 1) Pensamento estratégico obsoleto com relação ao uso da aviação, tanques, unidades motorizadas, artilharia e fortificações. Gamelin havia sido oficial durante a Primeira Guerra Mundial e as estratégias daquela época ainda influenciavam suas decisões. Ele não atentou para os desenvolvimentos tecnológicos militares da época e recusou-se a aprender com a campanha alemã contra a Polônia, permanecendo apegado à sua experiência da Primeira Grande Guerra, e argumentando que “a Polônia não é a França”. Sua doutrina militar ultra preventiva impediu que as forças aliadas executassem ataque letais contra a Alemanha em setembro de 1939, enquanto a Linha Siegfried (defesa alemã) era guarnecida apenas por forças de reserva enquanto o grosso do exército alemão investia contra a Polônia. A estratégia passiva de Gamelin enfurecia o novo primeiro-ministro da França, Paul Reynaud, que havia tentando dispensá-lo do comando por duas vezes. 2) Liderança limitada e falta de carisma. Era disperso e sentia-se pouco à vontade junto a seus soldados. Preferia passar seu tempo no QG, isolado de seus homens. Sua estrutura de comando era altamente deficiente, caracterizada por coordenação e comunicações ineficientes. Para piorar a situação, Gamelin havia se desentendido com seus principais comandantes. A desorganização associada à pobre liderança no topo da estrutura do exército propagou-se por toda a cadeia de comando, resultando numa diluição das responsabilidades e ineficácia nas decisões operacionais e táticas. 3) Armamento obsoleto. Muito da artilharia francesa datava da Primeira Guerra Mundial, uma situação precária em termos de armamento antitanque e antiaéreo. As poucas divisões blindadas francesas, em 1940, tinham apenas metade dos tanques que os alemães. Juntos, os Aliados tinham 3,1 mil tanques que se encontravam dispersos entre as divisões de infantaria. Quanto à força aérea francesa, ela tinha apenas 740 27


caças modernos e 140 bombardeiros leves ou médios. Estes eram reforçados por 350 aeronaves da RAF, Royal Air Force britânica. Essas aeronaves, como os tanques, também se encontravam dispersas pelo front, impossibilitando aos comandantes de exército obter uma suficiente concentração de poder aéreo no momento necessário. Essa falha foi um dos principais fatores no desfecho da Batalha da França. Um total de 855 tanques leves R35 equipava o exército francês, com a função de dar apoio às tropas

de

infantaria.

Extremamente

lento,

não

se

prestava

a

operações

estrategicamente móveis. Sua eficiência era limitada pelo fato de seu comandante ter de carregar e disparar o canhão, além de operar o rádio. Outro tanque mal utilizado pelos franceses foi o Char-B, desenvolvido em meados da década de 1930. Era considerado uma arma formidável, com blindagem mais espessa que qualquer Panzer alemão. Tinha um canhão de 47 mm numa torre móvel, com apoio de outro de 75 mm no casco. Tinha um alcance operacional de 155 km. Pelo lado britânico havia o Matilda II, que viria a ser o melhor tanque inglês na Batalha da França. Foi um dos primeiros tanques com uma torre hidraulicamente controlada. Desenhado para dar apoio à infantaria, sua velocidade era pouco maior que a de um soldado caminhando. O Matilda era o tanque mais bem protegido de sua época, mas sofria com visibilidade restrita e pouca mobilidade. 4) Preparo inadequado e desmotivação das tropas francesas. Durante o período entre guerras o exército francês era considerado o mais formidável da Europa. Mas, em 1939, sua reputação já não era a mesma. Durante a década de 1930, o recrutamento havia sido reduzido e o orçamento cortado por causa da depressão econômica e dos altos custos da Linha Maginot. Os soldados recebiam apenas 50 centavos por dia, enquanto um cabo inglês recebia o equivalente a 17 francos. Isso causava grande ressentimento entre os combatentes franceses. Suas condições de moradia eram precárias. A disciplina era pouca, os soldados muitas vezes deixavam de bater continência a seus superiores e até abandonavam seus alojamentos sem permissão durante os fins de semana. Muitos oficiais faziam questão de assegurar postos distantes das linhas de combate, longe da rigidez e dos perigos vividos no front. O inverno de 1939 foi o mais frio em 50 anos, tornando a vida no front ainda mais difícil. 28


Rotinas de treinamento e trabalho foram reduzidas, aumentando o tédio entre os soldados franceses. Enquanto isso, na BEF (Força Expedicionária Britânica), os oficiais faziam questão de manter seus homens ocupados e o moral era bem melhor. Os meses de espera eram preenchidos com obras de defesa e com treinamento das unidades recém-incorporadas. Para os soldados franceses a estratégia passivo-defensiva aumentou a inércia e minou mais ainda seu espírito de luta. No dia 10 de maio o exército francês entraria na batalha com uma mistura fatal de apatia e desarmonia. 5) Doutrinas e táticas ultrapassadas de combate. Gamelin acreditava que a infantaria ainda reinava no campo de batalha, desconsiderando que os tanques, sozinhos, poderiam abrir brechas numa linha contínua de defesa. As doutrinas táticas francesa e britânica, no que se refere ao emprego de tanques e aviões, eram inferiores às dos alemães. O Alto Comando Aliado enxergava os tanques, primeiramente, como uma arma a ser utilizada apenas em apoio à infantaria. A visão estratégica obsoleta, focada na guerra de trincheiras da Primeira Guerra Mundial, impediu que o alto comando das forças francesas percebessem a inovação militar que havia ocorrido, tornando a guerra flexível e de alta mobilidade, com o emprego de tanques e aviões.

3.4 - Similaridades entre os erros de comando nas três batalhas Observando uma sequência de batalhas do passado e conhecendo seus resultados, podemos identificar os fatores críticos que provocaram sucessos e fracassos, quais foram os sinais de perigo, que decisões foram tomadas pelos comandantes e quais ações poderiam ter prevenido contra os resultados negativos. Os três exemplos apresentados, de forma bem sintetizada e dando destaque apenas aos erros de comando, tem a finalidade única de mostrar que o uso de eventos históricos para desenvolver competências de liderança e comando é bastante útil, desde que se cuide, dentro do processo instrucional, para que os preconceitos e tendenciosidades não afetem o conhecimento obtido e repassado aos estudantes. As batalhas de Crécy, de Dardanelos e da França mostram que, apesar da diferença de tempo entre elas e dos recursos empregados pelas forças militares envolvidas, há similaridades entre as formas de comando e decisão que levaram um 29


dos lados à derrota. Não uma simples derrota baseada apenas na força dos oponentes, mas uma derrota provocada por erros de raciocínio dos comandantes, principalmente por aqueles que se encontravam nos mais altos postos da hierarquia militar. A aprendizagem baseada no estudo de casos históricos deve fundamentar-se numa ausência de tendenciosidades e no entendimento das circunstâncias do momento em que os fatos ocorreram, considerando os conhecimentos, cultura e recursos existentes em cada época. Este alerta já foi dado por Clausewitz (1997, p.87): “[...] cada guerra é rica em fatos particulares, enquanto simultaneamente cada uma é um mar inexplorado, cheio de rochas de que o general pode suspeitar a existência, mas que nunca viu com seus próprios olhos e em volta dos quais, além disso, terá de conduzir em plena escuridão. Se também se levantar um vento contrário, ou seja, se qualquer grande acontecimento acidental se declarar adverso a ele, então serão necessárias uma perícia consumada, presença de espírito e energia, enquanto para aqueles que observam à distância tudo parece prosseguir com a maior das facilidades”.

A mais detalhada análise das doutrinas ou políticas seguidas pelas forças militares envolvidas no conflito, a organização de cada uma, o treinamento ministrado aos soldados, a forma de liderança praticada, os materiais e armamentos disponibilizados e utilizados, as características humanas e sociais das pessoas envolvidas e toda a infraestrutura política, econômica e tecnológica são fundamentais para o entendimento das circunstâncias de um evento militar histórico. Pesa também, nessa análise, a ideia ou conceitos que o historiador deseja passar e as palavras que usará para fazer-se entendido por sua audiência. Mais uma vez podem ser utilizadas as palavras de Clausewitz (1997, p.80) para fortalecer essa visão: “Tudo o que se torna conhecido do curso dos acontecimentos na guerra é, geralmente, muito simples, e tem na aparência uma grande semelhança; com o mero relato de tais acontecimentos ninguém se apercebe das dificuldades a eles ligados, e que tiveram de ser ultrapassados. Só uma vez por outra, nas memórias de generais ou dos que estiveram na sua confidência, ou por causa de algum inquérito histórico especial dirigido a uma circunstância particular, é que vem à luz uma parte dos muitos fios que compõem toda a teia. As reflexões, dúvidas mentais e conflitos que precedem a execução dos grandes feitos são propositalmente ocultados, porque afetam interesses políticos ou porque foram considerados como simples escoras que tinham de ser retiradas depois de terminado o edifício.”

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As maiores similaridades entre estes três eventos militares estão associadas ao comportamento arrogante dos líderes, que menosprezavam a capacidade de combate de seus adversários e supervalorizavam suas próprias, tornando-os apegados a conhecimentos baseados em guerras anteriores. Apesar de inteligentes, estes líderes falharam porque eram extremamente apegados aos sistemas hierárquicos rígidos das organizações a que pertenciam. Organizações essas que não mais estavam adaptadas à nova forma de guerra.

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Capítulo 4 A Natureza do Fracasso A semente do fracasso está na mente dos comandantes. A Agência de Saúde e Segurança - Office of Health, Safety and Security – do governo dos Estados Unidos da América, apresenta dados sobre as influências humanas e organizacionais na geração de erros nas organizações industriais. Segundo os dados, 80 a 90 por cento dos erros têm causa humana; os demais 10 ou 20 por cento estão associados a falhas de equipamentos. (HSS, 2014) Quando são analisadas as causas dos erros humanos, descobre-se que elas, em sua maioria, cerca de 70 a 80 por cento, são originárias de deficiências organizacionais (estrutura, ambiente e processos). Apenas 20 a 30 por cento dos erros humanos são realmente causados por enganos ou erros individuais. Dentro desse enfoque, que também se aplica às organizações militares uma vez que elas devem ser administradas como organizações empresariais, buscaremos a natureza do fracasso nas operações militares dentro da complexidade sistêmica da guerra, nas habilidades e competências de liderança e comando dos chefes militares e nas características das organizações militares. 4.1 - Complexidade sistêmica das operações militares Falamos já, no Capítulo Dois, da complexidade da guerra e dos erros de comando. Dos tempos antigos, onde os próprios reis e chefes guerreiros comandavam suas tropas nas batalhas, até os tempos modernos, onde a guerra passou a ter um impacto maior sobre a economia, política e a sociedade das nações, envolvendo tecnologias de destruição de larga escala, com capacidade de destruição do planeta e os comandantes militares de alto escalão comandam de lugares muito distante do campo de batalha, temos uma evolução da complexidade sistêmica que exige competências muito diferenciadas dos líderes militares. O próprio Napoleão (2010), em sua época, já sentiu a evolução da complexidade das atividades militares ao dizer que "Os campos de batalha modernos são mais 32


extensos do que os campos de batalha antigos, o que obriga ao estudo de um maior campo de batalha. É preciso muito mais experiência e gênio militar para comandar um exército moderno do que era preciso para comandar um exército antigo." Hoje os atores agem em escala global, com grande impacto político e social, praticando vários tipos de guerra: convencional, ambiental, bacteriológica, assimétrica, psicológica, etc. Essa multiplicidade de fatores torna os sistemas de planejamento militar complexos, com inúmeras possibilidades de erros. Erros esses que, pelo poderio dos atuais armamentos, podem ocasionar graves consequências para a humanidade. 4.2 - Causas Humanas Por suas habilidades, conhecimentos e emoções, os seres humanos, principalmente nas posições de comando de quaisquer organizações, militares ou não, são sempre responsabilizados pelas consequências, positivas ou negativas, de suas campanhas ou projetos. Pesquisas variadas estimam que erros humanos sejam responsáveis por cerca de 80% (oitenta por cento) dos erros ocorridos nas organizações. E as causas desses erros humanos estão dentro das próprias organizações, em suas estruturas, ambientes e processos de liderança, comando, planejamento, decisões, comunicações e controle. O Dr. Norman F. Dixon, professor emérito de Psicologia da “University College London, em seu livro “On the Psychology of Military Incompetence”, apresenta um estudo com enfoque psicológico sobre a liderança militar e o comportamento dos líderes, em várias guerras e épocas. Não há preocupação com a história em si, mas com a conduta de comando que leva à incompetência e, consequentemente, aos grandes fracassos militares. Dentre as características de incompetência observadas (Dixon, 1994) estão: 1. Uma subestimação, algumas vezes margeando a arrogância, do inimigo. 2. Equiparação da guerra com um esporte. 3. Uma inabilidade para aprender com experiências passadas. 4. Uma resistência para adotar e empregar tecnologias disponíveis e novas táticas. 5. Uma aversão para reconhecer, associada a uma repugnância pela inteligência 33


(em ambos os sentidos da palavra). 6. Grande bravura física mas pouca coragem moral. 7. Uma aparente insensibilidade dos comandantes pela perda de vidas ou sofrimento humano entre seus pares e subordinados, ou (falando de outra forma) uma irracional e incapacitante falta de compaixão. 8. Passividade e indecisão dos comandantes do alto escalão. 9. Uma tendência de jogar a culpa por seus fracassos em outras pessoas. 10. Paixão pelo ataque frontal. 11. Um amor profundo, garboso e convicto pela estrita preservação “da rígida ordem militar”. 12. Alta estima pela tradição e outros aspectos do conservadorismo. 13. Alta falta de criatividade, de improvisação, inventividade e flexibilidade mental. 14. Tendência a evitar riscos moderados para tarefas difíceis, de modo que falhas sejam vistas como desculpáveis. 15. Procrastinação.

Essas características são todas encontradas na Campanha de Dardanelos, onde se esperava que as forças navais inglesas superassem facilmente as fortalezas turcas estabelecidas às margens do estreito de Dardanelos. Considerando-se militar e intelectualmente superiores aos defensores turcos, os navios de guerra e submarinos britânicos e francesas fizeram algumas investidas através do estreito mas foram surpreendidos pela determinação turca de lutar e pelas linhas de minas marítimas que estes haviam instalado. Diante do fracasso naval, optaram pela realização de uma operação terrestre nas montanhosas praias do oeste da península de Dardanelos, onde também, no período de quase um ano, perderam-se milhares de vidas e materiais. Um fracasso caracterizado por um planejamento improvisado, realizado por um Almirantado sediado em Londres, a milhares de quilômetros do teatro de operações. Arrogância e prepotência de comandantes escolhidos por sua origem social, defensores da rígida hierarquia que não permitia que subordinados expusessem suas ideias ou sugestões, foram a principal causa do fracasso. Do alto de sua prepotência, os britânicos 34


subestimavam a qualidade humana e militar dos turcos. E também menosprezavam suas próprias forças, demonstrando grande insensibilidade pelas impraticáveis condições

de

combate

em

que

colocaram

seus

soldados,

não fornecendo

equipamentos e armamentos adequados ao combate nas colinas. Extremamente conservadoristas, mantinham-se apegados a métodos inadequados de batalha: as trincheiras e ataques frontais não serviam para as montanhas de Dardanelos. E, sob a ótica operacional da missão, os comandantes de alto escalão não tinham a menor consciência do sentido de missão, não percebendo que a velocidade era o fator crítico de sucesso. As tropas deveriam ter avançado rapidamente para os altos das colinas, neutralizado as fracas defesas turcas que existiam no momento e, após, avançar para a cidade de Galipoli como era a intenção. Só que a vantagem da velocidade foi perdida. Os comandantes que haviam avançado, inicialmente, para as colinas, tiveram que retroceder e estabelecer-se em trincheiras nas praias. A procrastinação dos comandantes aliados provocou a perda de importante fator crítico de sucesso. E quem questionou foi punido. Este é um breve exemplo de como comandantes (causas humanas) provocam o fracasso de uma campanha militar. Exemplos similares podem ser tirados da Batalha de Crécy ou da Batalha da França, onde os comandantes eram os centralizadores das decisões. Hoje a guerra tornou-se globalizada podendo ocorrer em qualquer lugar do planeta, podendo ser a tradicional guerra simétrica ou a incerta guerra assimétrica. As armas tornaram-se também bastante diversificadas, variando das tradicionais armas de fogo e chegando às armas bacteriológicas, biológicas, nucleares e até mesmo ambientais. Dentro desse contexto, o estudo da história militar torna-se cada vez mais importante para que se acompanhem as dinâmicas da evolução dos métodos de liderança e comando. O moderno comandante militar de hoje assemelha-se mais ao executivo de uma grande multinacional do que a um general da Segunda Guerra Mundial devido à nova complexidade das organizações militares, como descreveu Cohen (1990, p.07): 35


“O moderno comandante é hoje muito mais semelhante ao diretor executivo de um grande conglomerado empresarial do que ao antigo chefe guerreiro. Ele tornou-se o cérebro de uma complexa organização militar, devendo cuidar de suas diversas ramificações, das quais deve receber cooperação, assistência e suporte para seu sucesso. Como o tamanho e complexidade das forças militares foi incrementado, o negócio da guerra desenvolveu uma dimensão organizacional que pode trazer uma poderosa contribuição para o triunfo – ou para a tragédia. Até agora, o papel desta dimensão organizacional da guerra, justificando o desempenho militar, tem sido estranhamente negligenciado”.

Negligência essa que não poderá continuar devido ao poder destrutivo das modernas armas militares. As novas tecnologias de guerra, como os VANT – Veículos Aéreos não Tripulados, por exemplo, que podem ser operados de milhares de quilômetros de distância, já estão provocando situações que comprometem as operações táticas no campo de batalha. O distanciamento do operador do VANT da realidade da guerra torna esta um jogo de videogame, provocando elevado e desnecessário número de vítimas. Situações táticas que poderiam ser resolvidas com um único tiro de fuzil, dado por um soldado presente no local e que tem maior visão e percepção das circunstâncias, são resolvidas com um tiro de canhão, disparado por alguém que vê o campo de batalha através de uma tela, provocando a morte de inocentes, classificados como “danos colaterais”. Acontecimentos como esse têm sido comuns para os soldados americanos no Iraque ou no Afeganistão, provocando a perda de confiança e revolta da população, além de prejudicar a imagem da nação americana no exterior. Em suma, líderes, sejam eles militares ou civis, devem atentar para seus comportamentos e eliminar aqueles que diminuem sua eficácia de comando. 4. 3 - Causas Organizacionais dos Fracassos Enquanto a grande maioria dos erros e fracassos são atribuídos a falhas humanas, cerca de 80 a 90 por cento destas são atribuídas a causas organizacionais ligadas à estrutura, ambiente e processos. Erros humanos são sintomas de problemas mais profundos dentro do sistema organizacional militar, abrangendo as doutrinas, organização, treinamento, liderança, pessoal, materiais e infraestrutura. O uso 36


inadequado desses elementos tem colocado as forças militares e seus comandantes em situações de risco, cujos resultados não podem ser previstos por ninguém, com certeza absoluta. Nas batalhas de Crécy, Galipoli e da França, utilizadas como exemplos, ficou claro que o planejamento integrado desses elementos não ocorreu, levando, ao que denominamos hoje, erros de comando. É importante ressaltar, que sob uma ótica moderna de administração, os comandantes envolvidos naqueles eventos históricos cometeram erros grosseiros de planejamento e liderança, mas, sob a ótica de planejamento militar da época, seus conceitos de guerra eram os mais adequados. Cada um dos exércitos derrotados, envolvidos nas batalhas de Crécy, Galipoli e França, estavam preparados para obedecer a estruturas e processos de combate vigentes na época e que haviam produzido vitórias no passado. E os comandantes derrotados possuíam histórias profissionais de sucesso na carreira militar e ascenderam a seus importantes cargos por saberem seguir as normas rígidas de suas instituições militares. E este parece ser o ponto sensível, o calcanhar de Aquiles, das forças militares que sofreram grandes derrotas: a rigidez organizacional e hierárquica, que refreia qualquer tentativa de inovação de estruturas, ambiente e processos (planejamento, decisão, liderança). Essa rigidez fez com que as forças francesas, na Batalha de Crécy, continuassem empregando seus centenários métodos de combate contra uma força inglesa que havia adotado novos métodos e tecnologias, resultando em sua quase total dizimação. Na Batalha de Galipoli foi a vez dos ingleses serem derrotados pelas forças turcas por utilizarem uma inadequada fórmula de cavar trincheiras, realizar um bombardeio pesado contra as posições inimigas e depois partir para um assalto de infantaria. Os turcos, melhores equipados e protegidos nas montanhas, conheciam a sequência operacional de combate dos ingleses e esperavam que o bombardeio terminasse para eliminar o ataque da infantaria com metralhadoras bem posicionadas. O rígido apego dos comandantes ingleses à guerra de trincheiras, incapacitando-os de entender que essa forma de guerra era inadequada para a situação, e à disciplina hierárquica que não possibilitava questionamento de ordens superiores, causaram milhares de mortes desnecessárias. 37


O fracasso das forças francesas foi causado, principalmente, por sua incapacidade de evoluir e adaptar-se às circunstâncias militares de 1940, agravadas pela inércia do comando, treinamento, preparação e equipamentos ultrapassados ou alocados incorretamente nas áreas ameaçadas de invasão pelos alemães. A nova forma de guerra utilizada pelos alemães, a Blitzkrieg, causou um colapso na estrutura de defesa francesa. Como escreveu Cohen (1990, p.230): “Os franceses tinham a solução para o problema, mas foram incapazes de coloca-la em prática porque, em 1940 – diferente de 1914 – a intensidade da força de ataque da Alemanha não diminuiu com o passar dos dias. A incapacidade para aprender e para antecipar colocou um pesado prêmio sobre a necessidade de adaptar-se rapidamente às novas circunstâncias de modo a dominar o ataque alemão. Para fazer isso, os franceses necessitavam de tempo – o principal fator negado a eles pela virtuosidade da máquina de guerra germânica”.

Os militares estudam a história militar para aprender a melhor entender a complexidade da guerra e aprender a derrotar seus inimigos.

Mas é preciso que

estudem também a história da administração para poder enfrentar um inimigo que está permanentemente a seu lado, dentro de suas organizações militares: a resistência às mudanças, o apego ao passado. Programas de qualidade existem aos montes, são bem recebidos pela mente militar porque são bem burocráticos e, em verdade, nada mudam. Com o tempo, a inércia organizacional, uma força que age para que as coisas permaneçam as mesmas, elimina esses programas. É preciso ficar atento à essa resistência contra mudanças porque ela, como historicamente demonstrado, é como um câncer que destrói as organizações militares, tornando-as ineficazes no momento em que sua utilização for necessária. Sobre essa perda da capacidade de inovação dos comandantes militares, Cohen (Cohen, 1990, p.09) escreveu: As pessoas que atingem o topo só o conseguem porque possuem certas características institucionalmente desejáveis: elas são cuidadosas, elas aderem às regras e regulamentos, elas respeitam e aceitam autoridade, elas obedecem a seus superiores e consideram a disciplina e a submissão à autoridade como as mais altas virtudes. Passar vinte e cinco ou trinta anos recebendo promoções simplesmente acentua essas características, de modo que no momento em que um soldado atinge o topo da hierarquia, ele enfraquece as importantes qualidades de flexibilidade, imaginação e empreendedorismo que ele necessita para exercer o comando efetivamente.

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Desse modo, usando a história como ferramenta para a formação de líderes, aprendemos que comandantes competentes são importantes, mas pouco ou nada conseguem fazer se não estiverem apoiados por estruturas, ambientes e processos organizacionais que possibilitem o atendimento dos fatores críticos de sucesso das missões a eles designadas. E que poucos esforços são feitos para revolucionar a organização militar porque isso significa enfrentar pesadas resistências e retaliações. Questionar o posicionamento de um comandante pode gerar um grande conflito interno e externo às organizações, sejam elas de que tipo forem, mas às vezes precisa ser feito. Se o comportamento e decisões do General Gamelin tivessem sido contestados pelos oficiais ingleses da BEF – British Expedicionary Force, com certeza teriam criado um grande conflito político, mas poderiam ter tornado a invasão da França muito mais difícil para as forças alemãs.

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Capítulo 5 Apresentação e discussão dos resultados Lições de Comando e Liderança Aprendidas Mais de dois mil anos atrás, o guerreiro - filósofo Sun Tzu identificou cinco faltas perigosas que levam um líder ao desastre: "imprudência, covardia, um temperamento precipitado, delicadeza de honra, e mais de solicitude". Nas batalhas citadas podemos encontrar algumas dessas faltas nos comandantes envolvidos. As organizações e seus líderes precisam constantemente de reinterpretar essas lições imortais à luz dos acontecimentos atuais e dos exemplos históricos que fornecem perspectivas muito necessárias. Segundo Reagan (2000), “há muito mais para que possamos aprender com nossos erros do que com os nossos sucessos”. [...] “É um paradoxo que, em para ter sucesso, precisemos aprender a tolerar o fracasso”. Na Batalha de Crécy temos as lições de correto emprego dos princípios da guerra por Eduardo III, da Inglaterra, e do modo incorreto por Felipe Vi, da França. Eduardo III adotou novos procedimentos táticos (trincheiras, ocultação dos arqueiros, aniquilação do inimigo à distância, uso de novas armas – arcos de longo alcance e canhões). Felipe VI utilizou as táticas francesas centenárias, ineficientes diante um novo processo de combate e tecnologias usadas pelo inimigo. A Batalha de Galipoli provocou grande perda de vidas humanas e caracterizou por uma generalizada incompetência de comando e liderança em todos os níveis. Incompetência essa gerada pelo uso de métodos de planejamento, comando e controle fundamentados em guerras do passado. Na Campanha de Dardanelos faziam-se presentes as novas armas da época, com cujo emprego os militares não estavam ainda familiarizados: os aviões e submarinos. A operação anfíbia efetuada foi uma novidade, e não havia sido estudada pelos planejadores militares. Os comandantes e planejadores ingleses, segundo Dixon (1994), “ainda estavam doze anos atrasados” em sua forma de pensar a guerra e “subutilizavam ou utilizavam mal a tecnologia disponível”. O desembarque, realizado em alguns locais onde não havia resistência turca, foi 40


feito com lentidão, perdendo as tropas muito tempo com a permanência nas praias, permitindo que as forças turcas organizassem suas defesas. Esse último fator pode ter sido o erro mais grosseiro dos comandantes ingleses, demonstrando que ignoraram completamente os fatores críticos de sucesso para a missão. Ignoraram a velocidade de ocupação do terreno, não avançando enquanto tinham tempo. O apego a um método de combate adequado à guerra de trincheiras, praticado nos campos da Europa, não era adequado ao tipo de terreno existente na região de Dardanelos. Na Batalha da França, os alemães demonstraram que estudaram rigorosamente as lições de sua derrota na Primeira Guerra Mundial, desenvolvendo novas táticas de uso de blindados e da força aérea, adaptando as novas tecnologias dentro de um esquema conceitual que haviam já desenvolvido em 1917-18, o qual preconizava o emprego combinado do poder aéreo e terrestre e uma descentralização das tomadas de decisão. Para os oficiais franceses e ingleses, em 1940, os alemães haviam desenvolvido um revolucionário estilo de guerra, mas, na realidade, o segredo do sucesso para os oficiais alemães era a cuidadosa evolução, desenvolvimento e aplicação de conceitos que haviam se originado nas batalhas da Primeira Guerra Mundial. Os oficiais alemães da Wehrmacht e da nascente Luftwaffe possuíam treinamento de alta qualidade, comprometidos com novos os conceitos de guerra e compartilhavam informações e recursos para agir com flexibilidade nas operações militares. Estudar as lições do passado, compreendê-las e ajustá-las às necessidades militares da atualidade é imprescindível para que futuras falhas de comando e liderança sejam evitadas ou, pelo menos, minimizadas. É preciso que os atuais e futuros líderes militares desenvolvam competências profissionais condizentes com a necessidade de compreender e praticar corretamente os fundamentos da guerra, a percepção das circunstâncias estratégicas e operacionais, a complexidade das relações existentes entre os diversos elementos e atores envolvidos e a capacidade de decisão e ação. Paula (2000) reforça essa necessidade de aprendizagem ao dizer que: “A arte da guerra baseia-se em fundamentos, tais como os princípios de guerra e fatores de decisão que, combinados segundo a intuição daquele que conduz

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as operações militares, pode levar a um maior ou menor sucesso de uma dada operação. O “gênio Militar” surge dessa combinação do pensar e sentir de um chefe que faz a guerra.”

5.1 - Competências essenciais de Liderança e Comando Estudando a história e revisando algumas batalhas poderemos reviver as situações que levaram os chefes militares ao sucesso ou ao fracasso, permitindo-nos identificar quais as competências e habilidades de comando e liderança devem ser fortalecidas para obter o sucesso, e quais comportamentos e vícios devem ser eliminadas para evitar o fracasso. Tzu-lu, um discípulo de Confúcio, discutiu certa ocasião a guerra com o Mestre. “Supondo que o comando das Três Hostes” vos fosse entregue, quem levaríeis convosco para vos auxiliar?” - perguntou Tzu-lu. O Mestre respondeu-lhe: “O homem pronto a enfrentar um tigre ou um rio em fúria, sem se importar se iria morrer ou viver, seria o que eu não levaria. “Levaria, sim, alguém que olhasse os problemas com a cautela devida e que preferisse o sucesso por meio de estratégia.” (SUN-TZU). Essa colocação atribuída a Sun-Tzu, destacando a prudência e o uso do raciocínio orientam para algumas das características comuns que definem comandantes militares bem sucedidos. Taylor (2009, p.152) menciona que a capacidade do “generalato começa com a força do intelecto, das quais derivam os elementos de decisão e execução – competência, intuição e vontade. Somado à força do intelecto, bons generais tem energia”. Se submetermos os comandantes da Campanha de Galipoli, Lorde Kitchener, e da Batalha da França, General Gamelin, a uma avaliação por esses modernos critérios, veremos que eles não seriam recomendados para o comando de uma moderna

operação

militar;

não

apenas

pela

atualização

tecnológica

mas,

principalmente por praticarem uma forma de liderança coercitiva e extremamente hierarquizada. Baseado nas características dos três eventos militares escolhidos como exemplos para este trabalho, destaco como competências essenciais de comando: a inteligência situacional, liderança estratégica e comunicação interpessoal.

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5.2 - Inteligência Situacional (Situational Awareness) Podemos observar através da análise histórica das campanhas militares que a inteligência (ou percepção) situacional é o elemento de maior importância nos resultados das batalhas. A capacidade de um comandante ver e entender a interação de todos os componentes estratégicos e operacionais é que vai fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso. Sweeney (2011, p278) escreveu que “a necessidade de percepção situacional é clara. Temos que estar vigilantes sobre o que nos circunda e avaliar nossos métodos e ajustar nossa abordagem para obter maior impacto em nossos objetivos sem comprometer a segurança”. Essa percepção faltou nas três campanhas militares apresentadas como exemplo neste trabalho, as batalhas de Crécy, Galipoli e da França, tendo seus comandantes agido sem a devida cautela e responsabilidade em, num primeiro momento, perceber a situação, atributos e dinâmica referentes aos elementos existentes no ambiente aonde iriam se desenrolar as ações militares. Um processo adequado de monitoramento ou de simples reconhecimento teria possibilitado avaliar o potencial de ameaça de múltiplos elementos (objetos, pessoas, sistemas, eventos, fatores ambientais) e sua condição atual (localização, poder, ações, objetivos). Um segundo momento do processo de inteligência situacional pode ser mais difícil de executar, para algumas pessoas, por exigir raciocínio crítico (reconhecimento, interpretação e avaliação), isento de preconceitos e tendenciosidades, de modo a compreender como isso impactaria sobre os objetivos da missão. Atividade bem fora do alcance dos líderes militares aqui estudados, pois todos eram autoritários, prepotentes e muito apegados a métodos e conhecimentos do passado. Grandes guerreiros nos campos de batalha do passado mas sem capacidade mental de assimilar as inovações. E o terceiro e mais difícil momento é utilizar esse novo conhecimento adquirido em ações de construção do futuro. É a transformação de exércitos do passado em exércitos do futuro. É a “revolution of military affairs”, como dizem os americanos. A inteligência situacional é dinâmica, estando constantemente em mudança, o que a torna desconfortável de manusear. A maioria dos líderes, não apenas os militares, fracassa porque não estão adequadamente preparados para utilizar a 43


inteligência situacional e não sabem enfrentar as barreiras que surgem contra ela, como:

percepção

baseada

em

informações

errôneas,

excessiva

motivação,

complacência, inércia organizacional, sobrecarga de trabalho, fadiga, comunicações interpessoais e interdepartamentais ineficientes e inúmeros outros fatores existentes dentro das organizações. Dentro desse contexto, creio que se adequa a citação de Napoleão (2010): "Um plano de campanha deve prever tudo o que o inimigo pode fazer e conter em si mesmo os meios de neutralizá-lo. Os planos de campanha são modificados ao infinito, segundo as circunstâncias, o gênio dos líderes, a natureza das tropas e a topografia do cenário da guerra”. O estudo aprofundado da História Militar, como fonte de aprendizagem para comandantes e líderes, é fundamental para a aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de uma visão estratégica mais abrangente, que permita estar alerta para as interrelações dos diversos elementos (políticos, sociais, ambientais, militares, tecnológicos, econômicos) que devem ser considerados no planejamento estratégico e operacional. Saber como, quando, onde e porque o comportamento dos comandantes foi inadequado ajudará no desenvolvimento de futuros líderes, preparando-os para que estejam atentos às mudanças tecnológicas e operacionais, monitorem mudanças de desempenho das tropas, sejam proativos no intercâmbio de informações, identifiquem e ajam prontamente para a solução de problemas, mostrem-se conhecedores das circunstâncias de modo a posicionar-se corretamente sobre a situação da missão e assegurar que esses conhecimentos sejam compartilhados por completo com seus comandados. Essa competência faltou aos comandantes aqui citados como exemplos de fracassos militares obtivessem sucesso ou que, no mínimo, não fossem taxados de incompetentes por suas derrotas. 5.3 - Liderança Estratégica O conceito de Liderança Estratégica precisa ser compreendido sob a ótica de cada período histórico estudado, para que não seja interpretado, assimilado e 44


empregado de forma inadequada e ineficaz. Da Idade Antiga, passando pela Idade Média e chegando ao final do século XX, observamos que a liderança estratégica era vista como algo a ser executado apenas pelos líderes de alto escalão, fossem eles militares, políticos ou empresários. Mas, pela própria evolução social, econômica, política, tecnológica, ambiental e militar que ocorreu nos últimos anos e que continuará, de forma cada vez mais acelerada, ocorrendo no futuro, pessoas de todos os níveis e áreas de uma organização, seja ela empresarial ou militar, política ou tecnológica, estão sendo envolvidas no processo de planejamento estratégico. A prática da liderança estratégica não é mais privilégio apenas dos alto executivos ou dos generais. Taylor (2009, p.225) diz que: “No Iraque, a liderança estratégica no nível tático assumiu um papel inteiramente diferente, e mais importante, daquele que o Exército (Americano) reconhecia. O paradigma do líder estratégico evoluiu muito devido à complexidade do ambiente de segurança no Iraque. Um general no Pentágono e um sargento dominando uma ponte estratégica são importantes. Mas o Iraque forçou os líderes nos níveis mais baixos da hierarquia a assumirem astuciosamente a estratégia necessária para vencer a guerra numa base regional ou cidade a cidade. Assim, comandantes bem sucedidos em Tal Afar demonstraram uma marca de liderança estratégica que diferencia, e até mesmo redefine, a atual doutrina do Exército sobre o assunto”.

Um líder militar moderno precisa ter humanidade, intelecto, visão, empatia, criatividade. Humanidade, porque “comandar significa preocupar-se com os comandados nas mais diferentes circunstâncias, envolvendo motivação e consenso e a habilidade de estimular sacrifícios pessoais. Em resumo, isso (liderança) exige uma base de humanidade para que haja estima e lealdade dos subordinados pelo líder, que é onde se apoia o espírito das grandes unidades”. (TAYLOR, 2009, p.162). Felipe VI, Eduardo III, General Maurice Gamelin, Lorde Kitchner ou General Ian Hamilton não podem ser considerados líderes para quem humanidade fosse importante quesito para o fortalecimento da liderança. Os homens por eles comandados eram vistos apenas com “peças” no campo de batalha, substituíveis por outras quando fossem abatidas. Não havia, naquelas épocas, a preocupação com o moral dos exércitos, baseada no bem estar e nas condições de saúde, situação muito diferente da encontrada nos exércitos 45


atuais. Quanto ao intelecto, diante da complexidade do mundo moderno e das novas formas de guerra a que estamos sujeitos, é necessário que os militares ampliem seus conhecimentos, não apenas militares, buscando maior envolvimento com outras ciências, grupos de intelectuais, cientistas, acadêmicos e outros saberes, abandonando a mentalidade do passado, da Primeira Guerra Mundial, ainda presente em muitos oficiais. Para relembrar que mentalidade é essa, utilizo uma descrição sobre os oficiais ingleses desse período, feita por Cohen (1990, p.11 e 12), no livro “Military Misfortunes : the anatomy of failure in war”: Pouco escolados, resolutamente devotados aos seus deveres e imovíveis diante das dificuldades, os generais da Primeira Guerra Mundial possuíam “mente simples e dirigida”, como se esperava que tivessem que ser: “Homens sem imaginação, necessários para executar uma política militar desprovida de imaginação, projetada por um homem sem imaginação. [...] Oficiais limitadamente educados, sem imaginação, rígidos e distantes. [...] Sua mentalidade profissional era tão profundamente enraizada nos ideias (ethos) da cavalaria do passado século 19, que era totalmente incapaz de compreender a revolução tecnológica militar que começou a ocorrer por volta de 1916”.

Pode parecer que essas palavras sejam desprovidas de fundamento nos dias de hoje, mas não são. Ainda encontramos nas organizações, mesmo nas consideradas mais modernas e de alta tecnologia, pessoas com intelecto estratégico do passado. Muitas vezes são profundos conhecedores das modernas tecnologias mas são incapazes de emprega-las adequadamente porque seus métodos de raciocínio estratégico são ultrapassados, limitadores da troca de conhecimentos e de aprendizagem. Essa restrição intelectual está bem atrelada à visão estratégica desses líderes. Alguns não conseguem conceber cenários futurísticos possíveis, permanecendo presos às condições do presente. “Os exércitos do passado encorajavam e intensificavam hábitos mentais desastrosos” (COHEN, p.10), mas os exércitos modernos já estimulam uma abertura maior na sua oficialidade, permitindo que esta tenha uma visão mais ampla das circunstâncias militares, políticas, econômicas, sociais, tecnológicas e ambientais da atualidade, e que possam interagir com a sociedade para construir 46


futuros melhores. Interação essa que envolve as competências de empatia e criatividade, a primeira permitindo que se compreenda melhor as necessidades dos outros, sejam eles militares ou civis, e a segunda que permite a busca e criação de soluções inovadoras para os problemas com os quais os militares se defrontam em suas atividades diárias, em âmbito tático, operacional ou estratégico. 5.4 - Comunicação interpessoal Sem a comunicação a comunicação interpessoal as competências antes citadas não poderão ser realizadas. A comunicação é o mais importante fator para se obter conhecimentos ou inteligência estratégica, para interagir no processo de planejamento grupal e para transmitir as decisões para seus comandados. Keegan (2006, p.43), escreveu que “a inteligência humana pode sofrer diversas limitações, a começar pela dificuldade prática de comunicação com base a uma velocidade eficaz, e em seguida pela incapacidade de convencer a base da importância da informação enviada”, o que podemos confirmar pela postura de Lorde Kitchener, durante a Campanha de Galipoli, ou do General Gamelin, durante a Batalha da França. O primeiro ignorou repetidos avisos de que a Campanha de Galipoli não seria bem sucedida mas resolveu prosseguir, substituindo os comandantes que insistiam com essa visão, e o segundo, ignorou os avisos de que uma invasão alemã poderia ocorrer através da região das Ardenas, provocando o colapso de toda a Linha Maginot. Ambos deixaram de tomar as decisões acertadas, em tempo hábil, porque foram surdos às informações que provinham de seus subordinados; porque se mantinham distantes da realidade estratégica e operacional do ambiente de guerra, tornando-se incapazes de avaliar ameaças e oportunidades. “No mundo medieval, a obtenção de informações em tempo real era intrinsecamente difícil, exceto para as distâncias muito curtas. Simplesmente não era possível leva-las adiante do avanço das tropas inimigas com velocidade suficiente”. (KEEGAN, 2006, p.32). Essa era a situação dos reis Felipe VI e Eduardo III, por ocasião da Batalha de Crécy, quando dispunham de poucos recursos de comunicações 47


(sinalização com bandeiras, gestos, trombetas, tambores e fogo, durante a noite) com suas tropas mas, por outro lado, tinham sob sua visão todo o campo de batalha e as tropas amigas e inimigas, possibilitando que dessem percebessem rapidamente o desenrolar dos acontecimentos. No início do século XX, mais precisamente durante a Campanha de Dardanelos, as ordens vinham de milhares de quilômetros de distância, do Almirantado Inglês, sediado em Londres, pois, como escreveu Keegan (2006, p.136), “já em 1914, todos os grandes navios de guerra alemães, assim como os das frotas britânica, americana, francesa, italiana e russa, estavam equipadas com rádios que, em circunstâncias favoráveis, eram capazes de transmitir num raio de 1600 quilômetros“. Porém a tecnologia não impediu os erros estratégicos e operacionais da Campanha de Galipoli e também não modificou os comportamentos do General Gamelin, responsabilizado pela derrota da França, em 1940, no início da Segunda Guerra Mundial, quando já haviam telefones e rádios de comunicação, além de os serviços de inteligência ou espionagem estarem mais desenvolvidos. O que provocou esses hoje considerados grandes fracassos de comando foi a incapacidade de compreender a mudança que ocorria no mundo e no modo de lutar as novas guerras. As mentes desses líderes ainda estavam apegadas a ideias do passado, a guerras do passado, e eles bloqueavam, baseado no autoritarismo e arrogância, qualquer tentativa de fazê-los ver o mundo de forma diferente. Esses comandantes protegiam-se dentro da rígida estrutura das organizações militares, onde existe uma cultura de disciplina e não questionamento de ordens, circundados por um corpo de estado-maior ou subordinados com o mesmo sistema de raciocínio.

Essas

circunstâncias

limitam

demasiadamente

as

comunicações

interpessoais, fazendo que fluam, normalmente, em sentido do superior para o subordinado dentro do sistema hierárquico. Dixon (1994, p.394), dentro de seu estudo psicológico sobre a incompetência militar, diz que: “Esses casos – necessidade de aprovação, medo do fracasso, tornar-se surdo a informações desagradáveis e o resto – são provavelmente acentuados por suas maiores responsabilidades e pelo fato de que agora não há ninguém acima (na escala hierárquica) a quem eles possam apelar. Eles também são velhos, com capacidades 48


físicas limitadas, como pela artrite, que é algo que atinge um homem quando chega à velhice”. Sir Kitchener, por exemplo, tinha 62 anos de idade ao comandar a Campanha de Galipoli, e o General Gamelin, nascido em 20 de setembro de 1872, tinha 67 anos no início da Batalha da França. Porém a idade, por si só não é o fator limitador das comunicações interpessoais. A forma de ver o mundo, de interagir com as pessoas, os valores pessoais e as competências e habilidades de raciocínio estratégico é que determinam, em conjunto, a qualidade das comunicações interpessoais, tão necessárias para a obtenção de informações como para a transmissão de ordens. Efetivas comunicações são o mais importante fator na obtenção e manutenção da visão estratégica e da inteligência situacional. Através do estudo dos casos históricos, podemos comprovar que grande parte dos fracassos ou erros em campanhas militares está associada à incapacidade de comunicação com seus pares, superiores e subordinados.

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Conclusão A história sugere que as organizações militares foram mais comprometidas com a ética do passado do que para preparar-se para enfrentar o futuro. A maioria das organizações militares e seus líderes tentam impor concepções pré-guerra sobre a guerra que eles estão lutando em vez de adaptar os seus pressupostos à realidade. Eles se adaptam somente após grandes perdas em homens e tesouro nacional. Organizações militares eficazes adaptam os seus pressupostos e conceitos de antes da guerra às novas realidades de um novo conflito. Esta tensão inerente entre a criação de organizações militares, disciplinadas, obedientes, responsivas à direção de cima, e a criação de organizações adaptáveis a um mundo em constante mudança é que torna a inovação militar em tempo de paz e de adaptação na guerra extremamente difícil. Quando perguntamos a líderes militares (ou de forças de emergência) qual foi sua maior dificuldade para o cumprimento da missão, imediatamente temos respostas como: falta de planejamento e coordenação das ações das unidades envolvidas, ordens obscuras ou sem clareza, conflitos de autoridade, falta de cooperação ou estruturas isoladas de comando. Exatamente as mesmas situações observadas em diversos eventos históricos antigos. As falhas se repetem em eventos militares modernos. Na Guerra do Vietnã (Guerra Americana, segundo os vietnamitas), conflito ocorrido no sudeste asiático, entre 1955 e 1975, é um exemplo moderno dos erros de comando e liderança. Taylor (2009, p. 184) faz o seguinte comentário sobre as falhas dos generais nessa guerra: A derrota da América no Vietnã é um dos maiores fracassos da história dos exércitos Americanos. O corpo de oficiais generais recusou-se a preparar o Exército para lutar uma guerra não convencional, apesar dos amplos indicadores que as preparações deveriam ser feitas. Tendo falhado em preparar-se para esse tipo de guerra, os generais da América enviaram nossas forças para a batalha sem um coerente plano de vitória. Despreparada para a guerra e desprovida de uma estratégia coerente, a América perdeu a guerra e as vidas de mais de 58.000 militares.

E, apesar de toda profissionalização ocorrida nos quadros de comando dos exércitos do século 20, principalmente após a Guerra do Vietnã, isso não foi suficiente 50


para impedir a repetição dos erros em novas guerras, como novamente cita Taylor (2009, p.186) sobre os erros cometidos na Guerra do Iraque (em inglês: Operation Iraqi Freedom), um conflito que começou a 20 de Março de 2003 com a invasão do Iraque, por uma coalizão militar multinacional liderada pelos Estados Unidos. Formalmente, foi encerrado a 15 de dezembro de 2011. Os generais da América repetiram os erros do Vietnã no Iraque. Primeiro, durante a década de 1990 nossos generais falharam em visualizar as futuras condições de combate e preparar suas forças de acordo. Segundo, os generais da América falharam em estimar corretamente os meios e caminhos necessários para determinar os objetivos políticos antes de iniciar a guerra no Iraque. Finalmente, os generais da América não forneceram ao Congresso e ao público avaliação precisa sobre o conflito.

Os recursos tecnológicos evoluíram com o passar do tempo e os fatores políticos, econômicos, sociais, ambientais e militares tornaram-se mais complexos, exigindo que o ser humano, principalmente aqueles em posições de comando e liderança, aprenda mais, com maior rapidez. “A necessidade de oficiais generais inteligentes, criativos e corajosos é evidente. Um entendimento dos amplos aspectos da guerra é essencial para o generalato”, afirma Taylor (2009, p.189). E hoje, em 2014, erros em operações militares continuam ocorrendo, principalmente por causas humanas. Uma nova arma de guerra, os drones, veículos aéreos não tripulados, operados por controle remoto, estão provocando inúmeras vítimas

desnecessárias,

principalmente

civis.

Seus

operadores,

normalmente

posicionados a milhares de quilômetros de distância, não conseguem eliminar, por exemplo, um atirador inimigo sem deixar de atingir pessoas inocentes nas proximidades, devido ao poder destrutivo dos mísseis ser muito grande. Diante disso, fica difícil para as tropas posicionadas na região construir e manter um relacionamento de confiança e amizade com a população local. A hostilidade aumenta e, com ela, surgem novos inimigos. Segundo o site da International Affairs Review, para citar um exemplo, “em 5 de agosto de 2009 dois mísseis Hellfire, disparados de um drone “Predator” americano, atravessaram o telhado de uma casa no noroeste do Paquistão, visando atingir Baitullah Mehsud, líder do Talibã. As explosões mataram, além de 51


Mehsud, seu avô, sua avó, sua esposa, seu tio, um tenente e sete guarda-costas”. (CALLAN, 2010). No aspecto militar, especificamente, estruturas de comando, formas de raciocínio e de liderança devem acompanhar a complexidade das mudanças, mudando cada vez mais rapidamente. Estruturas mentais do passado devem dar lugar a conhecimentos mais modernos, principalmente tecnológicos, para que as forças armadas continuem cumprindo suas missões e responsabilidades. Falamos em evolução geral de comandantes e líderes. Mas os eventos históricos nos alertam para casos individuais de líderes militares que, num momento de pressão ou adrenalina, agiram de modo irracional, impetuoso, imprudente, negligente, com excesso de bravura ou de covardia, colocando em risco seus países ou forças militares. É com a conduta de comando desses líderes, respaldados por uma brilhante carreira, com um excelente histórico de sucessos, que devemos estar atentos sempre. Justificativa essa para as razões deste estudo. Embora estes alertas do estudo histórico pareçam nos direcionar para um conceito mais rígido de “comando e controle”, o estudo dos erros e fracassos dos líderes no passado nos fornecem novos conceitos de comando e liderança, direcionados para a gestão colaborativa, flexibilidade e adaptabilidade através de múltiplos atores. Identificando persistentes desafios, poderemos responder com maior sintonia de planejamento, execução e processos de treinamento. A aprendizagem dos erros e fracassos do passado auxilia no processo de mudança e evolução comportamental, permitindo uma melhor resposta diante de situações críticas ou emergências. O apelo do conceito de aprendizagem através da experiência – no sentido duplo de evitar a repetição dos erros e habilitar a repetição de sucessos – é amplamente aceito, e muitas organizações (militares e civis), ligadas à gestão e atendimento

de

emergências,

têm

inserido

em

seus

treinamentos

formais,

procedimentos para identificar, documentar e disseminar lições de incidentes para que outros aprendam das lições do passado e melhorem as atuações futuras. O uso da história militar como meio educacional é de grande utilidade para o 52


desenvolvimento da inteligência (nos dois sentidos desta palavra) e da capacidade de raciocínio crítico, cada vez mais necessários para acompanhar e dominar as novas tecnologias militares e tipos de guerras que estão surgindo. E, como já foi dito anteriormente, a história militar é a sala de aula do soldado, principalmente daqueles que ocupam altas posições dentro das forças armadas.

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REFERÊNCIAS

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