Laboratório Vivo de Agroecologia e Permacultura: sistema agroflorestal como espaço ecopedagógico. Caio Lucas M. L. Sant’anna1, Daniel F. Kazay2, Erika M. O’Reilly3, Heloísa T. Firmo4, Lara A. Oliveira5, Lucas Chiabi6, Lynna T. Fuly7, Michel Balassiano8, Tomé de A. e Lima9. Universidade Federal do Rio de Janeiro , chezcaio@poli.ufrj.br ; 2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, dfkazay@poli.ufrj.br ; 3 Universidade Federal do Rio de Janeiro, erikamattos@poli.ufrj.br ; 4 Universidade Federal do Rio de Janeiro, lara_angelo@poli.ufrj.br ; 5 Universidade Federal do Rio de Janeiro, lucaschiabi@poli.ufrj.br ; 6 Universidade Federal do Rio de Janeiro, fuly@poli.ufrj.br ; 7 Universidade Federal do Rio de Janeiro, michel.balassiano@poli.ufrj.br ; 8 Universidade Federal do Rio de Janeiro, taltome@poli.ufrj.br 1
Resumo O Projeto Mutirão de Agroecologia - MUDA/UFRJ desenvolve um trabalho de formação, pesquisa e extensão através de sua área experimental, o LaVAPer. O Projeto teve início em 2009, quando alunos da graduação em Engenharia Ambiental criaram um grupo com objetivo de debater os impactos socioambientais de nosso modo de vida e de propor soluções a tais problemáticas. Do debate sobre a agricultura, foi elaborado um projeto experimental de plantio agroecológico no Centro de Tecnologia, norteado pelas temáticas “recuperação de solos degradados” e “produção agroecológica de alimentos”. Ao longo desses anos foram realizados tanto mutirões de implantação e manejo dos experimentos, atividades de pesquisa com agrofloresta e reutilização de resíduos sólidos, quanto oficinas e minicursos para difusão das tecnologias trabalhadas. Os experimentos integram uma trilha ecopedagógica através do sistema agroflorestal, que vem sendo aprimorada a cada mutirão. A carência de atividades práticas e da abordagem de tais temas na Graduação em Engenharia Ambiental na UFRJ torna imprescindível a interação com as disciplinas ministradas no curso. Atualmente, a área experimental recebe visitas de alunos e professores de universidades, funcionários públicos, moradores do entorno e alunos da rede pública de ensino. Palavras-chave: Agroecologia; Permacultura; Tecnologias Sociais; Ensino-pesquisa-extensão.
Introdução O LaVAPer está situado no bioma Mata Atlântica e se encontra no campus Cidade Universitária - Ilha do Fundão, município do Rio de Janeiro. O trabalho é realizado sobre solo compactado de aterro. O local tem origem na construção da Cidade Universitária, quando foi feito o aterro para união de um arquipélago. A área de trabalho possuía apenas grama batatais (Paspalum Inter-medium), sobre o solo compactado de aterro, caracterizado por Embrapa Solos (2000). O projeto foi iniciativa de alunos da graduação em Engenharia Ambiental da UFRJ, em 2009. Desde então são realizados mutirões periódicos e compostagem contínua de resíduos orgânicos. Por se tratar de uma área aberta, o laboratório sofre influência de diversos fatores, como variâncias climáticas, intervenções antrópicas, presença de fauna local e aporte de resíduos. A proximidade das salas de aula e das comunidades vizinhas favorece a utilização do espaço para fins didáticos tanto para as disciplinas
quanto para os moradores, trabalhadores e estudantes do entorno. Foram notados pontos ao mesmo tempo positivos e negativos de visitantes que interviram na área, ou seja, alguns trazem materiais, colhem, dão sugestões, plantam e outros levam materiais, depredam, deixam lixo e pisoteiam plantios. O projeto tem como objetivo tornar o LaVAPer um Centro de Tecnologias Sociais, onde é possível realizar novos experimentos, divulgar tais pesquisas, receber visitantes e capacitar indivíduos para replicar as tecnologias trabalhadas. Para isso, parcerias foram buscadas dentro da universidade, como a Decania do Centro de Tecnologia, a Administração do CT, a Prefeitura Universitária, o Projeto Recicla CT, o Laboratório de Hidrologia/COPPE-UFRJ, o grupo PET Civil, o Projeto de Extensão Capim Limão, o Projeto de Extensão Muda Maré, o Projeto de Extensão Raízes e Frutos, o Projeto Polígono Permacultural, o espaço Geomata, a Feira Agroecológica da UFRJ, e fora da universidade como a Fundação de Apoio ao Ensino Técnico do Rio de Janeiro (FAETEC) - Escola Ferreira Viana, o Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM), o Museu da Maré, a Redes de Desenvolvimento da Maré, a Rede de Grupos de Agroecologia do Brasil (REGA), a Articulação de Agroecologia do Rio de Janeiro (AARJ), a Rede Carioca de Agricultura Urbana, entre outros.
Metodologia O grupo MUDA se organiza por autogestão. A partir das reuniões semanais e extraordinárias as atividades são planejadas. A prática de grupos de estudo, tambem semanal, é a base para o aprendizado da fundamentação teórica, sendo possível contribuição de todos os participantes no levantamento de novos materiais e no debate sobre o assunto abordado. Além da fundamentação teórica, a metodologia de trabalho se dá através de mutirões, onde há confraternização, exposição das atividades planejadas e divisão das tarefas, sempre acompanhados de reflexão e avaliação. A área do LaVAPer é utilizada como laboratório didático onde, regularmente, estudantes, pesquisadores e funcionários da UFRJ e de outras instituições, bem como moradores do entorno, são convidados à participar dos manejos e compreender o sentido das práticas. Nas atividades, a prática não se desvincula da teoria, tanto pelo planejamento dos croquis (mapas esquemáticos), como pela execução e observação dos experimentos. Dois princípios são levados em conta no planejamento de novas áreas de plantio: o consórcio de espécies e a adubação verde. O primeiro diz respeito ao máximo proveito do sol e das funções ecológicas de cada espécie, pela ocupação de diversos extratos no espaço-tempo e pelo aumento das relações interespecíficas, e o segundo concerne à produção de biomassa, incorporação de matéria orgânica ao solo e ciclagem de nutrientes. Logo, o croqui de uma área de plantio deve levar em consideração sua localização geográfica (eixos x, y), seu extrato (eixo z) e o seu ciclo de vida (eixo t), bem como as inter-relações entre as espécies. As áreas já instauradas servem como exemplo para visualização dos princípios de implementação de novas áreas. A figura 1 apresenta uma foto de um plantio implementado, segundo esses princípios, em 2009. Os experimentos implementados no LaVAPer integram uma Trilha Ecopedagógica, contendo placas explicativas, o que favorece a consolidação da área como espaço didático. São agendadas visitas guiadas, com alunos de instituições públicas de ensino, parceiros e interessados no Projeto. Também são realizadas Oficinas Temáticas, visando difundir as tecnologias testadas, contemplando o público interno e externo à Universidade. O grupo atua em instituições de ensino, a partir de dinâmicas de grupo, atividades práticas e debates sobre questões ambientais aplicadas ao cotidiano e também em disciplinas
dos cursos de Engenharia. A utilização de recursos locais, de baixo custo e baixo impacto ambiental é fator norteante para o planejamento das ações. A abordagem do grupo está de acordo com Capra (1996) e o conceito de alfabetização ecológica, já que preza pelo desenvolvimento de uma identificação sensível do participante para com as plantas e os ciclos naturais. Dos ciclos naturais pode-se destacar: o ciclo de nutrientes diretamente relacionado ao conceito de adubação verde; o ciclo energético relacionado ao consórcio de espécies; e o ciclo da água pela descompactação do solo realizada pelas raízes (aumento da infiltração), evapotranspiração das plantas e pela cobertura do solo pela matéria morta (retenção da água). Apesar das particularidades de cada ação, pode-se ressaltar algumas convergências metodológicas. Dentre elas: ●
A materialidade da ação, ou seja, as atividades sempre integram intervenções físicas no espaço ou a confecção de algum produto palpável.
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A participatividade, seja através de debate, seja por intermédio da materialização de tecnologias sociais. É importante ressaltar que, mesmo que não haja reflexões abstratas precedentes dos participantes sobre sujeito exposto, eles são convocados para o centro da atividade para expor seus conceitos espontâneos, segundo a definição de VYGOSTKY (1986). Para que o convite seja efetivo exige-se que a concepção crítica do ato de educar parta de conceitos geradores, com os quais os participantes começam sua fundamentação no tema como sujeitos do processo, sejam buscados em seu “universo conceitual mínimo”, que envolve sua temática significativa (análogo à FREIRE (1981)).
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Dialética da ação. Uma metodologia na perspectiva dialética baseia-se em outra concepção de homem e de conhecimento. Entende o homem como um ser ativo e de relações. Assim, entende que o conhecimento não é "transferido" ou "depositado" pelo outro (conforme a concepção tradicional), nem é "inventado" pelo sujeito (concepção espontaneísta), mas sim que o conhecimento é construído pelo sujeito na sua relação com os outros e com o mundo. Isto significa que o conteúdo que o professor apresenta precisa ser trabalhado, refletido, re-elaborado, pelo aluno, para se constituir em conhecimento dele. (VASCONCELLOS, 1992)
Os pontos supracitados se relacionam intimamente com o conceito de tecnologia social. Segundo FBB (2006) o termo poderia ser entendido como “manifestação do conhecimento”, que pode ser um processo, método, técnica, produto ou mesmo um artefato, desenvolvido pelo meio acadêmico, pelo estado ou proveniente do “saber popular”. Todavia, ainda segundo o mesmo autor, a tecnologia deve servir por um lado à resolução de problemas sociais, e precisa garantir que sejam apropriada para a comunidade, gerando mudanças de comportamentos, atitudes e práticas. Logo, partindo da abordagem participativa o Projeto fundamenta sua prática pedagógica na dialética e na materialidade da ação. Postura coerente às tecnologias sociais.
Resultados Dentre os resultados alcançados na área, pode-se destacar: o incremento da diversidade de flora e fauna local, com mais de 140 espécies vegetais catalogadas; a melhoria na estrutura e nas condições do solo; a criação de uma “ilha de frescor”, com umidade e sombra; o estabelecimento de plantas espontâneas e nativas; a elaboração e manutenção de um banco de sementes e a produção de
alimentos. Vem sendo aprimorada a Trilha Ecopedagógica e incluídas atividades práticas às disciplinas da Graduação. Além disso, foram realizadas oficinas e minicursos sobre permacultura, agroecologia, agricultura urbana, espiral de ervas, compostagem e minhocário à convite de instituições de ensino e eventos.
Conclusões A consolidação do espaço como Centro de Tecnologias Sociais, promovida pela integração entre os pilares ensino, pesquisa e extensão possibilita um espaço de experimentação, capacitação e convivência. O participante protagoniza o processo que permite a aquisição do conhecimento, por intermédio do envolvimento nas etapas do projeto e do estímulo à manifestação de suas opiniões. A integração entre conhecimento teórico e prático, bem como a utilização do LaVAPer como espaço didático e de experimentação, possibilitam que o graduando complemente sua formação. É estabelecida uma área experimental que contribui com a formação acadêmica, cidadã e com a manutenção do equilíbrio ecossistêmico.
Referências Bibliográficas ●
EMBRAPA SOLOS. Projeto Parque Frei Veloso: levantamento detalhado dos solos do campus da Ilha do Fundão UFRJ, 2000.
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FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 5ª ed. (1975 – 1ª ed.) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
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FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL (FBB). Banco de tecnologias sociais. Disponível em:<www.tecnologiasocial.org.br/bts/>. Acesso em: 30 out. 2006.
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CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão científica dos sistemas vivos.. São Paulo: Cultrix, 1996.
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VASCONCELLOS, Celso dos S. Metodologia Dialética em Sala de Aula. In: Revista de Educação AEC. Brasília: abril de 1992 (n. 83).
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VYGOTSKY, L. S. (1986). Thought and Language (A. Kozulin, Trans.). Cambridge, Massachusetts: The MIT Press.
Figuras Figura 1 – Exemplo de plantio agroecológico implementado em 2009
(foto tirada em 02/12/2011)
Figura 2 - Roteiro da Trilha Ecopedagógica
1. Consórcios e Sucessão vegetal 2. Agrofloresta como forma de preservação de espécies ameaçadas de extinção (euterpe edulis) 3. PANC`s + ponto para degustação e sentir aromas. 4. Plantas Medicinais na Agrofloresta. 5. Estratificação da agrofloresta e croqui em forma circular 6. Plantio da Semana de Agroecologia 7. Plantio do Mutirão Ciranda (coração). 8. Plantio dos Calouros 2012 (em linhas). 9. Composteira e Banheiro Seco. 10. Ponto sensitivo, Tinta do Urucum, degustação de Ora-pro-nobis e aroma da erva cidreira