MATSU, A DANÇARINA DE KINOMOTO MATSU, KINOMOTO NO ODORIKO
MATSU, A DANÇARINA DE KINOMOTO MATSU, KINOMOTO no odoriko
Um romance que relata o amor de um lavrador por uma dançarina koreana, no Período Nara, no Japão do século VIII. 8 seiki no nihon no narajidai ni kankokujin josei ni taisuru aru nomin no ai wo kataru shosetsu.
Mauricio Barufaldi Chosha
MATSU, A DANÇARINA DE KINOMOTO MATSU, KINOMOTO no odoriko
São Paulo - 2011
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B298m Barufaldi, Maurício, 1951Matsu, a dançarina de Kinomoto / Maurício Barufaldi. – São Paulo : M. Barufaldi, 2011. 136p. : 14 x 21cm Inclui bibliografia e índice ISBN - 978-85-911611-0-2 1. Romance brasileiro. I. Título. 11-2279. CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 27.04.11 27.04.11 025958
1a edição 2011 Todos os direitos desta edição são reservados à Maurício Barufaldi Nenhuma parte desta publicação pode ser armazenada, fotocopiada, reproduzida por meios mecânicos, eletrônicos ou outros quaisquer sem autorização prévia e expressa do autor. A autorização deverá ser registrada em Cartório de registro público. Os direitos autorais, a favor do autor desta obra, estão registrados na Fundação Biblioteca Nacional sob o número 451.241, livro 847, folhas 401 em 02.02.2009.
NAGAHAMA EDITORIAL www.nagahama.com.br
Esclarecimento e agradecimentos Setsumei to kansha no kotoba Esclarecimento Na grafia de palavras japonesas em caracteres latinos (rooma-ji), adotei como norma o critério Hepburn, universalmente seguido por estudiosos, instituições acadêmicas e dicionaristas. A romanização seguiu as normas estabelecidas pelo Governo Japonês em Rooma-ji tsuzurikata, ou seja, a romanização do japonês. Em alguns casos, principalmente em citações, utilizei o toyo kanji e o kana, já traduzidos para o português, seguindo a ortografia estabelecida pelo Governo Japonês. Dentro do mesmo espírito, em matéria de nomes próprios segui a praxe universal de respeitar as tradições japonesas e os costumes do seu povo. Agradecimentos Sem a permissão e a bondade do PAI UNIVERSAL este livro não poderia ser produzido. Agradeço a DEUS por permitir a realização deste trabalho e pelo princípio vital sempre renovado, dando-me forças para iniciar e terminar cada passo deste livro. Agradeço a JESUS, nosso irmão maior, amigo de todas as horas e de todas as dificuldades. O seu manto de amor e de bondade suavizou todas as minhas dificuldades ao longo deste delicioso trabalho. Ao meu amigo espiritual, protetor e orientador, os meus sinceros agradecimentos pela intuição proporcionada, alem 5
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de todas as dicas que me deu, direcionando-me no caminho mais correto. O meu muito obrigado aos meus pais, EUGENIO e LUCIA BARUFALDI, pela concessão da vida e pela educação que me deram. Aos meus filhos GUILHERME e HENRIQUE; Meu carinho e amor eterno por vocês dois. MARIANE, minha filha, que veio ao mundo e ficou internada em uma UTI NEONATAL durante 53 dias, do nascimento até o desencarne. O amor nos uniu através das inúmeras encarnações. A morte do seu corpo material trouxe-me inicialmente a dor. Aprendi com você que existe muito mais vida no plano espiritual. Que possamos com esta dor da perda material, ganhar o nosso crescimento e a evolução dos nossos espíritos, através das muitas encarnações que ainda viveremos. O autor
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Nota do autor Chosha no chuki Enquanto eu terminava de escrever este livro aconteceu no Japão, no dia 11 de Março de 2011, um grande terremoto, de 8,9 graus na escala Richter, seguido de um devastador tsunami. As cidades mais afetadas diretamente foram: Aneyoshi, Fukushima, Hachimantai, Hakodate, Hironomachi, Iwate, Iitate, Ibaraki, Ishinomaki, Kamaishi, Kamakurai, Katsurao, Kawamata, Kezennuma, Kitasendju, Kushiro, Koriyama, Miyagi, Miyako, Minamisoma, Minamisanriku, Nahara, Namie, Natori, Ofunato, Okazaki, Ojika, Otsuchi, Ozaki, Onagawa, Rizukentakata, Sendai, Shimizu, Shiogama, Takada, Tokai, Tochigi, Tohoku, Urayasu e Yugihama. Era próximo das 14:30 horas de uma sexta feira, e em São Paulo, o tempo estava nublado e chovia pouco. A agência noticiosa japonesa Kyodo, com muita cautela prestava as primeiras informações, evitando criar um pânico maior do que o necessário na população do Japão. Aproximadamente trinta mil vítimas fatais, e algo próximo de 350.000 desabrigados, foram os mais atingidos pela tragédia. Os primeiros cálculos dos prejuízos materiais foram de quinhentos bilhões de dólares. Eu vi imagens através da internet e da televisão que jamais sairão da minha memória, e nos dias seguintes eu chorei junto com o povo do Japão, e com ele ainda sofro nos dias atuais. Embora sobrem desgraças, perdas de vidas, perdas materiais e um imenso sofrimento, sobra a força e a determinação de uma nação que sempre dá mostras da sua capacidade de superação e de determinação. Mas esse povo incomparável, em três semanas removeu os entulhos, retirou as suas vítimas fatais, e iniciou a reconstrução de toda a região. É para esse valente povo que eu dedico esse meu livro. 7
Breve comentário Chiisana Kaisetsu Inspirou-me escrever este romance, a imensa paixão que eu tenho pelo Japão, pelo seu povo e por sua cultura. Eu sou a prova de que não sou um produto do meu meio. Nasci dentro da colônia italiana, filho e neto de italianos imigrantes, e quando eu completei 11 anos de idade apaixonei-me por tudo o que existe dentro do Japão. Também tive influência dos escritores japoneses YASUNARI KAWABATA, Prêmio Nobel de literatura de 1968, e KENZABURO OE, Prêmio Nobel de literatura de 1994, considerados representantes máximos da literatura japonesa do século XX. Mas há uma influência muito forte, talvez a que mais colaborou para que eu escrevesse este romance, que é a graça, a sutileza, a beleza e a singeleza da mulher japonesa. Mas há também uma inspiração vinda da CECILIA SHIZUE NAKAMURA, no formato de apoio, incentivo, palpites, e constantes correções neste livro. Ninguém brilha sozinho, e neste momento sinto-me confiante no resultado deste trabalho, mas graças a toda ajuda que ela proporcionou-me. Arigato SHIZUE. O autor
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Sumário Mokuji Esclarecimento e agradecimentos......................................5 Nota do autor......................................................................7 Breve comentário...............................................................9 Prefácio............................................................................13 Agradecimento muito especial.........................................15 Capítulo 1 - O Japão da Era Nara....................................17 Capítulo 2 - Nagahama...................................................21 Capítulo 3 - O reencontro com Hisako...........................29 Capitulo 4 - A visão com a dançarina koreana................37 Capítulo 5 - Um encontro na taberna.............................43 Capítulo 6 - Sonhos com a dançarina.............................49 Capítulo 7 - A cerejeira encantada...................................55 Capítulo 8 - Desencontros................................................63 Capítulo 9 - Ikiryô, o fantasma.......................................67 Capítulo 10 - Lenda do lenhador....................................71 Capítulo 11 - Deusa da misericórdia...............................85 Capítulo 12 - Encontro com o xintoísmo........................95 Capítulo 13 - Lenda do Buda de madeira.....................101 Capitulo 14 - Aprendizado com o saquê........................ 111 Capítulo 15 - Visita ao templo xintoísta........................ 117 Capítulo 16 - O guardião do tesouro............................121 Capítulo 17 - Retorno para Kinomoto...........................129 11
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Capítulo 18 - Encontro da felicidade.............................133 Postfácio.........................................................................135 Bibliografia....................................................................139 O autor Maurício Barufaldi............................................147 Glossário de nomes japoneses.......................................151
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Prefácio Maegaki Desejo neste livro fazer uma homenagem para a mãe japonesa. Um dia ela será também obatyan. Eu sempre pensei assim: uma obatyan deveria viver eternamente no seio de sua família, e jamais desencarnar. Nos meus pensamentos eu ouço uma frase vinda de todas as casas japonesas: - Gohan desuyo! Isso quer dizer: A comida está pronta. As mães japonesas, e principalmente uma obatyan fazem a velha e habitual culinária diária. Os pratos que elas fazem são uma mistura de comida caseira japonesa e suas próprias improvisações criativas. Elas incluem pratos de estilo ocidental, geralmente configurados para se adaptarem ao sabor dela e a seu estilo saudável de cozinhar. Mas as mães e obatyans japonesas preservam a cultura e as tradições japonesas, hoje em processo de esquecimento e abandono. É para essas mulheres tão especiais que eu dedico esse livro. O autor
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Agradecimento muito especial Tokubetsu na orei REGINA YASSUKO MOTOKI, você foi a inspiradora deste romance, e ajudou-me na sua criação. O seu sonho de dançarina foi utilizado na estrutura desta história, e com ele foi possível montar todo o enredo. A sua alegria e o seu espírito de luta serviu de base para a descrição das cenas, e com isso criar todos os capítulos deste romance. Arigato Gozaimasu REGINA YASSUKO! O autor
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Capítulo 1 Dai 1 sho
O Japão da ERA NARA Nara jidai no Nihon Nara-jidai (710 d.C. - 794 d.C.) O romance MATSU, A DANÇARINA DE KINOMOTO se passa no final do século VIII do Japão. Foram tempos muito difíceis para uma nação que se formava. O período iniciou-se quando a imperatriz Genmei transferiu a capital imperial para Nara, cuja construção baseou-se na capital chinesa Tang. Surgiram vários templos budistas por todo o Japão. Nessa época a escrita chinesa, kanji1, é oficialmente adaptada para o japonês. O regime Uji-kabane2, de grandes proprietários, entra em decadência, e surge o regime Ritsuriô3 (sistema administrativo). O período termina com uma nova mudança da capital, desta vez para Heian-kyou, nome dado a Kyoto. Foi no início do século VIII que a capital japonesa se transferiu para Nara. Até então a capital (ou sede do trono) se deslocava com frequência na região, girando em torno das cidades de Nara, Kyoto e Osaka. A unidade nacional se fortaleceu, assim como o poder da corte Imperial, que iniciou a tendência pelo domínio privado da terra. Houve também a formação de santuários xintoístas e templos budistas, com isso o budismo cresceu, o que provocou o aumento do poder dos monges na política. Esse período caracteriza-se pela grande influência civilizadora da China, e marca o poder do estado burocrático. 17
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No ano 710, os japoneses construíram uma nova cidade; uma cópia de Changan, a capital da dinastia chinesa de Tang. A capital imperial transferiu-se de Asuka para Nara, a nova cidade. Com o apoio do governo e do imperador Shomu, o Budismo prosperou e a cultura chinesa se difundiu, sendo assimilada pelos japoneses. A escrita chinesa kanji foi adaptada à língua japonesa. A arte estava em evidência, assim como a literatura. O regime uji-kabane (de clãs e grandes proprietários) entra em decadência, e em seu lugar estabelece-se o regime Ritsuriô: ritsu tem o sentido de código penal, e riô os códigos administrativo e civil. Tratava-se de uma cópia do regime político chinês. Os antigos documentos existentes sobre mitologias e lendas do período pré-histórico do Japão foram publicados neste período, como o Kojiki4 (em 712) e o Nihonshoki5 (em 720). Em 760 ocorreu a publicação de Man’yōshū6, antologia poética. Esse período também se destacou pela invenção dos silábicos japoneses Katakana7 e Hiragana8, por volta de 750. História do período Nara: Antes de 694, o Japão nunca havia tido uma capital de fato, pois os governantes (antes Reis Yamato, depois Imperadores), mesmo habitando uma região, consideravam como capital nada além do que as paredes do palácio. Quando um Imperador morria, um novo palácio era construído para afastar de seu sucessor as energias negativas ligadas à morte. Também a cada morte de um Imperador se seguia um período de instabilidade política e volta das rivalidades entre os clãs. Objetivando 18
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acabar com esses problemas, em 694 a Imperatriz Jito estabeleceu uma capital fixa na cidade de Fujiwara-kyo. A capital Fujiwara era a cidade do clã Fujiwara, o principal aliado e conselheiro do Império. Essa cidade foi construída seguindo o modelo de Chang’an, a capital chinesa, abrigando três imperadores entre 694 e 710. Entretanto, em 708, a Imperatriz Gemmyo, decidiu novamente transferir a capital, sendo então construída a cidade de Heijo-kyo, a oeste da atual cidade de Nara. Heijo também seguia o estilo arquitetônico de Chang’an, mas era bem maior do que Fujiwara-kyo, abandonada logo após a construção da nova capital. Heijo ficou pronta em 710, sendo a capital da nação até 784. Nestes 74 anos, a estabilidade política foi assegurada no Império. As instituições chinesas haviam sido adotadas apenas nas partes que favoreciam o poder Imperial; nas que o restringiam, haviam sido esquecidas. Talvez o grande erro do império japonês tenha sido o de não adotar a tradição chinesa das nomeações para cargos importantes serem feitas por mérito, e não por descendência. Sendo assim, as qualificações do indivíduo não importavam no Japão, mas apenas a sua descendência. Desta forma, o clã Fujiwara assumiu uma forma preponderante sobre os demais clãs. Assim, apenas os seus membros eram indicados para cargos importantes. O país estava dividido em províncias e aldeias. Os campos eram divididos em lotes e distribuídos aos cidadãos, que pagavam um imposto sobre seu lote. Este sistema facilitava a cobrança de impostos. À aristocracia, bem como aos templos e monges budistas, era permitido possuir grandes lotes de terra e isenção de impostos – medidas que fortaleceram as classes nobres. 19
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Apesar de o Budismo ser a religião adotada pela Casa Imperial, os imperadores nunca abandonaram os rituais xintoístas tradicionais, e esta prática ajudou os monges budistas na popularização da doutrina. Durante o governo da Imperatriz Shotoku, um monge budista chamado Dokyo conseguiu não só ser hospedado em caráter definitivo no palácio Imperial, como também obteve da Imperatriz o título de HOO, ou Rei da Lei Budista. Este título era destinado unicamente aos imperadores que abandonassem o trono para seguir a vida clerical. Tal poder nas mãos do monge começou a preocupar o clã Fujiwara, que via nisso uma ameaça de perder seus poderes. Ao primeiro sinal de que Dokyo almejava o trono, os Fujiwaras conseguiram expulsá-lo para o exílio, onde morreu. A expulsão de Dokyo fortaleceu de forma irremediável os Fujiwaras, detonando uma série de lutas entre a aristocracia e os clérigos budistas. Tais confrontos convenceram o Imperador Kammu e seus conselheiros de que a hora de transferir novamente a capital havia chegado. A população não vivia muito bem durante o período Nara, pois o Japão foi constantemente assolado nos séculos VIII e IX por epidemias de varíola. Dentre as grandes obras do período Nara, destaca-se a construção na própria cidade de Heijo, do grande mosteiro budista de Todaiji, construído em 745, pelo Imperador Shomu, um budista fervoroso. A construção do templo, feito para abrigar uma gigantesca estátua do Buddha Vairocana, seria o núcleo de uma obra maior: o Imperador ordenara, em 741, a construção de um mosteiro em cada província, com um pagode de sete andares, sob os encargos do Estado. Todos estes mosteiros seriam subservientes ao mosteiro de Todaiji, e este estaria unido ao Estado. A construção de Todaiji é o retrato da união do Budismo com o Estado Imperial Japonês. 20
Capítulo 2 Dai 2 sho
Nagahama Nagahama O meu nome é HIRO, e eu caminhava por uma estrada sinuosa e de terra próxima às margens da Lago Biwa, em um dia de intenso calor sob um sol muito escaldante. Era o mês de Agosto, período muito quente no NIHON, e uma época de muitas chuvas. Estávamos no final do século VIII, tempos de homens embrutecidos e de um Japão ainda selvagem. Eu vestia um hakama9 e uma camisa branca. Eu completaria 18 anos no dia seguinte e estava eufórico para encontrar os meus pais e alguns parentes que viriam para o meu aniversário. Sentia-me cansado de andar por aquela estrada longa, sinuosas e repletas de pedras. Nos meus pés um pesado takageta10 que me incomodava após andar muitos quilometros naquele dia. O suor nos pés, o calor e a terra que entrava no takageta machucavam os meus pés. Eu vinha da cidade de NAGAHAMA, província de SHIGA, e dirigia-me para a cidade de KINOMOTO. Eu avistava ao longe as montanhas de Shiotsu a oeste, e o monte Hira a leste, e puxava o fôlego de tanto cansaço na minha caminhada. Os meus pés doíam e o calor fazia com que a minha transpiração aumentasse. 21
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Era uma viagem cansativa, mas o meu aniversario no dia seguinte e a oportunidade do reencontro com os meus pais e os meus amigos faziam que todo o meu cansaço fosse esquecido, mesmo que temporariamente. Pensava na minha linda namorada HISAKO que eu não via há duas semanas, desde que viajei para a casa da minha tia KIOKO. Eu nunca havia ficado muitos dias sem ver a HISAKO, e a saudade dela era grande. Amávamos-nos e fazíamos planos para o nosso casamento no ano seguinte. Apesar do cansaço provocado pela longa caminhada, a paisagem de um murá11 e a sua gente, aliado à vegetação da região faziam o reparo do meu corpo. Ora eu cantava uma música que eu aprendi na minha infância, ora eu repetia palavras de ânimo, falando alto – Gambate12!, e seguia o meu caminho, muito cansado, porém muito feliz. Depois de caminhar muito tempo parei às margens da Lagoa Biwa para descansar e apreciar a natureza. Eu estava nas vizinhanças de TORAHIME, uma cidade pequena próxima de Nagahama. Eu levava uma sacola pendurada no meu ombro, e dentro tinha onigiri13 recheado com umê14 e pedaços de yakizakana15, com peixes pescados na região do Lago Biwako. Sentei-me em uma sombra de uma árvore, próxima de um córrego que desemboca no Lago Biwako, para comer, beber água e refazer as minhas forças para a difícil caminhada até KINOMOTO. 22
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Lembrei-me de que estávamos no mês de Agosto, e o povo japonês comemora o Hazuki16, que significa tempo das árvores perderem as folhas. É o período do Hohari17, que é o desenvolvimento dos cachos de arroz. Avistei ao longe algumas plantações de arroz, e lembrei-me do meu otoosan18 porque ele é plantador de Gohan19. Lembrei dos ensinamentos do meu otoosan, que me disse que os meus antepassados já plantavam arroz, e que a origem do arroz é da Era Jomon, há mais de 3 mil anos. O meu otoosan ensinou-me que o arroz foi introduzido no arquipélago japonês pelo norte do país, através da ilha de Kyushu, vindo do Sudeste Asiático, principalmente do sul da China. A introdução do arroz mudou radicalmente o modo de vida do japonês, que até então era nômade e, com o cultivo do arroz, tornou-se sedentário, pois as famílias se fixavam em determinadas regiões para a produção dos grãos. O arroz cultivado era do tipo longo e avermelhado, e o seu plantio era muito rudimentar. No campo abriam-se pequenos sulcos e despejavam-se os grãos, não recebendo nenhuma espécie de cuidado. Num dado momento da história, verificou-se que, se o arroz fosse plantado num terreno com água em abundância, a colheita seria maior e de melhor qualidade. Essa técnica de cultivo ganhou adeptos e espalhou-se por todo o território japonês. Eu apreciava muito os conhecimentos e os cuidados que o meu otoosan tinha com a sua plantação de arroz. Quando eu viajei para NAGAHAMA eu fiquei hospedado na casa da minha tia KIOKO, irmã de minha mãe. A minha tia havia preparado uma porção generosa de onigiri recheados com ume. O cansaço da caminhada me 23
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deu muita fome e eu devorei quase todos aqueles onigiris deliciosos. A fadiga tomou conta de mim e eu adormeci encostado em uma frondosa árvore quando eu observava o Lago Biwa que estava próximo dali Profundamente cansado adormeci e sonhei... Sonhei que eu estava em uma taberna repleta de pessoas bebendo, comendo e dançando. Eu ouvia no sonho uma música de uma origem diferente, que não era do Japão. Tudo parecia muito real. Repentinamente apareceu no centro da taberna uma jovem dançarina. Ao som de tambores pequenos ela começou a dançar, e os seus passos tomaram conta de todos os espaços disponíveis naquele estabelecimento. Ela era muito linda e me deixou fascinado com o seu jeito de dançar. Eu seguia cada passo e cada gesto que ela fazia com a sua dança. Dançando, ela aproximou-se de mim e sorriu lindamente. Acordei assustado à procura daquela dançarina. Abri os meus olhos e fitei em todas as direções. Onde estaria aquela linda mulher? Teria sido um sonho? Uma visão do futuro? Eu não entendi nada do que ocorrera. Fiquei pensativo por um momento, mas decidi retomar a minha longa caminhada. Eu ainda teria que ultrapassar a região montanhosa de IBUKI e depois de um longo percurso passar por SUZUKA. Pensei na minha namorada HISAKO que eu não encontrava há quase quinze dias. Refeito do cansaço tomei o leito central da estrada de terra batida, porém empoeirada, rumo à KINOMOTO. 24
Matsu, a dançarina...
Ao longo da estrada eu já avistava ao longe o crepúsculo que se anunciava. Intrigava-me aquele sonho e o surgimento no centro da taberna daquela linda dançarina. Um sonho tão bonito motivava-me na longa caminhada até o meu destino. Optava em caminhar, ora pelo centro da estrada empoeirada, ora à beira da lagoa, contornando os obstáculos naturais. Caminhei ainda durante cinco horas seguidas, por todos os lados avistava cores e aromas da estação das cerejeiras japonesas. Aquelas imagens encantavam-me, e o cansaço era atenuado por elas. Parei para descansar um pouco, e encostei-me em baixo de uma árvore de copas bem grandes, onde uma sombra convidava ao descanso e na recuperação das minhas forças físicas. E ali encostado naquela árvore eu pensei no fufumizuki20, que ocorrera no mês anterior. Era a época em que começavam a se formar os primeiros grãos de arroz. Nesse período o meu otoosan ficava muito atento na cultura do arroz. Por uns momentos eu lembrei-me de um conto que a minha tia havia me relatado sobre o saco de arroz encantado. Não havia mais tempo a perder, porque até a minha cidade havia muita estrada para ser percorrida. Segui a minha caminhada muito feliz porque no dia seguinte seria o meu aniversário. Depois de algumas horas avistei as primeiras vilas da minha KINOMOTO. 25
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O sol poente perdia o seu tom púrpura e se transformou num azul frio e sombrio, manchado de cinza. Aproximavase mais uma noite no Japão, e já estava escurecendo quando eu entrei no vilarejo e alcancei a minha casa. O céu da KINOMOTO estava todo estrelado, e não havia qualquer sinal de mais chuvas naquela noite. Fui recebido na porta de casa pela minha mãe que trouxe nas suas mãos uma vasilha com água fresca. Sentei-me em uma cadeira do lado externo da casa para recuperar o fôlego, e olhando para o céu vi o aparecimento das primeiras estrelas daquela noite. Fechei os olhos por um momento e voltou aquela imagem do sonho que tive com aquela dançarina koreana, que bailava no centro daquela taberna. Com os olhos fechados eu sentia o vibrar forte do som vindo dos pequenos tambores koreanos. Adormeci devido ao longo percurso feito da cidade de NAGAHAMA até KINOMOTO. Dormi rapidamente, mal acomodado naquela cadeira, e sonhei novamente com a dançarina koreana. No sonho eu via a dançarina e a sua trupe usarem um tamboril como o instrumento musical. O grupo de dançarinas usava blusas brancas e curtas e saias largas e vermelhas com os tamboris pendurados no peito, movendo-se e dando voltas ao redor com passos ligeiros. Seus corpos esbeltos, ombros e braços que baixavam e subiam, parecendo revoadas de cegonhas brancas, hipnotizando os espectadores. Modificando a série de movimentos lentos, elas sacam pauzinhos de madeira para tocar rufares rápidos e vivos, imprimindo vigor e força à dança. Nesse momento, as dançarinas absortas em 26
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clímax, começam a tocar o melhor de seu tamboril, levando a atmosfera ao ponto culminante. Acordei repentinamente e acabei caindo da cadeira. Era tudo muito real, e parecia que eu tinha vivido aquela cena. Minha mãe ouviu o barulho da minha queda e veio em minha direção para socorrer-me. Refeito do susto e sem entender o que estava acontecendo, entrei em casa e fomos jantar. Minha mãe havia feito um jantar especial para a minha chegada. A mesa estava repleta de gotso21, fazendome delirar de tanta alegria. Minha okaasan22 cozinhou yakizakana, salada de toofu23, shirogohan24, kimpira gobo25 e tamagoyaki26. Comi bastante, e muito cansado da longa viagem fui dormir mais cedo. As doces lembranças das estradas que eu havia percorrido, repletas de flores e de árvores frondosas ainda dominavam os meus pensamentos. Deitei na cama e estiquei-me todo procurando o relaxamento do meu corpo. Pensava na HISAKO, a minha namorada, que eu iria encontrar no dia seguinte. Adormeci rapidamente, e voltei a sonhar com a dançarina koreana na mesma taberna. Acordei no dia seguinte com as mesmas sensações estranhas que aquele sonho despertava em mim. Já era tarde quando eu acordei, e dei um pulo da cama para arrumar-me, pois eu queria visitar a minha namorada HISAKO.
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Capítulo 3 Dai 3 sho
O reencontro com Hisako Hisako tono saikai Cheguei à casa da minha namorada HISAKO por volta das 11:00 horas da manhã. Eu levava para a mãe dela umes que a minha tia KIOKO havia dado para a minha família. Este é um costume japonês que quando uma pessoa viaja, ela deve sempre trazer alguma lembrança para os parentes e amigos mais próximos da região para onde foi. Este costume é muito antigo e tem sido passado de geração em geração, desde os mais remotos tempos do povo japonês. Fui recebido pela HISAKO com um lindo sorriso nos lábios. A minha namorada tem o kao27 leve e de cor róseo, os lábios são levemente grossos, e os seus cabelos são longos e pretos. Com uma estatura baixa ela é uma autêntica e linda mulher japonesa. Enquanto a sua mãe foi até a cozinha guardar os umes eu dei um longo abraço na minha namorada. Nós dois, quando possível, nos abraçamos longamente, e assim permanecemos. Foi uma troca de energia muito gostosa. A mãe da HISAKO voltou e nos sentamos em um banco para conversarmos, oportunidade para contar o que havia ocorrido na viagem e as novidades vivenciadas por mim. 29
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Omiti para elas os constantes sonhos que eu estava tendo com a dançarina koreana em uma taberna, afinal eu não entendia o que estava ocorrendo. Estávamos aguardando a chegada do pai da HISAKO, que também era um plantador de arroz, quando resolvi falar sobre o conto que ouvi da minha tia sobre o saco de arroz encantado. Naqueles tempos do Japão antigo as pessoas sempre contavam histórias repletas de mistérios... Há muitos anos, morava em Toyama-shi, na região de Hokuriku, um jovem muito pobre chamado KENZAIMON, que nada tinha para comer. Diante de tamanha penúria, rezou com toda a força que lhe restava para a deusa KANNON, pedindo ajuda para se livrar daquela situação miserável. Pouco depois, uma linda mulher veio em sua direção, estendeu uma tigela de arroz cozido e disse: – Coma devagar, pois vejo que faz dias que você não come. Agradecido, KENZAIMON recebeu a tigela e um pouco que comeu se deu por satisfeito. Então, guardou a tigela para comer mais tarde. Porém, o pouco que comeu daquela tigela foi o suficiente para passar três dias sem ter fome. No quarto dia, comeu o restante, o que foi suficiente para passar o resto da semana sem fome. Na semana seguinte, a fome voltou e já não havia arroz na tigela para comer. Então, KENZAIMON orou novamente pedindo ajuda a deusa KANNON. Mais uma vez, a linda mulher surgiu em sua frente e disse lamentar muito, pois, desta vez, não poderia ajudá-lo diretamente. Ele deveria ir buscar o arroz pessoalmente. Assim, entregou-lhe um papel que continha um certificado autorizando a retirada de arroz equivalente à produção de três alqueires. – Onde devo buscar esse arroz? – perguntou KENZAIMON. 30
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– Vá até o desfiladeiro de Kurobe, atravesse o Rio Kurobe, e suba a Cordilheira de Tateyama, e suba no pico mais alto. Escale o pico e grite, dizendo que veio buscar arroz. Alguém vai aparecer e lhe entregar o arroz. Com muito esforço, KENZAIMON conseguiu chegar ao ponto mais alto da serra e gritou várias vezes: – Tem alguém aí? Vim buscar o arroz! A resposta veio através de uma voz medonha e, em seguida, um vulto enorme veio em sua direção. KENZAIMON, que já estava pálido de fome, ficou mais pálido ainda de tanto medo. O vulto era uma criatura demoníaca com um só olho no meio da face e um chifre na testa. Seu corpo enorme e musculoso estava coberto apenas por uma tanga vermelha. No ombro, trazia um saco de arroz KENZAIMON, apesar de estar muito assustado, procurou mostrar calma, numa demonstração de coragem, dizendo: – Vim buscar arroz. Aqui está o certificado. O demônio pôs o saco de arroz no chão, apanhou o papel e deu uma olhada: – Aqui diz arroz equivalente a três alqueires, porém só tenho um saco. Se estiver bem assim, pode levar este saco. Caso queira tudo de uma vez, deve reclamar à deusa KANNON. – Um saco de arroz já é mais do que tive em toda minha vida, não devo reclamar por ganância, e sim agradecer por tudo que a deusa tem feito por mim – dizendo isso, KENZAIMON agradeceu ao demônio e levou o saco para casa. Ora carregando e ora rolando a carga, voltou feliz da vida. Os dias foram passando e KENZAIMON aos poucos foi consumindo o arroz. Porém, um fato chamou sua atenção. À medida que ele tirava cada tigela de arroz, o mesmo tanto era reposto no saco, como magia. Assim, o rapaz descobriu que aquele saco nunca acabava, porque tornava a encher sozinho. Diante desse milagre, passou a 31
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vender arroz para a vizinhança e ganhou muito dinheiro. O saco de arroz encantado ganhou fama e pessoas de várias cidades passaram a vir comprar arroz de KENZAIMON, atraídas pela curiosidade. Assim, KENZAIMON acabou tornando um homem rico. A milagrosa história de KENZAIMON chegou ao ouvido do governador da província. Este quis a todo custo comprar o saco encantado e ofereceu em troca arroz equivalente a produção de cem alqueires em sacas de arroz. Sem poder recusar, pois o dono das terras de toda região era do governador, KENZAIMON foi obrigado a aceitar a oferta. Isso o tornou um milionário de uma vez. Levado para o castelo feudal, o saco continuou autoenchendo como antes. O governador ficou muito feliz, pois, agora, haveria arroz garantido, mesmo que houvesse inundações ou seca em suas terras. Porém, passado algum tempo, quando foi retirado do saco arroz equivalente a produção de cem alqueires, o saco parou de repor o produto tirado e tornou-se vazio. O governador ficou furioso e pensou em mandar degolar KENZAIMON , porém, nessa ocasião, estava em visita ao seu castelo o conhecido mago e andarilho, KINNOSUKE OOKA, e o governador consultou-o a esse respeito. – Mestre, o que acha? Devo mandar cortar a cabeça desse jovem que se atreveu a me enganar? – Jamais, meu caro governador. Quem quis o saco que era dele foi o senhor. Foi tolice de sua parte querer para si o prêmio dado especialmente ao rapaz como mérito por sua devoção à deusa KANNON. Considere-se justiçado pelo fato de o saco ter devolvido o arroz que o senhor pagou para o rapaz. Dizem que o governador devolveu o saco a KENZAIMON, e uma vez na casa dele, o saco voltou a encher, tornando-se novamente inesgotável. 32
Matsu, a dançarina...
Elas ficaram espantadas pelo conto, e se entre olharam admiradas com aquela história. A mãe da HISAKO foi preparar o almoço e fui convidado para permanecer na residência para almoçar com a família. O pai dela voltaria do campo, onde estava trabalhando na rizicultura, para almoçar. Permaneci no lado de fora da casa junto com a HISAKO e começamos a elaborar os nossos planos para o casamento no ano seguinte. O pai dela chegou e entramos para almoçar. Oportunidade em que relatei a minha viagem e os contatos com os meus familiares. A mãe da HISAKO preparou para o almoço peixe seco com molho de shoyu28, yakidoofu29, shirogohan, e kimpira30. Após o almoço HISAKO levantou-se para buscar a sobremesa. A surpresa agradou-me muito...era um Yokan31, um doce de feijão azuki32 que foi preparado pela sua obatyan33. Após o almoço fiquei conversando com a mãe da HISAKO, enquanto ela lavava os utensílios utilizados no almoço. Mais tarde, enquanto eu conversava com a minha namorada, a mãe dela preparou os umes, fazendo uma conserva à base de folhas frescas de aka-shiso34. No final da tarde retornei à minha residência para ficar com os meus pais e descansar mais cedo, pois no dia seguinte eu voltaria ao trabalho no campo, auxiliando o meu otoosan no plantio do arroz, que era o alimento básico do povo japonês já naqueles tempos. 33
Mauricio Barufaldi chosha
Após o jantar sentei fora da casa para conversar com os meus pais, costume que otoosan havia ensinado desde a minha tenra infância. Falamos inicialmente do meu retorno ao trabalho e da necessidade de dormir mais cedo para o repouso do corpo. Otoosan colocou-me a par da situação da plantação e dos serviços que iríamos executar no dia seguinte. Disse-me que pensava em fazer mudanças na cultura do arroz, por ele ser do tipo longo e avermelhado e o seu plantio ser muito rudimentar, e pediu-me o apoio necessário. Ele me disse: - HIRO, você sabe que num terreno nós abrimos pequenos sulcos e despejamos os grãos, e que depois que a planta começa a crescer ela não vem recebendo nenhuma espécie de cuidado especial. Nós só retiramos o mato invasor. Percebi na fala dele, que desejaria fazer mudanças no plantio do arroz. O meu pai era uma pessoa muito simples, um homem do campo, mas ele tinha recebido uma rigorosa educação, e procurava passar para mim e meus dois irmãos mais novos a cultura e os costumes japoneses. A minha okaasan também era uma pessoa simples, do campo, e igual ao meu pai, recebera uma educação também rigorosa. A minha okaasan, quando podia, pedia licença para o uso da palavra, costume daquelas épocas onde a mulher não tinha direitos, mas apenas deveres e obrigações de uma dona de casa. Naquela noite falamos sobre o meu aniversário que seria no dia seguinte, e okaasan pediu autorização ao otoosan para elaborar alguns pratos para os convidados. Ficou acertado que a minha festa de aniversário ocorreria dois dias após, já que seria em um final de semana, e os convidados poderiam participar. 34
Matsu, a dançarina...
Pedi ao otoosan para que fosse feito buta niku35 assado no missô36, o que ele de pronto autorizou. Como eu era o hajime37 da casa, meu pai não me contrariava com coisas pequenas. Este costume japonês de que o primeiro filho de uma família fosse homem era uma realidade na minha casa, o que deixava o meu pai orgulhoso e muito feliz. Quando em uma família nascia uma mulher como o primeiro filho, esta era muitas vezes maltratada, ou em alguns casos era tratada como se fosse um homem. Com o clima familiar muito ameno, encorajei-me para contar aos meus pais sobre aquele sonho que estava atormentando-me e deixando-me muito preocupado. Eles ouviram atentamente e o meu pai disse o seguinte: - Meu filho eu vou conversar com um monge xintoísta e ver qual é a orientação que ele dará para o seu sonho. Fiquei contente, pois eu estava de fato muito preocupado com aquele sonho que se repetia quase que diariamente. Já eram quase nove horas da noite quando fomos dormir. Deitei-me na cama e pelo cansaço da viagem do dia anterior, adormeci rapidamente. Sonhei mais uma vez com aquela dançarina koreana, que bailava sorrindo para mim, e ao aproximar-se de onde eu estava, no centro da taberna, demonstrava uma alegria muito grande em me ver. Acordei assustado e sentei-me na cama. A cena era muito real. Era como que se eu tocasse nas mãos daquela dançarina. Bebi água e permaneci com o rosto preso pelas minhas mãos, e com a minha cabeça abaixada eu buscava uma explicação. 35
Mauricio Barufaldi chosha
Fiquei nessa posição por mais de uma hora e não encontrava nenhuma resposta. Voltei a deitar e adormeci novamente. Dormindo eu ouvia uma música que soava muito forte ao som de tamboretes que vinha na minha direção. Vi novamente, em sonho, aquela linda dançarina, que bailava sorridente vindo na minha direção. Ela dançava e aproximava-se de mim, e o seu sorriso contagiava-me, e comecei a sorrir para ela. O barulho vindo dos tamboretes koreanos aumentava e a dançarina bailava ainda mais graciosa. E quanto mais ela dançava mais ela sorria e vinha na minha direção. Acordei e chorei profundamente com aquela cena tão real e tão bonita. Permaneci sentado, na cama, e chorando, e as lágrimas cobriam todo o meu rosto. Fiquei assim até o amanhecer daquele dia. O meu pai levantou-se e foi para o benjo38 para fazer a sua higiene pessoal. Eu não poderia fazer isso, mas senti vontade de correr e abraçar o meu otoosan. Eu queria abraçá-lo e chorar no seu ombro amigo, mas eu não podia. Naqueles tempos em que os homens eram embrutecidos, não era dado o direito destes chorarem, mesmo na frente dos seus pais. Procurei disfarçar o rosto banhado em lágrimas e fui fazer a minha higiene e preparar-me para o trabalho. Okaasan levantou-se para preparar o café da manhã, que no Japão é à base de Gohan, missoshiro, sakana grelhado39, um yasai40 refogado e pedaços de tofu cortados em cubos e temperados com molho de soja. Fizemos a refeição, e fomos para o campo cuidar da plantação de arroz. 36
Mauricio Barufaldi
ISBN - 978-85-911611-0-2
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