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Terra dos Gigantes

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Dicas quentes

Dicas quentes

Do universo aquático do Delta do Okavango e do rio Chobe às planícies desérticas do Kalahari, a vida selvagem corre em constante ação e coloca Botsuana entre os destinos de safári mais surpreendentes do continente africano

A tarde caía sem pressa no horizonte enquanto uma manada com mais de 100 elefantes desfilava à minha frente sem se importar com os tons alaranjados que tingiam o céu. Meu silêncio foi quebrado pelos bramidos e pelo espetáculo de um ballet paquidérmico evoluindo no pequeno lago. Do camarote, na verdade uma chaise longue estrategicamente posicionada em um canto da luxuosa tenda, fui transportada para outra dimensão. Botsuana me dava as boas-vindas escancarando sua natureza bruta, sem nenhum filtro.

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Eis um país de dimensão comparável ao estado de Minas Gerais, no entanto com uma densidade demográfica dez vezes menor por ter 70% do seu território sentado sobre o inóspito deserto de Kalahari e outra parte espalhada por planícies alagadas, semelhantes ao Pantanal. Uma configuração um tanto hostil para a vida humana, mas que abraça com força o reino animal. Prova disso é que a ex-colônia inglesa tem a maior concentração de elefantes do mundo, mais de 130 mil animais, sendo carinhosamente apelidada de “A Terra dos Gigantes”. As manadas estão concentradas principalmente no Parque Nacional de Chobe, que ostenta um dos ecossistemas mais ricos da África e tem paisagens estarrecedoras. A imersão na natureza selvagem é a marca registrada do país, uma experiência que costuma vir acompanhada de lodges e camps intimistas e acolhedores.

Botsuana tem a maior concentração de elefantes do mundo, com mais de 130 mil animais

Em um avião monomotor da Mack Air, pilotado por uma mulher, tomei o rumo de Maun até o Savute Elephant Lodge, um dos três acampamentos do Belmond Safaris, no norte do país. O trajeto em si já é um verdadeiro safári aéreo e a aterrissagem mais do que inusitada. Dois babuínos que brincavam na pista de pouso e um elefante solitário que comia os galhos de um arbusto foram convidados a se retirar para que o avião pudesse descer em segurança na pista de terra batida. Operação realizada com sucesso.

Alguns minutos depois, a simpatia da equipe do lodge se materializava na forma de danças e canções regionais. Tomada pela emoção, fui conduzida a uma das 12 luxuosas tendas feitas em lona, cobertas por telhados de palha, em estilo rústico, totalmente conectadas com o ambiente do Parque Nacional de Chobe. Interior elegante, tendo ca- mas com mosquiteiros e decoração com peças tradicionais africanas. As acomodações foram erguidas sobre plataformas de madeira para evitar agressão ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que permitem uma vista deslumbrante dos elefantes e de vários outros animais em seu habitat natural. Sentar na varanda ao pôr do sol é a certeza de ficar hipnotizado com a vida na selva se desnudando ao alcance dos olhos.

Os dias em Chobe acontecem numa rotina que começa ao alvorecer com a delicadeza de uma cesta de café e chá entregues no quarto, seguida por um banquete completo no restaurante. Então, é hora do safári matinal com duração de aproximadamente três horas, mas que parece passar em três minutos. A seguir, retorno para almoço com mil histórias para processar, pequeno descanso (talvez acompanhado por um mergulho na piscina, talvez por uma massagem no spa) e outra saída para a aventura vespertina seguida pelo jantar. Assim, os dias se sucedem. Os game drives são extremamente dinâmicos e às vezes até chocantes, pois mostram a realidade nua e crua da selva. Presenciei cenas da cadeia alimentar que não vou esquecer jamais, como o ataque de um búfalo por um grupo de leões, que mais tarde foi a refeição das hienas e no dia seguinte dos abutres. A sensação é de estar dentro do set de filmagem de um documentário.

Transitar em um jipe 4x4 aberto, além de trazer ainda mais adrenalina, é a certeza de encontrar leões, leopardos, girafas, gnus, kudus, hienas, antílopes, centenas de galinhas d'angola, pássaros belíssimos – como o calau-de-bico-amarelo, que serviu como fonte de inspiração para a criação do personagem mal-humorado Zazu, da Disney – e pouquíssimos rinocerontes. Dos big five, é a espécie mais difícil de se encontrar em um game drive por lá.

Interessante que apesar de sua aparência um tanto pré-histórica, esses herbívoros gigantescos são relativamente pacíficos pelo que pude constatar em um walking safari feito na companhia de rangers, na vizinha Zâmbia. Se a vida dos rinocerontes dependesse apenas das leis naturais da selva, eles estariam protegidos graças ao grande porte. Infelizmente, seus chifres valem verdadeiras fortunas em alguns países asiáticos. São vendidos a peso de ouro como medicamento, mesmo sem ter eficácia comprovada cientificamente. Durante a pandemia, com a redução do turismo, os caçadores clandestinos fizeram um estrago no país, apesar dos esforços do governo e dos projetos de preservação da espécie.

Mais do que nunca, precisamos ter consciência de que assim como um destino tem o poder de nos transformar, também temos a oportunidade de deixar um legado positivo ao escolher hospedagens e experiências que joguem luz em iniciativas de preservação da fauna, do meio ambiente e empoderamento das comunidades locais. Com o propósito de viver uma aventura que deixasse boas pegadas em uma das regiões mais antigas e selvagens da África, fiz minha segunda base em Botsuana, no Eagle Island Lodge, outra propriedade do grupo Belmond Safaris, que valoriza a preservação do planeta e entende que o homem e a natureza têm papéis complementares. Depois de um voo rápido e cenográfico, desci numa pista de pouso rústica no Delta do Okavango, considerado o maior delta interior do mundo, ou seja, que não deságua no rio ou no mar. Toda a água que alaga a região durante a estação chuvosa, evapora ou se dispersa pelo deserto de Kalahari, próximo ao Salar de Makgadikgadi. Por sua peculiaridade, essas planícies alagadas são consideradas Patrimônio Mundial pela UNESCO.

Ali vivi grandes momentos e presenciei os dramas da selva. Em um safári feito num jipe aberto, observei incrédula o momento em que um leopardo saltou do alto de uma árvore sobre um filhote de girafa que brincava desatento. Conseguiu fugir… Ufa! Meu coração, que obviamente estava aos pulos, foi poupado. Navegando de mokoro (pequena canoa empurrada por uma vara pelos canais do delta), passei relativamente perto de elefantes, hipopótamos e crocodilos. E, mesmo de dentro da minha tenda, estarrecida vi uma leoa atacar um búfalo que levou sorte ao se refugiar na água, o que não aconteceu com a mamãe e o filhote de babuíno que foram abatidos na minha frente. Chorei.

O Eagle Island Lodge não é cercado, suas acomodações ficam sobre palafitas estrategicamente posicionadas em uma ilha, em frente a um braço de rio, no Delta do Okavango. Esse é seu grande diferencial. Os animais circulam em total liberdade em busca de água e alimento. Na verdade, eles são os donos do pedaço. Nas áreas comuns do hotel os elefantes são figura constante. Os filhotinhos correndo e caindo entre as imensas patas dos adultos da manada arrancam suspiros de qualquer um. Obviamente, ao escurecer só é permitido circular na companhia de um guarda armado e, uma vez nas tendas, só é permitido sair ao clarear do dia. Mas as doze acomodações são tão sofisticadas, tão acolhedoras e tão bem servidas pelo minibar, que nem dá vontade de sair. No telhado do meu bangalô morava um belíssimo gato selvagem, todo pintadinho. Ao entardecer, ele passava discretamente para se aninhar. E assim meus dias ganhavam momentos inesquecíveis.

Difícil mesmo é se despedir da força bruta da natureza, da dramaticidade do solo desértico vez ou outra encharcado; e principalmente do acolhimento daquele povo sorridente que fala palavras difíceis na língua setswana ou tsuana (idioma nacional de Botsuana), pronunciadas entre cliques, estalos e sons inspiratórios. Botsuana é um diamante bruto que tem o poder de guardar intocado o marco zero da humanidade.

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