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Escandalosamente, Bonito!

É unanimidade afirmar que Bonito é pouco para definir a beleza deste paraíso natural, no Mato Grosso do Sul. Não importa se é a primeira, a segunda ou a terceira vez, a surpresa é sempre a mesma e a sequência de adjetivos escapa sem você perceber. Só vivendo essa experiência para entender sobre o que estou falando

Por CLAUDIA LIECHAVICIUS, de BONITO

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Localizada na Serra da Bodoquena, numa área de transição entre o cerrado e os alagados do Pantanal, a história de Bonito remete a 1869, quando o capitão do exército Luiz da Costa Leite Falcão comprou algumas terras no município de Miranda, na Fazenda Rincão Bonito, e aos poucos foi descobrindo que o tal nome não tinha sido dado ao acaso. Durante anos os rios, nascentes, cachoeiras e grutas permaneceram adormecidas num oásis intocado. O acesso às belezas naturais da região era restrito por se tratar de propriedades privadas que passaram a fazer parte do estado do Mato Grosso do Sul apenas em 1977. Até então as principais atividades econômicas eram a pecuária, a agricultura e a mineração de calcário. Foi a partir da década de 90 que as porteiras das fazendas começaram a se abrir para receber visitantes e o ecoturismo explodiu. Mas, nunca de modo descontrolado. Bonito se tornou uma referência em termos de organização e passa longe do burburinho do turismo de massa. Qualquer passeio precisa ser previamente agendado com uma agência de turismo local, tendo preços tabelados, número de visitantes rigorosamente controlado, sempre em pequenos grupos acompanhados de guias especializados e com bons protocolos de segurança. Um modelo que vem dando muito certo e proporciona experiências memoráveis.

Um clássico imperdível do ecoturismo da região é a Estância Mimosa, a 24 quilômetros do centrinho de Bonito. O passeio inclui uma trilha de nível fácil pela mata ciliar do rio Mimoso, que segue por três quilômetros depois de passar pela horta orgânica da propriedade, pelos painéis de energia solar e por um trecho divertido feito na boleia de um caminhão. Então, a sequência intercala suspiros e banhos de cachoeiras de lavar a alma, desde a exuberância da Sinhozinho até a cachoeira do Salto, de onde é possível pular de uma plataforma de seis metros de altura num poço cristalino. Mas a emoção maior pode chegar quando menos se espera. Fomos brindados com o encontro repentino de uma lontra nadando ao nosso lado na cachoeira do Sinhozinho. O guia já havia avistado o filhote quando as borbulhas começaram a surgir na água. De arrepiar, de tão sensacional. Maycon Portilho faz parte de um grupo de 218 guias cadastrados da região e também é fotógrafo, o que traz segurança aos vi- sitantes e auxilia na preservação ambiental, além de garantir fotos inesquecíveis do paraíso. Na volta do passeio, um almoço de comida regional preparado pelo chef Paulo Machado, em fogão à lenha, com direito ao famoso doce de leite da casa, espera num salão da estância e faz páreo duro com as redes espalhadas nas sombras das árvores. Vale dividir o tempo entre os prazeres da boa mesa e o descanso no redário enquanto as araras fazem arruaça e a auxiliar da gerência Elusa chama Tony, o imenso jacaré-de-papo-amarelo que vive há anos no laguinho, e atende prontamente ao chamado.

Já no Recanto Ecológico do Rio da Prata, o encantamento começa no instante em que os olhos vestidos com máscara de mergulho encontram o cardume de piraputangas no rio Olho D’Água - o peixe símbolo de Bonito. A sensação é de estar entrando em um aquário, de tão cristalina a água, em decorrência da grande quantidade de calcário. É ali que o guia passa as primeiras instruções antes da aventura de se deixar levar com suavidade pela correnteza por dois quilômetros, com direito a observar o fenômeno da ressurgência, apelidado de “vulcão”, onde a água brota do chão remexendo a areia e dando seu próprio show. O gran finale dessa aventura é a muralha de peixes que flutua praticamente em câmera lenta, sem alarde e sem se importar com quem toma a reta final do rio da Prata. Basta dizer que essa experiência é considerada uma das melhores flutuações fluviais do Brasil. A organização do passeio é excelente desde o momento em que o grupo (de no máximo nove visitantes) recebe roupa de neoprene, colete, sapatilhas de borracha, máscara, snorkel e segue na companhia do guia pelas trilhas bem sinalizadas até o rio para a flutuação com duração aproximada de duas horas, seguida de almoço regional. Desde 1995, o Rio da Prata está de portas abertas, sendo uma empresa familiar, formada por pessoas apaixonadas pela natureza e dedicada à preservação do meio ambiente.

A 45 quilômetros do centrinho de Bonito, perto do Rio da Prata, outra experiência espetacular no mundo subaquático do MS, é a Lagoa Misteriosa. A partir de seis metros de profundidade, a lagoa se configura como uma caverna alagada, de profundidade desconhecida, formada pelo fluxo de água que vem do lençol freáti- co. Imagine a sensação de mergulhar, seja de snorkel ou de cilindro, em um local de águas absurdamente cristalinas devido à ação das rochas calcáreas que sedimentam as impurezas, sendo possível ver a copa das árvores que contornam a lagoa a 40 metros de profundidade, mas que não se sabe ao certo onde termina. Eis o grande mistério. Em 1998, o mergulhador Gilberto Menezes de Oliveira atingiu 220 metros, se embrenhou por um emaranhado de canais subjacentes e não chegou ao fim. A Serra da Bodoquena é um dos melhores lugares do mundo para essa modalidade chamada de “espeleomergulho” que além da Lagoa Misteriosa, pode ser feita também na Gruta do Mimoso e no Abismo Anhumas.

Arrebatadora e triunfal é a descida no Abismo Anhumas, uma das atrações mais exclusivas e caras de Bonito, mas que vale cada centavo. Minha primeira experiência há alguns anos foi na base do rapel, única possibilidade de acesso até então, para apenas 18 pessoas por dia e com tempo médio de subida de 40 minutos no retorno. Equipamentos precisamente posicionados em uma pequena fenda no topo da caverna conduziam a um mundo paralelo após 72 metros de descida. Agora, depois de vinte anos de funcionamento, o acesso passou a ser feito por um sistema de elevação elétrico, com uma espécie de elevador, permitindo a visita de 60 pessoas por dia. Uma vez alcançado o deque, a visão da caverna iluminada por um pequeno feixe de luz que acende o turquesa da lagoa e ilumina os cones de calcário submersos, é colossal. Para explorar os segredos do Abismo Anhumas é possível escolher entre o passeio de bote, flutuação com snorkel ou mergulho com cilindro para chegar bem perto dos cones que chegam a 20 metros de altura e fazem você se sentir pequeno diante da exuberância da natureza bruta.

Se o rapel estiver entre seus planos, tome o rumo da Boca da Onça, a 60 quilômetros do cen- trinho, e encare uma descida carregada de adrenalina, em um paredão vertical de 90 metros que inicia em uma plataforma suspensa de 34 metros de comprimento e se projeta no abismo. Esse é o maior rapel de plataforma do Brasil. Depois da aventura radical, vale relaxar nas tantas cachoeiras que cercam o rio Salobra.

É por proporcionar momentos assim, de aventura e comunhão total com a natureza, que Bonito vem se destacando como referência. E mesmo enquanto a pandemia freava o vai e vem dos visitantes, o destino aproveitava para se renovar. Prova disso foi o nascimento do hotel Promenade Bonito All Suites que chegou para agregar conforto e garantir aquele descanso necessário em um destino carregado de movimento e emoção. Inspirado no estilo americano “on road”, o hotel conta com 78 suítes amplas, divididas em dois ambientes, um deles com cama de casal e outro com bicama, além de mini copa. Tem piscina, sala de massoterapia e um restaurante delicioso com curadoria da chef Bruna Mello. Nada como um hotel novinho que vem para agregar.

Agora se prepare para descer 96 metros aos subterrâneos da terra e voltar milhões de anos até a Era Glacial. A Gruta do Lago Azul foi descoberta em 1924, ao acaso, por um morador da região e hoje é um monumento natural tão importante que foi tombado, em 1978, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Uma escadaria conduz ao centro da caverna, onde um lago subterrâneo de cor azul inacreditável guarda fósseis de grandes mamíferos que habitaram a região há milhões de anos, como tigre-dente-de-sabre, tatu e preguiça-gigantes. Um patrimônio arqueológico de grande importância para o Brasil e que sairá das profundezas da caverna apenas quando o projeto do Museu de Bonito se concretizar. Mas se você tiver o sonho de mergulhar numa caverna como essa, saiba que Gruta do Mimoso foi aberta recentemente ao público, é uma prima-irmã tão bonita quanto a Gruta do Lago Azul e permite não só flutuação com máscara como mergulho de profundidade.

Os passeios de Bonito são acessíveis a todos, basta escolher o que se encaixa no seu perfil, afinal são mais de 50 possibilidades. Para famílias e adeptos do turismo de aventura, o Eco Park Porto da Ilha é uma boa opção. Fica em uma área de conservação ecológica repleta de quedas d’água onde há uma série de atividades disponíveis aos visitantes como boia cross, rafting, caiaque, stand up paddle, bike boat e passeio de barco elétrico. E não deixe suas coisas soltas pelas mesas, pois no final do dia os macaquinhos chegam em bando em busca de comida e fazem um arrastão divertido de se ver.

Para contemplar a natureza recomendo o Buraco das Araras, um lugar especial, a 60 quilômetros de Bonito, no município de Jardim. Uma trilha leve conduz a vários pontos de observação onde as araras-vermelhas vivem e fazem seus ninhos. São dezenas e mais dezenas de araras. No final do dia quando elas se preparam para dormir e colorem as árvores como se fossem enfeites, é de arrepiar.

Mas nem só de passeios e aventuras vive Bonito. A graciosa cidade vem se estruturando muito bem para abraçar o turismo. Tudo se espalha ao redor da avenida Pilad Rebuá, onde ficam as lojinhas, cafés, sorveterias e restaurantes. Destaque para as cerâmicas da Udu produzidas na própria região e para a DiBonito Cachaça, que vem criando produtos com os sabores da terra. Restaurantes que valem a experiência para saborear a culinária local são o Juanita, onde as iguarias imperdíveis são a isca de jacaré crocante e o pacu na brasa, e a Casa do João, que além de restaurante onde a boa pedida é a famosa traíra sem espinha, tem um museu e uma loja de artesanato.

Assim é Bonito. Um mundo paralelo espetacular, surreal, inacreditável, colossal... onde um rosário de adjetivos e superlativos é pouco para traduzir.

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