Cadernos de História e Memória II - Glória do Ribatejo - Roteiro Histórico e Turístico

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GLÓRIA DO RIBATEJO

Roteiro Histórico e Turístico

Concelho de Salvaterra de Magos



Ficha Técnica Propriedade Câmara Municipal de Salvaterra de Magos Coordenação Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Eng.º Hélder Manuel Esménio Textos Roberto Caneira Grafismo Soraia Magriço Foto de Capa António Constâncio e Jacinta Fonseca na carroça Execução Gráfica Gráfica Central de Almeirim, Lda Tiragem 2000 exemplares Data: Ano de 2021 Deposito legal: 481700/21 ISBN: 978-989-53129-0-0


Prefácio

Cadernos de História e Memória II

A edição do 2.º número “Cadernos de História e Memória” centra o seu estudo na história, etnografia e património cultural da Glória do Ribatejo, tratando-se de um roteiro histórico-turístico, que nos desvenda a história e os locais de interesse que podem ser visitados e contemplados. Com uma identidade cultural muito marcante, esta localidade tem “lutado” para preservar e divulgar a sua história e o seu património etnográfico. A Câmara Municipal tem também contribuído para divulgar as artes e tradições da Glória do Ribatejo, a candidatura da classificação dos bordados a ponto de cruz a Património Imaterial Nacional, a edição temática da revista MAGOS sobre as festas da Glória, a reidição do livro “O Falar da Glória”, a dinamização de exposições de história local no Espaço Jackson, são alguns exemplos do trabalho desenvolvido pelo Município. O presente roteiro histórico-turístico, para além de ser um instrumento para redescobrir e valorizar a Glória do Ribatejo, é acima de tudo um documento para as gerações mais novas, que têm uma referência mais diluída da história e do património gloriano, compreenderem a cultura e o território dos seus antepassados. O Presidente da Câmara Municipal

Eng. Hélder Manuel Esménio

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GLÓRIA DO RIBATEJO Roteiro Histórico e Turístico


Cadernos de História e Memória II

História e etnografia da Glória do Ribatejo

Bifaces do paleolítico

Lápide medieval - 1362

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A presença humana no território que hoje corresponde à freguesia da Glória do Ribatejo é bastante antiga. A geologia do lugar com solos ricos em quartzito, associada às características geográficas, com inúmeras linhas de água, que atraiam a caça e permitiam o desenvolvimento de plantas e raízes comestíveis, ditaram o aparecimento de caçadores-recolectores atribuíveis ao período do paleolítico inferior e médio. A génese do aglomerado urbano remonta à Idade Média, ao séc. XIV, quando o rei D. Pedro I, manda edificar uma ermida de invocação a Nossa Senhora da Glória, devido a um milagre que envolveu o monarca, aquando da realização de uma montaria. O monarca em perseguição de um cervo ou veado, afastou-se dos elementos da sua comitiva e inesperadamente acaba por cair num pego, e sentiu aproximar-se um felino, vendo a sua vida em perigo, clama por Nossa Senhora da Glória, misteriosamente o felino afasta-se, e D. Pedro I impressionado com esta intervenção divina, decide edificar uma igreja. A igreja de Nossa Senhora da Glória foi edificada em 1362, da ermida medieval ainda restam três vestígios arqueológicos: a lápide da fundação da igreja, o brasão de armas de D. Pedro I e uma escultura zoomórfica que a tradição popular diz ser o tal “bicho” que pretendia atacar o rei. Em 1364, o rei D. Pedro I concede aos moradores deste lugar que agora se chama Santa Maria da Glória, uma carta de privilégios, com o intuito de promover a ocupação


humana e assegurar a presença de um aglomerado urbano fundamental a quem estava de passagem para o sul do Reino. No séc. XVI, durante o reinado de D. Manuel I é colocado na torre sineira um sino manuelino, que ainda hoje lá se mantém, sendo bem visível o brasão de armas deste monarca e a esfera armilar, símbolo que marcou o reinado de D. Manuel e está intimamente ligado à epopeia dos descobrimentos portugueses. Em termos cartográficos, o lugar de Nossa Senhora da Glória é mencionado no mapa da província da Estremadura de 1762. Nas memórias paroquiais de Muge (1758), ficamos a saber que o lugar de Nossa Senhora da Glória, tinha 18 fogos e 80 pessoas, e que a imagem de Nossa Senhora da Glória é muito venerada e concorrida por gente das terras circunvizinhas de Salvaterra de Magos, Coruche e Benavente. Durante o reinado de D. Maria I, a igreja de Nossa Senhora da Glória é reconstruída, possivelmente devido ao sismo de 1755, que deverá ter contribuído para a sua ruína, o altar é deste período. Na fachada da igreja uma lápide com os dizeres “ A RAINHA N.S.AI. A MANDOV FAZER -1783”, testemunha as obras de D. Maria I.

Brasão de D. Pedro I - 1362

Sino Manuelino

Concelho de Salvaterra de Magos

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Mapa da Estremadura - 1762 06


No século XIX, com os aforamentos iniciados pela Junta de Paróquia de Muge e a redução dos baldios, que desde os tempos medievais eram usados pelos glorianos para a pastagem dos gados, e que agora são impedidos, levou a um amotinamento dos habitantes deste lugar em Muge, a solicitar que os baldios continuassem livres para a pastagem dos seus gados, o que obrigou à fuga do Regedor de Paróquia desta localidade. Os aforamentos contribuíram para a divisão dos terrenos em “foros”, terras emparceladas cujos rendeiros pagavam o foro pela exploração desse terreno. Estas terras foram fundamentais na economia familiar, eram cultiváveis com cereais, outros com hortas de subsistência, árvores de fruto e também zonas de montado. Vivendo durante séculos da agricultura e pastorícia, os habitantes da Glória do Ribatejo foram desenvolvendo ao longo dos séculos uma cultura muito peculiar que a diferenciou das restantes freguesias do concelho, e que subsistiu até aos nossos dias. Com uma identificação cultural muito marcante, construída no dia a dia desta população, ainda hoje é possível observar nesta povoação costumes ancestrais. Uma das razões apontadas para a preservação destes valores prende-se com a endogamia. No passado, ao evitar casamentos com pessoas de outras localidades, este povo conservou genuinamente os usos e costumes dos seus antepassados. A Glória do Ribatejo é ainda com muito orgulho um dos poucos locais deste Portugal massificado e globalizado, onde ainda se respira tradição.

Curar a vinha

António Constâncio e Jacinta Fonseca na carroça Concelho de Salvaterra de Magos

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João da “Quinta” e Maria Estaca a preparar os molhos na eira

Ricardina Pereira a cozer pão 08

António Constâncio e Jacinta Fonseca a preparar os rolheiros


Vindima

Francisco Constâncio e Gertrudes Oliveira na carroça Concelho de Salvaterra de Magos

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Escritores, artistas e investigadores que se interessaram pela história e etnografia da Glória: - Alves Redol Alves Redol tomou contacto com as gentes da Glória do Ribatejo, através do agricultor Pompeu Reis, que detinha parcelas de terrenos nos campos das lezírias de Vila Franca de Xira, e logo num primeiro olhar verificou hábitos e costumes diferentes dos outros ranchos de trabalho. Movimentado pela sua curiosidade, desloca-se várias vezes à Glória do Ribatejo onde anota aspetos históricos e etnográficos desta localidade. Mais tarde estes seus apontamentos vão dar origem à monografia “Glória, uma aldeia do Ribatejo”. Trata-se de um excelente trabalho de pesquisa sobre a etnografia da Glória do Ribatejo, editado em 1938, e recebeu muitas críticas favoráveis, foi o primeiro livro editado pelo Redol. - Maria Lamas Escritora e interveniente política portuguesa. Mulher de personalidade admirável, natural de Torres Novas. Escreveu em vários jornais: Correio da Manhã, Época, O Século, A Capital e o Diário de Lisboa. Ligou-se ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) e depois ao Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, onde desenvolveu intensa atividade política e cultural, e por isso foi presa várias vezes pela PIDE. A sua atividade como escritora é intensa e diversificada, destaca-se a sua grande obra “As mulheres do meu País”, fruto de dois anos de viagens por todo o país, uma obra de referência, onde colaboraram com ilustrações os mais famosos intelectuais do tempo, editado em 1950. 10


Neste livro tem uma curiosa descrição das mulheres glorianas: «As mulheres da Glória distinguem-se de todas as outras camponesas ribatejanas por serem excepcionalmente habilidosas, além de muito activas no trabalho rural. É certamente por essa razão que ganham sempre mais um escudo diário que as demais trabalhadoras, exigindo além disso “um quartel separado”. - Margarida Ribeiro Natural de Portalegre, foi professora e investigadora, teve contacto com a Glória do Ribatejo quando lecionava em Coruche, deslocou-se várias vezes a esta localidade e elaborando vários artigos sobre arqueologia, história, etnografia, linguística, romanceiro, que depois editou em diferentes revistas. Anos mais tarde, estes seus artigos foram compilados pela Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural da Glória do Ribatejo, num só volume intitulado “Estudos sobre a Glória do Ribatejo” de Margarida Ribeiro. - Idalina Serrão Garcia Enquanto aluna de Filologia Românica da Faculdade de Letras de Lisboa e sob a orientação do Prof. Lindley Cintra, optou por fazer a sua dissertação sobre a linguagem da Glória do Ribatejo. Este estudo mais tarde foi editado pela Assembleia Distrital de Santarém com o título “O Falar da Glória” e depois em 2019 reeditado pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. É uma extensa publicação sobre as notas de linguagem, do romanceiro e cancioneiro da Glória do Ribatejo, acompanhada de fotografias da autora. Concelho de Salvaterra de Magos

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- Júlio Pomar Autor de uma obra multifacetada, centrada na pintura, desenho, cerâmica e gravura. Os primeiros anos da sua carreira estão ligados à resistência contra o regime do Estado Novo e à afirmação do movimento neorrealista em Portugal. É neste período que Júlio Pomar, na companhia de Alves Redol e de outros artistas e escritores do neorrealismo, deslocam-se aos arrozais da lezíria ribatejana, para observar e registar a alma e a identidade do povo, esta fase ficou conhecida como ciclo do arroz. Nesta experiência encontra-se com trabalhadoras da Glória do Ribatejo e decide imortalizar em telas o esforço do trabalho destas mulheres nos arrozais, e que ficou conhecida como “Ciclo do Arroz”.

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- Alexandre O’Neill Alexandre O’Neill foi um poeta português e um dos fundadores do Movimento Surrealista de Lisboa, na década de 70 dedica um poema ao derrube de um enorme chaparro (sobreiro), que o povo gloriano intitulava de Chaparrão. O poema intitulado “O CHAPARRÃO DE GLÓRIA” OU “O CASO DO CAMIONISTA ARBORICIDA”, foi baseado na leitura de um artigo publicado no Diário de Notícias, que serviu de mote a ode de homenagem ao chaparro centenário da Glória do Ribatejo.

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“O chaparrão da Glória ou o caso do camionista arboricida”. De um chaparro se orgulhava Glória, a do Ribatejo chaparrão tricentenário - uma árvore que brotava! e à volta da qual dançava o povo homenageário

Por que tascas se arrastara p’ra estar assim tão à rasca? Camionista que se preze e transporta anchas cargas conta tanto com as árvores como conta com a estrada!

Não digo que ele chegava em seu poder tutelar ao carvalho de Guernica esse carvalho sagrado à sombra do qual os reis - contrariados, quem sabe? – Juravam, por sua fé respeitar as liberdades dos Bascos, povo de lei gente que foi o que foi, gente que é o que é

Ao grito: “Democracia e…portanto mando eu!” o camião já enfia, o pobre desse sandeu, contra o chaparro ancião e com as vigas de cimento - a carga que transportava – tantas vezes lhe batera, tantas vezes lhe bateu que o chaparrão derrubava e em três estúpidos tempos nos três séculos matava o aprumo da terra ao céu!

O Chaparrão de Glória - trezentos anos contados – nunca quis crescer na História nunca foi bombardeado como a árvore de Guernica pela Condor, legião nazista. Iria morrer, coitado, - e isto já se antecipa – aos golpes de um camionista. De qualquer modo, o chaparro de Glória do Ribatejo era o mais velho da terra - objecção não prevejo! –. Como não ia ao Café, iam ter com ele, não é? Ora um dia, um camionista - que eu chamo de Maximínimo – sentiu no toutiço a crista de galo de muita briga e resolveu – que menino! – à falta de rapariga (“Espera aí, que eu já te agarro!”) bater no velho chaparro.

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E assim, p’ra vossa memóra, aqui fica a triste história do Chaparrão da Glória. P.S. às autoridades Se encontrarem o camionista, não receiem, por favor que ele não é nenhum bombista… Tirem-lhe a carta e a crista e tratem-no com rigor. Alexandre O’Neil


Encontros de neo-realistas na Glória do Ribatejo Em meados da década de 80 do século passado, a Glória do Ribatejo decide atribuir o topónimo “Alves Redol” a uma das suas ruas. Esta homenagem juntou várias figuras associadas ao movimento do neo-realismo português. Pousaram para uma fotografia em frente à Casa do Povo da Glória do Ribatejo e esta imagem tornou-se icónica porque pela primeira vez escritores, artistas e intelectuais estavam reunidos. Da esquerda para a direita: Mário Ventura, Orlando da Costa, Fernando Piteira Santos, José Cardoso Pires, Mário Dionísio, António Dias Lourenço, Baptista-Bastos, Fernando Namora e Lídia Jorge.

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Bordados a ponto de cruz da Glória do Ribatejo Uma arte funcional

Pormenor da mão a bordar ponto de cruz

A confecção de todos estes objectos é perfeita, admirável de acabamento, se atendermos às mãos que as executam, calejadas por todos os serviços mais violentos das fainas do campo. O sentido de aproveitamento de elementos vários para estas produções de arte singela é notável. (Alves Redol, “Glória, uma aldeia do Ribatejo”)

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Os bordados a ponto de cruz na Glória do Ribatejo nascem na necessidade e do desejo de introduzir cor e alegria aos objetos usados no dia a dia. Os objetos criados têm uma função social e intervêm no quotidiano das pessoas. É generalizado que os bordados a ponto de cruz fazem parte do binómio identidade/memória da comunidade da Glória do Ribatejo. A forma como eram usados, diferencia-os das restantes comunidades locais e regionais. Os motivos aplicados, a escolha das cores e a forma como eram empregados, contribuíram para a afirmação/diferenciação desta arte na Glória do Ribatejo.

Criança com touca e fato de infância

Não existem dados concretos sobre a origem histórica e geográfica dos bordados a ponto de cruz da Glória do Ribatejo. Na recolha oral efetuada junto de mulheres que hoje estão na faixa etária dos 80 anos, afirmam que quem as ensinou a bordar foram as suas mães e que estas por sua vez aprenderam com as suas mães.

“Pinto” – motivo bordado Concelho de Salvaterra de Magos

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Atendendo a estes testemunhos, e tendo em consideração as peças bordadas existentes no Museu Etnográfico da Associação para a Defesa do Património Etnográfico da Glória do Ribatejo e no Centro de Documentação e Estudos Etnográficos da Associação Rancho Folclórico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo, datáveis de início do séc. XX podemos recuar no tempo e situar-nos cronologicamente em meados do séc. XIX, mas é bem possível que a sua origem possa ser ainda mais remota. No que respeita à sua elaboração, sabemos que no “antigamente” os motivos bordados eram mais finos, devido aos parcos rendimentos das fa- Pormenor de avental Bordado mílias glorianas, as linhas compradas eram desfiadas e desta forma rendiam mais. As cores mais usadas eram o vermelho, o roxo e o verde. No que respeita ao pano, o mais utilizado era o pano-cru, que dificultava imenso a feitura dos bordados, acrescido ao facto de as habitações glorianas não terem luz. Muitas vezes estas peças eram “marcadas” à luz de uma candeia de azeite ou de um candeeiro a petróleo, que davam uma luz mínima. Para além do uso do pano-cru, a utilização da serapilheira também era uma constante, dado que muitos proprietários agrícolas utilizavam sacas de serapilheira, por ser um material resistente, as mulheres glorianas “desviavam” algumas sacas, aquelas que estavam em mau estado, para as utilizarem posteriormente nos bordados a ponto de cruz.

Trajes tradicionais com um pano bordado 18


Os bordados a ponto de cruz na Glória do Ribatejo não eram feitos com o intuito de aumentar os rendimentos familiares, como acontece no caso dos bordados de Arraiolos ou dos bordados de Tibaldinho (Mangualde), onde as bordadeiras tinham esta profissão e viviam em exclusivo da venda dos seus bordados. Na Glória do Ribatejo, somente em tempos vagos é que se bordava e nunca com o intuito comercial, mas sim com um objetivo funcional: peças que vão integrar o enxoval da rapariga, decoração do interior da habitação, nos trajes, na identificação de peças de roupa entre outros aspectos. Recentemente a Câmara Municipal elaborou um dossier de candidatura com vista à classificação dos bordados típicos de Glória do Ribatejo como Património Cultural Imaterial Nacional. Este dossier já foi entregue à DGPC – Direção Geral do Património Cultural.

Bordar a Ponto de Cruz

Bordar a Ponto de Cruz

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Locais de interesse a visitar Núcleos museológicos de Glória do Ribatejo: Casa Tradicional e Museu Etnográfico Casa Tradicional de Glória do Ribatejo A Casa Tradicional de Glória do Ribatejo, foi criada em 1988, pela Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural de Glória do Ribatejo (ADPEC), todo espólio que completa este espaço museológico, é fruto das recolhas efectuadas pela ADPEC, junto da população gloriana Ao transpormos a porta de entrada, deparamos com duas divisões: a divisão mais espaçosa que é constituída pela cozinha e a “sala de fora”, a outra divisão é o quarto, sendo a sua privacidade defendida apenas por uma cortina, nas traseiras da casa encontra-se um outro anexo, o quintal onde se destaca o forno de cozer o pão. Museu Etnográfico de Glória do Ribatejo A ideia da criação de um Museu Etnográfico surgiu de uma conjugação de esforços e trabalhos desenvolvidos pela Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural da Glória do Ribatejo (ADPEC). A Glória do Ribatejo pelo seu cariz muito peculiar reunia um conjunto de valores históricos e etnográficos, que a diferenciavam das restantes localidades. Considerando que esta riqueza se estava a perder, a ADPEC inicia a morosa tarefa de recolhas de peças de cariz museológico. Estas recolhas efetuadas junto da população só foram possíveis graças à sua colaboração entusiástica que compreendeu os objetivos da associação. Devido a enorme diversidade de objectos, a ADPEC teve que conceber o Museu Etnográfico dividido em várias secções: agricultura, arqueologia, fotografias, bordados a ponto de cruz e vestuário. Anualmente realizam-se exposições temáticas. O Museu Etnográfico da Glória do Ribatejo é um repositório da cultura e da identidade das gentes da Glória do Ribatejo. 20


Igreja de Nossa Senhora da Glória Lugar umbilical associado à origem da povoação. A sua edificação deve-se ao rei D. Pedro I, que mandou erigir esta ermida em honra de Nossa Senhora da Glória devido a um milagre que envolveu o monarca e a Nossa Senhora da Glória. A sua data de construção remonta a 1362. Deste período medieval ainda subsistem alguns testemunhos: lápide medieval da sua fundação, escultura zoomórfica e o brasão de D. Pedro I. Mais tarde foi remodelada no séc. XVIII por D. Maria I. Na década da 60 do século passado, a construção da torre sineira para colocar o relógio alterou-se significativamente o seu aspeto arquitetónico. A igreja de Nossa Senhora da Glória ocupa um lugar de destaque na malha urbanística da povoação, é neste local que o povo chama “pait’” (deturpação de pátio), que se realizam as tradicionais festas em Honra de Nossa Senhora da Glória.

Fonte velha A sua origem de construção remonta ao séc. XIX, é uma fonte abobada e no seu interior vários degraus dão acesso à nascente de água, no exterior encontra-se uma pia onde o gado bebia água. Atualmente a fonte encontra-se desativada, é um monumento que nos recorda a importância da água como elemento essencial à sobrevivência humana.

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Espaço Jackson O Espaço Jackson, requalificado pelo Município de Salvaterra de Magos, abriu portas a 15 de agosto de 2020 e é uma infraestrutura cultural que integra dois importantes equipamentos: o Pátio das Coletividades e o Auditório. O Pátio das Coletividades reúne espaços de trabalho e de reunião de várias associações da freguesia. Dispõe ainda de duas salas afetas à junta de freguesia, de um bar e barbecue de apoio aos eventos das coletividades inseridos numa ampla praça com uma zona coberta, um local bem aprazível. O Auditório dispõe de um Átrio de exposições, do pólo da biblioteca municipal e espaço internet e da Sala Multiusos, com capacidade para cerca de duas centenas e meia de lugares sentados. Trata-se de um imóvel histórico, no centro da Glória do Ribatejo, que era conhecido pela população local como “Carolinas”. No passado, os vários casebres que compõem este lugar tinham como função albergar os ranchos de trabalhadores: gaibéus e caramelos que vinham trabalhar sazonalmente para a herdade de Nossa Senhora da Glória. Em 1951 este lugar foi adquirido pela RARET e foi aqui que pernoitaram vários meses os primeiros engenheiros, americanos e trabalhadores que vieram fazer a montagem das primeiras antenas de retransmissão da Rádio Free Europe (R.F.E.) e ficou conhecido como Hotel Jackson. O nome Jackson está associado a Charles Douglas Jackson, Presidente da R.F.E., que em 1952 visitou as instalações da RARET e também o Hotel Jackson. Os trabalhadores explicaram o porquê do nome de Hotel Jackson, como tributo à sua memória. Charles Douglas Jackson terá achado piada ao nome e ali afirmou que no futuro todos os trabalhadores da RARET teriam as melhores condições de alojamento e de trabalho.

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Miradouro do Cabeço do Moinho Ponto mais elevado da Glória do Ribatejo, 72 metros de altura, a toponímia evidencia a existência de um moinho e de uma moagem de cereais, ainda lá se encontram vestígios. É um miradouro natural, com uma vista privilegiada para a Glória do Ribatejo, recomenda-se a visita no ocaso do sol.

Passeios pela charneca: Btt e trail running A charneca da Glória do Ribatejo possui uma topografia que a diferencia das restantes freguesias, grandes vales e bruscas elevações associados a uma fauna e flora peculiar, criam as condições essenciais para a prática de BTT e Trail Running. Estes dois desportos merecem a atenção de duas coletividades locais que anualmente realizam um passeio de BTT e uma prova de trail, que são muito concorridas. Os atletas que participam destacam as condições do terreno e a envolvência da flora. As provas têm sempre lugar em Março e Abril, altura em que a primavera está a anunciar a sua chegada e proporciona momentos agradáveis. Numa amálgama de odores e policromia, a charneca Gloriana desperta-nos os sentidos e relembra o ciclo da vida no rejuvenescer Primaveril. As urzes e os medronheiros em flor, as estevas que branqueiam as matas, o odor do rosmaninho, o cantar dos cucos, são elementos sempre presentes ao longo dos percursos, que cativam os participantes nas provas motivando-os a regressar. Concelho de Salvaterra de Magos

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Centro de Documentação e Estudos Etnográficos de Glória do Ribatejo O Centro de Documentação e Estudos Etnográficos está localizado na Casa do Povo e é dinamizado pela Associação Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo. O espaço foi criado em 2009 com o objetivo de ali congregar o produto da investigação que o grupo tem vindo a realizar com vista a alcançar um conhecimento mais profundo da sua história local, nomeadamente em áreas como: regras da vida social e familiar, sua representatividade no trajar, rituais, tradição oral, melodias, artesanato, costumes, entre outros. O Centro de Documentação apresenta, por isso, uma panóplia de peças, reproduzidas do antigo, onde se destacam, além de muitas outras, os talegos, um vasto conjunto de lenços de namorados e de toucas ou trajes de diferentes décadas, que pretendem evidenciar as artes do pormenor e os bordados de Glória do Ribatejo. O Rancho Folclórico foi criado de forma quase espontânea em 1956, tendo sido integrado na Casa do Povo e constituído enquanto associação em 1962. Numa atitude de constante adaptação à realidade da comunidade em que está inserida, foi alcançando novos horizontes, desbravando percursos, novos interesses e dinâmicas. Nesse sentido, a Associação Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo tem desenvolvido vários trabalhos em torno da identificação e valorização dos usos e costumes da cultura gloriana. Editou várias monografias locais e tem organizado diversas atividades, desde exposições, encontros, colóquios, festivais de folclore, recriações históricas e etnográficas, com o objetivo de pesquisar, estudar, preservar e divulgar a cultura de Glória do Ribatejo.

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Parque de Merendas e Pista de Manutenção do Montóia Espaço de lazer constituído por várias mesas e fogareiros, ideal para reunir a família e amigos, beneficia de enormes sombras de eucaliptas, um espaço bucólico e campestre. Próximo do parque de merendas encontram-se a pista de manutenção e vários objetos para ginástica, é o espaço ideal para promover boas práticas desportivas.

Busto de Alves Redol Escritor neo-realista natural de Vila Franca de Xira, autor da monografia “Glória, uma aldeia do Ribatejo”, um estudo exaustivo sobre os usos e costumes da Glória do Ribatejo. A localidade ergueu-lhe um busto que está assente num monumento que faz a recriação de uma casa tradicional. Fontanários Vários fontanários que se encontram nas principais ruas da Glória com a mesma tipologia arquitetónica, todos têm no topo a data de 1967, foi neste ano que a Glória do Ribatejo teve acesso à água canalizada. O abastecimento de água só foi possível graças ao contributo dos habitantes da Glória do Ribatejo, que apoiaram financeiramente a construção destes fontanários. Concelho de Salvaterra de Magos

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Monumento aos soldados da Glória do Ribatejo Edificado próximo da Junta de Freguesia, encontra-se o monumento dedicados os soldados glorianos que participaram na guerra colonial. Inaugurado a 27 de julho de 2013, contém a seguinte inscrição: “Aos filhos da Glória, que sofreram em terras distantes, e àqueles que choraram a dor da sua ausência”. Evoca a morte dos dois soldados glorianos que pereceram neste conflito: - José Fino Feijão, Soldado de Infantaria, natural da freguesia da Glória do Ribatejo, concelho de Salvaterra de Magos, mobilizado pelo Regimento de Infantaria 16 para servir na Região Militar de Moçambique, integrado na Companhia de Caçadores 2472 do Batalhão de Caçadores 2863. Tombou em combate no dia 18 de Novembro de 1969. - João Nunes Augusto, Soldado de Infantaria, natural da freguesia da Glória do Ribatejo, concelho de Salvaterra de Magos, mobilizado pelo Regimento de Infantaria 16 para servir na Região Militar de Moçambique, integrado na Companhia de Caçadores 1503 do Batalhão de Caçadores 1878. Tombou em combate no dia 28 de Fevereiro de 1967”

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Preparação da “furjoca”

Gastronomia Ao nível gastronómico a Glória do Ribatejo, destaca-se por uma gastronomia muito associada ao consumo de carne de porco. Em tempos passados este animal era fundamental na subsistência familiar, engordava entre a primavera e o inverno, nesta altura era morto e a sua carne salgada e guardada na salgadeira. Destacam-se os pratos como a furjoca e os enchidos. No que respeita aos acompanhamentos, merece atenção o sarrabulho ou o espurnegado, pratos que levam couves. Os vários fornos tradicionais que ainda encontramos na Glória do Ribatejo, ainda laboram e continuam a fazer o pão caseiro, broas de milho, esturreleca, os bolos brancos e de erva doce.

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Preparar as chouriças

Chouriças ao fumeiro

“Esturreleca”

Bolos tradicionais da Glória do Ribatejo


Preparação de uma refeição

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Cozer o Pão

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