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O país do momento

Há mais de uma década o Qatar se prepara para sediar a Copa do Mundo de 2022, uma gigantesca vitrine global. Enfim, chegou a hora do país ganhar os holofotes e provar que está pronto para conquistar o mundo

Por CAMILA LARA

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Em 2010, poucos meses antes da Fifa anunciar o Qatar como sede da Copa do Mundo de 2022, eu desembarcava pela primeira vez em Doha, capital do país. Até então, pouco se ouvia falar dessa pequena nação na península do Golfo, cuja paisagem desértica e costumes rígidos não pareciam despertar grandes interesses turísticos. Poucas horas na cidade foram necessárias para constatar que o país estava decidido a mudar essa realidade e investia alto para atrair os olhares do mundo – dinheiro não era problema, graças ao petróleo e ao gás natural que alçaram o país ao topo da lista dos mais ricos do mundo. Entre guindastes e andaimes, grandes redes de hotéis de luxo já inauguravam suas unidades ali e o skyline de Doha começava a se desenhar com edifícios em tamanhos e formatos dos mais ousados. Tive a impressão de testemunhar o nascimento de uma cidade que ansiava por brilhar. Veio então a nomeação para a Copa. Certamente uma catalisadora para os planos de desenvolvimento que já estavam no radar.

As obras se intensificaram e o país se preparou a todo o vapor para seu momento de glória, quando nações inteiras acompanhariam vidradas um dos maiores eventos esportivos do mundo. A fama, porém, nunca vem sem agruras. Com os holofotes voltados para o Qatar, diversos questionamentos surgiram, principalmente relacionados à viabilidade do torneio em um país tão quente, aos impactos ambientais e às condições precárias dos trabalhadores. Depois de 12 anos, várias polêmicas e cerca de US$ 200 bilhões in - vestidos, o Qatar recebe finalmente a Copa do Mundo de 2022. Quem estiver com as malas prontas para acompanhar os jogos in loco, vai descobrir estádios ultramodernos, mas também uma nação que se desenvolve vertiginosamente e que, entre futurismo e tradições, encontra aos poucos seu equilíbrio.

A primeira Copa do Oriente Médio

O futebol está longe de ser a paixão nacional – a corrida de dromedários e a falcoaria (a criação e adestramento de falcões) têm muito mais adeptos. Ainda assim, o esporte alcança novos patamares no Qatar, que possui as principais ações do time francês Paris Saint-German e agora se torna o primeiro país do Oriente Médio a sediar uma Copa do Mundo.

Vale saber que apesar dos jogos serem distribuídos por cinco cidades, todas são praticamente uma extensão de Doha, que concentra cerca de 80% dos habitantes do país. As distâncias entre os estádios raramente ultrapassam os 50 km e todos são conectados por uma rede de metrô construída especialmente para o evento, com trens sem condutores que podem chegar até 100 km/h – dentre os mais rápidos do mundo. Os oito estádios moderníssimos têm assinatura de arquitetos renomados de diferentes partes do globo e fazem alusões à cultura local – como o Al Bayt em formato similar às tendas utilizadas pelos povos nômades; o Al Janoub, inspirado no dhow, o tradicional barco de coleta de pérolas; ou ainda o Al Thumama, que lembra um gahfiya, o chapéu rendado utilizado pelos homens da região.

Apesar dos desafios, o Qatar se esforçou para entregar um evento sustentável. Parte importante dessa missão reside em construir estádios que ofereçam um legado posterior – afinal, oito arenas enormes são desnecessárias em um país diminuto. A título de comparação, a extensão territorial do Qatar é equivalente a pouco mais do que a metade da área de Sergipe, o menor estado brasileiro.

O estádio 974, cuja fachada reúne 974 contêineres – uma referência ao comércio interna- cional e ao código de discagem do Qatar – será inteiramente desmontado depois da competição, algo inédito em uma Copa do Mundo. Alguns estádios terão sua capacidade reduzida e assentos excedentes doados para países em desenvolvimento, enquanto outros serão reconvertidos a novos propósitos.

São muitas as façanhas do Qatar em termos de desenvolvimento, mas a construção da cidade de Lusail está entre as mais impressionantes. A 20km de Doha, onde antes só havia areia, floresceu um centro urbano moderno, com instalações e serviços públicos inteligentes e ecológicos. Exemplo concreto é o sistema de refrigeração de ar central, com cerca de 175km de tubulação, um dos maiores do mundo, que minimiza a emissão de dióxido de carbono em comparação com o uso de condicionadores de ar individuais.

Além do futebol

Já que fomentar o turismo é seu objetivo supremo, o Qatar destinou uma porção de seus milhões de petrodólares para além das estruturas das partidas de futebol. Nos últimos anos, projetos ousados surgiram com a assinatura de arquitetos globalmente reconhecidos – como César Pelli, Rem Koolhaas e Arata Isozaki – e, mais uma vez, redefiniram a paisagem local. Ao contrário do que se possa imaginar, as construções faraônicas são mais do que uma bela roupagem;

A cidade de Lusail foi construída do zero para ser inteligente e sustentável o conteúdo também foi bem trabalhado. A oferta cultural em Doha ganhou corpo com a abertura de novos museus interessantes e com a valorização de antigas tradições locais. Portanto, ainda que o futebol seja a sua principal motivação para desembarcar no Golfo Pérsico, agarre a oportunidade para desbravar o país a fundo.

Em sua própria ilha, parecendo flutuar sobre a água, o Museu de Arte Islâmica foi um dos pioneiros em Doha, inaugurado em 2008. Projetado por IM Pei – responsável também pela criação da pirâmide do Louvre, em Paris – o museu impressiona pela forma, mas também pela relevância cultural: em seus três andares está distribuída a maior coleção de arte islâmica do mundo.

Quando milhares de grãos de areia cristalizados se unem com a ação do vento nos desertos, formam-se as chamadas rosas do deserto. Inspirado por esse fenômeno natural, o arquiteto francês Jean Nouvel projetou o novíssimo Museu

Nacional do Qatar com discos de diferentes curvaturas e diâmetros que formam um desenho similar ao feito pela natureza. No interior da “rosa de concreto”, exposições multimídia narram a história e o patrimônio do Qatar, celebrando seu passado, presente e futuro no cenário mundial. No último andar, o restaurante Jiwan, do chef francês Alain Ducasse, tem menu com receitas típicas do Qatar.

Para uma imersão na faceta mais tradicional de Doha, o destino certo é o Souq Waqif. Durante muitos séculos, o mercado foi palco para a troca de mercadorias entre povos nômades e hoje segue autêntico e vibrante. É o coração da cidade, onde turistas e locais perambulam pelas ruelas em busca de especiarias, perfumes, joias e roupas tradicionais. Restaurantes charmosos não faltam, como o aclamado Parisa, que serve culinária persa em ambientes suntuosos. Aliás, vale saber que cerca de 85% da população do Qatar é composta por estrangeiros e que a cena gastronômica traduz essa diversidade de maneira cada vez mais interessante. Excelentes restaurantes das mais variadas culinárias despontam nos quatro cantos da cidade – como o cantonês Hakkasan, o peruano Coya e o japonês Morimoto.

O ápice da mescla entre modernidade e tradição está no bairro Msheireb Downtown, que após uma grande revitalização renasceu das cinzas com alta tecnologia. Nada de arranha-céus de vidro e aço por aqui – as construções são inspiradas na arquitetura tradicional do país, com prédios baixos, linhas simples e tons de bege. A inovação fica por conta da concepção do bairro, projetado nos mínimos detalhes como uma área eco-friendly. Ônibus movido a energia solar, isolamento térmico otimizado para reduzir desperdício de energia e longas faixas exclusivas para bicicletas e pedestres são algumas das medidas sustentáveis adotadas.

Inclua ainda no seu roteiro um passeio por The Pearl, a ilha artificial que reúne hotéis, apartamentos, lojas e restaurantes; uma tarde no Katara Cultural Village, complexo com teatros, shoppings e mesquitas; uma caminhada pela Corniche, o calçadão à beira da baía com vistas para os prédios futuristas de West Bay; e um passeio em dhow, o barco tradicionalmente usado para a coleta de pérolas, a principal atividade econômica do país antes da descoberta do petróleo.

Ao olhar para trás, muito parece ter saído como o planejado apesar de tantas controvérsias: o Qatar de fato ganhou luz e floresceu naquele canteiro de obras a céu aberto que eu encontrei em 2010. Se os objetivos com o turismo serão atingidos, ainda é cedo para saber, mas é inegável que o país não poupou esforços e recursos para agradar os mais de 1 milhão de visitantes esperados para a Copa. A bola vai rolar no Qatar e veremos, enfim, quais serão os frutos dessa epopeia . It’s show time!

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