Os Bordados da Glória do Ribatejo No Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial
CÂMARA MUNICIPAL DE SALVATERRA DE MAGOS
Os Bordados da Glória do Ribatejo No Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial
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FICHA TÉCNICA Título: “Os Bordados da Glória do Ribatejo” No Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial Promotor: Hélder Manuel Esménio (Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos) Coordenação: Filipe Themudo Barata (Cátedra UNESCO / Universidade de Évora) Coordenação técnica e editorial: Patrícia Leite (Técnica Superior de História - CMSM) Textos: Hélder Manuel Esménio | Filipe Themudo Barata | Ana Saraiva (Antropóloga- CRIA) | Roberto Caneira (Técnico Superior de História !w²w Ƶ ȺȺȌƧǞƊƪƣȌ ȯƊȲƊ Ɗ (ƵǏƵȺƊ ƮȌ §ƊɈȲǞǿȍȁǞȌ !ɐǶɈɐȲƊǶ Ƶ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ da Glória do Ribatejo) | Rita Pote (Professora e membro da Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo) Edição: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, 3 de Abril de 2022 Design e Paginação: Terra das Ideias Impressão: JȲƋ˛ƧƊ !ƵȁɈȲƊǶ ƮƵ ǶǿƵǞȲǞǿ !ȲƶƮǞɈȌȺ ǏȌɈȌǐȲƋ˛ƧȌȺ بMárcia Augusto e Soraia Magriço (Câmara MuniƧǞȯƊǶ ƮƵ ²ƊǶɨƊɈƵȲȲƊ ƮƵ wƊǐȌȺ ے فªȌƦƵȲɈȌ !ƊȁƵǞȲƊ ـȲȱɐǞɨȌ ǏȌɈȌǐȲƋ˛ƧȌ ADPEC) | Rita Pote e Patrícia Pote ( Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo) | Idalina Serrão Garcia | Margarida Ribeiro | Miguel Cardoso (Terra das Ideias) Tiragem: 900 exemplares ISBN: Depósito Legal:
ABREVIATURAS UTILIZADAS CMSM - Câmara Municipal de Salvaterra de Magos ADPEC - ȺȺȌƧǞƊƪƣȌ ȯƊȲƊ Ɗ (ƵǏƵȺƊ ƮȌ §ƊɈȲǞǿȍȁǞȌ !ɐǶɈɐȲƊǶ Ƶ 0ɈȁȌǐȲƋ˛co da Glória do Ribatejo ARFCPGR - Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo
3
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Vista aérea do Espaço Jakson e Largo 1º de Maio, também conhecido por “Poço da Roda”, Glória do Ribatejo, onde no dia 3 de abril de 2022 foi apresentada publicamente esta obra (fot. M.Cardoso/ CMSM)
5
Os bordados de Glória do Ribatejo são uma manifestação artesanal da freguesia de Glória do Ribatejo e caraterizam-se por ser essencialmente um bordado a ponto de cruz, havendo, no entanto, outros pontos e aplicações de pormenor, como rendas e crochet. O bordado é composto por 2 pontos diagonais que se cruzam no centro, o que dá o aspeto de uma cruz. A agulha é o instrumento que determina Ɗ ɈƶƧȁǞƧƊ ƮȌ ƦȌȲƮƊƮȌ ةȯȌǞȺ ƶ ƵǶƊ ȱɐƵ ǶƵɨƊ Ȍ ˛Ȍ Ɗ ȺƵȲ ƊȯǶǞƧƊƮȌ no tecido.
Bordados da Glória do Ribatejo
Pormenor do “Pinto” bordado num Talego do RFCPGR (fot. M. Cardoso /CMSM)
6
Índice págs
08
capítulo
Uma distinção que vai ao encontro de políticas públicas Municipais Hélder Manuel Esménio
12
A Construção da candidatura dos bordados de Glória do Ribatejo Filipe Themudo Barata
18
S ԙ SƦƭǵȻǒ˴ƟƃƢƛȀ SSӾ 'ȀƟɃdzƭǵȻƃƢƛȀ
74
Os Bordados da Glória do Ribatejo: Patrimonializar para salvaguardar, por vontades Glorianas! Ana Saraiva
81
Glossário de “Bicos”, Letras, Cercaduras e Motivos Decorativos Roberto Caneira
109
02 03
A Candidatura
62
01
04 05 06
A Simbologia no Artesanato Gloriano Rita Cachulo Pote
7
01 Uma distinção que vai ao encontro de políticas públicas Municipais É com um imenso orgulho que vejo
e estudar, foi um importante contributo que
os “Bordados da Glória do Ribatejo” incluí-
ȁȌȺ ȯƵȲǿǞɈǞɐ ǯɐȺɈǞ˛ƧƊȲ Ƶ ƊȲǐɐǿƵȁɈƊȲ Ɗ Ǟǿ-
dos no Inventário Nacional do Património
portância deste reconhecimento. Por este
Cultural Imaterial. Este é o reconhecimento
motivo não posso deixar de agradecer a to-
e o resultado de várias atividades que
dos aqueles que ao longo dos anos se de-
têm sido desenvolvidas por este executi-
dicaram ao estudo e preservação dos “Bor-
vo com objetivo de divulgar e promover
dados da Glória do Ribatejo”, aos que nos
o património histórico-cultural do concelho
apoiaram nesta candidatura e sobretudo às
de Salvaterra de Magos.
mulheres glorianas que souberam preservar esta arte ancestral até aos dias de hoje.
Sempre tive a perceção que esta manifestação merecia, que se desenvolvessem
A Câmara Municipal de Salvaterra
iniciativas que apoiassem e promovessem
de Magos nos seus programas de ação po-
a recolha, o estudo e a sua investigação,
lítica atribui especial destaque aos proces-
consciente que seria urgente fazer todos os
sos culturais que ocorrem no Concelho, até
possíveis para que se mantivesse uma práti-
porque eles incrementam a atratividade
ca ativa, valorizando-a e dando-a a conhecer.
e o número de visitantes, ajudando desta
Daí que nos tenhamos empenhado na inclu-
forma ao desenvolvimento da economia lo-
são desta manifestação cultural na Lista Re-
cal e tem, ela própria, promovido ações de
presentativa do Património Cultural e Imate-
Salvaguarda do Património Imaterial, com
rial, considerando que seria uma importante
o propósito de reforçar a coesão social das
e imprescindível medida de salvaguarda.
comunidades,
tendo
perfeitamente
de-
Neste processo contámos com a orien-
˛ȁǞƮȌ ȱɐƵ ǞȺɈȌ Ⱥȍ ƶ ȯȌȺȺǠɨƵǶ ǏƊɹƵȲٌȺƵ ƧȌǿ
tação e coordenação técnica da Universidade
a promoção do estudo e investigação destes
de Évora – Cátedra Unesco para o Património
processos patrimoniais e a publicação dos
Imaterial, a quem agradeço publicamente
seus resultados.
o apoio do Professor Doutor Filipe Themudo
Desde 2014 que temos assumido
Barata, com o apoio e colaboração de associa-
ou apoiado a publicação de vários livros, sen-
ções e estudiosos locais, e de um modo geral,
do que com a REVISTA MAGOS, se criou
com o envolvimento e a participação de vá-
a possibilidade de divulgar os resultados
rios habitantes desta freguesia.
ƮƊ ȲƵ˜ƵɮƣȌ Ƶ ƮƊ ǞȁɨƵȺɈǞǐƊƪƣȌ ȲƵȺɐǶɈƊȁɈƵ ƮȌ
§ƊȲƊ ȲƵƊǶǞɹƊƪƣȌ ƮƊ ˛ƧǘƊ ƮƵ ǞȁɨƵȁɈƋȲǞȌ ةǏɐȁ-
convite feito pelo município a vários autores
damental para a apresentação da candida-
para escreverem sobre diferentes temas, de
tura, existia pouca documentação sobre es-
acordo com as suas áreas de interesse. Estas
tes bordados, mas a que pudemos consultar
publicações, que são de distribuição gratuita
8
e podem ser consultadas na integra em Re-
tribuir para o conhecimento desta singular
vista Magos - CMSM (cm-salvaterrademagos.
cultura gloriana. Recentemente também
pt) contam com vários artigos de diferente
foi editado um roteiro histórico e turístico da
autores, sobre a história e o Património Cul-
Glória do Ribatejo. Permitam-me ainda que deixe o meu
tural de Glória do Ribatejo. Em setembro de 2019, com o apoio
profundo agradecimento ao Dr. Roberto Ca-
da Junta de Freguesia da Glória do Ribatejo
neira e à Dra. Rita Pote – e a todos os que
e Granho reeditamos o livro “O Falar da Gló-
com eles colaboram (e colaboraram) - pela
ria do Ribatejo” da autora Idalina Serrão Gar-
dedicação de uma vida ao Património Cul-
cia, uma obra que já se encontrava esgotada
tural da freguesia da Glória do Ribatejo, de
há muitos anos, pelo que a sua reedição cor-
onde são naturais. Parte considerável desta
respondeu aos anseios e às expectativas da
candidatura foi sustentada nas suas pesqui-
população local e de investigadores. Durante
sas, estudo e interpretação destes bordados.
a apresentação deste livro foi também feita
Desejo que este reconhecimento
uma homenagem e exposição “Ti Margarida
permita a continuidade deste património,
– Uma Mulher Gloriana”, uma das mulheres
bem como a sensibilização da população
bordadeiras de referência da freguesia.
para a importância de continuar a transmi-
Importa referir que o apoio aos bordados não
tir esta manifestação junto dos mais jovens,
é só uma mera apresentação formal, mas
ȯƊȲƊ ȱɐƵ ƧȌǿ ƵǶƊ ȺƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ȱɐƵǿ Ƶ Ɗ ȲƵƧȌ-
materializa-se nas pessoas que são a verda-
nheçam como parte da sua identidade, pois
deira alma desta manifestação cultural.
é uma herança que perdura na freguesia de Glória do Ribatejo há muitas gerações.
Em 2020 passámos a dispor de um novo equipamento cultural na vila de Glória do Ribatejo Ribatejo – “Espaço Jackson”, com
Abril, 2022
pátio destinado a coletividades e um espaço
O Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos
de auditório, biblioteca e átrio de exposições
Hélder Manuel Esménio
que acredito vai facilitar a divulgação e con-
“Ti Margarida” com Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Hélder Manuel Esménio e com Idalina Serrão Garcia, no dia em que o Municipio lhe prestou Homenagem pública e reeditou o livro “O Falar da Glória do Ribatejo”, setembro de 2019 (fotos M. Augusto/CMSM)
9
10
Babete de Criança da ADPEC (fot. M.Cardoso/CMSM)
11
02 A CONSTRUÇÃO DA CANDIDATURA DOS BORDADOS
DE GLÓRIA
DO RIBATEJO
0ȺɈƊȺ ȯƊǶƊɨȲƊȺ ȺƣȌ ƵȺƧȲǞɈƊȺ ƧȌǿ ȯȲƊɹƵȲ˛ خȁƊǶ ة
ɈƵ ƮƵɈƊǶǘƵ ɈƶƧȁǞƧȌ Ƶ ƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁɈȌ ƧǞƵȁɈǠ˛ƧȌ
são a conclusão de um trabalho que tinha
sobre a freguesia e os próprios bordados e
de ser feito. Qual? Apresentar o processo de
este só é válido quando é público e poder, ou
inscrição dos Bordados de Glória do Ribate-
não, ser validado.
jo na base de dados nacional do património
É verdade que existem duas institui-
imaterial, um inventário, conhecido como
ções que tinham um espólio que eram um
MatrizPCI, manter e demonstrar a importân-
verdadeiro espelho desses bordados e aju-
cia desta decisão do município de Salvaterra
ƮƊɨƊǿ Ɗ ƧȌȁǘƵƧƺٌǶȌȺ سȲƵ˛ȲȌٌǿƵ ƊȌ wɐȺƵɐ
de Magos. A seguir, o leitor pode consultar a
da Associação para a Defesa do Património
parte do pedido de inscrição dos bordados.
0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ Ƶ !ɐǶɈɐȲƊǶ ƮƵ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ
Mas há um outro conjunto de atividades me-
e à Associação do Rancho Folclórico da Casa
nos visíveis neste tipo de processos, que to-
do Povo da Glória do Ribatejo; além disso, es-
dos podem estar interessados em conhecer.
tas entidades organizavam bastantes even-
Vejamos então como tudo aconteceu.
tos em que os bordados tinham, muitas ve-
Tomada a decisão pela Câmara Mu-
zes, um lugar de destaque.
nicipal de inscrição no inventário, a primei-
Por outro lado, a própria Câmara Mu-
ȲƊ ǏƊȺƵ ǏȌǞ ǶƵȲ ƧȌǿ ƊɈƵȁƪƣȌ ȌȺ ˛ƧǘƵǞȲȌȺ ȱɐƵ
nicipal apoiara muitas destas iniciativas e,
tinham de ser preenchidos e, em função
ao mesmo tempo, foi desenvolvendo políti-
disso, o que se conhecia ou estava publica-
cas públicas, em que a cultural foi tendo um
do sobre os bordados de Glória do Ribatejo.
lugar cada vez mais central. Ou seja, a ins-
1 ƧƵȲɈȌ ȱɐƵ ƵȺɈƊ ȺɐǐƵȺɈƣȌ ǏȌȲƊ ǏƵǞɈƊ ȁȌ ˛ȁƊǶ
crição no inventário nacional aparecia como
de uma exposição sobre os trajes tradicio-
a consequência lógica dessas políticas.
nais da Glória, organizada por Rita Pote na
Em compensação, se faltavam publi-
Falcoaria Real de Salvaterra de Magos, mas,
cações, havia habitantes oriundos da Glória
imediatamente se tornou claro que faltava
do Ribatejo ou que conheciam a vida da fre-
muita informação, nomeadamente publica-
ǐɐƵȺǞƊ ȱɐƵ ƵȲƊǿ ȱɐƊǶǞ˛ƧƊƮȌȺ ةǞȁɈƵȲƵȺȺƊƮȌȺ
da. Este ponto era relevante, pois uma parte
e são e eram verdadeiras pontes com a co-
ƮȌȺ ˛ƧǘƵǞȲȌȺ Ɗ ƵȁɈȲƵǐƊȲ ȁƊ (ǞȲƵƪƣȌ JƵȲƊǶ ƮȌ
munidade: são eles a equipa que fez esta
Património Cultural (DGPC) exigiam bastan-
inscrição! Por isso, com empenho, começa-
12
ram por publicar em revistas da especiali-
Laura e à Tia Maria que aceitaram e tiveram
dade, artigos sobre os bordados e a própria
a paciência de participar no vídeo de apre-
freguesia. Resultado: o conhecimento dos
sentação dos bordados de Glória do Ribatejo
bordados começou a ser mais aprofundado,
e que todos podem ver no já referido inven-
mas especialmente foi sendo compreendido
tário nacional MatrizPCI. Que belo exemplo
de uma forma mais sistemática.
elas deram!
Mas ao olhar para o Pedido de Inven-
ÀȌƮȌȺ ȯȌƮƵǿ ƧȌȁ˛ȲǿƊȲ ȯƵǶƊ ǶƵǞɈɐȲƊ
tariação, também se tornava evidente que
do pedido, como era necessário conhecer,
era preciso responder a outras questões: ha-
com detalhe, o processo de execução do
via transmissão entre gerações deste traba-
ponto cruz dos bordados, mas também era
lho e arte de “marcar”? Estaria a comunidade
indispensável perceber o contexto em que
de acordo com a inscrição? E estaria disponí-
eles foram e são produzidos. Quer isto dizer,
vel para nela participar? Quem, na freguesia
que a equipa foi obrigada a conhecer melhor
da Glória do Ribatejo, fazia bordados, só as
a história da freguesia, incluindo os testemu-
mulheres? E os homens, nada conheciam do
nhos daqueles que, no passado, a visitaram,
processo?
como foi o caso de Alves Redol.
Estas perguntas não eram um capri-
Todo este percurso de trabalho, mos-
cho da DGPC, pois correspondiam às normas
trou também como eram escassos os levan-
da legislação portuguesa que implementou
tamentos publicados dos vários tipos de bi-
a Convenção para a Salvaguarda do Patrimó-
cos e dos elementos simbólicos. O leitor, no
nio Cultural Imaterial de 2003 e que o país
anexo, pode consultar esse trabalho feito por
assinara. Em resumo, o património cultual
Roberto Caneira (sobre os bicos) e de Rita
imaterial a inscrever no inventário teria de es-
Pote (sobre os elementos simbólicos). Além
tar vivo e continuava a ser transmitido entre
disso, nesta obra e no próprio website do in-
as gerações e a única forma de assegurar a
ventário nacional, podem, espero que com
sua salvaguarda era a própria comunidade
prazer, ver as inúmeras fotos de bordados
empenhar-se na sua inscrição e conservação.
e da própria comunidade.
Uma parte das perguntas foi tam-
Depois desta fase, quando julgáva-
bém respondida através da realização de um
mos que estava tudo concluído, percebe-
inquérito junto da comunidade que nos per-
mos que só íamos a meio do trabalho e que
mitiu conhecer melhor a realidade da execu-
ǘƊɨǞƊ ȱɐƵ ȯȲƵƵȁƧǘƵȲ ɐǿ ȌɐɈȲȌ ˛ƧǘƵǞȲȌ ةƧɐǯƊ
ção dos bordados e das suas autoras. Seria
complexidade era evidente. Primeiro tínha-
injusto se, neste caso, não testemunhasse a
mos de comprovar que a ligação de Glória
disponibilidade das mulheres glorianas para
do Ribatejo aos bordados era algo que nun-
ajudar na elaboração da candidatura, partici-
ca tinha desaparecido e continuava viva nos
pando em encontros e, gostava de deixar um
nossos dias e com processos de transmissão
agradecimento público à Tia Margarida, à Tia
que todos reconheciam.
13
Num ponto mais acessível, a equipa
tem profundas raízes na comunidade.
demonstrou, no Pedido de Inventariação,
Importa ter consciência desses riscos
como os bordados estavam bem integrados
que estão ligados ao envelhecimento demo-
no conceito de património imaterial e como
ǐȲƋ˛ƧȌ Ƶ Ɯ ǏȌȲǿƊ ƧȌǿȌ Ȍ ƵȁȺǞȁȌ ةȌ ǿƵȲƧƊƮȌ ة
era prática alargada da comunidade e, de-
a mobilidade e as comunicações empurram
pois, como o pedido se integrava na ação re-
os grupos mais jovens para se irem afastan-
ǐɐǶƊȲ Ƶ ȁƊ ǿǞȺȺƣȌ ƮƊ !ƓǿƊȲƊ wɐȁǞƧǞȯƊǶ ةƊ˛-
do de outras gerações mais antigas.
nal a promotora desse pedido.
Mas é justo dizer que um dos passos
Seguiu-se um ponto importante que
certos para a salvaguarda deste património
ȌƦȲǞǐȌɐ Ɗ ƵȱɐǞȯƊ Ɗ ȲƵ˜ƵɈǞȲ Ƶ ȁƵǐȌƧǞƊȲ ƧȌǿ Ȍ
de Glória do Ribatejo foi esta inscrição no in-
promotor da inscrição. Foi a fase em que era
ventário nacional, em especial porque nele
ȯȲƵƧǞȺȌ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ ƊȺ ƊǿƵƊƪƊȺ Ɗ ȱɐƵ ȌȺ ƦȌȲ-
participou toda a comunidade.
dados de Glória do Ribatejo estavam sujeitos e as ações de salvaguarda que seria preciso
Filipe Themudo Barata
implementar para evitar o desaparecimento
Cátedra UNESCO de Património Imaterial
deste extraordinário património cultural que
da Universidade de Évora
Réplica lenço de namorados da década de 40/50 do RFCPGR (fot. M. Cardoso / CMSM)
14
Touca de Criança do RFCPGR (fot. M. Cardoso/ CMSM)
15
16
Detalhe de um navio numa peça bordada do RFCPGR ( M. Cardoso, CMSM)
17
03
A Candidatura Apresentamos de seguida o anexo I – Pedido de Inventário submetido à Direção Geral do Património Cultural pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, aprovado e publicado no dia 4 de fevereiro de 2022 no Diário da Republica, Parte C, anúncio 15/2022. Os textos apresentados resultaram de investigação e interpretação de vários trabalhos realizados sobre esta manifestação, bem como analise comparativa com outras manifestações semelhantes, foram produzidos segundo as orientações e coordenação técnica do Professor Filipe Themudo Barata – Universidade de Évora, organizados por Patrícia Leite e Roberto Caneira, na qualidade de técnicos superiores de História do Município de Salvaterra de Magos, com o apoio e colaboração de Rita Pote (Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo). A informação pode ser consultada na integra em www.matrizpci.pt, para esta publicação foram selecionados os pontos que nos pareceram mais relevantes, fazendo-os acomȯƊȁǘƊȲ ƮƵ ǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊȺ ȱɐƵ ȺɐȯȌȲɈƊȲƊǿ ƵȺɈƊ candidatura e por isso já foram submetidas no seu dossiê original, entre outras que decidimos incluir exclusivamente para este efeito. Pormenor de coroa dos namorados bordado numa peça da ADPEC (M. Cardoso/ CMSM)
18
Largo D. Pedro I, Glória do Ribatejo (fot. M. Cardoso/ CMSM)
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ANEXO 1
Informação na integra: matrizpci.pt
PEDIDO
DE INVENTARIAÇÃO
Bordados de Glória do Ribatejo Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial
20
1
Domínio:
Competências no âmbito de processos e técnicas tradicionais.
2
Categoria:
Manifestações artísticas e correlacionadas.
3
Denominação:
I. IDENTIFICAÇÃO
Os bordados de Glória do Ribatejo.
4 Outras Denominações: “Marcar”; “costurar”; “bordar”; “arremedar”. Os habitantes de Glória do Ribatejo, na sua linguagem corrente, é costume utilizarem um destes verbos para indicarem o trabalho de bordados que vão ou que estão a realizar. Para a população desta freguesia são sinónimos da mesma ação.
21
5 Contexto tipológico:
Os bordados de Glória do Ribatejo são uma manifestação artesanal da freguesia de Glória do Ribatejo e caraterizam-se por ser essencialmente um bordado a ponto de cruz, havendo, no entanto, outros pontos e aplicações de pormenor, como rendas e crochet. O bordado é composto por 2 pontos diagonais que se cruzam no centro, o que dá o aspeto de uma cruz. A agulha é o instrumento que determina a técnica do bordado, pois é ela que leva Ȍ ˛Ȍ Ɗ ȺƵȲ ƊȯǶǞƧƊƮȌ ȁȌ ɈƵƧǞƮȌخ
22
Este tipo de bordado está ligado à identidade e à memória social da comunidade. No passado, tinha uma funcionalidade prática, na indumentária da mulher, das crianças e até do homem, na decoração da casa, de móveis e noutros objetos do dia-a-dia. Na sua forma de olhar o mundo, a comunidade perspetivava estes bordados como forma de acautelar o futuro dos descendentes, dado que os familiares diretos asseguravam o enxoval com várias peças, ainda por cima bordadas e bonitas, que poderiam ser utilizadas posteriormente. Em muitas famílias este costume mantém-se inalterável, nos dias de hoje, embora os enxovais, hoje, não sejam compostos só por estas peças, como acontecia no passado. Atualmente, os bordados renovaram-se e continuam a ser utilizados no quotidiano, aplicados em peças contemporâneas, como, por exemplo, em bolsas de telemóveis, bolsas ƮȌ ƮǞȁǘƵǞȲȌ ةȯȌȲɈƊٌƧǘƊɨƵȺ ةȯƊȁȌȺ ȯƊȲƊ ƮǞɨƵȲȺȌȺ ˛ȁȺ ةɈȌƊǶǘƊȺ de mesa, toalhas de banho, etc., como adiante será demonstrado. Os bordados de Glória do Ribatejo são assim um elemento ȯƊɈȲǞǿȌȁǞƊǶ ƮƵ˛ȁǞƮȌȲ ƮƊ ǞƮƵȁɈǞƮƊƮƵ ƧɐǶɈɐȲƊǶ ƮƵȺɈƊ ƧȌǿɐȁǞdade e assumem um papel estruturante no desenvolvimento local.
23
6 Contexto produção:
6.1.1. Comunidade(s)
6.1. Contexto Social
População da Vila de Glória do Ribatejo
Mulher a “marcar”, década de 80 (fot. ADPEC)
24
A freguesia de Glória do Ribatejo é uma lo-
o ponto, aprendendo com as mulheres mais
calidade situada no concelho de Salvaterra
velhas e porque iam conhecendo a realida-
ƮƵ wƊǐȌȺ ةȁɐǿƊ ɹȌȁƊ ǐƵȌǐȲƋ˛ƧƊ ƮƵȺǞǐȁƊ-
de dos bordados, que eram feitos por outras
da de charneca, com solos pobres e de cas-
mulheres, pois nestes “quartéis” a convivên-
ƧƊǶǘȌ ةȱɐƵ ƮǞ˛ƧɐǶɈƊȲƊǿ ȺƵǿȯȲƵ Ɗ ɨǞƮƊ ƊȌȺ
cia de várias famílias era mais frequente.
seus habitantes. Todavia, com astúcia e per-
Atualmente, para os habitantes de
sistência, os glorianos conseguiram arrotear
Glória do Ribatejo, a representação desta
os campos e garantir a sua subsistência.
memória está projetada em algumas mu-
A agricultura e a pastorícia foram, durante
lheres mais velhas que funcionam como
séculos, a base da vida económica desta co-
verdadeiras guardiãs deste legado, a quem
munidade.
é dado um lugar especial em todas as mani-
Na década de 40 do século XIX, gra-
festações no espaço público, seja em expo-
ƪƊȺ Ɯ Ƶȁ˛ɈƵɐȺƵ ƮȌȺ ƦƊǶƮǞȌȺ ةƊȺ ɈƵȲȲƊȺ ǏȌȲƊǿ
sições ou festas, na freguesia e no concelho.
repartidas em foros. Por esse motivo, não
São estas mulheres mais velhas que validam
existindo em Glória do Ribatejo grandes
os trabalhos das que bordam atualmente.
extensões de propriedades, os seus habi-
Elas são o que a UNESCO chama de “tesou-
tantes viam-se obrigados a ir trabalhar para
ros humanos vivos”. Um bom exemplo des-
os lavradores mais abastados da lezíria, que
te papel de guardiã é reconhecido a Mar-
tinham maiores propriedades com maior
garida Damião, conhecida por todos como
extensão de terreno.
“Ti Margarida Pataca”, a quem o município
Essa
deslocação
realizava-se
em
de Salvaterra de Magos, em 2019, prestou
grupo, dando origem a grandes “ranchos”
ǘȌǿƵȁƊǐƵǿ ƧȌǿ ɐǿƊ ƵɮȯȌȺǞƪƣȌ ƦǞȌǐȲƋ˛ƧƊ
de trabalhadores, conforme o ciclo agrícola,
e o reconhecimento junto da população local,
ȱɐƵ ˛ƧƊɨƊǿ ƊǶȌǯƊƮȌȺ Ƶǿ ٗȱɐƊȲɈƶǞȺ٘ ƮɐȲƊȁ-
com oferta de uma salva de prata. Este reco-
te 2 a 3 semanas ou mais, nas propriedades
nhecimento público já antes tinha aconteci-
agrícolas. Era nestes “quartéis” que as mu-
do, em 2016, pela Associação Rancho Folcló-
lheres glorianas, após cada dia de trabalho,
rico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo,
iam confecionando pacientemente os bor-
que distinguiu também uma outra artesã,
dados a ponto de cruz. Os trabalhos que aí
ti Vitória, (Vitória Sequeira) muito conhecida
realizavam, tinham uma vertente pragmá-
e reconhecida entre a comunidade pela
tica, como o arranjo de indumentárias, mas
criatividade e preciosismo dos seus borda-
era sobretudo na confeção dos enxovais que
dos e artes do pormenor.
mais se aplicavam. Todos estes trabalhos
Mais recentemente em 2019, o Mu-
eram confecionados também pelas mulhe-
ȺƵɐ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ƮƊ ȺȺȌƧǞƊƪƣȌ ȯƊȲƊ Ɗ (ƵǏƵ-
res mais velhas, que já não trabalhavam no
ȺƊ ƮȌ §ƊɈȲǞǿȍȁǞȌ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ Ƶ !ɐǶɈɐȲƊǶ ƮƵ
campo e permaneciam na Glória, ao longo
Glória do Ribatejo organizou a exposição
de todo o ano.
“A mulher Gloriana – a Costura e as Artes
Para a consolidação do modelo dos
da Agulha” que simbolicamente prestou
bordados, esta migração periódica foi im-
homenagem a todas as mulheres glorianas
portante por dois motivos: permitia que
bordadeiras.
as mulheres treinassem e aperfeiçoassem
25
6 .1.2. Grupo(s):
Com raras exceções, este saber-fazer era -
car e não o fazem, deve-se, na maior parte
é – uma prática das mulheres da comunida-
das vezes, ao facto surpreendente de que os
de. Tanto quanto foi possível compreender
nascidos nas décadas de 20, 30 e 40 terem
através dos inquéritos lançados junto da co-
ǿƊǞȺ ƮǞ˛ƧɐǶƮƊƮƵ ƮƵ ɨǞȺƣȌ Ƶ شȌɐ ȌɐɈȲȌȺ ȯȲȌ-
munidade, há um número muito restrito de
blemas de saúde, o que lhes limita a capaci-
homens (dois) que sabem fazer esses borda-
dade e até a disposição para bordar.
dos, mas atualmente não praticam.
Se é certo que a esmagadora maioria das
Ainda sobre esse inquérito, o qual foi um ins-
mulheres da comunidade conhece e pratica
trumento importante para o conhecimento
esse saber-fazer, pelo que antes se explicou,
das atividades artísticas e sociais da popula-
só algumas das mais velhas viveram esta
ção da freguesia, importa assinalar que ele
prática de uma forma mais intensa.
foi realizado pelos técnicos da Câmara Mu-
Dada a força identitária destes bordados,
nicipal de Salvaterra de Magos, entre setem-
eles continuam a ser produzidos em casa, de
bro de 2019 e janeiro de 2020, e nele partici-
uma forma individual ou em pequenos gru-
param 371 pessoas, o correspondente a 11,5%
pos. O comércio no espaço público só existe
da população gloriana, sendo que 11,3% dos
para pequenas peças, como os porta-cha-
inquiridos são do sexo masculino e 88.7%, do
ves, bolsas de telemóvel, bolsas do dinheiro
ȺƵɮȌ ǏƵǿǞȁǞȁȌ خȲƵȺɐǶɈƊƮȌ ˛ȁƊǶ ƮƵǿȌȺɈȲȌɐ
e charteiras. Só algumas mulheres aceitam
que sabem marcar 86,3% dos entrevistados
vender os seus bordados, por encomenda, e
e, de entre as pessoas que sabem marcar,
fazem-no de forma extremamente discreta,
80,7% ainda o fazem.
sendo mais comum fazer para oferecer do
Atualmente, e ainda com base no inquérito,
que para vender.
a percentagem de pessoas que sabem marTi Palmira e Ti Rita (fot. ADPEC)
26
6 .1.3. Indivíduo (s)
Os bordados são uma atividade artesanal, que, já se indicou, sempre esteve a cargo das mulheres glorianas, nos seus tempos livres, sem obedecer Ɗ ɐǿ ǘȌȲƋȲǞȌ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌ! خȌǿȌ ƊȺ ǞȁɑǿƵȲƊȺ ȌƦȺƵȲvações no local mostram e os inquéritos e trabalho ƮƵ ƧƊǿȯȌ ƧȌȁ˛ȲǿƊǿ ةƊȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ǞƊǿ ƦȌȲƮƊȁƮȌ e bordam presentemente as peças que consideravam necessárias para seu uso ou para familiares. É a sua perceção individual que determina a escolha do bordado e peça a executar. No fundo, a prática do bordado é adequada a peças que a mulher considera necessárias para uso, que variam, consoante as épocas.
Mãos a “marcar”, 2019 (fot. ADPEC)
27
6.2. Contexto territorial:
6 .2.1. Local: Glória do Ribatejo
6 .2.2. Freguesia: Glória do Ribatejo
6 .2.3. Município: Salvaterra de Magos
6 .2.4. Distrito: Santarém
6 .2.5. País: Portugal
28
39°7'30" 39°7'10"N 39°6'30"N
39°6'50"N
6 .3.1. Periodicidade:
É desenvolvida ao longo de todo o ano, pois não existe um período em particular em que a produção seja determinante ou escassa, mas observa-se uma dedicação maior durante 39°6'10"N
a estação fria, visto que existe uma perceção coletiva de que o tempo frio não se adequa
39°5'30"N 39°5'10"N 39°4'50"N 39°4'30"N 39°4'10"N 39°3'50"N 39°3'30"N
6.3. Contexto temporal:
para marcar”.
39°5'50"N
à prática de outras atividades domésticas ou do campo, pelo que o tempo “é aproveitado
39°3'10"N
Ao “canto”, década de 60 ( fot. M. Ribeiro/ ADPEC)
39°2'50"N
6 .3.2. Data(s):
Não se aplica nos bordados da Glória do Ribatejo, visto que as mulheres bordam sempre 39°2'30"N
que tenham disponibilidade. No passado, eram feitos ao serão, após o trabalho e também à hora de almoço e da sesta, enquanto nos dias de hoje tudo depende da disponi39°2'10"N
ƦǞǶǞƮƊƮƵ خ0ǿƦȌȲƊ Ƶǿ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ ȁǞȁǐɐƶǿ ǏƊƪƊ ƮȌ ƦȌȲƮƊƮȌ ɐǿƊ ȯȲȌ˛ȺȺƣȌ ةƧȌǿ o envelhecimento da população, nomeadamente das mulheres que são as detentoras
°1'30"N
39°1'50"N
do saber-fazer, vai-se aproveitando mais o tempo disponível para “bordar”.
29
7 Caracterização:
7.1. Caracterização síntese: A produção e uso dos bordados a ponto de
to de serem feitos para ser usados no espaço
cruz de Glória do Ribatejo está presente no
público. De facto, além da beleza do próprio
quotidiano desta freguesia há várias gera-
bordado, ele anunciava a competência e de-
ções. É uma arte popular cujo ponto domi-
dicação da mulher que o produzira; outras
nante é, como se referiu, o ponto de cruz. Em
vezes, a namorada, que o bordou, e os “ca-
algumas peças bordadas são confecionadas
maradas” (amigos) dos dois comprometidos.
outras aplicações de pormenor, todas conhe-
A interpretação pública do próprio bordado
cidas pelos seus nomes próprios, em que os
era, em si mesma, um verdadeiro evento.
“bicos” assumem preponderância, pois são
A simbologia e funcionalidade associadas
adornos que rematam as extremidades.
à aplicação destes bordados confere-lhes
Este saber-fazer, transmitido oralmente e em
características que os diferencia dos outros
contexto prático pelas mulheres glorianas,
bordados, sem qualquer expressão comer-
era aplicado na elaboração de várias peças
cial ou de ostentação de riqueza, já que estas
de vestuário quotidiano, na roupa da casa, e
peças deixam transparecer o rigor e o precei-
em outros objetos de utilidades diversas.
to de quem os borda.
Por um lado, esta expressão artística e tamƦƶǿ ƧɐǶɈɐȲƊǶ ƵȲƊ Ȍ ȲƵ˜ƵɮȌ ƮƵ ɐǿƊ ȁƵƧƵȺȺǞdade prática da mulher gloriana que, com poucos recursos, tentava dar algum requinte à sua indumentária, aplicando os bordados em todas as peças que costurava à mão, mas, por outro lado, permitia assinalar um estatuto ou relação pessoal e social. De facto, todos os bordados, além da sua função pessoal e privada, projetam para o espaço público um testemunho de um estatuto, pessoal e social do seu portador, mostrando as competências, atenção e esforço de cada mulher. É por isso que estes bordados são, também, uma marca na identidade dos habitantes desta freguesia e fazem parte da sua cultura e das suas tradições. Esse estatuto e posição pessoal e social resultam do facJarra das Pombinhas num bordado do RFCPGR (fot. M.Cardoso /CMSM)
30
7 .2. Caracterização desenvolvida:
Importa sublinhar um facto: o ponto de cruz,
ȺɐǿƵǿ ɐǿƊ ǏɐȁƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊ ةǞȁ-
ȱɐƵ ɈƣȌ ƦƵǿ ƮƵ˛ȁƵ ȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ ƮƵ JǶȍȲǞƊ
cluindo a aplicação de símbolos a ponto de
do Ribatejo, não é o que verdadeiramente
cruz em diferentes peças, como vestuário,
os distingue. O que torna estes bordados au-
lenços de namorados, carteiras, “charteiras”,
tênticos, genuínos e diferentes é a sua aplica-
bolsas de relógio, “talegos”, bolsas do dinhei-
ção e utilização, em variadíssimas peças de
ro, porta-chaves, peças de utilidade domésti-
vestuário, na “roupa da casa” e em utensílios
ca, como toalhas de mesa, toalhas de banho,
quotidianos, ou seja, a sua funcionalidade.
colchas, etc., o que lhes confere uma origina-
Por outro lado, encontra-se também uma
lidade peculiar e dá uma especial consistên-
ǿƊɈȲǞɹ ȱɐƵ ȯƵȲǿǞɈƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ ɐǿƊ ȯƵƪƊ
cia à sua autenticidade.
gloriana: desde a escolha do tecido (textura e
É apresentado no nº52 do anexo II/1 “Fichas
cor), dos motivos e diálogo entre eles, às apli-
de Bordados” realizadas por Roberto Caneira,
cações de pormenor.
onde se mostram algumas peças represen-
Contrariamente ao que acontecia noutros
tativas da funcionalidade destes bordados,
locais, onde os bordados tinham um cará-
a qual foi bem percebida por autoras como
ter preferencialmente decorativo, em Glória
Maria Lamas:
do Ribatejo, os bordados a ponto de cruz as-
“O seu gosto pelo bordado é tal, que as leva a bordar todas as peças do vestuário, até mesmo os lenços de assoar. Assim como as alentejanas, fazem bolsas de “crochet” em cores alegres e bem combinadas para oferecer aos namorados. As que se destinam a guardar moedas têm o nome de “pataqueiras”. Também tecem com lã de vários tons, e bordam interiormente, as carteiras que eles usam” (Maria Lamas, 1948, pág. 298)
Pormenor de um bordado do RFCPGR com chave e corações (fot. M. Cardoso/ CMSM)
31
Como se disse, os bordados de Glória do Ri-
primor para quem os usava e para quem os
batejo constituem uma atividade executada
fazia, não tendo qualquer expressão comer-
pelas mulheres, que assumiram durante vá-
cial.
rias gerações a responsabilidade da transmis-
Em Glória do Ribatejo, no passado, estes bor-
são deste saber-fazer.
dados eram quase sempre realizados em
A arte de “marcar” ou bordar nunca foi con-
grupo, na rua com as vizinhas ou amigas,
ȺǞƮƵȲƊƮƊ ƧȌǿȌ ɐǿ ȌǏǠƧǞȌ Ȍɐ ɐǿƊ ȯȲȌ˛ȺȺƣȌ ة
mas também em casa, junto ao “canto” (cha-
pois ela fazia parte da educação feminina,
miné).
desde tenra idade, preparando as mulheres
No entanto é preciso compreender um outro
para os afazeres domésticos em idade adul-
lado desta produção: a simplicidade oriunda
ta. O testemunho de Rosa Monteiro e do seu
da necessidade e, muitas vezes, da pobreza.
marido, Silvestre Pirralha, conhecidos em
Com efeito, os escassos recursos de todo o
Glória do Ribatejo por “Ti Rosa” e “Ti Silvestre
tipo, faziam com que poupassem o mais pos-
Quarta-Feira”, em 2010, e utilizado como tex-
sível, pelo que não compravam roupa fora.
to de apresentação da exposição “Glória – Ar-
Era tradição confecionar todas as peças, não
tes do Pormenor – Uma Identidade” (recolha
sendo a falta de dinheiro condicionante para
de Rita Pote) e apresentada no Anexo II da
a beleza das suas vestes, em que eram apli-
candidatura é disso um ótimo exemplo:
cados os mais “requintados” bordados que custavam paciência, habilidade, muita criatividade e disponibilidade de tempo.
“ … Quando a gente tinha uns cinco ou seis anos, as nossas mães arranjavam logo uns trapinhos e uns bocadinhos de linha para aprendermos a marcar. Nunca se estava a olhar. O tempo era todo aproveitadinho. As cachopinhas estavam sempre a marcar. Por isso é que, quando chegávamos a grandes, arremedávamos tão bem, fazíamos tudo tão perfeitinho. Quando tínhamos oito ou nove anos íamos guardar o gado (cabras ou porcos) e daí, íamos para o campo. Tínhamos de ajudar a criar os nossos irmãos, mas levávamos sempre os trapinhos e as linhas para estar entretidas”.
Para além de estabelecerem relações de proximidade e convívio social, estes bordados assumem também um caráter educativo. Sem o saberem, as mulheres que os bordavam, com a curiosidade e necessidade em conhecer as letras do alfabeto para conseguirem “marcar” as letras dos nomes dos seus amigos e namorados, iam aprendendo algumas letras. Porque estas mulheres não sabiam ler nem escrever, encontram-se muito frequentemente as letras marcadas em sentido inverso ou com leitura para a esquerda. Em entrevistas realizadas no âmbito desta candidatura, percebemos que muitas mulheres nascidas nas décadas de 30/40, sendo gene-
Ao contrário da grande maioria dos bordados
ricamente analfabetas, conseguem reconhe-
portugueses e de quem os utilizava, em Gló-
cer algumas letras e dizer os nomes próprios
ria do Ribatejo, eles nunca foram considera-
e comuns que podem escrever com elas.
dos um símbolo de riqueza. Eram feitos com
São várias as circunstâncias do quotidiano
amor, paciência, dedicação – um símbolo de
onde estavam – e estão – presentes os bor-
32
dados a ponto de cruz. Numa sociedade agrí-
cessidades do seu quotidiano, consoante as
cola, que dependia da oferta de trabalho dos
épocas, e os transmitiram de geração em ge-
proprietários agrícolas mais abastados da re-
ração até aos nossos dias.
gião, estes bordados assumem uma notável
Contrariamente ao que acontece com os
ǞǿȯȌȲɈƓȁƧǞƊ ȁƊ Ȍ˛ƧǞƊǶǞɹƊƪƣȌ ƮƵȺȺƵȺ ƧȌǿȯȲȌ-
bordados de Arraiolos, por exemplo, em que
ǿǞȺȺȌȺ© خɐƊȁƮȌ ˛ƧƊɨƊ ƊȯƊǶƊɨȲƊƮȌ Ȍ ƧȌǿȯȲȌ-
primeiro se faz o desenho no tecido e depois
misso de trabalho, aos homens, era oferecido
se procede ao contorno e enchimento com
meio litro de vinho, para beber no momento,
o ponto, em Glória do Ribatejo, as mulheres
e às mulheres, algumas meadas de linhas,
mais antigas tinham como guião os “marca-
de várias cores, já que a estas estava veda-
dos” das antepassadas, surgindo, mais tarde,
do o hábito de consumir álcool em público.
os chamados “marcadores” em papel que
Chamava-se a esta prática (tanto masculina
continham muitos motivos, os quais con-
como feminina) as “molhaduras”. Antes de
ȺǞȺɈǞƊǿ Ƶǿ ǐȲƋ˛ƧȌȺ ǐƵȌǿƶɈȲǞƧȌȺ ƧȌǶȌȲǞƮȌȺ خ
partirem para os trabalhos, as raparigas exi-
Atualmente, as fontes são variadas, como
biam ao peito ou no avental, várias molhadu-
ƊȺ ȲƵɨǞȺɈƊȺ ةƊ ǞȁɈƵȲȁƵɈ ةƵɈƧ خƵǿ ȱɐƵ ȺƵ ɨƵȲǞ˛-
ras, mostrando assim que eram consideradas
ca uma diversidade ainda maior de motivos,
mulheres de grande valor, já que cada mo-
mas a escolha não é arbitrária – ela vai sem-
lhadura correspondia a um contacto efetua-
pre ao encontro da matriz tradicional. Mercê
do pelas “capatazas”.
de um grande trabalho de investigação que
Daqui resulta um novo passo na apresenta-
tem resultado em inúmeras exposições, a co-
ção dos bordados. Estes bordados a ponto
munidade reforçou o seu interesse pelos mo-
de cruz são, assim, uma arte decorativa têxtil
tivos antigos, aplicando-os, sobretudo, nas
com uma função utilitária, executados pelas
bolsas do dinheiro.
mulheres de Glória do Ribatejo, que os souberam preservar, desenvolver, adaptar às ne-
Pormenor de uma peça do RFCPGR (fot. M. Augusto/CMSM)
Detalhes do bordado de um avental ADPEC (fot. M.Cardoso/ CMSM)
33
“Marcar” é uma atividade morosa e requer muita prática para que resulte de acordo com os padrões aceites na comunidade. No caso dos bordados de Glória do Ribatejo, os mesmos obrigam às fases seguintes:
1ª Fase: Preparação do tecido A escolha do tecido / pano para aplicar os
ȁƵƧƵȺȺƋȲǞȌ ƧȌȁɈƊȲ ȌȺ ˛ȌȺ ةƦƊȺɈƊɨƊ ȺƵǐɐǞȲ ȌȺ
bordados a ponto de cruz, dependia da sua
furos que o tecido já continha.
utilidade e funcionalidade. Por norma, usa-
A preparação do tecido tinha sempre em
va-se o pano cru, paninho, linhol, popelina e
consideração o tipo de peça que se preten-
riscado. A serapilheira era utilizada para pe-
dia executar. Por exemplo, a cortina do pano
ças maiores. Nas toucas e fatos das crianças,
da chaminé era uma peça que ornamentava
o tecido mais comum era a popelina, sendo,
a chaminé e tinha alguma dimensão – cerca
por vezes, utilizado o bordado inglês, no caso
de 1,50m a 2m, o que implicava uma grande
dos batizados e da festa anual. Nestas últi-
quantidade de tecido. Logo, a escolha tinha
mas situações, eram usados adereços à base
de recair num tecido de pouca qualidade.
ƮƵ ˛ɈƊȺ ƮƵ ȺƵƮƊ خƊȱɐǞȺǞƪƣȌ ƮȌȺ ɈƵƧǞƮȌȺ ƵȲƊ
Em qualquer caso, o aparecimento dos pa-
feita nas mercearias locais e, tendo em con-
nos quadrilé, torna a tarefa de bordar mais
ta a constante procura, os comerciantes ti-
ȺǞǿȯǶǞ˛ƧƊƮƊ ةȯȌȲȱɐƵ ȁƵȺɈƵ ɈǞȯȌ ƮƵ ɈƵƧǞƮȌ ȌȺ
nham sempre stock de diferentes tecidos e
quadrados permitem a realização do borda-
linhas.
ƮȌ ȺƵǿ ƧȌȁɈƊȲ ȌȺ ˛ȌȺ خ0ȺɈƵ ɈƵƧǞƮȌ ɨƵǞȌ ǏƊƧǞ-
A partir da década de 1970, surge um novo
litar a aprendizagem às crianças, mas não
tipo de tecido, denominado quadrilé, que
teve grande popularidade na feitura das pe-
tinha pequenos quadrados e onde era mais
ças necessárias no quotidiano.
fácil bordar o ponto de cruz, porque não era
Mãos a “marcar” em 2019 (fot. ADPEC)
34
2ª Fase: Escolha das linhas e das cores yȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ ǿƊǞȺ ƊȁɈǞǐȌȺ ةɨƵȲǞ˛ƧƊٌȺƵ ȱɐƵ
Combinam-se as cores de forma harmo-
Ȍ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹ ƵȲƊ ǿƊǞȺ ˛ȁȌ ةƮƊƮȌ ȱɐƵ ƊȺ
niosa. Assim, se o motivo decorativo central
ǿɐǶǘƵȲƵȺ ƮƵȺ˛ƊɨƊǿ ƊȺ ǶǞȁǘƊȺ ȯƊȲƊ ƊȺ ȲƵȁɈƊ-
ȌƧɐȯƊȲ ɐǿƊ ƮƵɈƵȲǿǞȁƊƮƊ ƧȌȲ ةɨƵȲǞ˛ƧƊٌȺƵ Ɗ
bilizar. As cores usadas no século XIX e início
aplicação dessa mesma cor nos cantos e por
do século XX são o vermelho e o azul escuro,
vezes na cercadura ou nos “bicos”, de forma a
de diferentes tonalidades. Um pouco mais
realçar a composição dos bordados.
tarde, torna-se comum o vermelho e o verde,
Nas décadas de 1970 e 1980, surge um novo
surgindo, logo a seguir, uma panóplia gran-
ɈǞȯȌ ƮƵ ǶǞȁǘƊȺ ةƊ ȱɐƵ ȺƵ ƧǘƊǿƊɨƊ ٗǶǞȁǘƊ ˛ǶȌ-
de de cores que se associavam consoante a
sel”, de cores variadas e que torna possível
matriz tradicional e o gosto da executante.
a visualização de novos aspetos cromáticos,
Daí que possamos encontrar o mesmo moti-
nos bordados a ponto de cruz de Glória do
vo bordado a diferentes cores.
Ribatejo.
Pormenor de uma cesta de costura da ADPEC (fot. M. Cardoso/CMSM)
35
3ª Fase: Planeamento dos temas no tecido Escolhida a função do bordado, feita a preparação do pano e a escolha das linhas, segue-se o planeamento dos motivos a aplicar no tecido. Há uma grande variedade temática nas peças:
Símbolos associados à natureza, como os ramos Motivos religiosos, como a cruz
ƮƵ ˜ȌȲƵȺ ةȌȺ ɨƊȺȌȺ ƮƵ ˜ȌȲƵȺ ةƊȺ ƋȲɨȌȲƵȺ ةȲƊǿȌȺ Ƶ
de Cristo ou a estrela de David;
ȺǞǶɨƊȺ˜ ةȌȲƵȺ ɨƊȲǞƊƮƊȺ ةƵȁɈȲƵ ȌɐɈȲȌȺس
Representação de motivos associados à
Simbologia animal, como cães,
realeza, como é o caso de várias coroas;
pombas ou borboletas;
Símbolos que se encontram nos lenços de namorados, de que são exemplo os corações com chaves e as iniciais dos namorados e amigos próximos.
36
yȌ ȁѥ ׂ ƮȌ ƊȁƵɮȌ XX ׁشƵǿ (ȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌ ǏȌɈȌǐȲƋ˛ƧƊ ǏȌǞ ȺɐƦǿƵɈǞƮȌ ɐǿ ٗJǶȌȺȺƋȲǞȌ ƮƵ Bicos, Letras, Cercaduras e Motivos” realizado por Roberto Caneira e que está incluído nesta publicação na página 84.
Pormenor de um talego da ADPEC (fot. M. Cardoso/ CMSM)
Com a evolução dos tempos, ainda é possível
com a preservação da memória, assumindo,
encontrar esta simbologia, embora a partir
em simultâneo, que esta identidade cultu-
das décadas de 80 e 90 do século passado,
ral não se deve perder e que, acima de tudo,
com o acesso às revistas de bordados, tives-
está a preservar os bordados a ponto de cruz
sem sido introduzidos novos temas, de acor-
de Glória do Ribatejo.
do com a escolha pessoal da mulher. Contu-
Um outro aspeto antropologicamente inte-
do, não há uma interrupção relativamente à
ressante é a marcação das iniciais da mulher
simbologia antiga. A mulher continua a apli-
e do seu companheiro, o que individualiza
car temas antigos e relembra sempre quem
a peça e a posse.
a ensinou a bordar determinado motivo – a avó ou a mãe, o que denota a preocupação
37
4ª Fase: Fase: início do “marcar” O ato de bordar foi, na sua génese, um fe-
tudo à noite, após a faina dura do trabalho
nómeno social, pois as mulheres quando se
agrícola, em redor de uma candeia ou de um
deslocavam sazonalmente para trabalhar
candeeiro a petróleo, que se juntavam e co-
nos campos dos grandes proprietários da
meçavam a “marcar”.
ȲƵǐǞƣȌ˛ ةƧƊɨƊǿ ةƧȌǿȌ ȺƵ ƮƵȺƧȲƵɨƵɐ ةƊǶȌǯƊƮƊȺ
Era precisamente em comunhão que esco-
durante 2 ou 3 semanas em “quartéis”, pe-
lhiam os motivos decorativos, pois, tal como
quenos casebres sem condições. Era sobre-
já foi referido, eram continuamente as peças
Mulheres a bordar, Anos 60 (fot. M. Ribeiro/ADPEC)
38
antigas que serviam de guião.
ponto cruzado oblíquo, fazendo a forma de
Este processo de partilha e fruição das peças
um x (cruz), que se repete até se conseguir o
entre as mulheres, foi fundamental para as-
motivo pretendido.
segurar a transmissibilidade dos bordados,
Estes bordados, por norma, iniciam-se ao
que atravessaram gerações.
centro do pano e, a partir daí, se começa a
Atualmente, com a mecanização do ciclo
bordar. Se a peça não contemplar um centro
agrícola e a consequente alteração da vida
marcado, o planeamento da marcação faz-
rural, embora a mulher gloriana continue a
-se em linha reta, pelas bordas, dividindo-se
ɈȲƊƦƊǶǘƊȲ ȁƊ ƊǐȲǞƧɐǶɈɐȲƊ ةǯƋ ȁƣȌ ˛ƧƊ ƊǶȌǯƊƮƊ
o espaço desde o meio da linha em direção
em quartéis, vai e vem todos dias a casa. Os
ao canto, o que resulta, em termos estéticos,
bordados, lentamente, começaram, por isso,
numa peça com os quatro cantos geome-
a perder o ato social que tinham no passado.
tricamente perfeitos, já que os pegamentos
Embora o meio ambiente seja outro, o pro-
dos motivos ou da cercadura se fazem ao
cesso é o mesmo, elas trocam ideias, pedem
meio de cada linha. Desta forma, garante-se
opiniões umas às outras, entreajudam-se, tal
que não há desvios de enquadramento esté-
como acontecia nos trabalhos agrícolas. As
tico, o que confere grande beleza e riqueza
mulheres seguem outros padrões decorati-
decorativa às peças. Para rematar a compo-
vos, regem-se ainda por revistas de bordados
sição estética da peça, a mesma é ornamen-
a ponto de cruz e por isso introduzem novos
tada nas extremidades com “bicos”, que são
elementos decorativos, mas não deixam de
criteriosamente escolhidos dentro da gran-
utilizar os motivos antigos que lhes foram
de variedade que existe.
transmitidos, perpetuando, desta forma, a
Os bordados a ponto de cruz possuem uma
memória da comunidade. É muito provável
grande riqueza estética, criativa e sentimen-
que o papel da televisão e da internet não
tal. Não deixa de ser curioso perceber que
seja alheio aos novos tipos de bordados que
são as mãos calejadas dos trabalhos mais
hoje as mulheres produzem, já que, no pe-
duros do campo que produzem estas admi-
queno ecrã, descobrem novos modelos, pe-
ráveis obras de arte popular.
ças e ideias mais consentâneas com as casas em que habitam. Em Glória do Ribatejo, bordar a ponto de cruz é sempre designado por “marcar”. Só se utiliza o verbo bordar para referir outros pontos que não este. É uma arte aplicada no ȯƊȁȌ ةȌȁƮƵ Ȍ ȲƵȺɐǶɈƊƮȌ ˛ȁƊǶ ƶ ƊɈǞȁǐǞƮȌ ƧȌǿ o recurso a uma agulha com linha colorida inserida, resultando em vários motivos bordados a ponto de cruz. O ponto de cruz é um
Mãos a “marcar” (fot. ADPEC)
39
7 .3. Manifestações associadas:
Os bordados a ponto de cruz de Glória do Ri-
pela Associação para a Defesa do Património
batejo, são uma manifestação cultural que
!ɐǶɈɐȲƊǶ Ƶ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ƮƵ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ ة
se encontra bem ativa e presente nesta fre-
organizadas de acordo com as orientações
guesia. As manifestações associadas a este
técnicas de Roberto Caneira (Técnico Supe-
saber-fazer foram-se alterando, tal como a
rior de História) e as exposições e estudos et-
própria evolução dos tempos. Alteraram-se
ȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ ǞȁɈƵȁȺǞɨȌȺ ȲƵƊǶǞɹƊƮȌȺ ȯƵǶȌ ªƊȁƧǘȌ
hábitos sociais, surgem novas modas e novos
Folclórico da Casa do Povo da Glória do Riba-
interesses.
tejo, com orientações e coordenação técnica
A autenticidade mantém-se e esta manifes-
de Rita Pote (Professora do Ensino Secundá-
tação tem sido objeto de estudo, tanto da
rio).
Câmara Municipal de Salvaterra de Magos,
O resultado obtido com esses estudos per-
como de associações e coletividades locais,
mitiu-nos desenvolver os pontos que se se-
como são exemplo as exposições realizadas
guem:
Mulheres a prepararem o “farnel aviado”, junto à Loja do Sousa nos Anos 60 (fot. ADPEC)
40
A Praça da Jorna,“apanha de trabalho” e a funcionalidade dos bordados a ponto de cruz A Praça da Jorna era o local onde os traba-
nhorial. Em qualquer caso, estes “ranchos” de
lhadores rurais vendiam a sua força braçal
homens de alforges aos ombros e mulheres
aos grandes proprietários agrícolas da região:
com farnéis à cabeça ou à ilharga, em tempos
Casa Cadaval; Prudêncio da Silva, Lico, Oliveira
idos, partiam a pé para os campos, percorren-
e Sousa, entre muitos outros.
do cerca de 20 a 30km.
Estes lavradores detinham grandes extensões de terrenos nas lezírias de Vila Franca de Xira,
A celebração deste contrato era feita de for-
Ƶȁ˛ƧƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ Ȍɐ ǶǿƵǞȲǞǿ ةǶƵɨƊȁƮȌ ة
ma verbal e tinha algumas caraterísticas pe-
desta forma, os ranchos glorianos a trabalhar
culiares. No caso dos homens, selava-se com
nestes locais. Este tipo de trabalho obrigava
uma “molhadura”, ou seja, meio litro de vinho,
a uma ida de «farnel aviado», expressão que
para beber no momento. Quanto às mulhe-
provém do grande saco (farnel) que levava os
res, cada contacto da capataza, que em prin-
mantimentos essenciais (o avio) para as suas
cípio julgava que resultava num compromis-
longas estadas nos campos, peça que mar-
so, dava direito a uma meada de linha de cor,
cavam também com as iniciais do nome da
escolhida pela trabalhadora. Acontecia, por
sua proprietária. As praças da jorna consistiam
vezes, um, dois ou três contactos não cor-
numa espécie de mercado de mão-de-obra,
ȲƵȺȯȌȁƮƵȲƵǿ Ɗ ɐǿ ƧȌȁɈȲƊɈȌ ˛ȁƊǶ ةȯƵǶȌ ȱɐƵ
onde se encontravam os trabalhadores rurais
as raparigas exibiam ao peito e nos aventais,
e os capatazes dos grandes proprietários agrí-
várias meadas de linha, de várias cores, que
colas.
serviam, ao mesmo tempo, de ornamento
Os primeiros vendiam a sua força de trabalho
do traje. Esta realidade foi testemunhada por
aos capatazes dos grandes agricultores, que
Rita Pote, quando acompanhava a mãe à pra-
lhes ofereciam a jorna como forma de paga-
ça e por outros investigadores que dedicaram
mento, num sistema organizativo quase se-
a sua atenção a estas práticas:
“Uma vez contratados, o capataz chega a uma taberna e pede uma molhadura, isto é meio litro de vinho para cada homem. Se algum não pode ou não quer beber vinho, bebe uma cerveja, pagando o que for a mais. As mulheres recebem uma meada de linhas. Aceite a molhadura, o homem ou a mulher já não pode abandonar o patrão que a contratou. Se Ȍ ˸ɹƵȲ لƵȺɈƋ ȺɐǯƵǞɈȌ Ɗ ȯƊǐƊȲ ɐǿƊ ǿɐǶɈƊ Ȍɐ Ɗ ȯȲȌƧƵȺȺȌ ȁȌ ɈȲǞƦɐȁƊǶ ٮىٛXƮƊǶǞȁƊ ²ƵȲȲƣȌ JƊȲƧǞƊ ل 2019, p. 107).
41
ƊǶƮƵǞƊ ȁƵȺɈƊ ƊǶɈɐȲƊ ˛ƧƊɨƊ ƧȌǿ ɐǿƊ ƊȯƊ-
ro da jorna à mãe e esta, por sua vez, envia-
rência estranha, de quase abandono, já que
va mantimentos e outros bens de primeira
ƊȯƵȁƊȺ ˛ƧƊɨƊǿ ȌȺ ǞƮȌȺȌȺ ةǯƋ ǐƊȺɈȌȺ ȯƊȲƊ Ȍ
necessidade. A acomodação destes bens
trabalho, e crianças de tenra idade que ain-
ƵȲƊ ǏƵǞɈƊ Ƶǿ ȯƵƪƊȺ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȺ ȯƊȲƊ Ȍ ƵǏƵǞɈȌ ة
da não tinham corpo para trabalhar. Nesses
como o caso das bolsas, marcadas com as
ȲƊȁƧǘȌȺ ȌȁƮƵ ˛ƧƊɨƊǿ ƧƵȲƧƊ ƮƵ ׁ ׅƮǞƊȺ ةɈȲƺȺ
iniciais do seu dono, que levavam o dinhei-
semanas ou mais, a trabalhar do nascer ao
ro, e dos “talegos”, marcados e ornamenta-
pôr-do-sol, as mulheres da Glória exigiam
dos com grande profusão de cores e motivos
quartel separado dos outros ranchos de tra-
decorativos e as iniciais dos seus proprietá-
balhadores.
rios. Estes talegos serviam para levar os bens
Uma outra funcionalidade relevante dos bor-
solicitados pelos trabalhadores que estavam
ƮƊƮȌȺ Ɗ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹ ɨƵȲǞ˛ƧƊɨƊٌȺƵ ȱɐƊȁƮȌ
no campo. A mesma investigadora descreve
a estada no trabalho era prolongada e se
assim esta prática:
tornava necessário vir à Glória, levar o dinhei-
«(…) aos sábados, vêm à aldeia a “capataza” e a “mantieira”. Esta traz os “talegues” com os nomes, marcados a ponto de cruz, das donas e respectivos namorados. Entrega-os às mães ƧȌǿ Ɗ ǏƶȲǞƊ Ƶ Ȍ ȱɐƵ ƊȺ ˸ǶǘƊȺ ǿƊȁƮƊȲƊǿ ȯƵƮǞȲ ٤ ǶǞȁǘƊȺ لǿƵɈȲȌ Ƶ ȱɐƊȲɈƊ ƮƵ ȯƊȁǞȁǘȌ لƵɈƧ ى ªƵǐȲƵȺȺƊǿ ƊȌ ƧƊǿȯȌ ƧȌǿ ȌȺ ɈƊǶƵǐɐǞȁǘȌȺ Ƶ ȌȺ ƊɨǞɨƊǿƵȁɈȌȺ ȲƵȱɐǞȺǞɈƊƮȌȺ ٮىٛXƮƊǶǞȁƊ ²ƵȲȲƣȌ JƊȲƧǞƊ لפלכם لȯףכל ىٜى
Pouco depois do 25 de Abril, com as altera-
De certa forma, foi-se cortando um elo na
ƪȪƵȺ ȱɐƵ ȺƵ ˛ɹƵȲƊǿ ȺƵȁɈǞȲ ةƊȺ ȯȲƊƪƊȺ ƮƊ ǯȌȲȁƊ
transmissão deste saber-fazer ao trabalho
desaparecem e os grandes ranchos da Glória
agrícola.
ȱɐƵ ˛ƧƊɨƊǿ ȺƵǿƊȁƊȺ ǏȌȲƊ ةɈƊǿƦƶǿ ƊƧƊƦƊ-
Finalmente, com a mecanização agrícola,
ram. Agora, deslocam-se para o trabalho em
ɈƊǿƦƶǿ ȺƵ ƊȺȺǞȺɈǞɐ ƊȌ ˛ǿ ƮƊ ƊȁǞǿƊƪƣȌ ƊǶƵ-
camionetas ou tratores e regressam diaria-
gre ou melancólica das vozes das mulheres,
mente a casa, deixando a prática de marcar
que foram substituídas pelo som mecânico
em conjunto, como acontecia no passado.
das máquinas que entoa pelos campos.
42
A Infância e os bordados a ponto de cruz A gravidez adivinhava-se quando o “incómo-
a mulher, com ajuda de familiares, prepara-
do” faltava, mas a vida continuava igual para
va o enxoval para receber a criança: toucas,
a mulher, envolvida no trabalho e na lida da
babetes e fatos, devidamente ornamentados
casa, não exigindo cuidados especiais duran-
com bordados a ponto de cruz.
te as nove luas seguintes. Durante a gravidez,
A hora estava próxima e na ausência de médicos, chamava-se uma parteira. A Ti Joaquina “Cuca”, Ɗ ȯƊȲɈƵǞȲƊ ȱɐƵ ƊǯɐƮȌɐ Ɗ ȁƊȺƧƵȲ ɐǿ ȁɑǿƵȲȌ Ǟȁ˛ȁƮƋɨƵǶ ƮƵ ƧȲǞƊȁƪƊȺ Ƶǿ JǶȍȲǞƊ ƮȌ Ribatejo ٲٛمٜ ƧƊȺȌɐ ƊȌȺ כםƊȁȌȺ Ƶ ƮƵȯȌǞȺ ƮƵ ɈƵȲ Ȍ ȺƵǐɐȁƮȌ ˸ǶǘȌ لǏȌǞ ƊƧɐƮǞȲ Ɗ ɐǿƊ ɨǞɹǞȁǘƊ Ƶ Ȍ parto correu bem logo se espalhou a novidade e então, a partir daí, começou a ser chamada e, com tanta sorte e dom com que nasceu, nunca mais deixou de acudir a quem precisava, ɈƊȁɈȌ ƮƵ ƮǞƊ ƧȌǿȌ ƮƵ ȁȌǞɈƵ لƧǘƵǐƊȁƮȌ Ɗ ˸ƧƊȲ Ƶǿ ƧƊȺƊ ƮƊȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ لȱɐƊȁƮȌ ȌȺ ȯƊȲɈȌȺ ƵȲƊǿ demorados” (Margarida Ribeiro,1990, pg.131)
Este testemunho chama para a boca de cena a Ti Joaquina “Cuca”, que, para além de ajudar no parto, também era a responsável pelo bebé, nas primeiras semanas, ajudando a tratar do umbigo e outros cuidados.
Tia Joaquina “cuca” nos Anos 60 (fot. M. Ribeiro/ ADPEC)
43
À falta de médicos, as mulheres usavam a sua sapiência popular com base em crenças, superstições e mezinhas com o intuito de ajudar os recém-nascidos. Alguns dos seguintes exemplos podem parecer estranhos, mas por incríveis que pareçam, aparentemente, havia a certeza de que resultavam sempre. Eis o texto de Margarida Ribeiro que as descreve :
Contra as manchas e sinais da pele (ƵɨƵ Ɗ ǏɐɈɐȲƊ ǿƣƵ ȯȲƵƧƊɨƵȲٌȺƵ ƮƵ ɈȲƊɹƵȲ ˜ȌȲƵȺ ةƧȌȲƮȪƵȺ Ȍɐ ȯȲƵǐƊdeiras ao peito, chaves à cintura ou nas algibeiras e de comer romã;
Contra doenças e pragas Deixar consumir o umbigo do recém-nascido na cinza do lume de chão dentro de casa;
Contra a lua Não sair com uma criança à noite e preservar as suas roupas de “serem vistas pela lua”;
Contra a perda ou atraso da fala Evitar que a criança se veja num espelho;
Contra a seca do leite materno Não beber pelo mesmo copo em que já bebeu outra mulher ama;
44
Tirar a “lua” a uma criança Deitam-se sobre umas brasas retiradas da lareira três pequenos ramos, um de tasneirinha, outro de alecrim e outro de aroeira. A pessoa mais idosa da casa, geralmente a avó passa a criança pelo fumo em cruz, primeiro de bruços e depois de costas, dizendo: “Mãe forta (= má), mãe forta Nã dêxes morrer o menino C’um ataque de lua forta”
Se a criança não melhora, à noite, logo que a lua atinge a máxima de altura no horizonte, a mãe leva a criança à porta do quintal, quase desnudada, estende-a nos braços, deixa-a banhar pelo luar e faz o seguinte sacrifício: “Ó lua, ó luar Pega lá o mê menino Acabo d’o criar Tu por mãe e eu por ama Cria-o tu Qu’eu lhe darei mama”
Mezinhas para secar os peitos Vão à rua e trazem na mão esquerda uma mão-cheia de areia, “ordenham” os peitos para dentro dessa areia, enterram-na atrás da porta com o pé esquerdo, e estão nove dias sem varrer aquele sítio. Limpam os peitos com folha de couve e azeite, depois de passada pelo lume;
Mezinhas para a criança enrijar e fazer crescer o cabelo
Fervem mão de vaca dentro de uma panela nova, sobre um cobertor colocam um alguidar, passam a criança por essa água e abafamȁƊ ƧȌǿ ɐǿ ǶƵȁƪȌǶ سƮɐȲƊȁɈƵ ȁȌɨƵ ƮǞƊȺ Ɗ ˛Ȍ ةȯƊȺȺƊǿ Ɗ ƧȲǞƊȁƪƊ ȺƵǿȯȲƵ pela mesma água; depois desses nove dias, põem a água e a carne numa encruzilhada ou em água corrente, e não passam por esse sítio durante 15 dias.» (exemplos retirados de Ribeiro, Margarida “Crenças e Superstições”, 2001, Pág.271-310)
45
A indumentária das crianças glorianas eram,
tecido, e a “touca de cima”, feita de outro te-
de facto, feitas pelas mães ou familiares. Du-
cido que podia ser seda ou “gorgorina”, mas
rante a gravidez, iam pacientemente bordan-
com o folho de pano branco, igual ao da “tou-
do as diferentes peças e os diferentes fatos
ca de baixo”.
que constituíam os trajes das crianças.
Posteriormente, estas duas peças tornaram-
A “camisa de nascença” era uma camisa inte-
-se numa só: a touca passou a ser forrada
rior, usada nos primeiros dias do bebé e con-
e com dois folhos “pregados” na mesma peça.
tinha bordados motivos a ponto de cruz e as
Os folhos das toucas fazem lembrar as gar-
iniciais do nome da criança. O outro traje de
gantilhas que os nobres usavam no séc. XVI.
infância era constituído pelo vestido, babete
Destaca-se ainda o uso de uma touca especí-
Ƶ ɈȌɐƧƊ ةȯȌƮƵȁƮȌ Ɗ˛ȲǿƊȲٌȺƵ ȱɐƵ Ɗ ǿƊǞȌȲ ȲǞ-
˛ƧƊ ȱɐƵ ƵȲƊ ɐɈǞǶǞɹƊƮƊ ȁȌ ƮǞƊ ƮƵ ȁƊɈƊǶ ةȱɐƵ Ƶǿ
queza decorativa dos bordados a ponto de
Glória do Ribatejo se celebrava no dia 26 de
cruz, estava espelhada neste fato, com natu-
dezembro. Após a missa, a comunidade reu-
ral destaque para as toucas de infância, em
nia-se em frente à igreja em fraterna comu-
que a mulher colocava todo o seu primor na
nhão. Esta cerimónia de celebração do natal
elaboração desta peça.
do dia 26 de dezembro manteve-se até ao
As toucas de infância eram verdadeiras
início da década de 1970.
obras de arte, uma profusão de cores e mo-
A razão pela qual era celebrado neste dia
tivos decorativos, que espelham a dedicação
o natal residia no facto de o padre ter outras
e o perfecionismo das mulheres glorianas.
cerimónias a realizar em Muge e não ter dis-
Ao longo dos tempos, estas toucas vão va-
ponibilidade e possibilidade de se deslocar
riando e as mais antigas eram constituí-
à Glória, no dia 25 de dezembro, já que a al-
das por duas peças: “touca de baixo”, feita
deia se encontrava mais afastada do centro
de pano branco e com o folho do mesmo
do concelho.
Pormenor de fato e touca de infância (fot. M. Ribeiro/ADPEC)
Touca de infância, RFCPGR (M. Cardoso /CMSM)
46
Diversidade e Evolução do Traje Gloriano De todas as peças da indumentária, o ca-
As caraterísticas do casaco permitem con-
saco seria a mais complexa. Desde cedo, as
textualizar relativamente bem o traje na res-
raparigas eram iniciadas na árdua tarefa de
ȯƵɈǞɨƊ ƶȯȌƧƊ خȯƊȲɈǞȲ ƮȌ ˛ȁƊǶ ƮƊ ƮƶƧƊƮƊ ƮƵ
confecionar um casaquinho bem feito que
1950 até à extinção do traje pela geração jo-
passava por várias etapas: fazer e desfazer
ɨƵǿ ˛ـȁƊǶ ƮƊ ƮƶƧƊƮƊ ƮƵ ׁ ةف׀ׇȌ ƧƊȺƊƧȌ ȯƊȺ-
ƊɈƶ Ɯ ƊȯȲȌɨƊƪƣȌ ˛ȁƊǶ خƧƊȺƊƧȌ ةȯƵƪƊ ƮƵǶǞ-
sa a ser muito ornamentado, com motivos
cada, apresenta feitios diversos, consoante
a ponto de cruz, favos de mel e outras artes
as épocas, e distingue-se pelos seus nomes
de pormenor.
próprios: “casaco de regadeira”, “casaco de meia regadeira”, “casaco aos bicos cortados”, casaco de espelho”, “casaco de orelhas”, etc.
A saia de castorina (de embrulhar) era também peça indispensável, tanto no inverno, como no verão. Tinha em média 4,5 metros de roda, sendo substituída pelo xaile ou malhão em ocasiões festivas. Esta peça era também ornamentada na parte inferior, do lado direito, com motivos e letras a ponto de cruz, marcados em lã, de várias cores. Na cabeça, usavam-se lenços de pano, de fundo branco ou amarelo, com os mais diversos padrões e cores. Eram conhecidos, tamƦƶǿ ةȯȌȲ ȁȌǿƵȺ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧȌȺٗ بǶƵȁƪȌ ƜȺ ƧƊȲtas”, “lenço aos ramos”, “lenço aos corações”, “lenço aos laços”, “lenço às grades”, “lenço aos torricados”, “lenço às estrelas”, “lenço às cebolas”. Nos trajes de festa, usava-se lenço chinês e lenço de cachené, dos mais vistosos aos mais sóbrios. Também as cores variavam entre as várias tonalidades de amarelo, verde, cor-de-laranja, castanho e até azul. No traje de semana e de domingo, o lenço marcado e dobrado “à balhana” ou em quatro pontas era em tudo igual ao dos namorados e era Boneca com Traje de Domingo e Segunda -Feira (fot. S. Magriço /CMSM)
47
usado ao lado (esquerdo ou direito). Toda
contemplava ainda cinta (faixa) encarnada,
a compostura era rematada com cinto aper-
usada abaixo do ventre, com as pontas atrás,
tado na cintura, diferente nas cores, espessu-
marcadas com lãs de várias cores vivas. Os
ra e aplicações, consoante as circunstâncias
motivos mais comuns eram as letras, cerca-
e as épocas. No caso das raparigas solteiras,
duras miudinhas, corações, estrelas, o besoi-
ao domingo ou noutras ocasiões “alumia-
ro, etc., cujos cadilhos eram rematados, nas
das”, como o Carnaval e a Páscoa, o traje
extremidades, com lãs enroladas, das mesmas cores vivas. yȌȺ ˛ȁƊǞȺ ƮȌ ȺƶƧɐǶȌ åXå Ƶ ǞȁǠƧǞȌ ƮȌ ȺƶƧɐǶȌ åå ة os rapazes usavam também as mesmas cintas, mas pretas, com que apertavam a zona do ventre. Os motivos e as cores eram semelhantes aos das raparigas, mas um pouco mais discretos. Contudo, enquanto o traje feminino perdurou nas gerações jovens até ƊȌ ˛ȁƊǶ ƮƊ ƮƶƧƊƮƊ ƮƵ ׁ ة׀ׇȁȌȺ ǘȌǿƵȁȺ ةƊȺ ǐƵȲƊƪȪƵȺ ǯȌɨƵȁȺ ƊƦƊȁƮȌȁƊȲƊǿ Ȍ ɈȲƊǯƵ ȁȌȺ ˛nais da década de 1950. Mais tarde, quando já mães, tinham de fazer ƊȺ ɈȌɐƧƊȺ ȯƊȲƊ ȌȺ ˛ǶǘȌɈƵȺ خÇȁȺ ǏȌǶǘȌȺ ƦƵǿ embainhados e bem encasalados faziam subir a reputação de qualquer mãe de família. De tal forma assim era que, no Natal, para as mulheres casadas, o ponto alto do ƮǞƊ ȺƵȲǞƊ ɨǞȲ ȯƊȲƊ Ɗ ȲɐƊ ȯƊȺȺƵƊȲٌȺƵ ƧȌǿ ȌȺ ˛lhotes, de toucas engalanadas, mostrando e admirando umas e outras. Toda a roupa era muito poupada, razão por que passava por várias fases de uso até chegar a rodilha. Assim, uma peça nova era usada ao domingo. Já envelhecida, passava a ser usada à semana e, daí, era posta ao trabalho. Depois de esfarrapada, continuava a ter utilidade, como rodilha, nas lides domésticas. Os trajes de festa não entram nesta sequência. Eram guardados para outras ocasiões
Mulheres com Traje na década de 60 (fot. M. Ribeiro /ADPEC
48
festivas e, às vezes, das saias das mulheres,
ra as cores se situem apenas entre o sóbrio
faziam-se outras peças para as meninas.
e o preto. Para as gerações mais jovens, o 25
Do traje feminino, merece realce uma peça
ƮƵ ƦȲǞǶ ƶ Ȍ ǿƊȲƧȌ ɈƵǿȯȌȲƊǶ ȱɐƵ ƮƵ˛ȁƵ Ȍ ǞȁǠ-
usada pelas meninas e jovens, trata-se do
cio de uma nova era, a partir da qual, a matriz
avental marcado, que, entre as décadas de
tradicional se vai esvanecendo, progressiva-
1940 e 1960, apresenta marcados e outras ar-
mente, até desaparecer por completo.
tes de pormenor, merecedoras de atenção.
De facto, o traje foi evoluindo consoante as
São peças feitas a partir de tecidos singelos,
ƶȯȌƧƊȺ ةȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌ Ȍ ƊȯƊȲƵƧǞǿƵȁɈȌ ƮƵ ǿƊɈƵ-
como o linhol e a popelina, de cores branca,
riais ao longo da história, da moda (por ex. a
amarela, cor de rosa, cor de grão, azul claro, ri-
altura das saias), mas sobretudo, revelando
camente ornamentadas com motivos muito
uma criatividade extraordinária que se de-
ƮǞɨƵȲȺȌȺ ةƧȌǿ ȯȲƵƮȌǿǠȁǞȌ ƮƊȺ ˜ȌȲƵȺ Ƶ ǶƵɈȲƊȺ ة
senvolveu numa ambiência de quase com-
marcados com uma grande paleta de cores,
petitividade entre as próprias mulheres, le-
o que os torna únicos no panorama nacional.
vando assim ao surgimento de peças muito
O traje da Glória ainda hoje se pode obser-
complexas e criativas, do ponto de vista da
var nas mulheres mais idosas, muito embo-
confeção.
Raparigas Glorianas nos Anos 60 (fot. M. Ribeiro /ADPEC)
49
Ler e interpretar os bordados nos Lenços de Namorados Já antes se apontou que a decoração des-
tividade e também as iniciais do nome dos
tes lenços é baseada no modelo geométrico
namorados. A parte decorativa mais interes-
em que predomina a simetria e a forma. Na
ȺƊȁɈƵ Ƶǿ ɈƵȲǿȌȺ ƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ ƶ ȺƵǿ ƮɑɨǞƮƊ
composição decorativa destes lenços, cada
as iniciais dos namorados e das colegas de
ângulo do lenço vai dar ao centro, a partir
trabalho (camaradas e seus respetivos na-
do qual se vai construindo toda a composi-
morados também). Foi isto que reconheceu
ção. No que respeita a motivos decorativos,
um escritor como Alves Redol, quando es-
encontramos símbolos do sagrado, de afe-
creveu:
“lá estão marcados a ponto de cruz, as iniciais dos dois, as do pai dele, e as da mãe dela, as dos mais íntimos amigos e as respetivas noivas. ÀɐƮȌ ƊȱɐǞǶȌ ƮƵ ǿǞȺɈɐȲƊȺ ƮƵ ɨǞȁǘƵɈƊȺ Ƶ ƵȺɈȲƵǶƊȺ لȺǞǐȁȌȺ ȺƊǞǿȪƵȺ Ƶ ˹ȌȲƵȺ لȁɐǿƊ ƮǞȺȯƵȲȺƣȌ ƮƵ letras, direitas umas, ao inverso outras, envolvendo pais e amigos numa mesma comunhão de carinho e afeto. A inclusão do nome dos amigos e conversados é uma sequencia dos seus hábitos, pois as raparigas que namoram rapazes amigos passam a ser intimas também. No baile, no trabalho, nas festas andam juntas. Trocam as suas alegrias e os seus pesares, formando tal qual eles um todo de fraterna convivência. (Redol, 2004, pág. 98)
Para melhor ler e interpretar os lenços de na-
do Ribatejo – As Cantigas”, Rita Pote mos-
morados é importante entender o contexto
trou como existe uma estreita relação entre
social vivido em Glória do Ribatejo, que mui-
o “arremendar” e a literatura oral de temáti-
ɈƊȺ ɨƵɹƵȺ ȺƵ ȲƵ˜ƵɈƵ ȁƊȺ ɈƵǿƋɈǞƧƊȺ ȱɐƵ ȺƣȌ
ca amorosa, que se manifesta em cantigas,
bordadas. Em 2020, no texto de apresenta-
melodias, danças, versos, romances, contos,
ção de candidatura às “Sete Maravilhas da
rezas, orações, anedotas, adivinhas, provér-
Cultura Popular” - Tradição Oral de Glória
bios, adágios e gracejos.
Pormenor de um pano de tabuleiro do pão da ADPEC (fot. M. Cardoso /CMSM)
50
Um exemplo é a seguinte estrofe que, enquanto trabalhavam, as mulheres dedicavam umas às outras: Ainda hoje m´alembrei A folha da tangerina Adeus, ó Armando Zé Ó Jacinta Alexandrina.
Nas horas de lazer, à “fumaça” ou à noite, também havia momentos privilegiados para o aparecimento de um largo espetro de cantigas relacionadas com a saudade, o amor, a ausência perlongada, ou a sepaȲƊƪƣȌ ƮƵ˛ȁǞɈǞɨƊب Algum dia, era eu Rosa que andava na mão Agora sou uma vassoura Com que tu varres o chão. Olha lá, ó camarada, Em tudo somos iguais O teu amor te deixou, O meu para nunca mais. Uma amostra deste universo muito particular de oralidades pode ser visto e visitado na Associação Rancho Folclórico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo (instituição de utilidade pública) que tem procurado desenvolver um levantamento sistemático desta situação.
Lenços dos namorados do RFCPGR (M. Cardoso/ CMSM)
51
Curiosamente há muitos informantes que
ƮƊ JǶȍȲǞƊ ةǞȺȺȌ ȁƣȌ ȺƵ ɨƵȲǞ˛ƧƊ ةȯȌǞȺ ةƊȺ ȲƊȯƊ-
se têm prestado a testemunhar essa poesia
rigas não sabiam ler nem escrever – conhe-
cantigas, melodias, danças, versos, roman-
ciam apenas algumas letras do alfabeto – as
ces, contos, rezas, orações, anedotas, adivi-
necessárias ao seu pequeno universo de re-
nhas, provérbios, adágios e gracejos.
lações de amor, amizade e familiar. Assim
Ainda relativamente às relações que se es-
sendo, essa poesia era dita ou cantada, quer,
tabelecem entre as peças marcadas produ-
enquanto trabalhavam, quer à noite, quando
zidas pelas raparigas e a literatura oral, deve
se juntavam à volta da candeia para marcar.
mencionar-se o caso dos lenços de namora-
Trata-se de uma poesia traduzida através de
dos. Seria de esperar que, havendo uma vas-
uma linguagem simbólica e metafórica, tal
ta poesia de temática amorosa, a mesma se
como podemos observar nos motivos mar-
visse espelhada nos próprios lenços, como
cados nos lenços, os quais expressam narra-
acontece nos do Minho. No caso concreto
tivas idênticas:
O sol prometeu à lua ÇǿƊ ˸ɈƊ ƮƵ ǿǞǶ ƧȌȲƵȺ Quando o sol promete prendas Fará quem tem seus amores. Se eu tivesse da tinta roxa Ou azul aos quadradinhos Escrevia-te uma cartinha Só de abraços e beijinhos. Tenho um lenço de beijinhos Meu, amor, para te dar Tem os nós tão miudinhos Não os posso desatar. Toma lá, que te dou eu Não é nada de comer É um lenço de saudades Com penas de te não ver. Anda, amor, vem i mais eu À igrejinha de prata Dar o nó que todos dão Só a morte é que nos desata.
Lenço dos namorados (fot. ADPEC)
52
Estas quadras fazem parte de um vasto con-
partida, o rapaz oferecia também à rapariga
junto que se encontra na exposição perma-
pequenas prendas. Bastava uma “navalhinha
nente de lenços de namorados, desde 2014,
bonita” para fazer a felicidade dela. Mas ha-
no já referido Centro de Documentação e Es-
via muitos rapazes que faziam questão que
ɈɐƮȌȺ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ خ
a sua namorada evidenciasse, de forma bas-
Os lenços de namorados incluíam-se nas
tante expressiva, a sua ligação. Desse modo,
prendas que os namorados trocavam en-
ela recebia várias alianças de prata, cravadas
tre si, como forma simbólica de selar o seu
de pedrinhas às cores que, no conjunto, pro-
compromisso. Assim, no momento em que
duziam um certo efeito exibicionista. Alguns
se consideravam um para o outro, a rapariga
ofereciam também peças em ouro (um anel,
confecionava um conjunto de peças de uso
uma pregadeira).
“vulgar” com que brindava o namorado: o ta-
Mais tarde, e mostrando também as suas
lego do farnel, a bolsa do relógio, a carteira, a
habilidades de artesão, ele confecionava,
charteira/pataqueira, os lenços de assoar e os
pacientemente, algumas miniaturas (ces-
lenços de usar no traje. O curioso é que es-
tinhas, cadeiras, bolotas), feitas de pau de
tas peças de vulgar nada tinham. Qualquer
murtinheira, com a ajuda de uma simples
uma delas era extraordinariamente embele-
navalha, que ela usava ao peito, fazendo con-
zada com motivos a ponto de cruz, que vão
junto com um raminho de manjerico e a pe-
indicados e explicados no Anexo II/1 nº 53 (In-
quena moldura com o retrato dele.
ventário Preliminar de Símbolos). Em contra-
Lenço dos namorados, décadas de 40/50 (fot. M. Cardoso/CMSM)
53
8 Contexto de transmissão:
8.1. Estado: Ativo 8.2. Descrição: O contexto de transmissão dos bordados de
avós, mães, familiares e amigos (“camara-
Glória do Ribatejo assume um caráter inter-
das”).
geracional, já que as mulheres ensinam as
Alves Redol intui bem a situação quando
mais novas o que anteriormente aprende-
descreve, na obra dedicada a Glória do Riba-
ram com as mais velhas, sendo mais comum
tejo, alguns aspetos dos bordados a ponto de
que esta passagem se processe no interior
cruz, apontando a sua função social e a sua
ƮƊ ǏƊǿǠǶǞƊ ةƮƵ ǿƣƵȺ ȯƊȲƊ ˛ǶǘƊȺخ
utilidade quotidiana, na década de 30 do sé-
É um tipo de património cuja tradição vai
ƧɐǶȌ åå خƊɐɈȌȲ Ɗ˛ȲǿƊ ȱɐƵب
percorrendo as gerações, legado pelas suas
ٲƊ ƊȲɈƵ ȁƣȌ ƧȌȁȺɈǞɈɐǞ ɐǿ ˸ǿ Ƶǿ ȺǞ ȯȲȍȯȲǞƊ لƵ ɈƊȁɈȌ ȁȌȺ ȌƦǯƵɈȌȺ ƮƵƧȌȲƊƮȌȺ لƧȌǿȌ ȁȌȺ ǿȌɈǞvos da decoração, se encontra sempre o objetivo de utilidade imediata do temperamento prático do camponês, que não pode exceder-se aos elementos que o rodeiam e dominam” (Redol, 2004, pág.117).
São várias, pois, as circunstâncias do quoti-
A maior parte das mulheres, nascidas a partir
diano onde estavam – e estão – presentes os
da década de 1970, que sabiam bordar deixa-
bordados a ponto de cruz.
ram de o ensinar e transmitir, por várias vicis-
yƵȺɈƵ ȯȲȌƧƵȺȺȌ ƮƵ ɈȲƊȁȺǿǞȺȺƣȌ ةƊɈƶ ƊȌ ˛ȁƊǶ
ȺǞɈɐƮƵȺ بȁȌɨƊȺ ȯȲȌ˛ȺȺȪƵȺ ةȌ ƊȯƊȲƵƧǞǿƵȁɈȌ ƮƊ
da década de 60 do século passado, as mu-
televisão e outros interesses consequentes
lheres glorianas que sabiam “marcar”, ensi-
da própria evolução que transformou a so-
navam as mais novas, como os resultados
ciedade portuguesa a partir destas décadas.
dos inquéritos efetuados demonstram.
54
Desenho de bordados a ponto- cruz (fot. ADPEC)
ȯƊȲɈǞȲ ƮȌȺ ˛ȁƊǞȺ ƮƊ ƮƶƧƊƮƊ ƮƵ ׁ ׀ׅȺɐȲǐƵǿ
curso, as formandas realizaram atividades de
os chamados marcadores (mostruários) em
pesquisa e reproduziram largas dezenas de
ȯƊȯƵǶ ȱɐƵ Ǟȁ˜ɐƵȁƧǞƊǿ ǐȲƊȁƮƵǿƵȁɈƵ Ɗ ɈƵ-
peças em que aplicaram a técnica do ponto
mática e a diversidade dos motivos, o aces-
de cruz e outras relacionadas com artes do
so a revistas com bordados a ponto de cruz,
pormenor. De forma a divulgar estes traba-
altera alguma da simbologia anteriormente
lhos à comunidade, foram levadas a cabo
usada, surgindo novos motivos, assim como
algumas exposições que acabaram por des-
a utilização dos bordados em novas peças.
poletar grande interesse nas mulheres, que
Contudo, continua a haver exemplo do lega-
têm vindo desde essa altura a confecionar
do de transmissão pelas avós, quando há fal-
essas tipologias de peças e a procurar nas
ta de disponibilidade, por parte da mãe.
respetivas famílias exemplares de tempos re-
Nos anos 90 do século XX, destacam-se al-
motos que possam servir de mostruários. A
ǐɐȁȺ ƧɐȲȺȌȺ ˛ȁƊȁƧǞƊƮȌȺ ȯƵǶƊ ÇȁǞƣȌ 0ɐȲȌ-
associação não cessou esta atividade com o
peia com objetivo da Salvaguarda de Sabe-
terminus dos dois cursos. Pelo contrário, tem
res-Fazer Tradicionais e a Câmara Municipal
continuado a investigação e a replicação de
de Salvaterra de Magos organizou algumas
peças velhas que têm vindo a ser agrupadas
iniciativas junto das mulheres de Glória do
em coleções. A continuidade deste processo
Ribatejo, promovendo workshops e cursos
ɈƵǿ ɨǞȁƮȌ Ɗ ǿƵȲƵƧƵȲ Ɗ ƧȌǶƊƦȌȲƊƪƣȌ ˛ȁƊȁƧƵǞ-
de bordados a ponto de cruz, de que Rita
ra da Câmara Municipal e da Junta de fre-
Pote foi monitora/coordenadora. Mais recen-
guesia, que veem nesta atitude uma forma
temente, em 2014 e 2015, foram ministrados
de salvaguarda deste património.
dois cursos dirigidos a mulheres entre os 40
De acordo com os resultados obtidos nos in-
e os 63 anos, numa parceria entre a associa-
quéritos realizados, 75,7% dos inquiridos que
ção Rancho Folclórico da Casa do Povo de
sabem marcar transmitiram este saber e dos
Glória do Ribatejo e o IEFP, cuja coordenação
24.3% que não transmitiram, isso deve-se ao
esteve a cargo de Patrícia Pote e Rita Pote.
ǏƊƧɈȌ ƮƵ ǿɐǞɈƊȺ ɨƵɹƵȺ ɈƵȲƵǿ ƊȯƵȁƊȺ ˛ǶǘȌȺ ƮȌ
Esta iniciativa permitiu o levantamento de
ȺƵɮȌ ǿƊȺƧɐǶǞȁȌ Ȍɐ ȌɐɈȲƊȺ ƊɈǞɨǞƮƊƮƵȺ شȯȲȌ˛Ⱥ-
centenas de peças que foram fotografadas
sões que não lhes permitiam praticar nem
e coligidas em pasta própria. Ao longo do
transmitir este legado.
55
8 .3. Modo(s): Oral e experimentação nos tecidos.
8 .4. Agente(s): Predominantemente mulheres gloriana
8 .5. Idioma: Português
9 Origem/historial
Os bordados a ponto de cruz inserem-se na
sobretudo mensagens em objetos e peças de
arte popular, que é a arte do povo e esta arte
uso quotidiano. É uma arte que não segue
nasce do desejo de introduzir cor, alegria, mas
correntes artísticas:
«o poder criador da alma popular é como a água límpida que jorra de uma fraga. Não se ȺƊƦƵ ȯȌȲȱɐƵ ȲƊɹƣȌ ƊǶǞ ȺɐȲǐƵ ȯƊȲƊ ȲƵ˹ƵƧɈǞȲ Ɗ Ƕɐɹ Ƶ ǶȌǐȌ ȺƵ ƵɮȯƊȁƮƵ Ƶǿ ǏȌȲƪƊ Ƶ ƦƵǶƵɹƊ ى1 ƊȺȺǞǿ que irresistivelmente, se manifesta o engenho das populações rurais da doce terra portuǐɐƵȺƊ ٮٛwȌɐȲƊ لȺىƮלנ لىٜ
Os bordados a ponto de cruz recuam ao
Ribatejo, fazem parte do binómio identi-
período medieval, cuja origem pode ser en-
dade/memória da comunidade desta fre-
contrada nos famosos “opus pulvinarium”
guesia e a forma como eram e são usados
medievais, que eram tapeçarias feitas sobre
diferencia-os das restantes comunidades
tela grossa, com um ponto em forma de X”
locais e regionais. Os motivos aplicados,
(Idem, 61).
a escolha das cores e a forma como eram
Os bordados a ponto de cruz de Glória do
e são empregues acabaram por consti-
56
tuir uma matriz que muito contribuiu para
mais antigos e ricos da humanidade, bordar
Ɗ Ɗ˛ȲǿƊƪƣȌشƮǞǏƵȲƵȁƧǞƊƪƣȌ ƮƵȺɈƊ ƊȲɈƵ Ƶǿ JǶȍ-
a cruz é um gesto sem tempo, como refere
ria do Ribatejo. A Cruz é um dos símbolos
Roberto Caneira:
!ٲȲɐɹƊȲ ˸ȌȺ لƧȲǞƊȁƮȌ ǿȌɈǞɨȌȺ ǿɐǞɈƊȺ ɨƵɹƵȺ ɈƊǿƦƶǿ ƵǶƵȺ ȺǞǿƦȍǶǞƧȌȺ ٛ˹ȌȲƵȺ لƧǘƊɨƵȺ لƧȌȲƊƪȪƵȺ ل etc.) é de certa forma, cruzar caminhos do subconsciente e porque não do inconsciente, projetando sobre o pano em branco as suas próprias encruzilhadas interiores” (Caneira, 1998, 13).
Mãos a “marcar” (fot. ADPEC)
57
Os exemplares de peças bordadas mais an-
e avós, o que nos permite datar a existência
ɈǞǐƊȺ ȱɐƵ ƧȌȁȺƵǐɐǞǿȌȺ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊȲ ةƵȁƧȌȁ-
destes bordados até pelo menos à primeira
ɈȲƊǿٌȺƵ ȁȌ wɐȺƵɐ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ƮƊ JǶȍȲǞƊ Ƶ ȁȌ
metade do século XIX, podendo estes regis-
Centro de Documentação e Estudos Etno-
tos ser ainda mais antigos. De um passado
ǐȲƋ˛ƧȌȺ ƮƊ ǿƵȺǿƊ ǏȲƵǐɐƵȺǞƊ ةƧɐǯƊ ƊȁɈǞǐɐǞ-
ligeiramente mais recente, relacionado com
dade remonta ao início do século XX (muito
o mundo rural, dos ranchos, dos quartéis e
embora reproduzam o espírito e a manufa-
das ausências prolongadas, ainda existem
tura do século XIX) e em recolhas orais efe-
memórias vivas na comunidade. Eis uma
tuadas a mulheres nascidas nas décadas de
passagem de um desses relatos da autoria
ׂ ׀׃ش׀ƮȌ ȺƶƧɐǶȌ ȯƊȺȺƊƮȌ ةȱɐƵ Ɗ˛ȲǿƊǿ ɈƵ-
de D. Cecília:
rem aprendido a “marcar” com as suas mães
«Nunca fui à escola. Tinha dez anos quando comecei a trabalhar no campo. Íamos de farnel aviado, estávamos às três semanas nos campos de Vila Franca. À noite, dentro do quartel, acendíamos a candeia, que era uma torcida de trapo onde púnhamos azeite, que em vez de ser para o comer, era para pôr na candeia. Depois bordávamos, que era marcar cá à nossa moda. A gente era marcar as nossas coisinhas, para quando um dia ɈǞɨƶȺȺƵǿȌȺ ɐǿ ǏɐɈɐȲȌ ٮىٛ٭wƊȲƧƊȺ ƮƊ !ɐǶɈɐȲƊ JǶȌȲǞƊȁƊלם لٮٜى
Ti Maria Mariana, Ti Laura, Ti Margarida Damião Museu Casa Tradicional, Glória do Ribatejo, dezembro de 2019 (fot. M. Augusto /CMSM)
58
Numa recolha efetuada no Museu Etnográ-
outras vozes de várias mulheres destacam
˛ƧȌ ƮƊ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ Ɗ ׁׂ ƮƵ ȁȌɨƵǿ-
a originalidade e o sentimento de pertença
bro de 2019, conforme consta no nº 1 Anexo
dos bordados a ponto de cruz:
XX(ـ ׂشȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌ ǏǠǶǿǞƧƊ Ƶ ɨǞƮƵȌǐȲƋ˛ƧƊ ةف
٧ ٭yȍȺ ȁƣȌ ȺƊƦǠƊǿȌȺ ǶƵȲ لǿƊȺ ȺƊƦǠƊǿȌȺ ٲȯƊȁɈƊȲ ٳٙƧȌǶȌƧƊȲٚƊȺ ǶƵɈȲƊȺ ƮǞȲƵǞɈƊȺٮى ٧ ٭Ⱥ ȯƵȺȺȌƊȺ ƮƵ ȌɐɈȲȌȺ ȺǠɈǞȌȺ ƊȲȲƵǐƊǶƊɨƊǿ ȌȺ ȌǶǘȌȺ ƊȌȺ ȁȌȺȺȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺٮى - «[Os motivos decorativos] já tirávamos pelas nossas avós, as nossas mães pelas mães deǶƊȺ لǞȺɈȌ ȺƣȌ ƧȌǞȺƊȺ ȱɐƵ ˸ƧƊȲƊǿ ƮƵ ǐƵȲƊƪƣȌٮى - «A gente tapava tudo era com estas coisinhas [os panos para os móveis no interior das habitações] ٧ ٭ٙȌɐɈȲȌȺ ǿȌɈǞɨȌȺ ƮƵƧȌȲƊɈǞɨȌȺٚ XȺɈȌ ǯƋ ƶ ǿƊǞȺ ǿȌƮƵȲȁȌ لƶ ɈǞȲƊƮȌ ƮƵ ǶǞɨȲȌȺٮى - «A mocidade era tão linda, a gente “ajuntava-se”, raparigas com cintos encarnados e ƊɨƵȁɈƊǞȺ ƧȌȲ ƮƵ ǶǠȲǞȌ ٙȲȏɮȌٚ لǠƊǿȌȺ ɈȌƮƊȺ Ƶǿ ˸ǶƊ لƵȲƊ ǿɐǞɈȌ ƦȌȁǞɈȌٮى
Em resumo, a conjuntura que se gera a par-
temáticas de bordados, nas décadas de 1970
tir da década de 1970 do século passado,
e 1980, as mulheres glorianas começam a co-
ƧȌǿ Ȍ ˛ǿ ƮȌ ɈȲƊƦƊǶǘȌ ƮȌ ȁƊȺƧƵȲ ƊȌ ȯȏȲ ƮȌ
piar estes novos motivos decorativos, recrian-
sol, a revolução de abril e consequente de-
do-os, muitas vezes. Contudo, nunca deixam
mocratização do país, aliado à melhoria dos
de bordar os motivos mais antigos que fo-
transportes e mecanização dos trabalhos
ram feitos pelas suas avós e mães. A mulher
ƊǐȲǠƧȌǶƊȺ ةƮǞɈȌɐ Ȍ ˛ǿ ƮȌȺ ǐȲƊȁƮƵȺ ٗȲƊȁƧǘȌȺ٘
gloriana que vai trabalhar fora da sua terra e
de trabalho e por consequência também a
regressa diariamente a casa, só se dedica aos
forma de fazer os bordados sofre alterações.
bordados a ponto de cruz quando o trabalho
Se, no passado, o modelo que servia de base
rural escasseia. Apesar disso, a sensibilidade
para os bordados eram as peças antigas e
e talento que lhes imprime são os mesmos
por isso há uma multiplicação de motivos
de outrora. Nos dias de hoje, os bordados a
bordados idênticos, havendo apenas altera-
ponto cruz assumem novas funcionalidades
ƪȪƵȺ ȁƊȺ ƧȌȲƵȺ ةƊ ȯƊȲɈǞȲ ƮȌ ˛ȁƊǶ ƮƊ ƮƶƧƊƮƊ
ao incorporarem novas peças e novas temá-
de 1950, altura em que surgem os primeiros
ticas, próprias do mundo contemporâneo.
marcadores (mostruários) a papel e revistas
59
As melhores condições de vida, a televisão,
está assegurada.
nomeadamente as novelas portuguesas das
Para além do que se refere tradicionalmen-
décadas de 1980/1990, foram determinan-
te, importa também lembrar a importância
tes para a criação de novas peças. As mulhe-
que as políticas públicas no concelho trouxe-
res tentaram copiar para as suas habitações
ram de novidade. De facto, o município não
o que viam nos cenários destes episódios,
se limitou, como é norma, a apoiar iniciativas
sendo os melhores exemplos: toalhas de
dispersas que ocorrem no concelho. Além
mesa bordadas, quadros com motivos distin-
ƮǞȺȺȌ ةƮƵ˛ȁǞɐ Ɗ ƧɐǶɈɐȲƊ Ƶ Ȍ ȯƊɈȲǞǿȍȁǞȌ ƧɐǶɈɐ-
tos do que era habitual (paisagens, animais,
ral como áreas às quais deveria ser dada uma
etc.), colchas, entre outros.
importância muito especial.
Este património mantém-se “vivo”, graças ao
Por isso, é relevante sublinhar que os com-
esforço dessas mulheres que não desistem
promissos que a Câmara Municipal se propõe
e à dedicação e ação de vários agentes: asso-
respeitar no futuro são a consequência lógica
ciações e coletividades que continuam em-
de ter sido ela própria a incentivar as lideran-
penhadas na sua salvaguarda e valorização,
ças locais a abraçar um projeto de defesa do
junto da comunidade local, com particular
património, mas, mais importante, através
relevo para a consciencialização das camadas
destas ações, a reforçar a coesão social e os
mais jovens.
laços de cidadania. Esta política tem permiti-
A constituição de núcleos museológicos, con-
do dar oportunidade às várias freguesias do
ceção de exposições e edições são recursos
concelho para que sejam capazes de criar um
pedagógicos que comprovam que este pa-
espaço de realização cultural cada vez mais
trimónio está “vivo” e que a sua salvaguarda
dinâmicos.
Fachada do Núcleo Museológico “Casa Tradicional” de Glória do Ribatejo (fot. M. Cardoso /CMSM)
60
Interior do Nucleo Museológico “Casa Tradicional” (fot. M. Cardoso /CMSM)
61
II. DOCUMENTAÇÃO:
10 Bibliografia: Bayley, H. (2006). A Linguagem Perdida do Simbolismo . Cultrix. Cabral, C. B. (2011). Património Cultural Imaterial - Convenção da UNESCO e seus contextos. Lisboa : Edições 70. Cabral, E. (1998). O ponto de cruz: a grande encruzilhada do imaginário. Instituto Português de Museus. !ƊƮƵȲȁȌ ƮƵ 0ȺȯƵƧǞ˛ƧƊƪȪƵȺ ƮȌ ȌȲƮƊƮȌ ƮƵ ßǞƊȁƊ ƮȌ !ƊȺɈƵǶȌ ׂـѤ ƵƮ خفׁׂ׀ׂـ خفخßǞƊȁƊ ƮȌ !ƊȺɈƵǶȌ ب Câmara Municipal de Viana do Castelo. Caneira, R. (2008). Bordados a Ponto de Cruz de Glória do Ribatejo. Glória do Ribatejo: Associação ȯƊȲƊ Ɗ (ƵǏƵȺƊ ƮȌ §ƊɈȲǞǿȍȁǞȌ 0ɈȁȌǐȲƊ˛ƧȌ Ƶ !ɐǶɈɐȲƊǶ ƮƵ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌخ !ƊȁƵǞȲƊ ةª خف׆ׁ׀ׂـ خǏƵȺɈƊ ƮƊȺ ȺȌȲɈƵȺ ٌ ȁƋǶǞȺƵ Ƶ ƵȺɈɐƮȌ ƮȌȺ ƊȺȯƵƧɈȌȺ ǘǞȺɈȍȲǞƧȌȺ Ƶ ƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ desta cerimónia na Glória do Ribatejo. Em Revista Magos (pp. 241-254). Salvaterra de Magos: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Caneira, R. (24 de Agosto de 2019). A mulher gloriana: a costura e as artes da agulha e do dedal”. JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ ة²ƊȁɈƊȲƶǿ§ ةȌȲɈɐǐƊǶ بȺȺȌƧǞƊƪƣȌ ȯƊȲƊ Ɗ (ƵǏƵȺƊ ƮȌ §ƊɈȲǞǿȍȁǞȌ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ƮƵ Glória do Ribatejo. Caneira, R. (2019). A Mulher Gloriana: a costura e as costura e do dedal. Em Cadernos do Território (pp. 15-20). Évora: Cátedra UNESCO de Património Imaterial - Universidade de Évora. Caneira, R. (2019). As festas da Glória: Passado e Presente Súmula histórica dos festejos em honra de Nossa Senhora da Glória. Em Revista Magos (pp. 27-79). Salvaterra de Magos: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Caneira, R. (Setembro de 2019). As Festas da Glória: Passado e Presente. Súmula Histórica dos Festejos em Honra de Nossa Sra. da Glória. Em Revista Magos VI, pp. 27-78. Caneira, R. (2019). Glória do Ribatejo Caracterização Histórica e Cultural. Em Cadernos do Território (pp. 1-6). Catedra UNESCO de Património Imaterial - Universidade de Évora. Caneira, R. (2019). Glória do Ribatejo caracterização histórica e social. Em Cadernos do Território (pp. 1-6). Évora: Cátedra UNESCO de Património Imaterial - Universidade de Évora. Caneira, R. (2019). Soldados glorianos na Grande Guerra. Em Cadernos do Território (pp. 27-34). Évora: Cátedra UNESCO de Património Imaterial - Universidade de Évora. Caneira, R. (2021). A herdade de Nossa Senhora da Glória e a RARET: notas para o seu estudo. Em C. M. Magos. Em Revista Magos (pp. 3-23). Salvaterra de Magos: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Caneira, R. (2021). A RARET e a Glória do Ribatejo. 70 anos da primeira retransmissão. 4 de julho de 1951. Salvaterra de Magos: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos. Caneira, R. (2021). Glória do Ribatejo. Roteiro Histórico e Turistico. Cadernos de História e Memória II. Salvaterra de Magos: Câmara Municipal de Salvaterra de Magos.
62
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Webgrafia:
Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo https://ofertasilva.wixsite.com/arfcpgr Roberto Caneira, www.agloriadomundo.blogspot.com Celestino Silva, https://geraladmin.wixsite.com/gloria/alexonill MAGOS - Revista Cultural do Município de Salvaterra de Magos Revista Magos - CMSM (cm-salvaterrademagos.pt)
64
11 Fontes escritas:
Nos arquivos municipais e nacionais não se encontrou até agora documentação primária sobre os bordados de Glória ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ! خȌȁɈɐƮȌ ةǘƋ ƮȌƧɐǿƵȁɈȌȺ ǞƧȌȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ ȱɐƵ ȲƵɈȲƊɈƊǿ ȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ Ɗ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹ Ƶ Ɗ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ خ Salienta-se o pintor Júlio Goes, um nome associado ao movimento do neorrealismo, que fez as ilustrações do livro “Glória, uma aldeia do Ribatejo” de Alves Redol, faz na década de 30 do século passado: ٭yƊ ƵȺɈƊƮǞƊ Ƶǿ JǶȍȲǞƊ لªƵƮȌǶ ɈǞȲȌɐ ǏȌɈȌǐȲƊ˸ƊȺ Ɗ ƧƊȺƊȺ لȲɐƊȺ لȯƵȺȺȌƊȺ ƧȌǿ ȺƵɐȺ ǏƊɈȌȺ ǶȌƧƊǞȺ لȯƵƪƊȺ ƊȲɈƵȺƊȁƊǞȺ ƮƵ uso diário, entre as quais os belos bordados a ponto cruz, instrumento de trabalho. Tirou muitos apontamentos, que depois passou a limpo para um pequeno volume em folhas de papel do tamanho A5, do tipo almaço – que se encontra hoje no Museu do Neo-Realismo – onde também inseriu alguns desenhos. Em folhas de papel normal, à mistura com os apontamentos, desenhou várias peças, que depois Júlio Goes aproveitou para fazer os desenhos que ilustram o livro.» Paula Godinho e António Mota Redol, «Alves Redol o olhar das ciências sociais», Lisboa, Edições Colibri, 2014, pp. 22-23 Júlio Pomar, autor de uma obra multifacetada, centrada na pintura, desenho, gravura e cerâmica, também retratou ƊȺ ǿɐǶǘƵȲƵȺ ǐǶȌȲǞƊȁƊȺ ƧȌǿ ȌȺ ȺƵɐȺ ɈȲƊǯƵȺ ȌȁƮƵ ȺƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿ ȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ Ɗ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹ§ خȌǿƊȲ ȁƊ ƮƶƧƊƮƊ ƮƵ ׄ ة׀ vai para os arrozais do Ribatejo, onde trabalhavam ranchos de mulheres glorianas e faz duas obras conhecidas como o “ciclo do arroz”, onde imortaliza em telas 2 quadros com mulheres da Glória do Ribatejo
Fontes Orais:
(Ȍ ƧȌȁǯɐȁɈȌ ƮƵ ǞȁȱɐƶȲǞɈȌȺ ةƵȁɈȲƵɨǞȺɈƊȺ˛ ةǶǿƵȺ Ƶ ƵɮȯȌȺǞƪȪƵȺ ȱɐƵ ȺƵ ȲƵƊǶǞɹƊȲƊǿ ȁȌ ƓǿƦǞɈȌ ƮƊ ɨƊǶȌȲǞɹƊƪƣȌ ƮȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ a ponto cruz e da cultura gloriana foi possível encontrar as seguintes referencias: - A Festa é Nossa - Salvaterra de Magos - Aldeia de Glória do Ribatejo – disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yto0a03wMtM - Artes do pormenor - ARFCP - Glória do Ribatejo – 2015 - disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Osyw90zICDE - Do sagrado ao profano em Glória do Ribatejo. Reportagem de Celestino Silva – disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8BgY8Fvyd0I - A diversidade do Traje Gloriano - Exposição Falcoaria Real Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=swfpdXPy51k ٌ !ƊȺƊ ÀȲƊƮǞƧǞȌȁƊǶ Ƶ Ȍ wɐȺƵɐ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ƮƊ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ ةƮǞȺȯȌȁǠɨƵǶ Ƶǿ ب https://www.youtube.com/watch?v=1gpOlAJbync ٌ !ƵȁɈȲȌ ƮƵ (ȌƧɐǿƵȁɈƊƪƣȌ Ƶ 0ȺɈɐƮȌȺ 0ɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ ƮƵ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ ةƮǞȺȯȌȁǠɨƵǶ Ƶǿ ب https://www.youtube.com/watch?v=ZJpj_KH_-IY - Homenagem do Município de Salvaterra de Magos à Ti Margarida Damião e à Mulher Gloriana no âmbito da Candidatura dos Bordados Típicos da Glória do Ribatejo a Património Cultural Imaterial – disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Pi3NgL2-FMw - Mês da Enguia 2015 - Artes do Pormenor - Glória do Ribatejo Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W6gFbr0bv0Q
65
66
67
68
69
8°39'30"W
8°39'0"W
8°38'30"W
8°38'0"W
8°37'30"W
8°37'0"W
8°36'30"W
8°36'0"W
8°35'30"W
8°35'0"W
8°34'30"W
8°34'0"W
8°33'30"W
39°1'50"N
39°2'10"N
39°2'30"N
39°2'50"N
39°3'10"N
39°3'30"N
39°3'50"N
39°4'10"N
39°4'30"N
39°4'50"N
39°5'10"N
39°5'30"N
39°5'50"N
39°6'10"N
39°6'30"N
39°6'50"N
39°7'10"N
39°7'30"N
8°40'0"W
39°1'30"N
8°40'30"W
39°1'10"N
8°41'0"W
39°0'50"N
8°41'30"W
39°0'30"N
8°42'0"W
39°0'10"N
8°42'30"W
Legenda Limite administrativos da Glória do Ribatejo Limites do Concelho
¨
Projecção
Instrumentos de Gestão Territorial Guia n.º
Sistema de referência: ETRS89 / PT-TM06 Elipsóide de referência: GRS80 Projecção cartográfica: Transversa de Mercator
Planta de Localização
Escala
Data
1:50 000 0
600
Meters 2 400
1 200
70
18.05.2021
Funcionário
AM/SPSIG/DMUP
Divisão de Urbanismo e Planeamento Serviço de Planeamento e SIG Território administrativo da localidade de Glória do Ribatejo, integrada na União das freguesias de Glória do Ribatejo e Granho, Município de Salvaterra de Magos Requerente
Freguesia
38°56'50"N 38°57'10"N 38°57'30"N 38°57'50"N 38°58'10"N 38°58'30"N 38°58'50"N 38°59'10"N 38°59'30"N 38°59'50"N
8°43'0"W
8°39'10"W
8°39'0"W
8°38'50"W
8°38'40"W
8°38'30"W
8°38'20"W 39°3'0"N
8°39'20"W
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8°39'30"W
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Sede do Rancho da Casa do Povo
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39°2'50"N
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Instrumentos de Gestão Territorial
Guia n.º
Divisão de Urbanismo e Planeamento Serviço de Planeamento e SIG
Data Meters 500
Requerente
19.05.2021
Funcionário
ca
Escala
ran
Planta de Localização
1:10 000 250
39°2'0"N
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39°1'50"N
iros
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Rua J
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Sistema de referência: ETRS89 / PT-TM06 Elipsóide de referência: GRS80 Projecção cartográfica: Transversa de Mercator
125
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Projecção
0
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Sede do Rancho das J aneiras
has
AM/SPSIG/DMUP
71
Freguesia
Instituições Culturais Glória do Ribatejo
39°1'40"N
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Centro de Dia
Museu Etnográfico
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39°2'30"N
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Rua da Fonte Velha
Avenida E.U.A.
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39°2'40"N
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a Rua da Maratec
OS BORDADOS DE GÓRIA DO RIBATEJO – MARCAS DA CULTURA DE UMA IDENTIDADE
Inquérito por questionário Este inquérito está a ser realizado pela Câmara Municipal de Salvaterra de Magos no âmbito da candidatura que está a organizar para a classificação dos bordados de Glória do Ribatejo na lista de Património Cultural Imaterial. As informações recolhidas serão utilizadas para fins estatísticos no processo de classificação.
Nome: Data de nascimento: ___/___/___
Por favor assinale com a sua 1- Sexo: Masculino 2 – Sabe “marcar”? Sim
resposta a cada questão:
X
Feminino Não
3 – Atualmente ainda “marca”? Sim
Não
4 – Com quem aprendeu? Familiar
Amiga/o
5 – Ensinou alguém a marcar? Sim
Não
6- Sabe ler e escrever? Sim
Não
7- Naturalidade: ______________________________________________________ 8 - Residente em: _____________________________________________________ 8 – Profissão que exerce/exerceu: _______________________________________
Assinatura : Data: __/__/__
72
Irmãs “Parrachilas” (fot. ADPEC)
73
04 Ana Saraiva
1
Os Bordados da Glória do Ribatejo: Patrimonializar para salvaguardar, por vontades Glorianas!
Ramo das Bonecas e das tulipas, rodeadas de iniciais (fot. ADPEC)
Desde já, apraz-me (re)visitar um terreno que
o processo que conduziu à sua inscrição no
em meados do século XX cativou a atenção
Inventário Nacional do Património Cultural
ƮȌ ǐƶȁǞȌ ȁƵȌȲȲƵƊǶǞȺɈƊ ǶɨƵȺ ªƵƮȌǶ ةȲƵ˜ƵɈǞƮȌ ȁȌ
Imaterial (INPCI) pela instituição competen-
ȺƵɐ ƵȁȺƊǞȌ ƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ٗJǶȍȲǞƊ ةɐǿƊ ƊǶƮƵǞƊ ȁȌ
te2 . Observado o cumprimento de requisitos
Ribatejo”.
plasmados na Convenção UNESCO de 2003,
Agradeço o convite que me foi endereçado
transposto para o Decreto-Lei 139/2009 de
pelo Município de Salvaterra de Magos para
15 de junho, com as alterações introduzidas
participar nesta edição com um breve olhar
pelo Decreto-Lei n.º 149/2015 de 4 de agosto,
antropológico sobre a patrimonialização das
a inscrição de uma manifestação no INPCI
manifestações de Património Cultural Imate-
legitima o seu valor patrimonial pelo Estado
rial (PCI) a partir dos “Bordados da Glória do
Português.
Ribatejo”. Enquanto técnica em exercício de
Parabéns a todas as pessoas que continuam
funções na Direção-Geral do Património Cul-
a alimentar esta prática e a vivê-la nos seus
tural (DGPC), tive o privilégio de acompanhar
quotidianos, dos mais íntimos e reserva-
1
1 - Antropóloga na Direção-Geral do Património Cultural e investigadora do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA). 2 - Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de maio, que aprova a orgânica da Direção-Geral do Património Cultural e Despacho n.º 414/2020 - Def inição das competências cometidas às várias unidades orgânica da Direção-Geral do Património Cultural.
74
dos aos mais expostos e coletivos, e a todos
a comunidade detentora da manifestação,
quantos contribuíram para a sua inventa-
é indispensável ter o seu consentimento e
riação. A inscrição dos Bordados da Glória
envolvê-la no trabalho de inventariação com
é o resultado de um trabalho concertado
metodologias participativas dando primazia
de vontades Glorianas, coordenado pelo
às “vozes” que a sentem e leem na primeira
Município de Salvaterra de Magos (entida-
pessoa.
de proponente do pedido de inventariação).
Dos investigadores partem as questões so-
Este reconhecimento junta-se agora à inscri-
ƦȲƵ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ƧɐǶɈɐȲƊǶ ƮƵȺɈƵ ȯƊɈȲǞǿȍȁǞȌ خ
ção, por parte do Município, da Falcoaria na
Dos detentores, neste caso os praticantes dos
Lista UNESCO e no Inventário Nacional.
bordados, dinamizadores de iniciativas que
Disponível na base de dados de acesso pú-
lhes estão associadas, e habitantes locais em
blico MatrizPCI , o processo de inventariação
geral, partem as respostas. Entenda-se por
ƮȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ ƮƊ JǶȍȲǞƊ ƦƵȁƵ˛ƧǞȌɐ ƮȌ ƊɈɐȲƊ-
detentores, ou portadores quem reconhece,
do trabalho de pesquisa e tratamento de in-
reproduz, transmite, transforma, cria e forma
formação realizado pelo corpo técnico desig-
uma certa cultura em e para uma comunida-
nado pelo município - e.g. Roberto Caneira,
de (Zanten 2004: 38).
Rita Pote, Patrícia Leite, com a coordenação
Neste como em qualquer processo de inven-
do Professor Doutor Filipe Themudo Bara-
tário de uma manifestação PCI é preciso as-
ta4 - e da participação indispensável de ha-
sumir, sem pudor, que as diferentes “vozes”
bitantes da vila da Glória do Ribatejo, com o
poderão transportar tensões, dissonâncias,
particular contributo das mulheres glorianas
dialéticas e negociações próprias das rela-
que continuam a praticar e a transmitir este
ções de vizinhança. São reações próprias da
saber-fazer.
participação cultural efetivamente demo-
Acolhendo o espírito da Convenção para a
crática e construtiva, necessária para afastar
Salvaguarda do Património Cultural Imate-
cenários de uma patrimonialização assente
rial da UNESCO (2003), idealmente, qualquer
ȁȌ ƊȲɈǞ˛ƧǞƊǶǞȺǿȌ Ƶ ȯƊȲƊ ȯƵȲȺȯƵɈǞɨƊȲ ɐǿ ǏɐɈɐȲȌ
iniciativa de inventário de uma manifestação
efetivo de continuidade e renovação da práti-
de Património Cultural Imaterial (PCI) deve
ca patrimonializada.
partir dos seus detentores através da aborda-
O processo de pesquisa em torno dos bor-
gem “bottom-up”, a qual permite legitimar
dados da Glória não culmina com o ato da
e dar suporte às políticas públicas aplicadas
inscrição no INPCI. A inventariação constitui
ao PCI. Ou, quando a iniciativa de inventaria-
uma etapa do trabalho de recolha, análise
ção parte de uma estrutura que representa
e reinterpretação, que se deseja continuado
3
3 - http://www.matrizpci.dgpc.pt/matrizpci.web, consultado em 2022/02/03. 4 - Professor Catedrático jubilado do Departamento de História da Universidade de Évora, Investigador do CIDEHUS-UÉ e Titular da Cátedra em Património Imaterial e Saber-Fazer Tradicional da mesma universidade.
75
acompanhando os contextos de mudan-
˛ƧƊ ƧȌȁƮǞƧǞȌȁƊƮƊ ȯƵǶƊ ȺɐƊ ƋȲƵƊ ƮƵ ƮǞȺɈȲǞƦɐǞ-
ça passíveis de afetar os seus detentores
ção, pelo número de praticantes, pela rarida-
Ƶ ȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌ ةƵǿ ɈƵǿȯȌ ȲƵƊǶ ةƊȺ ȺɐƊȺ ǞǿȯǶǞƧƊ-
ƮƵ ƮȌȺ ǿƊɈƵȲǞƊǞȺ ةȯƵǶȌ ǞȁɨƵȺɈǞǿƵȁɈȌ ˛ȁƊȁƧƵǞ-
ções nos processos de usos, hibridização e
ro associado, pela sua complexidade técnica,
ȲƵȺȺǞȁǞ˛ƧƊƪƣȌ ƮƵȺɈƊ ƵɮȯȲƵȺȺƣȌ ƧɐǶɈɐȲƊǶ ȯƊȲƊ Ɗ
pelo seu exotismo, espetacularidade ou anti-
comunidade Gloriana.
guidade. Na sua valorização prevalece sobre-
Os “Bordados da Glória do Ribatejo” são uma
ɈɐƮȌ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ ȱɐƵ Ɗ ǿƵȺǿƊ ƧȌǿȯȌȲɈƊ
prática situada espacialmente, com uma
para os detentores e para as comunidades
área territorial tendencialmente delimita-
de proximidade, o que é bem demonstrado
da. Tal situação não deve confundir-se com
nos “Bordados da Glória do Ribatejo”. Pen-
a ideia de que existe uma correspondência
sar os bordados da Glória como património
linear entre espaço político-administrativo e
é pensar para além das matérias usadas, da
prática cultural. Recorde-se que a localização
técnica aplicada e do produto acabado deste
mais circunscrita desta e de outras práticas
saber-fazer. É pensar sobre o seu papel para
tradicionais ligadas ao domínio das compe-
os habitantes locais, sustentado em valores
tências no âmbito de processos e técnicas
de cidadania e dinamicamente adaptado a
tradicionais não deve ser entendido como
ȲƵƧȌȁ˛ǐɐȲƊƪȪƵȺ ȺȌƧǞƊǞȺ ƮƵƧȌȲȲƵȁɈƵȺ ƮȌȺ ȯȲȌ-
sendo menos relevante do que uma mani-
cessos de mudança em curso.
festação mais pulverizada no território nacio-
A autenticidade não constitui um critério
ȁƊǶ خyȌ §!X ȁƣȌ ȺƵ ɨƵȲǞ˛ƧƊ Ɗ ȺɐƦȌȲƮǞȁƊƪƣȌ ƮƵ
para a inscrição de uma manifestação PCI no
qualquer prática cultural tradicional a delimi-
Inventário Nacional ou na Lista da UNESCO.
tações político-administrativas ou a outras
Apesar da ambiguidade que esta discussão
ǏȲȌȁɈƵǞȲƊȺ ƊȲɈǞ˛ƧǞƊǞȺ خǞȁȺƧȲǞƪƣȌ ƮȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ
acarreta no seio académico e das instituições
da Glória no Inventário Nacional ao lado de
públicas de gestão do Património Cultural,
outras expressões culturais com uma distri-
o que prevalece na decisão de patrimoniali-
buição espacial mais alargada não a diminui,
ɹƊȲ ɐǿƊ ǿƊȁǞǏƵȺɈƊƪƣȌ §!X ƶ Ȍ ȺǞǐȁǞ˛ƧƊƮȌ Ƶ
porque o PCI não se rege por hierarquias de
papel atual, material e simbólico, que a mes-
ƧǶƊȺȺǞ˛ƧƊƪƣȌ ȯƊɈȲǞǿȌȁǞƊǶ خ
ma assume para as pessoas que a praticam
A partir do momento da sua inscrição no In-
(UNESCO, 2011: 18). Compete aos seus deten-
ventário Nacional, os “Bordados da Glória do
tores estabelecer valores de “autenticidade”
Ribatejo” conquistaram o reconhecimento
ƧȌǿ ȌȺ ȱɐƊǞȺ ȺƵ ȲƵɨƵƵǿ Ƶ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿ ƧȌǿȌ
público nacional tornando-se um valor cultu-
“comunidade”, para lidarem com um mundo
ral para os habitantes da Glória do Ribatejo e
cada vez mais global e interconectado (Alivi-
do Município de Salvaterra de Magos, assim
zatou, 2012: 139).
como para os portugueses em geral.
Os esforços formais internacionais empenha-
A importância de uma manifestação PCI não
dos na salvaguarda dos valores culturais in-
76
Corações com chave bordados num talego (fot. ADPEC)
tangíveis ganharam expressão no século XX,
ɨȌȺ ƮƵ (ƵȺƵȁɨȌǶɨǞǿƵȁɈȌ ²ɐȺɈƵȁɈƋɨƵǶ ƮƵ˛ȁǞ-
com a aprovação da Convenção para a Pro-
dos pela ONU. A este respeito, a tradição dos
teção do Património Mundial Cultural e Patri-
ٗ ȌȲƮƊƮȌȺ ƮƊ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ٘ ȲƵ˜ƵɈƵ Ɗ ɨƊ-
mónio Natural, nomeadamente em 1972. Nas
lorização do feminino pelo domínio técnico e
décadas seguintes sucederam-se várias re-
protagonismo na prática. Simultaneamente,
uniões e esforços de trabalho por especialis-
abre caminho à participação masculina e à
tas na área, ainda assim com pouco alcance
continuidade intergeracional nos processos
nos resultados esperados. Já no século XXI, a
de aprendizagem e reprodução deste saber-
aprovação da Convenção para a Salvaguarda
ٌǏƊɹƵȲ ȲƵ˜ƵɈǞȁƮȌ ƊȺȺǞǿ ȌȺ ȯȲǞȁƧǠȯǞȌȺ ȯȲȌƧǶƊ-
do Património Cultural Imaterial da UNES-
mados pela Convenção da UNESCO e pela
! ةف׃׀׀ׂـȲƊɈǞ˛ƧƊƮƊ ȯƵǶȌ 0ȺɈƊƮȌ §ȌȲɈɐǐɐƺȺ
Agenda 2030.
Ƶǿ ׂ ة׀׀ɨƵǞȌ ˛ȁƊǶǿƵȁɈƵ ƊƦȲǞȲ ƧƊǿǞȁǘȌ ȯƊȲƊ
O reconhecimento público do valor patrimo-
criação de condições formais e mecanismos
nial do bem através do seu inventário tem
ǶƵǐƊǞȺ ƊȯǶǞƧƊƮȌȺ ƵȺȯƵƧǞ˛ƧƊǿƵȁɈƵ ƊȌ ȲƵƧȌȁǘƵ-
como propósito maior a sua salvaguarda.
cimento do valor do PCI e à sua salvaguarda.
Mas o inventário em si mesmo não é garante
De acordo com a Convenção, o cumprimen-
de salvaguarda, mas tão-somente a legitima-
to dos requisitos técnicos de apreciação não
ção formal do valor patrimonial do bem, que
ƶ Ⱥɐ˛ƧǞƵȁɈƵ ȯƊȲƊ ǶƵǐǞɈǞǿƊȲ Ȍ ȲƵƧȌȁǘƵƧǞǿƵȁ-
ǯɐȺɈǞ˛ƧƊ Ƶ ȲƵƧȌǿƵȁƮƊ Ɗ ȺɐƊ ȯȲƵȺƵȲɨƊƪƣȌ ƊɈȲƊ-
to formal de uma manifestação como PCI.
vés da validação das medidas de salvaguarda
É necessário que a prática cultural seja coe-
convencionadas no pedido de inventariação.
rente com os direitos humanos e o respeito
A inscrição dos “Bordados da Glória do Riba-
ǿɑɈɐȌ ةȯȲȌǿȌɨƊ Ɗ ǞȁƧǶɐȺƣȌ Ƶ ȲƵ˜ǞɈƊ ȌȺ ǞƮƵƊǞȺ
ɈƵǯȌ٘ ȁȌ XȁɨƵȁɈƋȲǞȌ yƊƧǞȌȁƊǶ ƧȌȁ˛ǐɐȲƊ Ȍ ǞȁǠƧǞȌ
da sustentabilidade na sua ampla dimensão,
de um compromisso público e coletivo em
mais recentemente em linha com os Objeti-
prol da sua salvaguarda agregando nesse
77
objetivo as competências, atribuições e esfor-
ciais. O papel impulsionador das políticas pú-
ços conjuntos das instituições públicas com
blicas nos processos de salvaguarda é central,
competências e responsabilidades consagra-
garantindo o cumprimento adequado dos
das neste âmbito. Este conjunto de medidas,
planos de salvaguarda delineados, conscien-
assim como qualquer plano de salvaguarda
ɈƵȺ ƮȌȺ ƮƵȺƊ˛ȌȺ ȱɐƵ ƵȺɈƵȺ ƊƧƊȲȲƵɈƊǿ ȯƊȲƊ ȌȺ
ƮƵ˛ȁǞƮȌ ȯƊȲƊ Ȍ §!X ةƮƵɨƵ ƊƮƵȱɐƊȲٌȺƵ ƜȺ ƧƊ-
envolvidos.
ȲƊƧɈƵȲǠȺɈǞƧƊȺ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊȺ ƮƊ ǿƊȁǞǏƵȺɈƊƪƣȌ ة
Assumida a necessidade da intervenção das
prevalecendo o princípio de ajustamento
políticas públicas nesta área, os principais
dinâmico de cada medida às circunstâncias
agentes de decisão e dinamização das me-
e necessidades dos detentores nas suas re-
didas de salvaguarda de qualquer PCI são
lações com a tradição patrimonializada, pois
os seus praticantes. Qualquer compromis-
trata-se de uma expressão de cultura viva e
so vocacionado para a salvaguarda de uma
contemporânea.
manifestação PCI não poderá, em momento
O compromisso para a salvaguarda de uma
algum, sobrepor-se à decisão dos detentores
ǿƊȁǞǏƵȺɈƊƪƣȌ §!X ƵȺɈƋ ȲƵ˜ƵɈǞƮȌ ȁȌȺ ǞȁȺɈȲɐ-
da manifestação. A vontade dos detentores
mentos das políticas públicas e concertado
em prosseguir com a manifestação é sobera-
entre responsáveis das diferentes esferas de
na, porque qualquer medida que não decorra
atuação da sociedade, desde a administração
da sua iniciativa e vontade arrisca-se a redun-
central (e.g. Direção-Geral do Património Cul-
dar em recriação performativa através de um
tural, Direções Regionais de Cultura), autar-
processo de cristalização e narrativa histórica.
quias locais e comunidades intermunicipais,
Esse cenário afasta-se do que é fundamental
passando por institutos, fundações, associa-
no PCI, uma vez que qualquer manifestação
ções e demais entidades de utilidade públi-
deve estar alicerçada na construção dinâmi-
ca, envolvendo universidades e centros de in-
ƧƊ ƮȌ ȯȲƵȺƵȁɈƵ ƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌ ةƊƧȌǿȯƊȁǘƊȁƮȌ
ɨƵȺɈǞǐƊƪƣȌ خƵȁƵ˛ƧǞƊȲƋ ȺƵ ƵȁɨȌǶɨƵȲ ɈƊǿƦƶǿ
os processos de mudança em curso e os seus
entidades privadas e estruturas informais
impactos nas vidas individuais e coletivas dos
que assumem responsabilidades sociais para
detentores.
ƧȌǿ Ɗ ȱɐƊǶǞƮƊƮƵ ƮƵ ɨǞƮƊ ƮȌȺ ƧǞƮƊƮƣȌȺ ةȲƵ˜Ƶ-
À comunidade Gloriana cabe a decisão de
tida nomeadamente na área do património
manter e prosseguir a transmissão do conhe-
cultural.
cimento e a prática dos bordados da Glória,
Esse trabalho militante em prol da salvaguar-
revestindo a execução deste saber-fazer da-
da do PCI sai favorecido se resultar de uma
quilo que considera ser a tradição, o simbó-
cooperação interinstitucional e interdiscipli-
lico, mas também a mudança, a hibridez e a
nar que atravesse e articule várias áreas seto-
adaptação a novos contextos, novos usos e
riais de atuação, como a cultura, a educação,
novos protagonistas.
a economia, o ambiente, ou as políticas so-
78
Bolsa (fot. ADPEC)
Referências ALIVIZATOU, Marilena, “Debating heritage authenticity: kastom and development at the Vanuatu Cultural Centre”. International Journal of Heritage Studies, v. 18, nº 2, p. 124-143, 2012. UNESCO. Évaluation des candidatures pour inscription en 2011 sur la Liste du Patrimoine Culturel Immatériel nécessitant une sauvegarde urgente, ITH/11/6.COM/CONF.206/8 Add. Bali, 23 nov.2011. Unesco 2011. ZANTEN, Wim van “Constructing New Terminology for Intangible Cultural Heritage”. Museum International, Intangible heritage, Vol LVI, n°1-2, May 2004. Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO (2003). Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de junho. Estabelece o regime jurídico de salvaguarda do património cultural imaterial. Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25 de maio, que aprova a orgânica da Direção-Geral do Património Cultural. Decreto-Lei n.º 149/2015, de 4 de agosto. Procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 139/2009, de 15 de junho, que estabelece o regime jurídico de salvaguarda do património cultural imaterial. Organização das Nações Unidas (2015), 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – Agenda 2030. https://unric.org/pt/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel.
79
Francisco Martins Caneira com roupa tradicional da Glória do Ribatejo em 2006 (fot. ADPEC)
80
05 Roberto Caneira
Glossário de “Bicos”, Letras, Cercaduras e Motivos Decorativos
Carteira bordada | ADPEC (fot. M. Cardoso/ CMSM)
A prática dos bordados a ponto de cruz na
enorme peso social e simbólico, a conjuga-
Glória do Ribatejo, extravasa o “território” do
ção das cores com os motivos decorativos,
universo feminino, apesar de ser a mulher a
espelham o primor e a técnicas das mulhe-
grande detentora deste saber e a principal
res e cativam o olhar.
transmissora, que permitiu a sua continui-
Os bordados da Glória do Ribatejo, não po-
dade até aos nossos dias. Esta arte manual
dem ser olhados como uma relíquia do pas-
ƶ Ȍ ȲƵ˜ƵɮȌ ƮƊ ȺɐƊ ǏɐȁƧǞȌȁƊǶǞƮƊƮƵ Ƶ ɐɈǞǶǞƮƊƮƵ
sado e muito menos como uma recordação,
na comunidade gloriana e possui acima de
eles são um vetor identitário que devem in-
tudo um papel afetivo e emotivo entre o Ho-
tegrar o presente, mas acima de tudo devem
mem e a Mulher.
ser projetados para o futuro como elemento
A arte ancestral de “bordar”, “marcar” ou
de diferenciação cultural que deve ser colo-
“costurar”, designações locais associadas ao
cado ao serviço do desenvolvimento social
lavor da agulha sob o pano, são elementos
e cultural da Glória do Ribatejo. Este tipo de
patrimoniais que contribuem para o reforço
arte é um símbolo e um orgulho de uma co-
da identidade e memoria social desta co-
munidade que soube trilhar o seu caminho
munidade. As peças bordadas possuem um
na diferenciação cultural.
81
O processo de inscrição dos bordados de
batejo, constitui um reforço para valorizar a
Glória do Ribatejo, no Inventário Nacional do
identidade da ancestral cultura gloriana, mas
Património Cultural Imaterial, projeto apre-
que também acautela o seu futuro, através
sentado e desenvolvido pelo Município de
da transmissão para as gerações mais jovens.
Salvaterra de Magos em colaboração com
O presente glossário, resulta de uma reco-
associações e coletividades da Glória do Ri-
lha efetuada junto da população gloriana
Outra vista do Interior do Núcleo Museológico “Casa Tradicional” (fot. M. Cardoso /CMSM)
82
Ƶ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊ Ɗ ɈǞȯȌǶȌǐǞƊ ƮƵ ٗƦǞƧȌȺ٘ ةǶƵɈȲƊȺ Ƶ ǿȌɈǞɨȌȺ
É um documento histórico, revelador de um pa-
decorativos. Apresenta denominações locais, a mu-
ɈȲǞǿȍȁǞȌ ɨǞɨȌ ȱɐƵ ƧȌȁǐȲƵǐƊ ƊȺȯƵɈȌȺ ƵɈȁȌǐȲƋ˛ƧȌȺ
lher gloriana além de ser perfeccionista na execu-
e antropológicos, esperámos que possa contribuir
ção dos bordados, tinha também a originalidade
para futuras investigações sobre a história e cultura
de batizar as peças que criava, este léxico rapida-
da Glória do Ribatejo.
mente era depois adotado pela comunidade local.
83
GLOSSÁRIO
Realizado com peças da ADPEC, Fotograf ias M. Cardoso/CMSM e ADPEC
84
Vários Tipos de Bicos
Bicos da Ti Rita “Russa”
Bicos da tonta
Bicos da cafeteira
Bicos da tabela
Bicos das pernas de aranhão 85
Bicos do cavalinho
Bicos do “Rancho do Sousa”
Bicos de perna cruzada
Bicos de casinha
Bicos de ervilha 86
Bicos de argola chinesa
Bicos de bolacha
Bicos de rabo de colher
Bicos de crista de galo
Bicos da “mais velha” com 3 cabecinhas
87
Bicos do “sonhaque”
Bicos da “argola da cigana”
Bicos da “mais velha”
Bicos da Ti Vitória
88
Bicos da “mais velha” com 2 cabecinhas
Bicos da “mais nova”
Bicos da rendinha
Bicos da feia
89
Bicos da “gralhinha”
Bicos da Ti Irene
Bicos da Ti Maria Cristina
Bicos de Lado
90
Bicos do leque
Bicos do pézinho
Bicos “encaseadinhos”
Bicos teimosos
91
Pormenor de uma caixa de costura da ADPEC (fot. M. Cardoso/CMSM)
92
Vários Tipos de Letras
Letra das Cerejas
Letra de 1 ponto
Letra da Estrela
Letra dobrada 93
Letra dos 4 pontos
Letra florida
Letra dos 5 pontos
Letra dos canteirinhos
Letra de empena
94
Letra dos custódios
Letra dos passarinhos
95
Cercaduras
Alminha da cercadura isolada
Cercadura das cravinas
Cercadura das pinhas
Cercadura das silvas
Cercadura dos 3 pontos 96
Cercadura dos anéis
Cercadura isolada
Cercadura do sobe e desce
97
Motivos Bordados
Cãezinhos
Cesta
Ramo das 3 rosas
Cinco saimão
Coroa das pombinhas
Papoilas
98
Borboleta
Coroa dos namorados
Ramo da espiga
Brincos franceses
Ramo do “Insol” = anzol
Jarra das bonecas
99
Jarra das pombas
Jarra dos corações com chaves
Peixinho
Pinto
100
Carteira bordada | ADPEC
101
Fichas de Inventário Propriedade: Associação para a Defesa do Património Etnográf ico e Cultural da Glória do Ribatejo
Função: vestuário.
Bolsa
Descrição: Tem a forma quadrangular toda ela bordada a ponto de cruz, tem umas tiras de pano também bordadas. Eram usadas pelas mulheres para guardar os documentos e o dinheiro entre outros objetos. Datação: década de 70 do Séc. XX
102
“pataqueira”
Pano do tabuleiro do pão
Função: Servia para guardar moedas (patacos) dai
Função: Tinha como principial função tapar o pão.
o termo “pataqueira”, possuí pequenos
Descrição: tem a forma quadrangular, as extremi-
compartimentos onde guardavam documentos.
dades do pano são rematadas com “bicos”, des-
Descrição: de forma retangular termina em bico,
taca-se um elemento decorativo central de duas
totalmente bordada a ponto de cruz, tem
ǯƊȲȲƊȺ ƮƵ ˜ȌȲƵȺ ةȌ ǿƵȺǿȌ ǿȌɈǞɨȌ ȲƵȯƵɈƵٌȺƵ ȁȌȺ
nas extremidades “bicos” como elementos decora-
cantos. Esta peça era usada para tapar o pão, que
tivos. No seu interior destaca-se a palavra
semanalmente a mulher cozia no forno, o pão en-
“Glória” e vários motivos decorativos. A peça do-
contra-se dento de um tabuleiro de madeira.
ƦȲƊٌȺƵ Ƶǿ ׃ȯƊȲɈƵȺ Ƶ ˛ƧƊ ƧȌǿ Ɗ ǏȌȲǿƊ ƮƵ ɐǿƊ
Datação: década de 60 do Séc. XX
carteira. Datação: década de 60 do Séc. XX
Pano da mesa do espelho
Função: decorativa, tapar o espelho da mesa da “sala de fora”. Descrição: Tem a forma quadrangular, ao centro destaca-se o motivo bordado de duas cornucópias, e na parte de cima uma cercadura bordada a ponto de cruz. Este espelho encontrava-se numa mesa da “sala de fora”, é o nome de uma divisão de uma casa gloriana. Para além do espelho destaca-se ɨƋȲǞȌȺ ȌƦǯƵɈȌȺ ةƧȌǿȌ ǐƊȲȲƊǏƊȺ ةƧȌȯȌȺ Ƶ ǏȌɈȌǐȲƊ˛ƊȺخ Datação: década de 50 do Séc. XX
103
Cortina das quartas da água
Cortina da arca das roupas
Função: tapar as quartas e as bilhas de barro que
Função: decorativa.
guardavam a água.
Descrição: Tem a forma retângular, nas extremi-
Descrição: Tem a forma retângular, nas extremida-
ƮƊƮƵȺ ȯȌȺȺɐǞ ٗƦǞƧȌȺ٘ ةɈƵǿ ɨƋȲǞƊȺ ˜ȌȲƵȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ Ƶ
des possui “bicos”, como motivo central o motivo
ɨƋȲǞȌȺ ɈǞȯȌȺ ƮƵ ǶƵɈȲƊȺ ȱɐƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿ ȌȺ ƮȌȁȌȺ خȺ
ƮƵƧȌȲƊɈǞɨȌ ƮƵ ɐǿƊ ƧȌȲȌƊ ƮƵ ˜ȌȲƵȺ Ƶ ɨƋȲǞƊȺ ǶƵɈȲƊȺ
arcas de roupa, guardavam vários tipos de roupas.
ȱɐƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿ ȌȺ ȯȲȌȯȲǞƵɈƋȲǞȌȺخ
Datação: década de 60 do Séc. XX
Datação: década de 60 do Séc. XX
Cortina da salgadeira
Função: decorativa.
Descrição: Tem a forma retangular, onde se destaƧƊ ɨƋȲǞƊȺ ǯƊȲȲƊȺ ƮƵ ˜ȌȲƵȺ ƦȌȲƮƊƮƊȺ Ɗ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹ خ A salgadeira era uma peça de mobiliário na habitação gloriana, era aqui que guardavam a carne que estava conservada no sal. Datação: década de 60 do Séc. XX
104
Lençóis e almofadas da cama
Lenço de namorado
Função: decorativa.
Função: prenda de namorados.
Descrição: Lençóis bordados a ponto de cruz com
Descrição: Lenço com a forma quadrangular, os
uma cercadura, esta cercadura é depois repetida
cantos são rematados com “bicos”. O lenço faz uma
nas almofadas.
sincronia com motivos decorativos, a peça central
Datação: década de 60 do Séc. XX
é uma coroa, depois daqui os motivos estende-se para os cantos, onde se destaca as iniciais dos namorados e dos amigos. O lenço era uma oferta da rapariga ao rapaz quando começavam a namorar. Datação: década de 60 do Séc. XX
Lenço de namorado
Função: prenda de namorados.
Descrição: Lenço com a forma quadrangular estampado com vários motivos, a centro encontra-se bordado a ponto de cruz uma cruz (pinto) e nas extremidades do lenços as iniciais dos namorados e amigos, os cantos são rematados com “bicos”. O lenço era uma oferta da rapariga ao rapaz quando começavam a namorar. Datação: década de 50 do Séc. XX
105
Fato de infância
Almofada
Função: vestuário.
Função: decorativa.
Descrição: IƊɈȌ ƮƵ ǞȁǏƓȁƧǞƊ ةǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊ Ȍ ȺƵɐ ȯȌȲɈƊ-
Descrição: Almofada que possui no centro uma
dor com o nome “Isolda Maria” bordado a ponto de
˜ȌȲ ƦȌȲƮƊƮƊ Ɗ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹخ
ƧȲɐɹ ةȌȁƮƵ ƵȺɈƣȌ ɨƋȲǞƊȺ ˜ȌȲƵȺ ـƧȲƊɨǞȁƊȺ فƦȌȲƮƊƮȌȺ Ɗ
Datação: década de 90 do Séc. XX
ponto de cruz. Datação: década de 60 do Séc. XX
Fronha de almofada
Função: decorativa.
Descrição: Fronha da almofada, no centro tem uma coroa bordada, e nas laterais encontramٌȺƵ ǶƵɈȲƊȺ ȱɐƵ ǞƮƵȁɈǞ˛ƧƊǿ ȌȺ ȯȲȌȯȲǞƵɈƋȲǞȌȺ ƊȺȺǞǿ ƧȌǿȌ ɨƋȲǞƊȺ ǿȌɈǞɨȌȺ ƮƵ ǯƊȲȲƊȺ ˜ȌȲǞƮƊȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ a ponto de cruz. Datação: década de 40 do Séc. XX
106
Função: vestuário.
Avental
Descrição: Avental usado pelas mulheres glorianas no traje de trabalho, usava-se por cima da saia para a proteger dos trabalhos no campo, destaca-se as iniciais do seu proprietário e uma cercadura. Datação: década de 60 do Séc. XX
Babete e touca de infância
Função: vestuário.
Descrição: Usado pelas crianças glorianas, o babete faz conjunto com a touca e os mesmo motivos decorativos repetem-se. Na touca destaca-se os folhos, que pacientemente a mulher gloriana fazia. Datação: década de 70 do Séc. XX
Função: vestuário.
Taleigo
Descrição: Usado pelas mulheres glorianas, servia como as malas de hoje, era aqui que guardavam os documentos, o dinheiro ou mais algum pertence. Este taleigo tem como principal motivo decorativo um navio, à volta está rematado com bicos. Datação: década de 60 do Séc. XX
107
Sede do RFCPGR (fot. M. Cardoso /CMSM)
Talego do RFCPGR (fot. M. Cardoso /CMSM)
108
06 Rita Cachulo Pote
A Simbologia no artesanato gloriano Cultivando desde sempre fortes laços iden-
Da análise alargada que temos vindo a rea-
titários enraizados em todos os aspetos e
lizar, nas últimas décadas, do trabalho de
fases da vida, a comunidade gloriana tem
campo, da observação direta de centenas
mantido muitas dessas caraterísticas, apesar
de peças glorianas e da investigação realiza-
dos tempos. Transmitidos, de geração em
da sobre o mesmo assunto noutras culturas
geração, principalmente, pela mulher, ainda
(não apenas europeias), temos chegado a al-
hoje podemos observar nas artes de costura
gumas conclusões que nos têm surpreendi-
e dos bordados muitos elementos vindos de
do, pela coincidência. Por outro lado, encon-
um passado longínquo, aos quais foi dada
tramos também paralelo noutras formas de
uma nova roupagem. Referimo-nos, em par-
arte, de épocas muitos distintas, designada-
ticular, a um conjunto de peças do quotidia-
mente, na literatura (simbologia dos núme-
no reveladoras de uma criatividade invulgar
ros, do coração, das cores, da verticalidade/
que cruza harmonia cromática, elementos
horizontalidade); nas imagens bíblicas (lírio
simbólicos, pormenores artísticos, o sagra-
˜ ىȌȲ ƮƵ ǶǞȺ ةƋȲɨȌȲƵ ƮȌ ȯƊȲƊǠȺȌ ةȯƵǞɮǞȁǘȌȺ سفةȁȌ
do e o profano, sempre aliados a um grande
universo do sagrado (cruzes, balde de água
perfecionismo de execução.
benta, estrelas, custódia) e até nas civiliza-
Se atentarmos nesse largo espetro que cons-
ções egípcia (besoiro – símbolo associado ao
titui as prendas de namorados, enxoval de
culto solar, à vida, à fertilidade) e greco-roma-
casa e vestuário, vemo-nos confrontados
na e árabe (grande variedade de vasos sem
com um número consideravelmente gran-
asas ou com duas asas, cercaduras). Somos
de de elementos simbólicos que traduzem
levados, assim, a concluir que os símbolos
por si só uma determinada narrativa. Refe-
representam, desde o início da humanidade,
rimo-nos concretamente a motivos que ex-
um código não verbal que serve para comu-
pressam um “modus vivendi” assente nos
nicar, expressar sentimentos, desejos, entre
pressupostos da dignidade, da nobreza de
outros. Entende-se, desse modo, que, mais
caráter, do amor associado ao sagrado.
do que a representação estética, os mesmos
109
... talego do RFCPGR (fot. Miguel Cardoso/ CMSM)
e importância desta temática, atrevemo-nos Ɗ Ɗ˛ȲǿƊȲ ȱɐƵ ȌȺ ƵǶƵǿƵȁɈȌȺ ȺǞǿƦȍǶǞƧȌȺ ȯȲƵsentes no artesanato gloriano, designadamente nos lenços de namorados, traduzem uma linguagem universal, construída pelo homem ao longo dos tempos e civilizações. Não fosse a grande beleza destas peças, esta seria uma boa razão para não perdermos de vista este conjunto artístico que expressa um património tão rico e tão abrangente. Dessa forma, temos vindo a passar os produtos desta investigação à escrita, convictos de que esta matéria se apresenta inesgotável, ǯɐȺɈǞ˛ƧƊȁƮȌٌȺƵ ةƊȺȺǞǿ ةƊ ƧȌȁɈǞȁɐǞƮƊƮƵ ƮƊ Ǟȁvestigação. Numa análise preliminar, registamos alguns dos símbolos mais recorrentes, entre muitos outros, designadamente o navio, a âncora, as bonecas, os corações e a chave, a pomba, o
Rita Pote em 2018 na exposição “Artes do Pormenor de Glória do Ribatejo – uma identidade”, Capela Real Salvaterra de Magos (fot. S. Magriço/CMSM)
cão, o besoiro, a cruz cristã, a árvore do ParaíȺȌ ةȌȺ ȯƵǞɮǞȁǘȌȺ ةƊ ƧȌȲȌƊ Ƶ Ɗ ˜ȌȲٌƮƵٌǶǞȺ خXȁƮǞvidualmente, cada um destes elementos re-
constituem uma necessidade dos humanos
presenta sempre uma ideia que se apoia em
enquanto espelho das suas emoções. De tal
áreas de sentido muito harmoniosas, como
forma assim é que, ao longo da investigação,
sejam a viagem conjunta, a segurança, o de-
nos deparámos com representações simbó-
sejo de felicidade a dois, a expressão de um
licas, de diversas partes do mundo, coinci-
ƊǿȌȲ ɨƵȲƮƊƮƵǞȲȌ˛ ةƵǶ ةȯȲȌǿȌɈȌȲ ƮƵ ɨǞƮƊ Ƶ ةƊȌ
dentes às que ora analisamos: uma narrati-
mesmo tempo, bondoso e sagrado, ancora-
va/mensagem/promessa de vida auspiciosa
do em pressupostos judaico-cristãos. Cada
que alterna entre o material e o espiritual, o
ȯƵƪƊ ɈȲƊƮɐɹ ɐǿƊ ƧƊǿƦǞƊȁɈƵ ƵȺȯƵƧǠ˛ƧƊ ƮƵȺ-
sagrado e o profano, o que reforça (no caso
tes e de outros símbolos, em função da men-
concreto da Glória) a intencionalidade da au-
sagem que cada executante pretende trans-
ɈȌȲƊ ةƊ ƶɈǞƧƊ Ƶ Ɗ ˛ȲǿƵɹƊ ƧȌǿ ȱɐƵ ƵȁƧƊȲƊ Ɗ ȲƵ-
mitir ao seu par e à própria comunidade.
lação com o seu par. Conscientes da riqueza
Pormenor de lenço de namorado | RFCPGR (fot. M. Cardos /CMSM)
110
111
Pormenor de besoiro em avental | RFCPGR (fot. M.Cardoso/ CMSM)
112
Inventário preliminar dos símbolos Propriedade: Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo da Glória do Ribatejo
Talego | RFCPGR (fot. M. Cardoso/CMSM)
113
O Navio
A Âncora
Representa a viagem conjunta, remetendo
Associada ao navio, simboliza o desejo de
para o casamento
segurança na nova vida
As Bonecas
Corações e Chave
Exprimem alegria, vida próspera, felicidade
Os Corações - símbolo do amor A Chave - sempre associada aos corações, simboliza a abertura dos corações ao amor
A Pomba
O Cão
Representa a pureza, as boas intenções,
0ɮȯȲǞǿƵ Ɗ ˛ƮƵǶǞƮƊƮƵ
o Espírito Santo
114
O Besoiro
A Cruz Cristã
Motivo muito emblemático na civilização
Símbolo do sagrado e de Cristo
egípcia, símbolo cíclico do sol, representação do Ovo do mundo, de onde nasce a vida
Os Peixinhos
A Árvore do Paraíso ou Árvore da Vida
Símbolo de Cristo
Simboliza a ligação entre o material e o divino, a terra e o céu
A Coroa
A Flor de Lis
símbolo de nobreza, oferecida a alguém
Estilização do lírio, está intimamente ligada
eleito (o namorado)
ao cristianismo e à virgem Maria
115
Vaso
A Cesta
Símbolo do feminino e da fertilidade,
Elemento conotado com a abundância.
mas também associado ao Santo Graal
Pormenor de lenço de namorado | RFCPGR
116
Talego | RFCPGR (fot. M. Cardoso/CMSM)
117
Bolsa de relógio | ADPEC (fot. M. Cardoso/CMSM)
118
Talego | RFCPGR (fot. M. Cardoso/CMSM)
119
Câmara Municipal de Salvaterra de Magos Praça da República, 1 2120-097 Salvaterra de Magos Tel. 263 509 500 | email: geral@cm-salvaterrademagos.pt www.cm-salvaterrademagos.pt
120
8°39'10"W
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Instrumentos de Gestão Territorial
Guia n.º
Divisão de Urbanismo e Planeamento Serviço de Planeamento e SIG
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19.05.2021
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Sistema de referência: ETRS89 / PT-TM06 Elipsóide de referência: GRS80 Projecção cartográfica: Transversa de Mercator
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Sede do Rancho das J aneiras
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Freguesia
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a Rua da Maratec
2ª Fase: Escolha das linhas e das cores yȌȺ ƦȌȲƮƊƮȌȺ ǿƊǞȺ ƊȁɈǞǐȌȺ ةɨƵȲǞ˛ƧƊٌȺƵ ȱɐƵ
Combinam-se as cores de forma harmo-
Ȍ ȯȌȁɈȌ ƮƵ ƧȲɐɹ ƵȲƊ ǿƊǞȺ ˛ȁȌ ةƮƊƮȌ ȱɐƵ ƊȺ
niosa. Assim, se o motivo decorativo central
ǿɐǶǘƵȲƵȺ ƮƵȺ˛ƊɨƊǿ ƊȺ ǶǞȁǘƊȺ ȯƊȲƊ ƊȺ ȲƵȁɈƊ-
ȌƧɐȯƊȲ ɐǿƊ ƮƵɈƵȲǿǞȁƊƮƊ ƧȌȲ ةɨƵȲǞ˛ƧƊٌȺƵ Ɗ
bilizar. As cores usadas no século XIX e início
aplicação dessa mesma cor nos cantos e por
do século XX são o vermelho e o azul escuro,
vezes na cercadura ou nos “bicos”, de forma a
de diferentes tonalidades. Um pouco mais
realçar a composição dos bordados.
tarde, torna-se comum o vermelho e o verde,
Nas décadas de 1970 e 1980, surge um novo
surgindo, logo a seguir, uma panóplia gran-
ɈǞȯȌ ƮƵ ǶǞȁǘƊȺ ةƊ ȱɐƵ ȺƵ ƧǘƊǿƊɨƊ ٗǶǞȁǘƊ ˛ǶȌ-
de de cores que se associavam consoante a
sel”, de cores variadas e que torna possível
matriz tradicional e o gosto da executante.
a visualização de novos aspetos cromáticos,
Daí que possamos encontrar o mesmo moti-
nos bordados a ponto de cruz de Glória do
vo bordado a diferentes cores.
Ribatejo.
Pormenor de uma cesta de costura da ADPEC (fot. M. Cardoso/CMSM)
35
39°7'30" 39°7'10"N 39°6'30"N
39°6'50"N
6 .3.1. Periodicidade:
É desenvolvida ao longo de todo o ano, pois não existe um período em particular em que a produção seja determinante ou escassa, mas observa-se uma dedicação maior durante 39°6'10"N
a estação fria, visto que existe uma perceção coletiva de que o tempo frio não se adequa
39°5'30"N 39°5'10"N 39°4'50"N 39°4'30"N 39°4'10"N 39°3'50"N 39°3'30"N
6.3. Contexto temporal:
para marcar”.
39°5'50"N
à prática de outras atividades domésticas ou do campo, pelo que o tempo “é aproveitado
39°3'10"N
Ao “canto”, década de 60 ( fot. M. Ribeiro/ ADPEC)
39°2'50"N
6 .3.2. Data(s):
Não se aplica nos bordados da Glória do Ribatejo, visto que as mulheres bordam sempre 39°2'30"N
que tenham disponibilidade. No passado, eram feitos ao serão, após o trabalho e também à hora de almoço e da sesta, enquanto nos dias de hoje tudo depende da disponi39°2'10"N
ƦǞǶǞƮƊƮƵ خ0ǿƦȌȲƊ Ƶǿ JǶȍȲǞƊ ƮȌ ªǞƦƊɈƵǯȌ ȁǞȁǐɐƶǿ ǏƊƪƊ ƮȌ ƦȌȲƮƊƮȌ ɐǿƊ ȯȲȌ˛ȺȺƣȌ ةƧȌǿ o envelhecimento da população, nomeadamente das mulheres que são as detentoras
°1'30"N
39°1'50"N
do saber-fazer, vai-se aproveitando mais o tempo disponível para “bordar”.
29
CÂMARA MUNICIPAL DE SALVATERRA DE MAGOS