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Bahamas: riqueza no fundo do mar

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Dicas quentes

Dicas quentes

Um dos melhores lugares do mundo para a incrível experiência de mergulhar com grandes tubarões, as Bahamas são um exemplo de conservação dos oceanos, considerando sustentabilidade ambiental e socioeconômica

Escutamos com muita frequência, quando falamos de mergulhos com tubarões: “vocês são malucos” ou “tem que ter muita coragem”. Mas a verdade é que não existe heroísmo nesses encontros, há muita paixão, planejamento, técnica e uma busca por estar com animais incrivelmente fascinantes.

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Quando o cineasta Steven Spielberg lançou em 1975 o filme Jaws (Tubarão) com a mundialmente conhecida música de John Williams que arrepia qualquer um, vencedora do Oscar de melhor trilha sonora original, não imaginava que um thriller impactaria a vida do universo marinho de forma tão intensa. O imaginário coletivo passou a associar tubarões, especialmente os grandes, com bestas assassinas devoradoras de qualquer coisa, inclusive ser humano.

Passado quase meio século do lançamento desta obra cinematográfica, ainda temos uma per- cepção distorcida dos amigos tubarões, e justamente essa realidade é nosso maior estímulo para realização das expedições de documentário, desmistificar os tubarões e sensibilizar o grande público acerca da importância desses animais. Com esse objetivo em mente, montamos uma equipe muito experiente de cinco mergulhadores, o Publisher da revista TOP Destinos Claudio Mello, Alexandre Costa (o Alê da Cacau Show), Marcello Costa, Ricardo Rachid e eu. Os alvos dessa etapa do projeto Gigantes dos Mares foram o lendário tubarão-tigre e o tubarão-martelo-gigante.

Existem alguns, não muitos, pontos de mergulho no planeta em que se pode mergulhar com essas duas espécies, mas encontrá-las juntas numa mesma região ou até no mesmo mergulho é raríssimo, e escolhemos o melhor ponto do mundo para buscar nossas imagens, as Bahamas.

Ex-colônia britânica, as Bahamas conquistaram sua independência como nação em 1973, tendo Nassau como capital. É um arquipélago formado por mais de 700 ilhas e ilhotas no Oceano Atlântico margeando o Mar do Caribe, tendo os Estados Unidos ao norte e Cuba ao sul, como países mais próximos. Muitas delas são desabitadas e as mais conhecidas são Grand Bahama, mais ao norte, e Paradise Island, com diversas opções de hotéis e resorts.

Com águas transparentes e um ecossistema marinho conservado,

Nossa busca pelos gigantes dos mares nos levou a dois dos melhores pontos de mergulho para grandes encontros do planeta: Bimini e Tiger Beach. Mas vamos apresentar nossos astros antes de contar sobre os encontros... O tubarão-tigre é uma lenda entre os mergulhadores e um animal enorme que pode chegar aos cinco metros de comprimento (o mesmo dos tubarões-brancos) e mais de 800 quilos. Possui um corpo robusto, cabeça larga e achatada, focinho curto e meio quadrado, sua lateral varia de cinza-escuro a cinza-amarronzado, com as famosas manchas ou listras escuras que deram o nome à espécie em alusão às listras dos tigres. Se você algum dia encontrar um tubarão grande e observar essas listras laterais, não se engane, é um tigre. Seus dentes têm formato triangular, lembram um abridor de latas mais serrilhado e podem facilmente cortar ossos, carne e até cascos de tartarugas. Aqui, vale um parênteses: podemos determinar a espécie ou tipo de uma grande quantidade de tubarões apenas analisando o formato de seu dente. Pouco seletivo, já foi encontrado de tudo dentro de seu estômago, de tartarugas a aves, passando por objetos que nada se parecem com alimento.

Devido ao seu tamanho, cara de bravo e comportamento agressivo quando está caçando, ele tem uma má fama entre os tubarões, mas com alguns cuidados e planejamento, é possível, como fizemos, mergulhar com esses magníficos animais.

Não menos incrível é o tubarão-martelo. Quando falamos nele, estamos nos referindo a cerca de nove espécies conhecidas no mundo. A que fomos buscar é a maior delas, conhecida como grande-martelo ou tubarão-martelo-gigante. Essa espécie não forma grandes cardumes como os martelos de Galápagos ou Cocos, são animais mais solitários, mas são enormes, chegando a quase seis metros de comprimento e 450 quilos. Infelizmente estão na lista dos animais em risco de extinção.

Com sua cabeça clássica em forma de T, tem o corpo robusto e uma longa nadadeira dorsal (a das costas) que ajuda a identificar a espécie. Outro fator de diferenciação é a forma da cabeça em T ou do “martelo”. A do grande-martelo é quase reta quando comparada com seus primos menores, que têm o T mais arredondado. O que parece igual na natureza, muitas vezes não é. Outra característica marcante dos martelos é a posição dos olhos nas extremidades da cabeça, o que confere uma visão 360 graus. Estão entre os tubarões mais evoluídos do planeta.

Nossa expedição contou com a presença e logística do super credenciado Neal Watson, um dos mergulhadores mais experientes do mundo quando se trata de mergulho com tubarões. Estávamos com o equipamento certo, com a equipe certa, na época certa e com a experiência dos mergulhadores locais ao nosso lado. Para se ter chances de estar com tigres e martelos juntos, a viagem precisa ser feita entre novembro e fevereiro (apesar de ocorrerem variações de ano a ano), pois essa é a época em que os martelos migram para as Bahamas. Após esse período, simplesmente desaparecem.

1. Um grande martelo pega um pedaço de peixe. Seu tamanho impressiona e supera o do mergulhador

A equipe de segurança está sempre atenta ao movimento dos tubarões. A nadadeira dorsal longa do grande martelo é bastante característica

Depois de semanas de planejamento e preparação, lá estávamos nós prontos para encarar o desafio de encontrar, mergulhar e documentar os bichos, três processos bem distintos. Encontrar, pois, como todo animal selvagem, não há garantias mesmo com todo planejamento, considerando ainda ritmo de marés, vento e chuva que nessa época acontecem rotineiramente. Após acharmos os bichos, precisamos avaliar as condições de mergulho, como visibilidade e correntes, e assegurar a segurança da equipe. Por fim, precisamos que os animais estejam perto o suficiente para que as imagens possam ser produzidas em vídeo e foto. Não é uma tarefa simples juntar todos esses elementos a nosso favor, mas aí está parte da beleza em documentar animais selvagens em expedições, vencer as dificuldades e estar pronto quando a oportunidade acontece. Pode ser uma oportunidade de minutos ou poucas horas, numa expedição de dias.

Nossa primeira etapa foi em Bimini e o único local com chances de encontrar os dois tubarões juntos. No primeiro dia, após algumas horas jogando restos de peixes triturados na água para ajudar a atrair os tubarões, o Neal grita de cima da embarcação: “tubarão!”. Incrível os olhos treinados dele para ver a sombra do martelo no fundo. Primeira etapa feita: achamos. As condições estavam razoáveis e decidimos entrar na água. A emo-

Tiger Beach é um verdadeiro festival de tubarões

A ceva com pedaços de peixes para atrair os tubarões é o primeiro passo do planejamento para os mergulhos. A quantidade impressiona até os mais experientes

Sem gaiolas, o encontro com os tigres é sempre emocionante. São enormes e a aproximação é necessária para imagens de qualidade ção de ver o primeiro martelo gigante a menos de um metro é de difícil descrição, são majestosos, passaram inúmeras vezes na nossa frente e renderam muitas imagens. Os mergulhos feitos com o Neal são, em sua maioria, com alimentação dos tubarões no sentido de mantê-los por perto. Isso mesmo, descemos com uma caixa com pedaços de peixes e vez ou outra o guia alimenta os tubarões. Apesar de toda preparação, estamos na água com animais selvagens e com alimento, isso torna tudo bastante dinâmico lá embaixo e, ainda assim, os tubarões se comportam de uma forma incrivelmente pacífica. Essa atividade de alimentação com regras é permitida e regulamentada nas Bahamas e a forma como é feita não causa impactos significativos aos animais. Pelo contrário, gera uma importante receita ao país com o turismo de mergulho que ajuda a estabelecer leis e comportamentos da população que protegem os tubarões, um ganha-ganha, um verdadeiro exemplo de conservação ambiental com elementos socioeconômicos e envolvendo a comunidade.

Os martelos, durante os dias que se seguiram, apareceram na maioria de nossos mergulhos, não mais que dois ou três animais simultaneamente, como esperado, mas bichos enormes e muito cooperativos do ponto de vista de geração de imagens, muitos encontros incríveis e objetivo alcançado, mas o melhor ainda estava por vir. No último dia, fomos recompensados com a pre- sença de um tigre junto com os martelos, incrível ver dois dos maiores predadores do mundo submerso juntos num mesmo momento durante o mergulho. Ambos respeitando seus espaços na água, como deve ser. Foram momentos mágicos, poucos minutos, é verdade, mas o suficiente para entrarem no rol de mergulhos incríveis do nosso projeto Gigantes dos Mares.

Deixamos Bimini e os martelos para trás e fomos para Grand Bahama, mais especificamente uma região chamada Freeport. De lá, saímos para nosso segundo objetivo: ficar cara a cara com os tigres, muitos deles no lendário ponto de mergulho chamado Tiger Beach.

Estávamos com o “descobridor” de Tiger Bea- ch, então fiz a pergunta: Neal, por que o nome Tiger Beach (em tradução livre, Praia dos Tigres), uma vez que o ponto de mergulho (na verdade, uma região com alguns pontos) não tem praia a quilômetros de distância? Ele, com um sorriso irô-

Documentar o

dos Mares

nico, disse: “para afastar os curiosos”. De fato, não é lugar para curiosos, é uma região de mar aberto sem qualquer abrigo, ao sabor das correntes e do vento. Tiger Beach é um ponto no meio do nada, que só quem conhece bem deve se aventurar. Chegamos, mas as condições estavam realmente ruins no primeiro dia. Fortes ventos balançavam nossa embarcação de forma intensa e a água estava com dois a três metros de visibilidade, pouquíssimo para um protocolo de segurança adequado com os tigres. Abortamos o mergulho, mas como já estávamos por lá, ficamos no barco jogando iscas para atrair os tigres. Depois de quatro horas balançando, a tarefa estava cumprida. Fomos embora com gosto amargo de nem entrar na água, mas certos de que o mar e seus habitantes precisam de respeito, e respeitar o mar é um sinal de sabedoria. Nos confortamos com as boas histórias do Neal sobre o que provavelmente viria nos próximos dias: estar na água com mais de dez tigres. Ouvindo atentamente, Claudio e eu projetávamos o que faríamos embaixo d’água, enquanto Alê, Marcello e Rachid se organizavam para cuidar da observação dos tigres ao redor enquanto produzíamos as imagens. O dia seguinte ainda não foi o nosso dia, voltamos, mergulhamos, a água estava melhor, mas nada de tigres, mesmo adotando a mesma estratégia de levar uma caixa de peixes para o fundo do mar. Muitas outras espécies apareceram, mas nada dos nossos amigos famosos. Paciência e resiliência.

São tantos tubarões, que eles se esbarram o tempo todo

Terceiro dia, e bem, que coisa incrível, os tigres apareceram, um, dois... oito! Oito tigres na água simultaneamente, foi algo ao mesmo tempo incrível, mas confesso, um pouco tenso. Ok, não são bestas assassinas, mas ainda são tigres, e cuidar de oito ao mesmo tempo não é tarefa fácil. Eles são curiosos com mergulhadores e nadam de forma muito tranquila, mas tínhamos comida na água para que eles se aproximassem e ficassem por perto. Os tigres precisam ser encarados de frente, mergulhar com eles requer técnica e uma equipe experimentada, eles precisam ser olhados sempre nos olhos de forma frontal, algo como “estou te vendo, amigo, não venha com graça”. Nossa equipe estava bem dividida, eu fazendo fotos, Claudio imagens em vídeo e o Alê, Marcello e Rachid cuidando da nossa retaguarda, uma vez que essa quantidade era de difícil controle. Ver um animal majestoso de cinco metros passando a meio metro de você é uma das experiências mais incríveis do mundo... para quem gosta, claro! Documentar esses animais nadando tranquilamente, sumindo e voltando do azul, com a dose certa de cuidados, nos mostra que até mesmo um predador, que no imaginário da maior parte da população é algo a se querer distância, é um gigante não compreendido, que merece nosso respeito e admiração.

Observar animais selvagens soltos na natureza é uma experiência enriquecedora

O tubarão-tigre com suas manchas típicas na lateral do corpo

Precisamos conhecer para conservar, não se protege aquilo que se desconhece a importância, e os tubarões são extremamente importantes para a saúde dos oceanos, para a saúde do planeta.

Finalizamos nossa expedição Gigantes dos Mares nas Bahamas, certos de que as imagens produzidas estão contribuindo para esse objetivo.

Documentar a natureza requer paciência e prontidão

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