Magos
Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos n.º9 | Ano 2022
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ISSN 2184-7940
Execução Gráfica
Data Setembro 2022
Magos | Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos n.º 9 Ano: 2022
Coordenação
Textos
Fachada da Capela Real - Década de 60
Câmara Municipal de Salvaterra de Magos
Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos
Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Eng.º Hélder Manuel Esménio
Soraia Magriço
Vítor NatáliaSerrãoCorreia Guedes
Depósito Legal 380652/14
Grafismo
Tiragem 500 exemplares www.cm-salvaterrademagos.pt
Capa
Roberto Caneira
Ruy Ventura
Soartes - Artes Gráficas, Lda
Propriedade
2
Diogo Maria d’Orey Manoel Francisco Lameira
5 | Salvaterra de Magos: Duas Esculturas (quase) esquecidas | Ruy Ventura | pág. 91 à 113
1Índice|
4 | A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais (D.G.E.M.N.) | Roberto Caneira | pág. 69 à 90
O Senhorio de Salvaterra de Magos e os antepassados do 1º Conde de Atalaya Diogo Maria d’Orey Manoel | pág. 03 à 32
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2 | O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores | Francisco Lameira e Vítor Serrão | pág. 33 à 48
3 | O Esplendor da corte na “Torre de Salvaterra” | Natália Correia Guedes | pág. 49 à 68
Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022
A presente publicação, tem como fio condutor o Paço Real de Salvaterra de Magos, aborda a impor tância deste complexo residencial que albergou du rante séculos a nossa corte, evidencia aspetos histó ricos e artísticos do Paço que “sobreviveram” à sua degradação, mas também perspetiva iniciativas de
musealização para manter viva a história e a memó ria do Palácio Real de Salvaterra de Magos.
Magos Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos 2
A revista MAGOS é um importante instrumento de trabalho para os estudiosos das áreas da história e património, continua a privilegiar a pluridisciplina ridade e a manter o seu rigor científico, graças ao apoio e contributo de vários investigadores, que têm respondido ao nosso apelo e participam entu siasticamente com vários artigos, e desta forma vão mantendo vivo este projeto cultural, assegurando a sua continuidade futura. A todos eles o meu muito obrigado.
Prefácio
O Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos Eng.º Hélder Manuel Esménio
O Município de Salvaterra de Magos volta a apos tar na continuidade editorial da revista cultural MA GOS, que já vai no seu 9.º número, pois considera que o conhecimento, a preservação, a valorização e a divulgação do património e da história local, são pilares fundamentais para manter a coesão da nossa identidade enquanto comunidade.
3 O Senhorio de Salvaterra de Magos e os antepassados do 1º Conde de Atalaya diogomanoel@gmail.comAdvogado Diogo Maria d’Orey Manoel 3
A primeira pedra deste monumento, foi lançada anteriormente, a 17/08/1490, sendo este o primeiro edifício de estilo manuelino, nas palavras do Prof. José Hermano Saraiva. A construção deste conven to e respectiva Igreja, ficaram a cargo do arquitec to italiano Diogo Boitaca, ou Boutaça, mestre de obras do reino.
D. Justa jaz na Casa do Capítulo desse Convento que fundou e onde professou.
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Pintura de D. Justa Rodrigues no coro alto da Igreja de Jesus (Setúbal)
Em 1441 foi nomeado Provincial da Província de Portugal, o que foi confirmado por Breve do Papa Eugénio IV, para posteriormente ser nomeado Bis po titular de Tiberíades (1441 - 1443) e Bispo de Ceuta (1443, Primaz de África e Administrador Apostólico de Valença (1443 - 1459) e Bispo da Guarda (1459-1476).
O Senhorio de Salvaterra de Magos e os antepassados do 1º Conde de Atalaya
Já o Pai de D. Nuno Manoel, como já se disse, D. João Manoel ou D. Frei João de São Lourenço, fra de Carmelita, que, por volta de 1422/1423 terá entrado para o Convento do Carmo sob protecção de D. Nuno Alvares Pereira.
Na sequência de um voto, a mesma Senhora adqui re um terreno extramuros e, após obter a respectiva bula papal de 15/06/1498, emitida pelo Papa Inocêncio VIII e com o apoio régio, manda construir na cidade de Setúbal, o Convento de Jesus.
A referida Justa Rodrigues em 1481, foi uma das pessoas que acompanhou o Infante D. Manuel, como referido antes futuro Rei D. Manuel I, quando este foi confiado aos Reis Católicos, no contexto político das “Terçarias de Moura”. Sugere-se que, arrependida dos seus actos de juventude, Justa Rodrigues renunciou ao amor pelo frade carmelita, adquirindo enorme virtude e com postura moral, para em 1489, estar a residir em Se túbal em casa de familiares.
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D. Nuno Manoel (1469 - ...) bisavô do 1º Conde de Atalaya, era filho de João Manoel (1412? - 1476?) também conhecido pelo nome professo de D. Frei João de São Lourenço e de Justa Rodrigues (Porta legre/Beja, c. 1441 - 1514/1524) a qual foi admitida nos paços de Alcochete do Infante D. Fernando de Portugal (filho de D. Duarte, 1.º Duque de Beja e 2.º Duque de Viseu), com o encargo de ama-de-leite do Infante D. Manuel, futuro rei D. Manuel I, por es colha de respectiva Mãe, a Infanta D. Beatriz, pelo que aquele D. Nuno Manoel era colaço do referido Rei.
D. Manuel I concedeu-lhe ainda licença para ar mar navios que fossem carregar aos portos da Índia e da China, no âmbito da qual, em meados de 1517, armou a nau “São Tiago” que foi ca pitaneada por João de Torres e em 1519 a nau “Mandanela” ou “Madalena” capitaneada pelos capitães Rafael Perestrelo e Rafael Catanho. Armou também a expedição que partiu de Lisboa em 1511 e veio a descobrir o Cabo de Santa Maria e o Rio da Prata.
Igreja de Jesus em Setúbal
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D. Nuno Manoel foi, por nomeação do Rei D. Manuel I, Almotacé-Mor e Guarda-Mor da Pessoa de El-Rei, cargos que mantem no reinado de D. João III, tendo ainda sido comendador do Castelo de Al mourol e, em especial, foi o primeiro senhor de Salvaterra de Magos, das Águias e da Erra, lugares que comprou em 1520.
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A 11/05/1455 baptizou, na Sé de Lisboa, o Infante D. João, futuro rei D. João II. Mais tarde em 1449, foi ainda nomeado pelo Infan te D. Henrique para aconselhar o Infante D. Pedro, nas discórdias com o sobrinho deles Infantes, D. Afonso V, Rei de Portugal.
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D. Nuno Manoel, casou com Leonor de Milá de Aragon - nascida cerca de 1470 e filha de Jaime de Milá ou de Milão, Conde de Albayda e de sua mulher D. Leonor de Aragão que era filha natural do Duque de Vila Hermosa e neta do D. Afonso, Mestre de Calatrava, o qual por sua vez era filho natural de D. João II de Aragão - e desse casamen to nasceram vários filhos, nomeadamente D. Fradique Manoel que segue.
1ª página da escritura de partilhas
Mais tarde e por escritura de permuta e escambo, datada 14 de setembro de 1542, feita por um lado por D. Fradique Manoel e sua mulher D. Maria de Ataíde e, por outro lado pela coroa, outorgando por parte desta Cristóvão Esteves, desembargador do Paço (sendo que estas doações e escambo fo ram confirmadas pelos reis sucessores, como se vê dos livros 6.º e 7.º do Guadiana, fl. 74 e 111, e Chan celaria de D. João II, liv. 6, 123 v.), é feita a troca do senhorio da vila de Salvaterra de Magos de juro e herdado, com todos os seus termos, limites, direitos, portagens, foros, jugados, com todas as suas rendas e tributos, e ainda o Paul de Magos ou Es caroupim, Cortes Lezirão e Ramo Grande e Peque no - estes últimos que eles possuíam por doações dos reis D. João II e D. Manuel I - pelo senhorio de Benfica do Ribatejo, sendo que esta última propriedade se manteve na posse da Família até princípios do séc. XX.
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Aqueles senhorios, em especial o de Salvaterra de Magos, foram transmitidos, por morte de D, Nuno Manoel, ao seu filho D. Fradique Manoel [c 1500 Lisboa (Castelo) - 09/junlho/1564] o qual foi moço fidal go de D. João III em 1520, e membro do seu Conselho. Senhor de Tancos e Atalaia, casou com D. Maria de Ataíde Senhora de Penacova, filha e sucessora de Nuno Fernandes de Ataíde, Senhor de Penacova e célebre governador de Sanfim e de sua mulher Joana dePorFaria.escritura de partilhas, datada de 14 de Fevereiro de 1534 e assinada entre D. Fradique Manoel os seus irmãos, é referido o senhorio de Salvaterra de Magos, herdado de seu Pai:
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Edifício da Quinta de Santa Marta - Benfica do Ribatejo
Diogo Maria d’Orey Manoel
Lisboa, Outubro de 2021
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Com esta última escritura, a Família Manoel deixou de administrar bens e receber rendas em a Salva terra de Magos, passando estes bens para a posse do rei que, no mesmo ano de 1542, entregou ao seu filho, o Infante D. Luís, para a constituição da casa do Infantado.
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Anexos
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Magos Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022 33 O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores Reedição do texto publicado, em 2001, nas Actas do II Congresso do BarrocoFaculdade de Letras da Universidade do Porto Francisco LAMEIRA (Universidade do Algarve) Vítor SERRÃO (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa) 33
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O presente estudo visa contribuir para uma caracterização dos caminhos da Talha Portuguesa nos anos finais da União Ibérica e nos primeiros decénios da Restauração, quando circunstâncias diversas de isolamento político e de debilidade socio-económica, agravados pelo esforço de guerra nas fronteiras, levaram a cultura artística a assumir caminhos próprios de identidade, sob o figurino de uma marcada veia nacionalista.
O novo conceito retabulístico agora utilizado pelos artistas portugueses vai substituir paulatinamente o repetitivo formulário do Maneirismo, já entretanto esgotado como modelo de Retábulo, visando a sua plena renovação em termos estéticos e funcionais. Trata-se de uma solução absoluta, que constitui uma novidade sui generis no vocabulário português do chamado ciclo da Restauração, ensaiada durante o segundo terço do século XVII. Tal como a decoração de azulejaria polícroma, que atinge nesta altura o áspide da sua utilização multiforme, em padrões de tapetagem parietal ou em frontais de altar de sabor orientalizante, ou a pintura de brutesco compacto, que envolve tectos, arcos e colunas de edifícios reli giosos e palaciais com a sua garrida profusão de enrolamentos acânticos e motivos fantasistas, a arte da Talha dourada sofre uma necessária, mas veemente actualização de receitas formais e de morfologias compositivas.Belotestemunho
A antiga vila cortesã de Salvaterra de Magos era uma das estâncias de veraneio favoritas dos mo narcas da nova dinastia de Bragança, tal como o fora durante o século XVI com os reis da dinastia de Avis. Construída segundo traças do arquitecto renascentista Miguel de Arruda (fal. 1563), a resi dência palatina incluía uma singular capela real de erudita concepção classicista, que se preservou in tegra até aos nossos dias, e onde se combina o sis tema de planta centralizada provido de cúpula com um tratamento do espaço já de recorte paladiano, num discurso eivado de clara consciência utilitária própria da arquitectura civil. O favoritismo da vila ficava-se a dever a diversos factores: a abundância de recursos cinegéticos na Coutada Real, que permitia frutuosas caçadas (no interior da Falcoaria Real subsistem trezentos e dez nichos para abrigo dos falcões); a sua localização nas margens do rio Tejo, com acesso feito por barco ao longo do rio
desta viragem de gosto é-nos dada por uma obra do tempo de El-Rei D. Afon so VI que é devida a empreitada régia: o Retábu lo de talha dourada que preenche o altar-mor da Capela do antigo Paço Real da vila de Salvaterra de Magos. Trata-se de um inestimável testemunho artístico de requintada execução, datado de cerca de 1666, e lavrado pelo próprio mestre entalhador e ensamblador de Sua Magestade, António Vaz de Castro, segundo traça atribuível ao arquitecto régio Mateus do Couto (Sobrinho). Escolhemo-lo como testemunho bem marcante desta nova tipo logia de retábulos portugueses — aqui designada por tipologia proto-barroca da arte do entalhe nacional —, pelo facto de, por um lado, ser uma peça de óptima qualidade e, por outro, tratando-se de um caso devido a especifica encomenda real, po der transmitir o peso de um gosto oficial já então bem implantado no mercado português.
Nota preliminar
O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
sequência da renovação artística promovida, de se guida ao triunfo da Restauração , na Capela do Paço Real da Ribeira em Lisboa, sob iniciativa de D. João IV, que o Paço de Salvaterra sofreu a importante campanha de obras que ora abordamos. Foi essa campanha, iniciada pelo Restaurador e depois continuada por D. Afonso VI, uma obra que se assumiu como determinante no processo de elaboração do bel composto português 2, o sistema vernáculo de «arte total» tão característico da nossa cultura artís tica do pleno Seiscentos.
Durante essa campanha brigantina, procedeu-se naturalmente também à renovação da Capela do Paço Real salvaterrense.
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As obras palatinas da Capela de Salvaterra de Magos
Assim, começou-se em 1657, segundo as fontes disponíveis, por trabalhos de rasgamento de uma janela lateral à porta principal, conforme à data que surge no frontão de cantaria. Alguns anos depois, por volta de 1666, substituiu-se o primitivo retábu lo do altar-mor - cujo figurino exacto desconhecemos, assim como os seus autores - pelo retábulo actual, exemplar de grande qualidade artística e de perfeita integração arquitectónica, que desem penha um papel pioneiro na evolução do retábulo barroco em Portugal. Os trabalhos prosseguiram, de seguida, com a pintura do brutesco dos tectos
numa aprazível viagem ; e os equipamentos lúdicos ai existentes - o magnifico palácio real, construído pelo infante D. Luís, irmão do rei D. João III, os seus jardins caprichosos, um circo tauromáquico e, mes mo, um teatro de ópera.
3 Sobre estas referências, cfr. Ayres de Carvalho, D. Joao V e a arte do seu tempo, vol. II, Lisboa, 1962, e Vítor Serrão, “O desvario do or namento de Brutesco na pintura de tectos do mundo português, 1580 - 1720”, Actas do Simpósio Internacional Struggle for Synthesis. A Obra de Arte Total nos séculos XVII e XVIIł, ed. IPPAR, Lisboa, 1998, vol. 1, p. 292.
1 Paulo Varela Gomes, Igrejas de Planta Centralizada em Portugal no século XVII, Arquitectura, Religião, Política, dissertação de doutora mento policopiado, Coimbra, vol. I, 1998, pp. 41 e 46.
O referido palácio tinha, como referimos, a sua capela privativa, obra-prima da arquitectura renas centista nacional, da autoria do arquitecto Miguel de Arruda1 , e de uso exclusivo da corte e dos seus convidados; consequentemente, só era utilizada durante a estadia temporária da família real. Foi na
da capela, obra ajustada em escritura pública noto rial, no dia 24 de Janeiro de 1681, obra de que foi encarregado o mestre lisboeta Francisco Ferreira de Araújo, pintor de têmpera de Sua Majestade, que teve com parceiros o seu filho José Ferreira de Araújo e o pintor João da Mota. Esta «tercena de parceria de pintores» , aliás, não foi integralmente respeitada, talvez por desinteligências geradas en tre si, e foi alvo de parcial alteração, registada em escritura notarial do dia 25 de Março do mesmo ano, em que o pintor de óleo Miguel Mateus de Cárdenas passou a ocupar o lugar entretanto dei xado vago pela saída de João da Mota.3
2 Luís de Moura Sobral, “ Um bel composto: a obra de arte total do Primeiro Barroco português ”, Actas do Simpósio Internacional Struggle for Synthesis. A Obra de Arte Total nos seculos XVII e XVIII, IPPAR, Lisboa, 1998, vol. I, p. 306
O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
Para além daquele que estamos a tratar, conhe cem-se mais três casos de obras de retábulos por si desenhados. O primeiro é o retábulo da capela mor do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova de Coim bra, com a sua tribuna habilmente concebida para albergar o trono eucarístico e o túmulo da Rainha Santa, que o historiador de arte Nelson Correia Borges julgou dever ser atribuído à sua concepção e risco4. Convém anotar que este retábulo, ainda subsistente, foi muito provavelmente o cabeça de série do Barroco Nacional na diocese de Coimbra.
7 João Cabral, Serpa do passado, Leiria, 1970, pp. 83 e 84.
A renovação do figurino do retábulo-mor palatino passou obrigatoriamente pela directa responsabilidade do então mestre de obras do Paço Real de Salvaterra de Magos, o arquitecto Mateus do Couto (Sobrinho), que sucedera, entretanto, no cargo ao seu tio, o arquitecto régio Mateus do Couto (Tio), falecido em 1664. Deveu-se muito provavelmente a este segundo mestre Mateus do Couto (Sobrinho) a concepção da traça ou risco do retábulo-mor da Capela palatina de Salvaterra. De resto, sabe-se que este arquitecto desempenhou ao tempo um papel importante como executante de traças ou riscos de retábulos, alguns deles, por sinal, pioneiros das inovações artísticas do gosto barroco.
Algum arcaísmo ainda é visível no facto de as colunas em espiral apresentarem uma diferenciação no
4 Nelson Correia Borges, A arte nas festas do casamento de D. Pedro II, Porto, 1982, p. 82
6 Vítor Serrão, Arquitecto e entalhador do ciclo da Restauração (1647-1664), sep. do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, 1980, ref.ª p. 35.
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5 Germain Bazin, “Morphologie du Retable Portugais”, Belas Artes, 2.º série, n. 12, 1953, p. 16
terço inferior, «déjá révêtu d’acanthe, les deux tiers supérieurs gardant le rinceau de vigne»5. A traça poderá ter sido concebida, neste caso, no ano de 1674, prolongando-se o entalhe e o posterior dou ramento até 1677, data da benção solene e simul taneamente da transferência das freiras de Santa Clara-a-Velha para as novas instalações. O segundo testemunho conhecido é a traça do retábulo da capela-mor da igreja Matriz de Santa Maria de Serpa, concebida em 1677, pois se sabe que o ajuste do entalhe foi celebrado por escritura pública notarial no dia 5 de Maio desse ano, assu mindo esta função um mestre entalhador de Lisboa, Francisco Marques, e sendo a autoria do risco ex pressamente citada como do arquitecto régio. Este retábulo, ainda subsistente, apesar de não ter sido o pioneiro do Barroco Nacional na Diocese de Évora - tal proeza ocorreu em 1674 na capela da Ordem Terceira de São Francisco, sita no lado do Evangelho no transepto da Igreja de São Francisco, obra ajus tada pelo mestre entalhador de Évora, Bartolomeu Ribeiro6 - pode ter permitido o primeiro contacto do novo formulário com o Bispo da Guarda, D. Martim Afonso de Melo (1672-1684) , natural de Serpa e pa trocinador do referido retábulo-mor na Igreja Matriz de Santa Maria. Para as obras da capela-mor deste templo deu seis mil cruzados e três anos mais tarde contribuiu para o douramento do retábulo com a generosa dotação de mais um conto de réis.7
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Fig. 1 - Fachada da Capela Real - foto CM de Salvaterra de Magos
o da capela mor, onde participa no entalhe um profissional de Braga, o mestre Damião da Costa e Figueiredo10, seguramente inserido numa oficina lisboeta, tendo ai aprendido o formulário do Bar roco Nacional. A atestar este facto, refere-se a ci tação de um cronista do Mosteiro do Salvador de Moreira da Maia, dos Cónegos Regulares de San ta Cruz11, sobre a existência de um tal «Damião da Costa, natural de Braga, que esteve anos no Mosteiro da Batalha e lá aprendeu a fazer retábulos de talha» ...
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11 Citada por Roberto C. Smith na sua monumental obra de síntese A Talha em Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1962, p. 75
O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
8 D. Domingos de Pinho de Brandão, Obra de Talha Dourada, Ensamblagem e Pintura na Cidade e na Diocese do Porto. Documen tação I – Séculos XV a XVII, Porto, 1984, pp. 754-758.
9 D. Domingos de Pinho Brandão, Idem, pp. 754-757 e 813-814
10 Eduardo Pires de Oliveira, O Edifício do Concento do Salvador. De Mosteiro de Freiras ao Lar Conde de Agrolongo, pp. 98 a 101
O terceiro caso documentado é a traça de onze retábulos iguais, dois colaterais e nove laterais, da igreja do já referido Mosteiro de Santa Clara-a-No va, em Coimbra, uma das construções mais emble máticas do Portugal Restaurado. A escritura públi ca notarial do entalhe destes exemplares, ainda subsistente, é celebrada no dia 28 de Outubro de 1692, sendo assumida por dois competentes mes tres com oficina aberta no Porto, António Gomes e Domingos Nunes, famosos por obra numerosa de pois realizada na cidade tripeira, designadamente (o primeiro) no altar da Árvore de Jessé da igreja do Mosteiro de São Francisco8. Os referidos retábulos são particularmente destacados pelo facto de in cluírem um interessante ciclo narrativo de escultura estofada e policromada em baixo-relevo, da autoria desses dois famosos escultores portuenses, Antó nio Gomes e Domingos Nunes9. Neste mesmo ano de 1692, Mateus do Couto (So brinho) faz também a traça para o madeiramento da igreja matriz de Benavente, obra ajustada em es critura pública notarial por vários carpinteiros, mas a obra em causa desapareceu. Outras traças ou ris cos podem ser atribuídas a Mateus do Couto. Uma delas corresponde a uma obra muito importante efectuada, por volta de 1674-1675, no Mosteiro da Batalha, onde desempenhava também as funções de arquitecto ou mestre de obras. Neste contexto, deve ter feito a traça de um retábulo, eventualmente
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Fig. 2 e 3 - Altar e Pinturas do tecto da Capela Real - Foto CM de Salvaterra de Magos
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13 Rafael Moreira, «António Vaz de Castro», Dicionário de Arte Barroca em Portugal, ed. Presença, Lisboa, 1989, pp. 110-111. O refe rido desenho consta do Cód. 256 («Álbum de Plantas e Desenhos para a Divina Providencia») dos Reservados da B.N.L.
A partir da traça do retábulo-mor da Capela do Paço de Salvaterra de Magos, concebida como tudo leva a supor pelo arquitecto Mateus do Couto (So brinho), o entalhe foi executado segundo a respon sabilidade de outro grande artista do tempo da Res tauração: António Vaz de Castro (act. 1646 — fal. 1667), marceneiro e entalhador régio durante os rei nados de D. João IV e D. Afonso Vl. A identificação é agora avançada, conforme veremos depois, por razões de cotejo estilístico com desenhos e obras seguras de talha, recém- documentadas, desse ar tista de corte.
O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
14 Cfr. Vitor Serrão, «Documentos dos Protocolos Notariais de Lisboa referentes a artes e artistas portugueses (1563-1650)», Separata do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa
não ter sido aplicado em razão de o modelo do Cas tro haver sido preterido a favor de um outro jardim de tipo mais tradicional13. Também se conhece seu assinado «Ant° Vaz de Crasto», um desenho com um trecho de paisagem (col. particular), obra a revelar oportunamente.Talcomoseuirmão Lourenço Coelho, António Vaz de Castro aprendeu o ofício de ensamblador e es cultor durante o segundo quartel do século XVII, provavelmente na oficina do seu pai, o mestre An tónio Vaz, imaginário, que surge documentado em 1622 num instrumento de obrigação de umas casas em Lisboa14. Assim como seu pai, o artista de que tratamos pertencia à Confraria de Nossa Senhora da Doutrina, sita na Igreja de São Roque em Lisboa, constituída por moços solteiros e oficiais mecânicos. António Vaz de Castro casou duas vezes e do pri meiro matrimónio tem um filho e do segundo dois. Em 1664 morava na Rua da Rosa, ao Bairro Alto, zona tradicional de artistas de pintura, escultura e entalhe. Temos diversa referenciação a propósito do artista, que assumiu ao nível da corte brigantina, no âmbito do seu mester, um papel de destaque. Fale ceu por doença em 1667, ainda relativamente novo, deixando os filhos, um com nove anos, outro com três e o terceiro com quinze meses de idade. Encontramos António Vaz de Castro já em activida de em 1646, ao lavrar para a poderosa lrmandade do Santíssimo Sacramento da Sé de Lisboa o caixilho
12 Cf. Reinaldo dos Santos, «Plantas e desenhos barrocos», Belas – Artes, 2.º série, n.º 2 , 1950, pp. 57-65.
Este mestre lisboeta de elevada reputação profissional, que teve uma produção de ensamblagem e retabulística muito importante para a principal clien tela do reino, era também, à semelhança dos artis tas mais credenciados do tempo, responsável pela concepcão arquitectónica de traças de retábulos e, ocasionalmente, de cadeirais, de oratórios e de outras peças de luxo. A título de exemplo , refiram-se os dois desenhos assinados « Crasto 1656 » dos Re servados da Biblioteca Nacional de Lisboa (n.º 246) , dados a conhecer por Reynaldo dos Santos12, e um belo estudo que desenhou (datado e assinado) com o projecto e concepção de um «jardim triangular» , de gosto italianizante, para o Convento de São Caetano ou de Nossa Senhora da Divina Providen cia, em Lisboa, que o artista enviou para apreciação a D. Antonio Ardizzone, e que Rafael Moreira diz
O retábulo-mor, de António Vaz de Castro
17 Vitor Serrão, A pintura Proto-Barroca em Portugal, 1312-1657, dissertação de doutoramento policopiada, Lisboa, 1992, II vol. P. 216
serão devidas ao Castro - pensamos que também o arquitecto-entalhador Marcos de Magalhães inter veio nesta campanha -, o possante arcaz e o formoso armário definem bem o estilo minucioso deste mestre no pessoalizado design e no modo caracte rístico como lavra as suas obras de mobiliário sacro. Por volta de 1654-1655, António Vaz de Castro deve ter executado o retábulo em talha, já desapa recido, para o altar-mor da Capela do Paço Real da Ribeira, em Lisboa, pois em 1656 o pintor régio José do Avelar Rebelo, que morreria prematuramente no ano seguinte, recebe a incumbência de pintar um grande painel da Incredibilidade de São Tomé para a tribuna desse mesmo retábulo, quadro esse que entretanto deixaria inacabado.17 O testamento do Castro, aliás, confirma que teve actividade regular para a capela palatina de Lisboa, junto ao arquitecto régio João Nunes Tinoco, que fez importante obra de entarsia nesse espaço, aos vários artistas de talha saídos da sua própria oficina e, também, a operosos pintores de óleo como Bento Coelho da Silveira e João Gresbante.
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de um grande painel tenebrista alusivo a Jesus Cristo dando a comunhão aos Apóstolos, que o pintor régio José do Avelar Rebelo havia de pintar de se guida. Esse painel, que ainda existe, preserva a pri mitiva molduragem de óvulos executada pelo nosso Vaz de Castro15. O dourado dessa moldura coube ao artífice de têmpera João Correia, muito activo então em obras congéneres de decoração comple mentar. O Castro fez outras obras nessa desapareci da Capela do Santíssimo, junto a outro «arquitecto de retábulos» e especialista de entalhe do tempo, o mestre Marcos de Magalhães.
Num contrato notarial de 11 de Novembro de 1650, celebrado entre os oficiais de Nossa Senhora da Pe nha de França e os irmãos marceneiros António Vaz de Castro e Lourenço Coelho, ambos se obrigaram a fazer diversas obras na «casa nova» da igreja do Convento da Penha de França, incluindo o reves timento de um tecto de caixotões, um armário de serviço litúrgico, um trono para resguardo e exposição de imagem, diversas molduras para painéis de óleo de artista não especificado (Avelar?), bem como uma escultura em madeira de Nossa Senhora de Penha de Franca, tudo pelo altíssimo preço de 600.000 rs16. Parte destas obras ainda subsiste na actual sacristia da igreja da Penha de França, junto ao magestoso túmulo marmóreo, com arcossó lio, do secretário António de Cavide, ministro de D. João IV, sendo de destacar, designadamente, o aus tero arcaz e um armário de fino lavor, ambos com embutidos e ferragens. Se nem todas estas peças
16 ANTT, Cartório Notorial n.9 – A, Maço 35, Lº 162, fls 131vº a 133 e vº. Cfr V. Serrão, «Documentos dos Protocolos Notariais de Lisboa referentes a artes e artistas portugueses (1563-1650)», Separata do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, III série, n. 90, 1989, p. 51
15 Arquivo do Santíssimo Sacramento da Sé de Lisboa, L.ª de Rec. e Despesa do SS. Sacramento de 1642-1672, fl. 28 e v.º. Cfr. Vitor Serrão, A Pintura ProtoBarroca em Portugal, 1612-1657. O triunfo do Tenebrismo e do Naturalismo, cit. P. 397
A colaboração de António Vaz de Castro com o pintor régio Avelar Rebelo estende-se a outra obra luxuosa executada em 1655: o oratório em pau-san to com embutidos marfínicos que procede de cela de uma casa franciscana não identificada (acaso o Mosteiro das Chagas de Vila Viçosa), integrando no nicho central uma imagem cingalesa de Cristo Cru cificado e nas portas quatro tabuínhas assinadas e datadas por Avelar. Esta singular peça, adquirida
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O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
22 Arquivo Distrital de Santarém, L. 174 do Cartório Notarial de Abrantes, fls 40v e 41
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18 A peça pertence aos especialistas de endocrinologia senhores Dr. Luís Barreiros e Dr. Eduardo Barreiros.
marcada pelas crises e dificuldades, urge ser devi damente sublinhado.
A 11 de Abril de 1664, o artista, na qualidade de ensamblador e entalhador de Sua Majestade, e re gistado, como sempre, como morador na Rua da Rosa, obrigou-se a executar a obra dos caixões e arcaz da sacristia do Convento de São Domingos de Lisboa, em belas madeiras exóticas e embutidos marmóreos, com traça do citado arquitecto Marcos de Magalhães e execução sua, por alto preço de 40.000 cruzados20. Esta obra ainda existe e vai permitir melhor o cotejo estilístico com outra obra muito importante, o arcaz da Sacristia Nova da Sé de Lisboa, obrado pouco antes de 1646 e que, por várias razões de repertorio formal e ornamental, é certamente atribuível ao labor do Castro, de resto documentado amiúde em obras na Sé21. No mesmo ano de 1664, a 6 de Novembro, decorre um «reconhecimento» feito pelos irmãos da fábri ca da igreja de São Vicente de Abrantes, com An tónio Vaz de Castro, dado como «marceneiro de Sua Magestade» e morador em Lisboa, por haver feito duas traças para o retábulo da capela-mor dessa igreja, bem como outras obras, sendo aque le em preço de 380. 000 rs e devendo estar o dito retábulo concluído ate Setembro de 166522. O re tábulo em causa foi malogradamente substituído no século XVIII, e perdeu-se, mas restam ainda os quatro altares laterais dessa igreja, da banda do
no mercado antiquário francês e hoje conservada numa colecção particular de Lisboa18, mostra o bom gosto de Castro na morfologia micro-retabu lar, com colunas de terços inferiores lacrados, anjos nos vãos do arco, remate com cartela recortada em roll werk antuerpiano, tudo dentro da tradição epi-maneirista, e preciosismos de decoração em butida marfínica com grottesche della Passione a decorar os flancos, e a dupla legenda moralizante MORS. MEA. VlTA TVA. (no remate, sob uma Santa Face miniatutral) e HIC. ME. FIXIT. AMOR (na base). No ano de 1656, encontramos o mestre António Vaz de Castro a assinar e datar dois preciosos estu dos para retábulo de igreja não identificada19 (hoje nos Reservados da B.N.L., n° de inv° 246). Estes belos desenhos, revelados por Reynaldo dos San tos, atestam dotes exímios de debuxo e concepção morfológica da retablística, com cartouches, molduras rectangulares e outros temas de decoração mobiliária, colunas coríntias e caneladas, tímpanos fechados, aberturas de nichos para imaginária e de edículas destinadas a painéis, decoração de rama gens e fruteiros, etc, lembrando de certa forma os retábulos que depois executará em altares laterais da igreja de São Vicente de Abrantes. O facto de assinar estes dois projectos mostra certa consciên cia do seu razoável estatuto profissional, facto que, tratando-se de um escultor que actua numa época
19 Cfr. Reynaldo dos Santos, “Plantas e desenhos barrocos”, Belas-Artes, 2.º Série, 1950, pp. 57-65.
20 ANTT, Cartório Notarial n.9-A, 1.º 193, fl. 94v a 97v. Referido pela primeira vez em Ayres de Carvalho, catálogo da Col. De Dese nhos da Biblioteca Nacional de Lisboa, Lisboa, 1977, p. XIII
21 Cerca de 1646, o castro deve ter executado, efectivamente, os belos arcazes em madeira exótica da sacristia da Sé de Lisboa (Vitor Serrão, A Pintura ProtoBarroca em Portugal, 1612-1657, O Triunfo do Tenebrismo e do Naturalismo, ed. Colibri, Lisboa, 2000, p. 397)
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Evangelho, que se integram em arcossólios de pe draria maneirista de bom lavor23. Tais altares, hoje muito arruinados e já desprovidos das primitivas telas, esculturas e placas relevadas ornamentais, inserem-se bem dentro da conhecida tipologia es tilística do Castro, e são, com toda a certeza, obra deste artista.
24 Luís de Moura Sobral, «Un bel composto: a obra total do Primeiro Barroco português», Actas do Simpósio Internacional Struggle for Synthesis. A Obra Total nos Séculos XVII e XVIII, vol. I, cit. P. 306
25 Frei Agostinho de Santa maria, Santuário Mariano, Lisboa, 1707, vol. I, pp. 241 a 248
Refere-se ainda, neste testamento do Castro, a feitura de castiçais, arcazes e outras peças artísti cas, e indica como discípulos e «companheiros» do seu atelier os nomes de Manuel Francisco, Filipe Ramalho, Francisco Taveira, Francisco Lopes e José Antunes, como tendo trabalhado todos, consigo, nas obras da Capela do Paço Real, sendo ele o te soureiro da obra e pagador dos oficiais envolvidos na obra de marcenaria. Tratava-se provavelmente, neste caso, da bem relevada talha dourada que, na opinião de Luís de Moura Sobral, emoldurava oito telas de Bento Coelho da Silveira e João Gres bante, destruídas com o terremoto de 1755, e que representavam santos portugueses, existentes en tre as janelas altas da nave central24. Neste testamento, refere-se outra obra importante, o retábulo da Ermida de Nossa Senhora das Necessidades, exemplar já desaparecido, que foi patrocinado pela própria rainha D. Maria Francisca Isabel de Sa bóia25, em que só faltava a feitura e colocação de seis
neste importante assento de testamento, enfim, que Vaz de Castro devia a Manuel Mendes, pintor e dourador da vila de Setúbal, o la vor de entalhe de um arco triunfal (destinado a igre ja não identificada, talvez de Setúbal, senão para a decoração de alguma festividade publica), obra que ficou por entregar concluída, e que pode sugerir a sua produção, também, no campo das arquitecturas
A última referência data de 13 de Outubro de 1667 e trata-se do próprio testamento do mestre ensamblador e marceneiro de Sua Majestade, estan do doente e acamado e temendo a morte próxima; aí declara diversos assuntos diversos da sua activi dade, entre os quais diz ter feito os retábulos co laterais da igreja matriz de São Lourenço de Alhos Vedros, de que só recebera a quantia de 26.000 rs num total de 70.000 estipulados, bem como a obra da capela dos Santos Passos no Mosteiro de Santa Maria de Belém, por mandado do procura dor dessa irmandade, Pedro Soares, da qual se lhe deviam ainda 7.000 rs. Ambas estas obras desapa receram, substituídas quer em Alhos Vedros quer na capela dos Santos Passos de Belém por novas obras de plenitude barroca, neste último caso obra do grande mestre José Rodrigues Ramalho (1698) , o que mostra como o modelo de talha experimen tal que o artista propunha cedo se tornou obsoleto e a justificar actualizações compositivas mais «ao moderno» como as que o «Estilo Nacional» veio introduzir.
Tambémcolunas.serefere
23 Sobre a obra de pedraria maneirista dos arcos lavrados que envolvem os referidos retábulos de entalhe da autoria do Castro, cfr. a documentação notarial revelada in Vitor Serrão, “As igrejas de S. Vicente e de S. João Baptista, em Abrantes, e os seus arquitectos”, Estudos de Arte e História – Volume de Homenagem ao Professor Doutor Artur Nobre de Gusmão, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Ed. Veja, Lisboam 1995, pp. 451-460
26 ANTT, Registo Geral de testamentos, L. 23, fls 62 a 64 vº. Ref.ª inédita do Dr. João Miguel Antunes Simões, a quem nos confessa mos reconhecidos.
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As alegorias relevadas nos tímpanos apresentam similitudes com as figuras lavradas no citado orató rio de 1655, em colecção particular.
Entretanto, a atribuição ao Castro do belo arcaz da sacristia da igreja do Convento de São Domin gos de Lisboa, por atestação documental de Ayres de Carvalho, veio alargar o conhecimento da actividade do artista e permitir confrontá-lo com o da Sé de Lisboa, certamente da mesma mão - mas foi só com a mais recente aferição documental foi pos sível deslindar, nos acervos de talha dos anos cen trais do século XVII, e excluídas as obras da autoria do operoso Marcos de Magalhães, ou do conimbricense Samuel Tibau, a parte substancial de intervenções de António Vaz de Castro. Entre outras obras, os quatro retábulos laterais de São Vicente de Abrantes afloram, neste contexto, como uma peça fundamental da realização de Vaz de Castro e que definem os seus repertórios de estilo. Infeliz mente estão muito danificados e carecidos de restauro, mas a sua importância é grande, tanto mais que revelam, executada nos bordos de castanho, a mesma linguagem dos desenhos citados de 1656.
efémeras da cidade. O pároco da freguesia de Nos sa Senhora das Mercês abriu o testamento a 14 de Outubro de 1667, sendo testemunhas Domingos Antunes, Francisco Rodrigues e João Álvares, todos eles artífices de marcenaria na sua oficina26. António Vaz de Castro foi um dos principais intérpretes, senão o mais importante, das inovações proto-barrocas no campo da Talha e da Ensam blagem portuguesa. A sua obra, que só em data recente vai sendo desvendada com base em da dos seguros, estava restringida apenas aos dois desenhos da Academia Nacional de Belas-Artes assinados «Crasto 1656», que Reynaldo dos San tos estudou, e a um outro que Ayres de Carvalho lhe atribuiu por afinidades de estilo com aqueles.
27 Ayres de Carvalho, Obra citada, pp. XIII – XIV e 95-96, e Vítor Serrão, A Pintura Proto-Barroca em Portugal, 1612-1657, tese de doutoramento, policopiada, Lisboa, 1992, II vol., p. 614.
O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
igreja de São Domingos de Abrantes «hum reta bolo dourado antigo, no meyo delle N. Senhora da Consolação e nos lados S. Domingos e S. Francisco
» . . . O desenho de Castro mostra a boa integração da obra de talha na estrutura gótica do cenóbio, e a pujança de linhas proto-barrocas do entalhe numa monumental estrutura de quatro andares, incluin do vãos destinados a integrar pinturas de cavalete.
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Trata-se, neste último caso, do estudo para o re tábulo da capela do Santíssimo Sacramento (cape la-mor) da igreja do extinto Convento de São Domingos de Abrantes, cujo modelo epimaneirista sequencial da tradição de Gaspar Coelho (retábulo da Sé de Portalegre) se enriquece de elementos de mobiliário de luxo, e inclui um sacrário com bem lan çado panejamento berniniesco e assente em quatro pares de colunas já de figurino salomónico27. Este alçado de retábulo inclui as figuras alegóricas das Virtudes Teologais, Fé, Esperança e Caridade a en cimarem o frontão quebrado e, ladeado por dois anjos, o escudo do infante D. Fernando Coutinho, conde de Marialva e Loulé, falecido em Abrantes em 1534, sendo titular dessa capela, entretanto desmantelada com a profanação do cenóbio. O Dicionario Geiographico do Padre Luís Cardoso (1747) ainda cita elogiosamente na capela-mor da
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Foto 4 - interior da Capela Real - foto CM de Salvaterra de Magos
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Esta fase tão inovadora da arte da talha portugue sa — a chamada Talha Proto- barroca — é uma sub-fase muito mais interessante do que ate agora se supunha, e que se caracteriza em termos genéricos pela aceitação e pela experimentação de algumas inovações artísticas oriundas da Roma Barroca. Os primeiros sinais dessa fixação morfológica surgem na década de 1630 e até já na de 20 podem ser anunciadas propostas de viragem na monotonia do figurino tardo-maneirista vigente. É no entanto a partir da Restauração de 1640 que se acentua esta tendência inovadora. Ela expressa-se, em alguns casos, pela presença de elementos estruturais, no meadamente na planta e na composição dos retá bulos, na linguagem decorativa em médio relevo, designada na época ao moderno - como diz Ger main Bazin, «l’ornement tend à se développer pour son compte sans être soumis à une ordonnance ar chitecturale, sans non plus adapter son échelle à sa fonction monumentale» 28
O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
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- Estruturalmente, apresenta um só tramo ladeado por três pares de colunas. Lembremos que na talha maneirista os retábulos mores tinham sempre três tramos.
- O remate com três arquivoltas plenas, concên tricas e com cinco aduelas. Estruturalmente esta solução é a opção mais usada no barroco nacional.
- O predomínio de um vocabulário ornamental em médio relevo baseado na folhagem de acanto, nas cabeças de serafins, etc. , que se expande pelos espaços disponíveis, incluindo pelos fustes das co lunas, que não são ainda em espiral.
O aparecimento da coluna em espiral marca o iní cio da fase brilhante do Barroco Nacional. A obra pioneira é o retábulo marmóreo, desaparecido no terramoto de 1755, da Igreja de Nossa Senhora do Loreto, em Lisboa, cuja traça data de 1668 e é da autoria do arquitecto régio João Nunes Tino co. Ainda o retábulo de Nossa Senhora do Loreto não está concluído, pois as colunas só chegam de Génova em 1671 e já começam a surgir nos retábulos de madeira entalhada de Lisboa as colunas em espiral com o fuste decorado com parras, cachos de uvas, fénix, meninos, etc. O primeiro exemplar, de momento conhecido, apesar de já não existir,
O retábulo da Capela palatina de Salvaterra: tipologia e formas.
28 Germain Bazin, Op. Cit, p. 11.
plantas eram sempre planas ou rectas.
- O espaço central destinado à exposição da ima gem do orago, neste caso do Senhor Crucificado, interrompe o entablamento e prolonga-se pelo re mate. Na talha maneirista os espaços intercolúnios estão sempre subjugados à estrutura arquitectónica numa relação geométrica proporcionada pela relação corpo/tramo.
Vejamos no caso concreto do retábulo da Capela do antigo Paço de Salvaterra de Magos as inova ções usadas.
Voltamos ao retábulo da Capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos, obra maior de An tónio Vaz de Castro, é um precioso interessante exemplar daquilo que aqui designamos por talha proto-barroca, isto é, da fase que coincide com os anos conturbados das guerras da Restauração (1640- 1668) e que antecede o aparecimento do chamado Barroco Nacional.
- A planta é em perspectiva côncava, de grande dinamismo. Lembremos que na talha maneirista as
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Foto 5 - Altar mor da Capela real - Foto CM de Salvaterra de Magos
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30 Germain bazin, ob. Cit, p. 15
foi ajustado em 1670, no dia 13 de Agosto, entre o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e um cotado mestre entalhador lisboeta, Pedro Álvares Pereira, com destino ao altar- mor da igreja da Conceição Velha. 29
Para concluir, poder-se-ia levantar a questão de o retábulo palatino de Salvaterra de Magos ser já um exemplar precoce do Barroco Nacional, utilizan do as colunas de fuste liso cobertas de brutescos como uma solução de tendência arcaizante, como acontece aliás noutras zonas periféricas do país em que surgem exemplares com um gosto estilís tico e modelos nitidamente de viragem. Contudo, não nos parece consistente essa hipótese, se se atender ao facto de estarmos diante de uma obra erudita, promovida pela Corte e executada pelos profissionais mais actualizados do seu tempo, res ponsáveis pelo início das inovações artísticas. A consciência da modernidade nas obras de retabu lística ensaiadas nesses anos da Restauração por tuguesa comprova que se está perante uma fase de abertura de estilo e de superação morfológica, que é lícito apelidar de Estilo Proto-Barroco. O grande historiador de arte Germain Bazin disse, a propósito desta questão, que «l’antériorité de cet autel sur tons les autres du type roman à voussures est marquée par son décor. Les colonnes droites et les voussures sont recouvertes de rinceaux d’arabesques mais ces rinceaux commencent à prendre une forme vëgétale »30.
29 Vítor Serrão, A Cripto-História de arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes, Livros Horizonte, Lisboa, 2011, Cap.º5
Foto 7 - Pormenor do Cristo crucificado da Capela Real - foto CM de Salvaterra de Magos
Foto 6 - Pormenor das pinturas do tecto da Capela Real - foto CM de Salvaterra de Magos
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O Retábulo proto-barroco da capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores
Magos Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022 49 O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra” Presidente da Academia Nacional de Belas Artes Natália Correia Guedes 49
O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
Magos Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos 50
. decorridos dois anos, o Museu Nacional dos Co ches (tendo como guião os capítulos daquela mo nografia relativos à Falcoaria), organizou a primei ra exposição no género no nosso país, “Falcoaria Real”, apresentada posteriormente nos Países Bai xos, em Valkensward, vila de onde eram originários os Mestres Falcoeiros que trabalharam em Salva terra. Na inauguração estiveram presentes o Em baixador de Portugal em Haia e as mais represen tativas entidades locais. A charamela real que, em parte, constou da referida exposição, veio a merecer, pela excelência e raridade dos instrumentos, uma gravação em estúdio, utilizando as trombetas originais, com interpretação de Sonatas de Carlos Seixas por Edward Karr e Irmtraud Kruger. (1)
A monografia que a Câmara Municipal de Salvaterra editou sobre “O Paço Real de Salvaterra de Magos. O Paço, a Opera e a Falcoaria”, tem 33 anos; foi uma iniciativa extremamente útil que pro duziu, entre outros, os seguintes frutos:
. conduziu à aquisição e recuperação do edifício da Falcoaria Real, adaptando-o a Centro de Inter pretação, com espécies vivas, possibilitando uma considerável divulgação junto das escolas e do pú blico. Estas iniciativas, por sua vez, justificaram a geminação de Salvaterra e Valkensward e a inclusão de Portugal no grupo de países que obteve a classificação da Falcoaria, como “Património Ima terial da Humanidade”, pela UNESCO.
O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
. aquele livro foi também um estímulo para a criação, em 1991, da Associação Portuguesa de Falcoa ria (APF) que, a breve trecho, começou a promover a formação de jovens falcoeiros, proporcionando -lhes a prática em propriedades privadas, por oca sião de caçadas anuais; a eles se destinou o manual “Arte da Caça de Altaneria” de Diogo Fernandes Ferreira (1616), que a APF reeditou em 2006. Da quele grupo, um dos jovens que mais se destacou foi Carlos Crespo que viria a ser o representante da APF na International Association for Falconary and Conservation on Birds of Prey (IAF) e fundador da Falcoaria na Coudelaria de Alter (1996), em Alter do Chão, para onde foram projectadas instalações equipadas com a mais sofisticada aparelhagem, permitindo a criação de aves de rapina em cativei ro; funcionou em pleno até 2020. É autor de dois estudos de leitura obrigatória para a compreensão da iniciação à falcoaria, o adestramento, a caça (equipamentos e acessórios de voo), a reprodução e o bem-estar: “A Arte da Falcoaria” e “Falcoaria Arte Real”. (2)
. recentemente, em 2016, organizamos no Museu do Oriente a exposição “A Arte da Falcoaria. De Oriente a Ocidente”, já com um âmbito apreciável, atravessando 2000 anos e três continentes, do im pério do grande Khan à Europa contemporânea. Incluiu 172 objectos, em grande parte inéditos. O sucesso que obteve explica a proposta que nos foi dirigida pela “PARTNER Culture +Projects” (que considerou a exposição “the best exhibitions in this subject we have seen so far”), (3) para cola borar na organização de uma exposição itinerante que se intitularia “O nobre desporto da altanaria” a realizar em diversos países da Europa, com a
. sensibilizou a Câmara Municipal para organizar na Capela Real, em 1987, uma exposição intitulada “Salvaterra de Magos. Proposta de recuperação de uma vila com 7 séculos de História”, com a colaboração do Museu Nacional dos Coches;
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A exposição do Museu do Oriente conduziu pos teriormente à “descoberta”, no respectivo Centro de Documentação, de uma cópia manuscrita do “Trattato della preservatione da cancer che veni alli falconi il quale per comandamento dela S.R.M. del S. Re Don Fernando di Aragona Re italico composse Ynico Davalos”, obra rara, redigida no séc. XV, estando em curso a edição, pela autarquia de Salvaterra, sob a orientação do Doutor Filipe The mudo Barata, docente na Universidade de Évora.
participação de instituições de grande prestígio, das quais se destacava o Kunst Historiche Museum de Viena de Áustria. Uma vez assinado, em 2018, um “Acordo de Cooperação” entre as duas entida des portuguesas envolvidas (Câmara Municipal de Salvaterra e Fundação Oriente), estavam em curso os preparativos para a itinerância, quando a pande mia impossibilitou a sua concretização.
Túmulo de D. Beatriz de Portugal, filha do rei D. Fernando e de D. Leonor Teles, casada com D. João I de Castela. Mosteiro do Sanctu Spiritus, Toro (Zamora)
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Constata-se que, decorridas aquelas quase três dé cadas e meia, foi diminuta a identificação de novos testemunhos, directa ou indirectamente relaciona dos com o Paço. No entanto os que se localizaram constituem referência para novas pistas de pesquiza e por esse motivo os refiro em seguida. Assim, por sequência cronológica, introduzo como primeiro elemento a destacar, pelo considerável valor icono gráfico e simbólico, o tumulo da rainha D. Beatriz (Coimbra, 1373 - Toro, cª 1412) filha do rei D. Fer nando e de D. Leonor Telles, cujo casamento com D. João I, rei de Castela, se realizou em Badajoz, após terem decorrido em Salvaterra difíceis negociações politicas de que resultaria o “Tratado de Salvaterra de Magos”, decisivo para o conflito dinástico que conduziria o Mestre de Avis ao trono; o tumulo, de grande qualidade estética, está no Mosteiro de Sancti Spiritus, em Toro (Espanha).
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os anos em que não localiza mais cantarias do Paço encastradas em muros ou avulsas, em propriedades privadas. Merecem referência: a bacia de fonte, em mármore branco, decorada com quatro carrancas, datável de final do séc. XVI, actualmente colocada na Capela Real; duas colunas de pedra lioz com fustes e bases dóricas e capiteis jónicos, reaproveita dos num pátio privado da vila; o fragmento de uma base elíptica, de pedra lioz (jardim da Casa Roque tte da Rocha e Mello); a lápide encastrada numa parede lateral da Santa Casa “DA MIZª PARA RE COLHER OS POBRES PEREGRINOS”, o marco de pedra lioz branca, com a inscrição “S. JOANA”, que hoje serve de degrau à Casa do Guarda do “Couto da Ferradoura”. Este marco terá pertencido a um conjunto de 35 marcos limítrofes das propriedades do concelho de Salvaterra que pagavam dízimo ao Convento de S. Joana, de Lisboa, e à Comenda de S. Paulo de Salvaterra, cuja localização consta pormenorizadamente do “Tombo do Comenda de S. Paulo” (6). A inscrição identificando o reaproveita mento de cantaria do Paço (Raposeira).
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Conhecemos igualmente a constituição das comi tivas, os programas de festejos, os libretos de Ope ras, desenhos de cenários e descrições de caçadas. Recentemente, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, a Doutora Aline Hall de Beuvink localizou o desenho da fachada Nascente do Paço, assinada pelo Arq.º Carlos Mardel que veio confirmar a atri buição que em tempo fizéramos. (5)
A este propósito, anima-nos a generosidade de um sucessor esclarecido de dois Almoxarifes do Paço (José dos Santos Freire e António Eliseu da Costa Freire) que nos vem incentivando com “des cobertas” de cantarias rusticas ou aparelhadas. Refiro-me ao Dr. Aníbal da Costa Freire Correia, em quem recai dupla responsabilidade pelo facto de ser também trineto do Mestre falcoeiro Jacob Francisco Verhouven; o seu interesse pela história da vila evoluiu para verdadeira paixão e raros são
Bacia de fonte, em mármore branco, tendo esculpidos no bordo quatro carrancas. Final do séc. XVI; está actualmente exposta na Capela Real.
Cremos que haverá a hipótese de se vir a identifi car documentação inédita sobretudo em arquivos de Família cujos antepassados, de um modo geral nobilitados, exerceram cargos oficiais relaciona dos com Salvaterra, como Caçador-mor, Estribei ro-mor, Monteiro-mor, entre outros, área que aliás tentámos desbravar, logo de início, mas que por pressupor a organização dos referidos arquivos (o que não é comum, entre nós), tem inviabilizado diversas tentativas.
Posteriormente ao domínio do “Senhor da vila”, o Infante D. Luís, estão documentados despachos e estadias no Paço, de todos os monarcas, incluindo Filipe I cujo cronista João Baptista Lavanha refere que em 1581 “Sahio Sua Majestade a montear, ser vindo neste exercício o Monteiro mor Francisco de Mello e os monteiros Portugueses; mataram alguns Porcos Montezes.” (4)
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Salvaterra de Magos
Base elíptica, em lioz, proveniente do Paço Real. Col. part
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Lápide encastrada no muro do terreiro da Igreja da Misericórdia.
53 Colunas de fuste e base dóricas, com capiteis jónicos, em cantaria, provenientes do Paço Real, colocadas no pátio de uma casa privada, em Salvaterra
O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
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Marco de propriedade com a inscrição “S. JOANA”. Colocada actualmente como primeiro degrau de acesso à casa do guarda do “Couto da Ferradoura”
Exterior e interior da Herdade da Raposeira (privada)
Inscrição existente na Herdade da Raposeira (privada), referindo a proveniência de cantaria removida das ruínas do Paço Real
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Par de pistolões e respetivos coldres , oferecidos pelo Conde de Lippe ao almoxarife do Paço Real
Segundo tradição de sua Família, o Marechal Ge neral Conde de Lippe ficou uma vez em casa do Almoxarife e ofereceu. como agradecimento pela hospitalidade, um par de pistolões com os respec tivos coldres. Teria sido por ocasião de uma estadia de Sua Majestade no Paço Real, em Janeiro de 1763, a que se refere o Conde de Oeiras (então Secreta rio dos Negócios Estrangeiros), em carta dirigida a Miguel de Arriaga Brum da Silveira? Nessa carta o Conde (nomeado Marquês de Pombal seis anos de pois), convida Brum da Silveira, Secretário Particular do Conde de Lippe, para ficar em sua casa “para ter alguma recreação com a Música, o Teatro e a Falcoaria”, garantindo-lhe que “tem casa prevenida onde pode estar com todo o cómodo e em toda a liberdade sem que a Corte lhe sirva de embara ço.” (Doc.1) Como as cheias eram uma preocupa ção constante nos invernos, dificultando ou mesmo impedindo a circulação, o Conde de Oeiras insiste, em novas cartas, nos dias seguintes, indicando os meios de transporte e as estradas aconselhadas. (Docs. 1 a 3)
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Planta e alçado da casa que, segundo a tradição, era utilizada pelo Conde de Oeiras nas suas estadias em Salvaterra, esquina do Largo da Vila com a Travessa
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Fachada da casa do Conde de Oeiras
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Este ano, graças à inestimável colaboração de um grande conhecedor da história de Salvaterra, tive conhecimento de uma planta (de colecção priva da), que reune um conjunto de sete pequenos es quissos, desenhados a lápis sobre papel “Whatman 1838”; embora sem autoria nem data, representam diversos edifícios de Salvaterra, como a planta e alçado da Falcoaria, a planta e alçado da casa onde se instalava o Conde de Oeiras, no Largo da Vila, assim como pormenores de localização de serviços do Paço Real. Estes apontamentos terão sido feitos por ocasião da cedência ao Estado dos “Bens per tencentes ao Almoxarifado de Salvaterra de Magos”, determinada pela Rainha D. Maria II, a 10 de Setembro de 1849, posteriormente vendidos. (7)
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Em 2019, um outro descendente do referido Mestre Falcoeiro Verhouven, o Eng. Pedro Brito Correia, localizou no Museum Schloss Fasanerie de Einchenzell (Alemanha) o retrato de Henrique Verhouven, desenho a carvão e sanguínea sobre papel, legendado “Hoffalconier meister Verhue fen”. Este é o único retrato que se conhece do grupo de Falcoeiros brabantinos que trabalharam na falcoaria de Salvaterra. Henrique (activo em Salva terra entre 1752 e 1764) era filho de Jacobus Fran cisco Verhoeven e de Antónia Patronilha e irmão de João Guilherme Verhoeven; apenas se conhecia uma pintura que o representa de costas, a cavalo - a “Cena de caça de altanaria”, na propriedade
O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
Retrato de Henrique Verhouven. Desenho a lápis e sanguínea. Museu Scholss Fasanerie de Einchenzell (Alemanha)
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Planta e alçado da Falcoaria. Desenho a lápis, sobre papel, com marca de água “Whatman, 1838”. Sem autor, nem data. Col. part.
Não damos a pesquisa sobre este tema por en cerrada; certamente continuarão a ser localizados outros testemunhos, no entanto julgo que estão reunidas condições para transmitir virtualmente ao público todo este espólio, sistematizando os núcleos de maior expressão.
Todos estes contributos ajudam a reconstituir o que terá sido o “sumptuoso Palácio”, como o considerava, em 1706, António Carvalho da Cos ta; curiosamente este autor classificava apenas de “bom” o Palácio do Duque de Cadaval, imponente residência que se destaca na vila de Muge. (Doc.4)
Em matéria patrimonial justifica-se que se conjugue a visita à Igreja Matriz, já de si enriquecedora pelo seu valor religioso e artístico, com a dimensão histórica relativa à comunidade, porque ela é ver dadeiramente o Panteão da vila e como tal deve merecer um novo olhar. Ainda conserva uma laje sepulcral brasonada, colocada à entrada da Capela lateral do lado da Epistola, a Capela do Senhor Morto, identificada como sendo de Pedro Sanches e de sua mulher, sem data e, numa lápide encas trada na umbreira dessa parede: “ESTA CAPELA MANDARAO FAZER MANOEL PINTO E PEDRO SANCHES POR SUA DEVOÇÂO ANNO 1659.”
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Numa perspectiva histórica, conhecemos agora a verdadeira dimensão social e cultural de Salvaterra, como estância de inverno onde nobreza e demais Corte assistiam a premières operáticas mundiais ou praticavam o desporto favorito, a caça, na mo dalidade de arma branca ou de fogo e de falcoaria.
oficiais da Casa Real, Falcoeiros, Servidores no Paço ou na corte e três episódios incomuns, como o da recolha do corpo de um marinheiro irlandês, da guarnição de um brigue de guerra inglês, afogado no rio, as exéquias do Duque de Loulé, a sepultura de soldados de vários regimentos do país, mortos em combate nas lutas liberais. Neste levantamen to tumular sumário, não podemos deixar de referir um pequeno cemitério que existiu junto à Capela Real onde, de duas dezenas de sepulturas, se destacava o jazigo de D. Joana Roquette da Silva e Brito, nascida em Salvaterra a 22.04.1818, casada com Francisco Ferreira Roquette (fal. 1834), irmão do 1º Barão de Salvaterra, que pelo casamento de sua filha, Rita da Assunção Ferreira Roquette,
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Lápide da construção da capela lateral da Igreja matriz de Salvaterra de Magos, 1659
Pela recente leitura a que procedi dos livros de Regis tos Paroquiais de Óbitos (Doc. 5), identifiquei membros da nobreza sepultados na Matriz (destacando -se o Monteiro Mor do Reino, Francisco de Mello),
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Graças a estes novos contributos e uma vez na posse de plantas, documentos e objectos, pode mos reler o passado, munidos de equipamentos sofisticados de que hoje dispomos e que nos per mitem apresentar, numa exposição virtual bilingue, com minucia e rigor arqueológicos. É esta a pro posta que aqui deixo à consideração e que con sistirá em materializar (por processo 3D, modelos interactivos, sketchups, e outros que surjam entre tanto), o edifício do antigo Paço e o contexto em que se inseria, dando a conhecer, com a amplitude possível, a memória invisível mas essencial para ga rantir solidez cultural á nova geração.
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viriam a ser sogros do 1.º Conde de Mangualde, Dr. Francisco de Almeida Cardoso. Na Casa de Ma teus (Vila Real) está exposta ao público a árvore genealógica desta ilustre Família, cujos costados maternos, documentados desde finais do séc. XVI, remontam a Salvaterra. Aquele cemitério foi deslocalizado totalmente nos anos 80 do século pas sado, para libertar o terreno onde se construiu um auditório. (9)
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Jazigo de D. Maria Joana Roquette da Silva e Brito, no pequeno cemitério junto da Capela Real, destruído nos anos de 1980 para construção de um auditório.
Para o estudo dos conteúdos é de louvar o em penho da Câmara em editar, desde 2014, a Revis ta “Magos” com contributos apreciáveis, garantes da exequibilidade científica do projecto. O local e as condições apropriadas, a tipologia do público a que se destina, a sustentabilidade da iniciativa e tantas outras matérias, serão objecto de reflexão a apresentar à entidade vocacionada para assumir a execução - a autarquia.
O espaço não deve ser apenas um local didático, mas também um local emocional, onde a comunidade local e os turistas são convidados, numa par ticipação activa, a imaginar o passado com o olhar virtual que lhe permitem hoje os mais sofisticados equipamentos de som e de imagem. Os conteúdos são apresentados em sucessivos estratos, ocupan do os três primeiros pisos desse edifício, desde a pré-história (concheiros de Muge e povoamentos sucessivos) à actualidade, realçando a importância dos objectos expostos (originais ou cópias), suas funções e significados e disponibilizando informa ções sobre o contexto civilizacional. Merecerá es pecial destaque o período setecentista, de maior
Como apresentar essa tão vasta quanto aliciante memória do Paço, da vila, do concelho e dos seus habitantes?Seráumnovo desafio para a Câmara, estando desde já garantido, à partida, igual sucesso ao que tem vindo a obter com a Falcoaria Real.
Arquitectura despojada, sem aparato, com luz na tural, garantida a sustentabilidade energética, pro jectada por um profissional de renome para que, também por esse motivo, a Torre de Salvaterra, seja uma referência nacional.
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Embora as torres históricas tenham planta quadra da, a que propomos teria planta circular, com cerca de 18 m de diâmetro, inspirando-se no majestoso pombal da Casa Branca (Almeirim), cuja utilização estava directamente ligada à caça. Com um máxi mo de 4 pisos (para não exceder a cércea existente em construções do centro histórico), tendo cerca de 20 metros de altura total.
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Em Salvaterra a Torre servirá de registo da Memória e de incentivo às jovens gerações, proporcionando-lhes a reflexão sobre os testemunhos de tão importante passado, de modo a que lhes sirvam de estimulo para a construção do futuro.
Quadro genealógico dos Condes de Mangualde, Senhores da Casa de Mateus (Vila Real) descendentes de D. Joana Roquette da Silva e Brito.
representatividade internacional: política e diplomática (assinatura de tratados, definição de estra tégia militar, despacho corrente relativo ao gover no do País), cultural e desportiva (opera, sociedade, dança de corte, caça, equitação, entre outros). Não pretende ser um Museu, mas um Centro de transmissão de conhecimento.
Propomos para esse efeito que se projecte uma Torre, a construir no perímetro urbano da vila, numa zona verde, se possível junto da Vala Real, criando uma nova paisagem de grande qualidade, esteticamente autónoma, envolvente e socialmen te convidativa, permitindo a mais ampla visibilida de, à semelhança das existentes de Norte a Sul do país, como a Torre de Quintela (Vila Real), a Torre das Águias (Brotas, Alentejo), a Torre de Coelheiros (perto de Évora), ou a Torre albarrã de Paderne (Al garve) que serviam para protecção de residentes e para observação do território envolvente.
Chamar-se-á Torre de Salvaterra.
A Torre ocupará uma área de implantação de cer ca de 100 m2. necessária à circulação de cerca de 30 pessoas em simultâneo, sem paredes divisórias, reservando apenas as áreas referentes a uma esca da e a um elevador. Estes iniciam-se no piso -1 ou cave, com as respectivas máquinas, terminando no piso 4 (terraço) com protecção de rede, a fim de não interromper a visibilidade global. No dito piso 4 abre-se um terraço panorâmico coberto, totalmente envidraçado para permitir uma visão num raio de 360 graus, com uma extensão de cerca de 10 Klm, aproximando-se da amplitude de um “ter ritório” de ave de rapina.
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A Torre será também o ponto de partida do percurso turistico já instituído que inclui visitas à Igreja Matriz, à Igreja da Misericórdia, aos vestígios do Paço, à Capela Real e à Falcoaria Real, mencionan do em cada “passo” os grandes objectivos que mo vem a actual geração e que, desde há séculos, se cumprem em Salvaterra - o respeito pelos valores humanísticos e culturais, a protecção da Natureza e das espécies autóctones, a criação e o ensino do cavalo lusitano e dos falcões.
Glória, os Torjais da Sardinha e o Arneiro da Alfi feita.Terá que se prever um terreiro em frente da Torre para poder vir a ser utilizado para concertos ao ar livre, à semelhança do programa estival que tem decorrido com grande afluência no Largo do Tea tro de S. Carlos, em Lisboa, formalizando para o efeito, protocolos com entidades oficiais, como o Conservatório Nacional ou o Teatro de S. Carlos, recuperando a tradição de concertos e canto no Paço Real, cujos sons ainda permanecem no imagi nário da população local.
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Na Vala, perto da Torre, estarão ancorados escale res e faluas disponíveis para pequenos passeios até ao Tejo, reconstituindo o antigo acesso fluvial. Caso se justifique incluir-se-ia um restaurante de dimensão média, apenas com gastronomia regional.
No muro interior do terraço, desenhar-se-á o perfil das coutadas, de aldeias e montes, com a respec tiva identificação, coincidindo com a posição do observador, transformando-se num quadro total, em exposição permanente, enriquecido com as va riações rítmicas de policromia que a Natureza lhe confere e a interferência compassada do esvoaçar de cegonhas, garças e íbis do Nilo. Para esse efeito o “Tombo da Comenda de S. Paulo” ajuda a iden tificar os concelhos limítrofes de Salvaterra (Benavente, Coruche e Muge), seguindo a colocação dos marcos desde o 1º, colocado na Boca da Goiva, até ao 35º, colocado no Escaroupim, passando pela Torre da Pichota, a ponte, a Falcoaria, as Gatinhei ras, a Coutadinha del Rei, a Roseira Alta, a Feteira, a Sesmaria de Maria Helena, a Garrocheira, o Vale de Maria Negral, o Arneiro do Marco, o Vale de Pereiro, a Casa de António Nunes Gavião, o Monte do Bilrete, o Monte das Figueiras, o Monte da Miseri córdia, o Monte do Colmeeiro, o Vale e o Monte do Colmeeirinho, a Cascalheira (na Serra da Galega), o Pego da Caldeira, o Moinho de Magos, o Arnei ro do Marco, o Minhotinho, o Marco da Mulher, o Vale da Sardinha, a Estrada de Nossa Senhora da
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do alçado, planta e terraço panorâmico da “Torre de Salvaterra”.
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Esquissos
(2) Ed. INAPA, Lisboa, 1999 e Ed. CTT, Lisboa, 2013.
(6) “Paço Real de Salvaterra de Magos”, pg.103.
O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
(8) “Paço Real de Salvaterra de Magos”, p. 64.
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Notas
(4) LAVANHA, João Baptista – “Viagem da Católica Real Majestade del Rey D. Filipe II N.S. ao Reino de Portugal”. Madrid, 1622, p.55.
(3) ROCHA, Ilídio - “Catálogo da Livraria do Convento da Arrábida”. Lisboa, Fundação Oriente, 1994. Miscelânea, 2506.
(5) BEUVINK, Aline Hall de - “A cenografia e a Opera em Portugal no século XVIII. Os teatros Régios 1750-1753”. Univ. Évora, 2012 (policopiado). Idem, “O Real Teatro de Salvaterra de Magos. A Reconstru ção de uma Memória.” Lisboa, ed. Caleidoscópio, 2016, p.35 e 37.
(7) Legendas da planta: ”1 – Real Paço, 2 - Casa de Campo que foi do Conde de Atalaia, 3 e 4 - Habita ção dos Senhores Ministros de Estado e dos Senhores Guarda-Joias, 5 – Secretarias de Estado, 6 – Fal coaria, 7 - Habitação do Almoxarife, 8 – S. Sebastião, 9 – Casa do Capitão Mor, 10 - Casa da Caldeirada, 11 – Quartel para Tropas, 12 – Quartel para cavalaria, 13 – De Egua… (?). “Planta Geral do Real Paço e Mais Edifícios de Salvaterra de Magos, 14 – Paço das Damas, 15 - Mantiaria, 16 – Cavalharia, 17 – Caza de Arreios, 18 - Enfermaria dos creados 19 – Theatro, 20 – Orta, 21 – Pombal.” Vd. “O Paço Real de Salvaterra de Magos, p. 138 a 148.
(9) Perderam-se as referências e desconhecesse o local para onde foram transferidos os restos mortais existentes naquele jazigo e nas restantes sepulturas; consta que seguiram uns para o leito do rio Tejo e as lápides para uma propriedade privada, na periferia da vila. Numa decisão irreflectida, apagaram-se de súbito e sem consulta prévia à comunidade, testemunhos materiais de antepassados, relacionados com a história da vila.
(3) Sofia Widmann, mensagem dirigida à Directora do Museu a 07.08.2017.
(1) “De Silver Trompeten von Lissabon und Lusitanische Orgelmusik.” Edição MD+GL - 3348. Trombetas executadas em prata dourada, datadas de 1761, com pendão de seda, com as armas da Casa Real por tuguesa; n-º 138 do catálogo da exposição.
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Doc. 1 - “Depois de agradecer a vm com as/ expressões do mais vivo reconhecimento a parte/ que tomou no sentimento de que me penetrou/ a falta de minha May, lhe significo que se/ nelle posso ter algum allivio, he o que espero com/ o gosto de ver nesta Corte o Senhor Marechal/ General. Eu o acabo de convidar da parte de/ Sua Mag.de para vir ter aqui alguma/ recreação com a Muzica, e com o Teatro. A da/ Caça só lhe servirá sendo a dos Falcões, que diverte sem fatigar a quem não tem o génio cas/ sador. No caso em que Sua Ex.ca não te/nha impedimento para aceitar o convite de/ El Rey, espero que V.ª M o acompanhe nes/ta jornada. Tem Casa prevenida onde pode/ estar com todo o comodo, e com toda a liberdade,/ sem que a Corte lhe sirva de embaraço./ O caminho é a Estrada sabida por Extremoz, até/ às Vendas Novas. Dalli deve passar a Be-/navente se o tempo estiver tão enxuto, como ago-/ra está. Se porem houver chuvas que façam/ encher os Campos, deve passar à Villa de Sa-/mora onde achará os Escaleres Reaes para/ ser transportado para esta Corte com comodi-/dade, e decência. Em todo o cazo he precizo/ q. vm me avize do dia, e da hora em que o dito// o dito Senhor Marechal deve sair de Villa/ Viçosa, para lhe mandar previnir nas Ven-/das Novas quem o guie, ou em Samora os/ Escaleres para o transportarem. Escuzo di-/zer a vm. que este avizo deve vir logo em/ diligencia de Posta. E para o servir fico/ prompto com a mayor vontade./ Deos guarde a vªm. m.s anos/ Salvaterra de Magos a 22 de Janei ro/ de 1763/ M.to affectuozo S.dor de vm/o Conde de Oeyras/ S.or Dez.or Miguel de/ Arriaga Brum da Silveira.// “ Arquivo Histórico Militar, Div-1065215.
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Documentos
Doc. 2 - “ Acabo de receber a Carta de vm./da data de hontem, e a do Senhor Marechal/ General, às quaes não faço repostas (sic) pela certe/za em que fico da sua chegada a esta Corte/ no dia vinte e oito do Corrente Mês: E só ser/ve esta de dizer a vm. que logo se expediram/ as ordens necessárias para e porem Mudas/ das Vendas Novas, até Samora por ser Ca/minho mais próprio para a jornada, onde se/ achará hum Guia para a dirigir: Em Sa/mora estará o Escaller Real para conduzir a/ esta Corte o mesmo Senhor Marechal Gene/ral dous (sic) Escaleres mais para a sua Come/tiva ,sendo que os Cavalos devem vir por/ terra, e pelos Sítios que declarará o mesmo/ Guia/. Fico sempre para servir a vm./ com a mais prompta vontade./ Deos g.de a vm m. an. Sal/vaterra de Magos, a 25 de Janeiro de 1763/ Mto. Affec tuozo Sdor. De vm./ Conde de Oeyras7 Sor. Miguel de Arriaga/ Brum da Silveira.// ” Arquivo Histórico Militar, Div. 1065216.
Doc. 3 - “Sem embargo de que hontem escrevi a vm. Por hum Expres/so, certificando-o de se achar tudo prompto para a milhor co/modidade da Viagem do Senhor Marechal General do Si/tio de Vendas Novas para esta Corte, torno a repetir a/ mesma dilligencia, para dizer a vm. que o Portador/ desta he o Guia que se acha nomeado para declarar e/ insinar a Estrada que deve seguir o mesmo Senhor Ma/rechal General para que tem toda a instrução necessária/ e fes repartir as Mudas pelos Lugares competentes, por/ cujo motivo he muito preciso que se siga inteiramen/te o que elle disser, ainda que haja quem queira per/suadir o contrario, porque pelo ditto Guia se acham fei/tos os cálculos necessários para a milhor viagem, e de/ sorte, que se não venham a encontrar Ribeiras que em/barassem a mesma Viagem./Deos g. a vm. m. ann. Salvaterra de/ Magos a 26 de Janeiro de 1763/ Conde de Oeyras/ Sr. Miguel de Arriaga/ Brum da Sylveira.//” Arquivo Historico Militar, Div. 1065217
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Doc. 5 - Relação de personalidades sepultadas na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos entre 1751 e 1834, segundo os Livros de Registo de Óbitos da Freguesia de S. Paulo
Doc.4 -“Da Villa de Salvaterra de Magos Huma legoa ao Nordeste da Villa de Benavente e dez ao Nascente de Lisboa, junto do celebrado Tejo, em vistoso plano, tem seu assento esta nobre Villa, a qual mandou povoar El Rey D. Dinis no anno de 1295, e no de 1296. Se ennobreceo com a Igreja Parochial da invocação de S. Paulo, Vigayraria q. o Bispo de Lisboa D. João Martins de Soalhães mandou levantar com licença del Rey, que lhe fez mercê della para seus sucessores. El Rey D. Manuel lhe deo foral em Lisboa a 20 de Agosto de 1517. Tem trezentos vizinhos, Caza de Misericórdia, Hospital, e estas Ermidas, S. Sebastião, Santo António e a Capella Real do Bom Jesus com hum Prior que apresentão os Condes de Atalaya que forão antigamente Senhores desta terra, pela qual lhe deu em troca o Infante D. Luís a Valla da Asseiceyra e outros lugares. Tem duas fontes, a do Concelho e a de Santo António junto ao Paço e huma grande coutada, aonde os Reys se vão divertir (estancia deleytosa nos meses de Inverno) com sumptuoso Palácio, que fundou o dito Infante D. Luis e acrescentou de novo com mais casas e jardins El Rey D. Pedro o Segundo. Tem mais hum grande paul, que chamão de Magos, de que se apelida a Villa, o qual mandou abrir o Sereníssimo Rey D. João o Quarto. O seu termo é abundante de pão, legumes, caça, gado e peyxe e contem os montes seguintes, o Bilrete, o das Figueyras, o da Misericórdia, o Colmieyro, e o dos coelhos. Há nesta villa huma boa casa de campo, que mandou fazer Garcia de Mello, Monteyro mor do Reyno.” In COSTA, António Carvalho da - “Corografia Portuguesa, e descripçam topográfica do famoso reyno de Portugal: com as notícias das fundações das cidades, vilas e lugares, que contem, varões ilustres, genealogias das famílias nobres, fundações de conventos, catálogos dos bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios, e outras curiosas observações”. Lisboa, 1706. Cap. VIII, Tratado VI, Livro II (Extremadura), p.171.
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O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
Mor José Joaquim de Faria, viúvo de D. Ana Vitoria de Faria
Nobreza
01.03.1770 - “Em o primeyro de Março de mil e/ setecentos e setenta faleceo da vida pre/sente o Ex.º Sr. Montr.º Mor do Reyno Franc.º/ de Mello v.º da Ex.ª Sr.ª D. Maria Masca/renhas não recebeo Sacramento nenhum/ por falecer de hum acidente foi absolv.º / por signais, esta enterrado nesta / Igr.ª no arco cru zeiro de frente do altar/ de N. Sr.ª da Assumpção no pr.º coval junto / à porta da Sancristia do Santissimo e para/ que conste fis este assento que por ver/dade assignei era ut supra/ O Vigr.º Migl Franc.º Cerqr.ª Livro de Óbitos n.º 4 de Salvaterra de Magos
1823. 07.10 - Capitão Mor das Ordenanças desta vila Joaquim António da Fonseca, Almoxarife da Sere níssima Casa do Infantado. Viúvo de D- Teodósia Barreto Mialheiro. Sepultado “na campa dos Fonsecas em esta Igreja Matriz”
1834.13.02 - Sargento de Besteiros António Pereira da Ponte
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1784 - 23.10 - Capitão Mor da Vila Manuel Homem Monteiro Faria. Sepultado na Capela da Ordem 3.ª de S.
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1762. 27.06 - Capitão Francisco Ferreira Mialheiro, viúvo de Luísa Máxima Barreto de Figueiredo
1780 - 16.02 - D. Mariana Severim de Noronha Joaquina de Mendonça Marques (?), aia e camareira mor da Rainha e viúva de D. António Ignacio Xavier da Silveira, Tenente-General dos Exércitos do rei D. José I. Está sepultada na Capela dos Terceiros
1834.09.03 - Coronel António de Vasconcelos Leite Pereira, Governador e Comandante da Força em esta vila de Salvaterra. “Foi sepultado no Cruzeiro desta Igreja Matriz junto à Capela Mor da mesma”.
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Oficiais da Casa Real
1824.18.03 - Sargento Mor Joaquim Xavier Nogueira, filho de António Alexandre Nogueira e de Luzia Xavier
1814.Francisco10.03-Sargento
1753. 28.02 - Condessa de Aveiras (D. Inês Tello de Menezes)
– Jacob Nicolau Heres, oficial da Real falcoaria, viúvo de Maria dos Prazeres
1764. 26.04 - Jacob Waimans marido de Anderine Waimans
1817. 24.11 - Alexandre Dâmaso de Carvalho, “Emprezador da Real Coutada”, viúvo de Maria Joaquina
1751. 10.11 - José Dias, “Maioral das Égoas do Snr Infante D. António”
1823. 16.04 - José Bartolomeu, “Pregoeiro desta vila”
1818. 08-03 - Francisco Pedro de Freitas, Couteiro aposentado de Sua Majestade, casado com D. Maria do Carmo
1758. 22.09 - José, filho de Jacob Hjtrois (Hertrois) e de sua mulher Ana Maria
1818. 10.07 - Diogo Barreto Mialheiro, Couteiro aposentado da Real Coutada , viúvo de Catarina Teodora
1753. 29.11 - José Simões, criado do Marquês de Marialva
1791. 23.02 - Francisco da Fonseca Velho, criado de Sua Majestade, ”sepultado no cemitério novo da Igreja matriz”
O Esplendor da Corte na “Torre de Salvaterra”
1812. 31.08 - Joaquim José de Mello, solteiro, filho de José Leonardo e de Mariana Rosa. Ajudante da Real1817.Falcoaria09.11-(fl.207)
1788. 29.03 - Mateus Damans casado com Mariana Vitória da Silva e Brito. Está sepultado “na Ordem terceira desta Igreja Matriz”
1752. 04.02 - Pedro Jorge, “Mestre de rabeca de Sua Real Majestade”
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1755. 11.02 - Bernardo, sapateiro de Sua Majestade
Falcoeiros da Casa Real
1834.02.01 - José Huberto Verhuven, viúvo de Veridiana Rita, Mestre da Real Falcoaria
1822.30.12 - Pedro Gomes, “Professor e Mestre de primeiras Letras em a Cadeira Régia desta vila”, viúvo de Maria Inácia dos Reis
1829.(?).10 - Henrique Waimans, viúvo de Ana Josefa de Vasconcelos, Mestre da Real falcoaria desta vila. 1832.15.05 - João Guilherme, Oficial da Real Falcoaria de Salvaterra (Capela dos Terceiros)
Servidores no Paço ou na corte
1764. 01.12 - Jacob Van der Heinden, marido de Ana Josefa
1758. 27.10 - Guilherme Waimans, “solteiro, de nação olandês”
1779. 08.08 - Pedro Verhoeven, filho de João Verhoeven e de Eva Peters
1831. 21.11 - Estevão da Fonseca, “Arrais do Barco desta vila”
1831. 19.11 - António João da Costa “Oficial carpinteiro do Partido do Palácio Real desta vila”
67
1833.03.06 - José Baptista, “Oficial da Obra do Real Palácio”
E do sexo feminino…………… 1153
Observações
As exéquias do Duque de Loulé realizaram-se na Igreja Matriz de Salvaterra a 28.02.1824. Foi sepultado “no seu jazigo do Convento da Graça de Lisboa”.
A partir de 1835 os enterramentos passam a ser efectuados no “cemitério comum”, sem excepção.
Repercussão das Lutas Liberais em Salvaterra: entre 04-07 de 1833 e 19.02 de 1834, foram sepultados no “cerrado da Câmara” ou no adro da Igreja matriz, 14 soldados (de cavalaria, milicianos ou realistas), de vários Regimentos do país (Tavira, Tomar, Aveiro, Faro, Sintra, Vila Viçosa). Presume-se que a maioria tenha falecido no Hospital: apenas há uma referência a um falecido em casa particular.
Total.. 2236
Um episódio invulgar transcrito da Fl. 120, 1809. 25.08: “Um marinheiro de um brigue de guerra inglês ancorado na boca da vala de Salvaterra cujo marinheiro tinha morrido afogado e era de nação irlandesa catholico romano segundo testemunhou um companheiro seu marujo Português e se chamava o dito defunto Guilherme Stacis (?) a quem dei sepultura nesta Igreja”
A partir do sec. XIX, habitualmente no final de cada ano, o Prior regista os dados estatísticos. Ex: Esta tística da população de Salvaterra, em 1823 (Livro de Óbitos, nº 6, última folha)
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1824. 27.01 - Sebastião José Moreira, “Mestre de espada do Senhor Infante D. Miguel”
1832.12.01 - João António Ventura, “Director da Obra do Real Palácio desta vila”
Indivíduos do sexo masculino 1083
Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022
Segundo os livros de registo de óbitos, havia em Salvaterra um “cemitério velho” e um “cemitério novo” (a partir de 1791). Na Igreja Matriz sepultavam os defuntos em locais assinalados (ex. Monteiro Mor), nas campas privadas (Famílias Fonseca e Roquette), no adro ou na “nova sacristia”. A Capela dos Terceiros vem mencionada como sendo integrada na Igreja Matriz (ex. Mateus Dâmaso) ou como edifício autóno mo. A partir de 1835 passa a ser utilizado o “Cemitério novo”.
CAMACHO, Clara Frayão (Coord.) Grupo de Projecto Museus no Futuro. Relatório Final. Versão Preli minar. DGPC, on line 07.07.2020.
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Bibliografia
Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos 68
CORREIA, Joaquim Manuel da Silva e GUEDES, Natália Brito Correia, “O Paço real de Salvaterra de Magos. A Corte a Opera e a Falcoaria”. Lisboa, 1989.
GROEB, S. e Th.- “ Museus do século XXI. Conceitos, Projectos. Edifícios. Art Centre Basel. Ed. Londres, 2008.
Magos Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022 69 A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais Técnico Superior de patrimoniocultural@cm-salvaterrademagos.ptHistória Roberto Caneira 69
Em 1901, na sequência da remodelação do Minis tério das Obras Públicas é criado o Conselho dos Monumentos Nacionais, e por ação deste Conse lho em 1907 foram classificados os primeiros catorze monumentos nacionais: Mosteiro da Batalha; Convento dos Jerónimos; Convento de Cristo; Mosteiro de Alcobaça; Convento de Mafra, Sé Ve lha de Coimbra; Sé da Guarda; Sé de Lisboa; Sé de Évora; Igreja de Santa Cruz de Coimbra, Basílica do Coração de Jesus; Torre de Belém, ruínas do Tem plo Romano de Évora e ruínas da Igreja do Carmo. 2 Com a implantação da República e a consequente Lei da Separação do Estado e da Igreja (lei 20 de abril de 1911), criaram-se dispositivos legais para a salvaguarda do património móvel e imóvel da
Novo e uma ideologia assente em “Deus, Pátria e Família”, segue-se um caminho de recuperação da imagem de um País com um gran dioso passado e um enorme império, os monumen tos são utilizados como um símbolo da nação, para relembrar esse grandioso passado:
3 Sónia Maria do Livramento, «As intervenções da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais: O caso do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça - Igreja, Claustro de D. Dinis e dependências monásticas, Tese de Mestrado Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico, Universidade de Évora, 2006, p.85
A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
1 | A génese dos Monumentos nacionais
2 Cf. Paulo Simões Rodrigues, «O longo tempo do património. Os antecedentes da República», In 100 anos do património, memória e identidade. Portugal 1910 - 2010 [Coord: Jorge Custódio], Lisboa, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueoló gico, 2010, p. 28
Magos Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos 70
Igreja, colocando estes bens ao serviço da Nação, organizando coleções, respetivos inventários e classificando alguns imóveis de interesse histórico e cultural como monumentos nacionais.
A história e a valorização dos edifícios classifica dos como monumentos nacionais, tem um longo percurso temporal que remonta a 1880, quando o Ministério das Obras Públicas, em portaria de 24 de outubro de 1880, encarrega a Associação dos Arquitetos Civis e Arqueólogos Portugueses de elaborar um relatório e um mapa sobre os edifícios que deveriam ser classificados de monumentos na cionais.1 Este relatório foi a génese da classificação dos monumentos nacionais em Portugal, e incenti vou a sociedade civil portuguesa de finais do séc. XIX, a proteger e a valorizar os seus imóveis de interesse histórico e cultural.
1 Cf Luis Raposo, «Classificação dos monumentos nacionais», In 100 anos do património, memória e identidade. Portugal 1910 - 2010 [Coord: Jorge Custódio], Lisboa, Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico, 2010, p. 66
A 17 de outubro de 1920, é criado a Administração Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que tem um papel determinante na organização, conservação e restauro em monumentos nacionais. Esta Administração está na origem da Direção Ge ral de Monumentos Nacionais (D.G.E.M.N.).
A DGEMN nasce institucionalmente a 29 de abril de 1929, com o decreto lei n. 16791, as suas prin cipais funções consistiam na elaboração de proje tos de restauro e conservação de monumentos e palácios nacionais, acompanhamento, fiscalização das obras e atualização dos inventários dos imóveis classificados.ComoEstado
«Os valores nacionalistas do Estado Novo e o desejo de atingir a grandeza vivida no passado, en contram nos monumentos nacionais o reflexo de uma época de triunfo e glória.» 3
A D.G.E.M.N. foi um grande organismo público responsável pelo património construído do país, du rante o Estado Novo e até sensivelmente às duas primeiras décadas do regime democrático pós- 25 de abril de 1974. A sua extinção ocorre em 2007, os seus serviços são integrados no Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana e no Igespar (atual Direção Geral do Património Cultural – DGPC). Para trás ficou um legado com mais de 70 anos, que pode ser consultado no site: www.monumentos.pt, que revela um inventário completo e representativo da história dos monumentos históricos em Portugal, que continua a ser estudado por vários académicos e investigadores.
A sumptuosidade do Paço de Salvaterra de Ma gos, começa a decair com a fuga da comitiva real para o Brasil a 29 de novembro de 1807, estratégia adotada pela Corte para não ficar prisioneira das tropas de Napoleão. A transferência da Corte para a cidade do Rio de Janeiro, onde se manteve mais de 13 anos, até 1821, teve repercussões na degra dação do Paço, dado que este deixou de receber a comitiva real, um outro aspeto que vaticinou a ruina do Paço foi um enorme incêndio ocorrido em 1817, cujas culpas foram atribuídas ao desleixo e à incúria do Almoxarife do Paço.
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2 | A degradação do Paço e a ação do executivo municipal
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4 Idem, p. 86
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Apesar dos apelos para a salvaguarda e a urgente necessidade de recuperação do Paço, tal não veio a acontecer e a 10 de setembro de 1849, a Rainha D. Maria II promulga a inclusão dos bens do Paço na Fazenda Nacional:
«Dando conhecimento a V. Exa pelas cópias inclu zas da Portaria do Ministerio da Fazenda de 2 de Novembro último, e do Decreto de 10 de Setem bro a que a mesma se refere, pelo qual Sua Mages tade a Rainha houve por bem ceder integralmente a beneficio do Estado, dos Predios de que se com põe o Almoxarifado dessa Villa e suas pertenças, renunciando de todo o direito que sobre os mesmo Prédios lhe competia, e em observância das dispo sições da citada Portaria rogo a V. Exa que em vista dos respectivos inventários, de que também se lhe remetem copias, faça sem demora tomar posse de tudo por parte da Fazenda Nacional, e proceder na sua administração guarda e avaliação na conformi dade das leis e ordens em vigor, remetendo a esta Repartição os competentes autos, acompanhados da folhas das despezas que tiveram lugar com taes
A sua ação nem sempre foi conciliadora e de respeito pelo passado histórico do monumento, houve infelizmente muitos casos em que deturparam a história desse monumento e noutros destruíram estru turas e peças de interesse artístico e histórico, contudo antes de fazer qualquer intervenção, realizavam sempre um registo fotográfico onde iam intervir e estes documentos são fundamentais para perceber o restauro antes e depois da ação da D.G.E.M.N.: «Buscava-se o estado primitivo dos edifícios, limpando-os dos acrescentos posteriores de modo a permitir uma leitura simbólica mais nítida. Assim, os monumentos eram submetidos a obras que sacrificavam elementos de outras épocas, inserindo-os na gramática estético-artísticas do período histórico que os viu nascer.» 4
avaliações, informando por essa occazião sobre a milhor e mais vantajosa forma de se venderem não só os ditos Prédios, mais os móveis nelles existentes. Deus guarde a V. Sr.a, Santarém 11 janeiro de 1850.»5
«Dom Luiz por graça de Deus, rei de Portugal e dos Algarves, etc. Fazemos saber a todos os nos sos súbditos que as côrtes gerais decretaram e nós queremos a lei seguinte:
Artigo 1.º - É o Governo auctorizado a vender, na conformidade das leis, que regulam a venda dos Bens Nacioanaes, os prédios de que se compõe o almoxarifado de Salvaterra de magos, do qual Sua Majestade a Rainha Senhora D. Maria II, de saudo sa recordação, houve por bem ceder e desistir em favor do Thesouro Público, pelo seu real decreto de 10 de Setembro 1849.
Artigo 2 - Fica revogada toda a legislação em contrário. Mandâmos portanto a todas as aucto ridades, a quem o conhecimento e execução da
$ 1.º - fica exceptuado da disposição d’este artigo a casa que serve de residência ao Paracho da Fre guezia de S. Paulo da villa de Salvaterra de Magos, enquanto tiver a actual aplicação,
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$ 2.º - O produto da venda dos bens de que trata este artigo será aplicado para os concertos e repa ros dos palácios e terrenos reaes.
5 A.H.M.S.M. - Correspondência recebida da Repartição da Fazenda do Concelho 1850
6 Diário do Governo - 30 maio de 1863, disponível em: https://digigov.cepese.pt/pt/pesquisa/listbyyearmonthday?ano=1863& mes=5&tipo=a-diario&filename=1863/05/30/D_0120_1863-05-30&pag=2&txt=salvaterra [consultado a 31 de março de 2022]
A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
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Figura 1 - Diário do Governo - 28 Maio 1863
A 28 de maio de 1863, o rei D. Luís, decreta a venda dos bens que compunham o almoxarifado de Salvaterra:
8 A.H.M.S.M. - Registo n.º19 de 1 Agosto de 1854 - Registo de Ofícios 11 janeiro 1854 a 10 julho 1868, fl. 5v - 6
Figura 2 - Acta da sessão ordinário de 28 de dezembro 1864
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O ministro e secretario d’estado dos negócios da fazenda a faça imprimir publicar e correr. Dado no paço da Ajuda, aos 28 de maio de 1863» 6 Nas décadas seguintes, o executivo municipal vai demolindo paredes e estruturas do antigo palácio régio dado que ameaçavam cair e em muito casos eram ocupados por indigentes, as condições eram precárias e constituíam um perigo para a saúde pública:
« Nesta acto propoz o Vereador Maximiano Monteiro Grillo que se oficiasse ao Administrador d’este Concelho para providenciar a respeito da aglomeração de gente no Palácio das Damas, vivendo n’um estado de imundice de saúde pública, proposta que foi aceite pela Camara» 7
Várias dependências em ruína do Paço constituíam um risco para a segurança publica, ameaçavam cair e pejavam o lugar onde se encontravam, e por essa razão o que ainda restava do Paço foi demolido: «Illustrissimo Senhor = A Câmara Municipal d’este Concelho em observância do artigo 120 do Códi go Administrativo participa a Vossa Senhoria que achando-se a parede velha, resto do passadiço do Palácio Queimado para a Cappela em completo estado de ruína não só desafiando demasiado e funebremente a praça desta villa mas ameaçando cahir como já tem alguns pedaços correndo assim
o risco à segurança pública. A Camara espera que Vossa Senhoria em vista do exposto se digne dar as devidas providencias para que seja derrubada a di tta parede. = Deos guarde Vossa Senhoria – Salva terra de Magos em Câmara do Primeiro d’ Agosto de mil oitocentos cincoenta e quatro = Illustrissimo Senhor Administrador do Concelho. O Presidente da Camara Joze Ferreira Roquette.» 8 Várias estruturas do Paço, são vendidas em hasta pública a particulares, veja-se o caso deste reque rimento de António Eugénio Menezes, que adquiriu um terreno do Paço designado de “jardim”:
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7 A.H.M.S.M. - Acta da sessão ordinário de 28 de dezembro 1864 - Livro de Actas de 10 julho 1863 a 19 novembro 1875, fl. 39
referida lei pertencer, que a cumpram e guardem e façam cumprir e guardar tão inteiramente como n’ella se contém.
Autto d’arrematação em praça da condução de 300 carradas d’entulho levado do Palácio Velho pª o carril do canto do muro.
A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
«Diz António Eugénio de Menezes que tendo com prado um terreno, que pertencia ao Real Palácio d’esta vila, denominado o Jardim, e como este não tenha serventia alguma, pertende o suppl.º abrir uma porta para o largo da Ferrugenta.»9
9 A.H.M.S.M. - Requerimento de 1864. 10 Livros de Auto de Arrematação de 16 Agosto 1840 – 12 Agosto 1877, fl. 123-123v
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Anno de Nascimento do Nosso Senhor Jesus Christo de mil oitocentos sessenta e nove, aos nove dias do mez de Maio, do dito anno nesta villa de Salva terra de Magos, nos Paços do Concelho, della, reu nidos em vereação o Presidente da Câmara Vicente Lucas d’Aguiar e os vereadores José Xavier Pinto e Jose António Fernandes, ordennaram ao Pregoeiro António Maria posesse em praça, e trouxesse a lanços, a condução de trezentas carradas de entulho levadas das ruínas do Palácio para o carril do canto do muro, a quem por menos o fizesse, e praticada por elle a ordens recebida, tendo passado longo espaço de tempo dê o mesmo sua Fé, que o menor lanço que recebido havia fora o de vinte e sette mil e nove cento, oferecidos por Luíz Gomes; a Câmara
Um outro aspeto curioso da demolição de certas dependências do Paço é o aproveitamento do en tulho para aplicar em estradas, a quantidade de informação arqueológica e histórica que podia ser aproveitada, perdeu-se irremediavelmente. A Câ mara Municipal coloca em arrematação este entu lho, com vista a angariar fundos para os cofres do Município, veja-se este exemplo da arrematação de 300 carradas de entulho do Palácio Velho:
As várias infraestruturas que integravam o Palácio Real da vila de Salvaterra de Magos vão desapa recendo de uma forma progressiva, novas artérias e arruamentos vão surgindo com a demolição das ruínas. Apenas restou a Capela Real, alguns muros, várias cantarias que foram reaproveitadas em habitações e as chaminés, o restante perdeu-se, talvez em futuras escavações arqueológicas possam surgir mais testemunhos históricos do Paço Real de Salva terra de Magos.
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vendo que não havia quem por menos o fizesse, mandou afrontar e arrematar, e entregue o ramo apareceo o referido Luíz Gomes, o qual reconheço pelo próprio, e disse que se obrigava a condução das referidas trezentas carradas de entulho pelo preço oferecido de vinte e sette mil e novecentos reis, com as condicções seguinte cada carrada, com os taipais razos, postos na dita estrada, e a Camara obrigada a ter um homem na dicta estrada para espalhar o dito entulho, que elle arrematan te dava por seu fiador a Manoel Pedro Marrama que, que estando prezente disse, que aceitava esta fiança com todas estas condições aqui estipuladas como responsabilidade sua, que fica sendo, e am bos rennuncião o seu foro para o da Camara sem mais formalidade. E tudo para constar se lavrou o prezente auto que depois de lido foi assignado por todos. Eu António Joaquim Peixoto da Fonseca o escrevi e assigno.»10
«Segundo esta Direcção averiguou existe em Salvaterra de Magos uma Capela com tradições histó ricas e religiosas que foi pertença do antigo Palácio Real, encontra-se, porém, bastante necessitada de obras de conservação, entre as quais, a reparação da abóboda que ameaça ruir.» 11
A 23 de novembro de 1943, a D.G.E.M.N. reconhece a importância histórica e artística da Capela, e que a mesma poderá ser classificada como imó vel de interesse local, e que de valor artístico me rece interesse apenas a imagem de Nossa Senhora da Piedade.:
«Encontra-se a Capela de Nossa Senhora da Piedade, dos fins do séc. XVII, pertencente ao antigo e já destruído Palácio Real, bastante deturpado da sua antiga traça, embora graciosa, entendo que podia merecer a classificação de imóvel de inte resse local, porque do primitivo apenas restam as colunas pilastras e uma pequena parte da abóboda da Capela mor.
A proposta da classificação da Capela, arrasta-se nos anos seguintes e perde-se nas teias burocráticas dos gabinetes da D.G.E.M.N., em 1950 o Presiden te da Câmara Municipal – Dr. Roberto Ferreira da Fonseca, insiste na recuperação urgente da Capela Real, que ameaça ruir e que o processo de classificação seja reativado (fig. 3):
É assim certo do que V. Exa, dispensará a este assunto a mesma atenção que outros da mesma natu reza lhe tem merecido de forma a tornar digno do maior apreço, de nacionais e estrangeiros, a obra realizada por essa Direcção Geral que me venho dirigir a V. Exa solicitando a classificação com Mo numento Nacional a Capela Real desta vila, e que
Com o desaparecimento físico do Palácio Régio de Salvaterra de Magos, a Capela Real era o único tes temunho que sobreviveu, apesar de estar em pro gressiva degradação, tinha um passado histórico e artístico que deveria ser preservado.
A primeira referência à necessidade de classificar a Capela Real, remonta a 1943, quando o Diretor Geral dos Monumentos Nacionais, questiona a im portância histórica da Capela do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos:
De interesse e talvez valor artístico só a imagem de Nossa Senhora da Piedade, como V.Exa pode verificar pela fotografia que acompanha o presente processo.»12
«Do famoso Paço Real, teatro da vida das Cortes duma das mais opulentas épocas da nossa história, apenas restam as chaminés, onde se faziam os as sados das peças de caça e agora transformado em armazém, a Falcoaria adulterada e transformada em habitação e a famosa Capela Real, único testemunho do que foi a Salvaterra dos tempos de D. João V e de D. José I, e joia arquitectónica que causa a maior admiração nos poucos que têm a ventura de a conhecerem que está prestes a perder-se para sem pre tal é o seu estado de miséria.
3 | A classificação da Capela Real e DGEMN
12 Consulta do processo da Capela Real em Arquivo e Coleções – disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesU ser/SIPAArchives.aspx?id=092910cf-8eaa-4aa2-96d9-994cc361eaf1&nipa=IPA.00006162 [consultado a 05 maio 2022]
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11 Consulta do processo da Capela Real em Arquivo e Coleções - disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesU ser/SIPAArchives.aspx?id=092910cf-8eaa-4aa2-96d9-994cc361eaf1&nipa=IPA.00006162 [consultado a 05 maio 2022]
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Figura 3 – Cópia do ofício da Câmara Municipal de Salvaterra 1950 Fonte: www.monumentos.pt
A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
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« Distrito de Santarém Concelho de Salvaterra de Magos – Capela e Fal coaria das ruínas do antigo Paço Real de Salvaterra de Magos.»14
O Presidente da Câmara Roberto Ferreira da Fonseca 15 Agosto 1950:» 13
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esse templo está em precá rio estado de conservação, carecendo de urgentes obras, a fim de que não venha a perder-se essa mag nífica Capela, de que esta terra tanto se orgulha. Assim, sem mais palavras, por desnecessárias, vimos apelar para Vossa Excelencia, para que se digne ordenar à Direcção Geral de Edifícios e Monumen tos nacionais, que seja verificado o estado em que se encontra a referida Capela, do que certamente resultará, o reconhecimento da necessidade de rea lização das obras que solicitamos, para se evitar a sua completa ruína.»16 (15 maio 1962)
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civil da comunidade salvaterrense, liderado pelo Sr. Padre José Rodrigues Diogo, que dirige uma petição dirigida ao Sr. Ministro das Obras Públicas: «Senhor Ministro das Obras Públicas Excelência
Após a insistência da Câmara Municipal e a avalia ção da D.G.E.M.N., finalmente em 1953, a Capela Real e o edifício da Falcoaria Real são classificados como Monumentos Nacionais, como consta no de creto lei n.º 39175 de 17 de abril de 1953:
com urgência lhe sejam feitas as obras de que ca rece.Abem da Nação.
13 Consulta do processo da Capela Real em Arquivo e Coleções – disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesU ser/SIPAArchives.aspx?id=092910cf-8eaa-4aa2-96d9-994cc361eaf1&nipa=IPA.00006162 [consultado a 05 maio 2022]
Os signatários interpretando o sentir da população de Salvaterra de Magos, têm a honra de expor a Vossa Excelência o seguinte:
15 Consulta do processo da Capela Real em Arquivo e Coleções – disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesU ser/SIPAArchives.aspx?id=092910cf-8eaa-4aa2-96d9-994cc361eaf1&nipa=IPA.00006162 [consultado a 05 maio 2022]
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14 Diário da República – 17 de abril de 1953 – Decreto Lei n.º 39175, p. 573
Do Palácio Real e seus anexos, de tão grandes tra dições históricas pela longa permanência dos sobe ranos nesta vila. Existe hoje, apenas, a Capela Real de traça com muito interesse artístico, pela sua invulgarSucede,construção.porém,que
A classificação da Capela não impediu o avançado estado de ruína em que se encontrava o imóvel, pas sado um ano (1954) do processo de classificação, o Presidente da Câmara Municipal Dr. Roberto Ferrei ra da Fonseca, preocupado com o lastimável estado de conservação da Capela, decide escrever ao Dire tor da DGEMN, a solicitar a sua recuperação (fig. 4): «Encontrando-se a Capela Real, classificada como monumento de Imóvel de Interesse Público em completo desmoronamento com risco de se perder totalmente, solicito de V. Exa as providências necessárias para que se realize as obras de restauro»15 (10 março de 1954).
16 Consulta do processo da Capela Real em Arquivo e Coleções – disponível em: http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesU ser/SIPAArchives.aspx?id=092910cf-8eaa-4aa2-96d9-994cc361eaf1&nipa=IPA.00006162 [consultado a 05 maio 2022]
O estado da Capela Real continuava a agravar-se e em ruína progressiva, e verifica-se um movimento
A Capela Real continuava por recuperar e o seu estado de abandono era de tal ordem, que o Jor nal “O Século” a 15 de julho de 1964, destaca nas suas páginas a sua ruína e apela para a urgente re cuperação:
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Figura 5 – Recorte do Jornal “O Século” 15 de junho 1964 fonte: www.monumentos.pt
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«A Capela Real de Salvaterra de Magos, precisa que lhe acudam, para não desabar, pois encontra-se em transe de ruína.» (Fig. 5)
A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
No decorrer destas obras, verifica-se a adultera ção do interior da Capela, foram derrubadas 2 paredes, que tinham altares, um de cada lado, estas paredes estavam próximas do altar-mor, quem en trava só retinha o olhar no altar-mor, peça funda mental da Capela, agora a destruição das paredes, perde-se este efeito e quem entra vê as laterais da Capela e o olhar não se centra no altar:
«É neste lugar literalmente crucial da capela que teve lugar uma alteração cujo efeito for tornar in compreensíveis as intenções iniciais do projectis ta e do encomendador: em meados do século XX foram derrubadas parte das paredes que ligavam estes pilares tribolados aos muros laterais da capela. A essas paredes estavam encostados altares, um de cada lado. Vêem-se muito bem na base dos pilares os vestígios da destruição das paredes que, ao serem demolidos, não deixaram à vista mais que bases incompletas - porque estavam escondidos dentro da parede.
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17 Paulo Varela Gomes, Arquitectura, Religião e Política em Portugal no Século XVII. A planta centralizada, Porto, FAUP-Faculdade de Arquitectura, 2001, p. 51
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Finalmente em 1966, treze anos após a sua clas sificação, avançam as obras de recuperação da Capela Real, mas a intervenção vai apenas incidir nos telhados, nas paredes internas e exteriores, nas caixilharias e no chão, o altar-mor e as pinturais murais do teto não são intervencionadas. As obras prolongam-se até 1967.
O espaço rectangular era sanccionado aqui. Só se passava pelo meio, só se olhava pela abertura do meio.Aintenção de quem mandou derrubar estas duas paredes deve ter sido criar espaços de circulação contínua de uma ponta a outra do espaço. Mas foi precisamente essa circulação livre de pessoas e olhares que o projectista quis evitar.»17 Na década de 70, há uma nova intervenção na Capela Real, que contempla a consolidação e re cuperação do altar, mas foi nesta intervenção que se realizou mais um “atentado” à memória histórica e artística deste templo, foi a demolição do coro também designado pela tribuna real. A zona do coro alto, onde os elementos da família real assistiam à missa foi destruído, não se consegue deslindar a razão, pelas fotografias verifica-se que não havia ruína da estrutura que suportava o coro, e caso houvesse, a sua recuperação não implicava grande custo. (ver fotos 10, 11 e 12).
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Figura 6 e 7 - Obras de recuperação da Capela (década de 60) – fonte: www.monumentos.pt
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Figura 8 e 9 - Interior da Capela Real - década de 60 - www.monumentos.pt
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A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
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Magos Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022 85 Figura 10, 11, 12 - Aspeto do coro antes e depois da demolição - fonte. www.monumentos.pt
Nas décadas seguintes as obras prosseguem, felizmente sem “atentados históricos”, nos anos 80 e 90, as intervenções incidiram essencialmente nas colunas, no pavimento, reparação de fendas e reboco e também no arranjo das portas e janelas.
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Figura 13 e 14 - Intervenção numa coluna do altar - mor da Capela Real 2001
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As últimas obras ocorrem em 2001 e 2002, com a consolidação e fixação das pinturas murais do tecto e também na talha do altar mor: limpeza e consolidação das colunas. (Fig. 13 e 14). Desde essa data até aos dias não decorreram mais nenhuma intervenção de conservação e restauro na Capela Real.
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Figura 15 - Obras de recuperação das pinturas da Capela Real - 2001
A ação da DGEMN foi fundamental para a sua preservação, mesmo os episódios da destruição das pare des dos altares e do coro, que modificaram o seu interior, foi graças à determinação e apoio da DGEMN, que nos dias de hoje a Capela Real está para fruição e deleite de quem a visita.
18 Francisco Lameira, Vitor Serrão, O retábulo proto-barroco da Capela do antigo paço real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores, disponível em: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7512.pdf, (consultado a 01 de junho 2022)
Conclusão
Esta exclusividade de uso para elementos da corte e dos seus convidados, aliado à escolha e uso dos melhores materiais de construção, dado que era uma “encomenda” real, foram determinantes para a sua preservação. As restantes estruturas e divisões do Paço de Salvaterra de Magos desapareceram, enquanto que a Capela continua a mostrar a sua opulência artística, apesar de alguns episódios de ruína, houve sempre o cuidado de a manter recuperada e preservada.
A classificação da Capela Real e a ação da Direção Geral dos Monumentos Nacionais
«Obra prima da arquitectura renascentista nacional, da autoria do arquitecto Miguel de Arruda, e de uso exclusivo da Corte e dos seus convidados, consequentemente só era utilizada durante a estadia tempo rária da família real.»18
A Capela Real é o único e o mais importante vestígio histórico-artístico do antigo Paço de Salvaterra de Magos, a nível nacional ocupa um lugar cimeiro e de destaque enquanto elemento artístico e patrimonial, é uma “obra prima da arquitetura renascentista nacional” segundo as palavras de Vítor Serrão e Francisco Lameira:
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- CORREIA, Joaquim Manuel da Silva; GUEDES, Natália Brito Correia, O Paço Real de Salvaterra de Ma gos: A corte. A ópera. A falcoaria, Lisboa, Livros Horizonte, 1989,
- A.H.M.S.M. - Requerimento de 1864 Internet
- Diário do Governo – 30 maio de 1863, disponível em: [consultadode-salvaterramonthday?ano=1863&mes=5&tipo=a-diario&filename=1863/05/30/D_0120_1863-05-30&pag=2&txthttps://digigov.cepese.pt/pt/pesquisa/listbyyear[consultadoa31demarçode2022]-FranciscoLameira,VitorSerrão,Oretábuloproto-barrocodaCapeladoantigopaçorealdeSalvaterraMagos(c.1666)eosseusautores,disponívelem:https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/7512.pdf,a01dejunho2022]
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- A.H.M.S.M. - Registo n.º19 de 1 Agosto de 1854 - Registo de Ofícios 11 janeiro 1854 a 10 julho 1868
- A.H.M.S.M. - Acta da sessão ordinário de 28 de dezembro 1964 - Livro de Actas de 10 julho 1863 a 19 novembro 1875
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- Livros de Auto de Arrematação de 16 Agosto 1840 - 12 Agosto 1877
- MARIA DO LIVRAMENTO, Sónia, «As intervenções da Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Na cionais: O caso do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça - Igreja, Claustro de D. Dinis e dependências monásticas, Tese de Mestrado Recuperação do Património Arquitectónico e Paisagístico, Universidade de Évora, 2006.
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Magos Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022 91 Salvaterra de Magos: Duas esculturas (quase) esquecidas Museu Nacional de Arte Antiga / DGPC CEAACP - Universidade de Coimbra Ruy Ventura 91
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Salvaterra de Magos: Duas esculturas (quase) esquecidas
Quem se disponha a compulsar alguma bibliografia sobre o Paço Real de Salvaterra de Magos e a sua Capela Real, confrontar-se-á com abundantes referências ao eruditíssimo desenho arquitectónico do espaço sagrado, mas encontrará escassas refe rências ao seu património escultórico integrado. Se o retábulo, do século XVII, mereceu um excelente artigo assinado pelos melhores especialistas (cf. La meira & Serrão, 2001) e as duas versões da Pietá têm granjeado alguma análise, embora brevíssima, a im ponente imagem de Cristo Crucificado aí existente tem sido olhada, infelizmente, sem a atenção que merece.
Salvaterra de Magos: Duas esculturas (quase) esquecidas
Sabe-se que a representação mais recente de Nossa Senhora da Piedade foi esculpida em 1785, a expensas da rainha D. Maria I, que a terá enco mendado ao laboratório do escultor Joaquim Ma chado de Castro (cf. Rodrigues & Franco, [2012]: 204). Muito menos concreto é, todavia, o conhe cimento existente sobre a imagem mais antiga da Senhora com o seu Filho morto no colo. Essa peça tem dado origem a considerações díspares. A sua sorte tem sido, ainda assim, superior àquela que tem tocado à escultura onde estão figurados os momentos finais da execução de Jesus de Nazaré no Gólgota, em Jerusalém. Mesmo o melhor livro sobre o desaparecido complexo palatino refere
apenas que essa obra representa o orago da Capela, mencionando que a imagem do Crucificado, “esculpida em madeira polícroma e envolta de grande resplendor, preenche o painel do altar -mor, onde foi colocada sobre a ara uma imagem de Nossa Senhora da Piedade” (Correia & Guedes, 2018: 18). Outras publicações, algumas com índole oficial1, nem sequer lhe dedicam uma única palavra, como se fosse possível compreender totalmente o edifício remanescente sem se ter em conta o seu recheio artístico.
2 As considerações apresentadas neste artigo serão desenvolvidas e aprofundadas (com dados que aqui não se divulgam) na nossa tese de doutoramento sobre a escultura da Paixão de Cristo, a apresentar na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Nesse trabalho, serão analisadas outras peças do património religioso passionista de Salvaterra de Magos, nomeadamente o Cristo Morto venerado na Igreja de São Paulo.
Magos Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos 92
O objectivo deste artigo é partilhar alguns apon tamentos histórico-artísticos suscitados pelas duas obras que menor atenção têm merecido, dando à discussão pública dados importantes, oferecidos pela documentação e pelo contexto em que essas peças de imaginária sacra surgiram2.
1 Cf. (consultado a 29/6/2022).
4 Arquivo Histórico do Ministério das Finanças - XX-L-61.
O património integrado desses edifícios era assi nalável. Na Capela Real havia duas imagens de São Francisco de Assis, dois crucifixos de bronze, uma “Imagem de Sta. Rita, com resplendor de prata”, quatro “Imagens da Familia Sagrada”, um outro crucifixo, uma imagem “do Senhor Crucificado, grande com resplendor de prata” e, ainda, duas re presentações de Nossa Senhora da Piedade, uma delas “com corôa de prata que peza 32 oitavas”. Na ermida do Mártir Santo existiam esculturas representando o orago5, Santo António de Lisboa com o Menino e Nossa Senhora do Livramento, além de um crucifixo de bronze (in Correia & Gue des, 2018: 148 - 149). É provável que o “painel de Nossa Senhora”, existente na “Capella dentro do Palacio”, seja o ex-voto (ainda hoje existente) que recorda um milagre atribuído à Virgem da Piedade, ocorrido na “horta del Rey”, junto do Paço Real, a 9 de Agosto de 1746 (cf. Correia & Guedes, 2018: 82) e referido na memória paroquial de Salvaterra, em 17586 . O Crucificado grande é aquele que continua a ocupar o centro do retábulo da Capela Real, em bora o orago da casa fosse (aparentemente) a Sua mãe. Quanto às imagens da Virgem, subsistem am bas - uma na sua vila de origem e outra depositada no Museu Diocesano de Santarém.
não foram, felizmente, incluídos os lugares de culto (cf. Correia & Guedes, 2018: 149 - 157). O rol “dos moveis existentes no mesmo Palacio e suas dependências” foi realizado a 6 de Fevereiro de 1850 (cf. Correia & Guedes, 2018: 147 - 149).
6 ANTT, Memórias Paroquiais, vol. 33, n.º 34, p. 235 e 236.
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Em meados do século XIX, havia no que sobrava do complexo palatino de Salvaterra de Magos três locais de culto: um oratório na Falcoaria, uma “Ca pella dentro do Palacio” e a “Capella de N. S. da Piedade”. O primeiro espaço, certamente pequeno, possuía um painel representando São José, uma maquineta e duas pias de pedra. O lugar de culto interior do palácio tinha somente um crucifixo, um “painel de Nossa Senhora” e algumas alfaias. O templo mais importante – a denominada Capela Real – era, pelo contrário, bastante mais rico. Essas informações surgem na relação anexa ao “Termo d’ entrega” do Palácio à Câmara Municipal, datado de 1850 (cf. Correia & Guedes, 2018: 147 – 149). A 10 de Setembro de 1849, a rainha D. Maria II decidira que, tendo em conta “a progressiva ruina dos prédios que compõe os Reais Almoxarifados de Salvaterra de Magos e das Vendas Novas” e a dificuldade de o Tesouro Público remediar essa degradação, por falta de fundos, a melhor solução era entregar “inte gralmente, a beneficio do Estado, os predios depen dentes dos sobreditos Almoxarifados […] renuncian do a todo o direito” que sobre eles teria (in Correia & Guedes, 2018: 146)3. A “Relação dos Prédios” foi realizada no ano seguinte e, entre eles, estavam o “Palacio Real”, o “Palacio Queimado”, a “Capella Real na Travessa da Capella” e a “Ermida de S. Se bastião no largo do Arneiro” (in Correia & Guedes, 2018: 146 - 147)4. Grande parte desse património foi vendido, acabando por desaparecer, com gra ve prejuízo para o património luso. Nessa alienação
3 Arquivo Histórico do Ministério das Finanças - XX-L-61.
5 Esta obra escultórica está exposta no Museu Diocesano de Santarém (cf. Neves, 2021: 336). Parece-nos ser peça quinhentista, híbrida, ao coligir elementos vindos da tradição nórdica (nomeadamente a definição dos cabelos, a caracterização do rosto e a rami ficação da árvore podada) juntamente com outros peninsulares.
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No referido ex-voto, rico do ponto de vista iconográfico, podemos ver a imagem de Nossa Senhora da Piedade no lugar onde, em meados do século XVIII, era cultuada: aos pés da avantajada representação crucificada do seu Filho. A obra aí representada só pode ser aquela que hoje se contempla no museu esca labitano, pois a outra escultura com a mesma iconografia é várias décadas posterior a 1746 (cf. Rodrigues & Franco, [2012]: 204).
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1 - Ex-voto a Nossa Senhora da Piedade, venerada na Capela Real de Salvaterra de Magos (1746) (foto Câmara Municipal de Salvaterra de Magos). Salvaterra de Magos: Duas esculturas (quase) esquecidas
A imagem de “Nossa Senhora da Piedade de Jezus”7 (tal como é denominada no referido ex -voto) foi moldada em barro ou terracota e, de pois, dourada e policromada pelo menos duas vezes. Não se trata, portanto, de uma peça de madeira, como afirmou Gustavo de Matos Sequeira, autor que, no seu muito lacunar inventário artístico do distrito de Santarém, propôs estar mos perante um “Valioso exemplar” executado no século XVII em Castela ou Aragão, atendendo ao “impressionante ‘ar’ dramático que possui” (Se queira, 1949: 59). Essa datação e o mesmo equívoco seriam reproduzidos mais tarde, sem crítica
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7 Inv. DS/SPSM.0007.esc - A. 65 cm x L. 74 cm x P. 42 cm.
(cf. Correia & Guedes, 2018: 24). Leitura bem di ferente apresentou Teresa Leonor M. Vale, na se quência de publicação anterior, assinada por outro autor (cf. Duarte, 2020: 284). Reparando na singu laridade do material escolhido para a moldagem, considerou que estamos perante uma escultura do último quartel do século XVI, levantando a possi bilidade de ter sido encomendada por alguém da Família Real. Propôs, ainda, que possa ter saído de uma oficina da Europa setentrional, embora com peculiaridades que a ligam também a um contexto ibérico, nomeadamente na sua policromia (cf. Vale in Neves, 2021: 239).
2 - Imagem de Nossa Senhora da Piedade, proveniente da Capela Real de Salvaterra (foto Diocese de Santarém).
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Apesar de não ser uma escultura com tama nho avantajado, a sua morfologia e a matéria em que foi moldada fazem com que seja muito improvável ter sido esculpida fora de Portu gal. Não significa isto que devamos excluir a sua vinculação imagética a alguns cânones iconográfi cos vigentes no Norte da Europa. Devemos, antes, pensar o contrário, tendo em conta a existência no nosso país, ao longo de todo o século XVI, de um conjunto muito numeroso de artistas provenientes de França, da Flandres, da Holanda e da Alemanha, com importantíssima actividade na estatuária, na pintura, na ourivesaria e noutras disciplinas artís ticas, ao qual devemos juntar vários nomes prove nientes das mais diversas regiões de Espanha, mas imbuídos do mesmo “sopro do Norte”. As nossas convicções e perplexidades não são muito distintas daquelas que foram registadas pela Universidade Católica Portuguesa, no relatório da sua interven ção sobre a peça, ocorrida em 2014. É evidente que a Senhora da Piedade de Salvaterra apresenta uma “qualidade técnico-artística […] elevada”. Deve sublinhar-se “a peculiaridade da escolha do supor te” e, nas suas formas, uma “expressividade quase dramática”, de carácter nórdico, embora existam características que a podem colocar “numa produ ção ibérica” quinhentista. Esse hibridismo (assim digamos) pode derivar de vários factores: “uma influência ibérica na produção, uma exigência do comitente, ou até uma produção Ibérica de um ar tista marcadamente influenciado pela arte flamen ga, cujos exemplos são numerosos na vizinha Es panha, onde o dramatismo é levado ao extremo”8.
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8 Universidade Católica Portuguesa - Escola das Artes, Relatório de Tratamento de Conservação e Restauro - 04.00, Senhora da Piedade, 2014 [inédito]. (Agradeço a Eva Raquel Neves a cedência de cópia deste documento, guardado no Arquivo do Museu Diocesano de Santarém).
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A escultura, em barro cozido, tem uma aparência desconcertante. Terá sido essa estranheza, pertur badora e incompatível com a estética vigente no último quartel do século XVIII, que terá incitado a rainha D. Maria I a mandar substituí-la no altar da Ca pela Real por uma outra representação da Pietá, esculpida, como já se referiu, pelo laboratório de Joa quim Machado de Castro. Assente sobre uma base de madeira tardia (datável da mesma época em que a imagem foi repolicromada, nunca anterior a sete centos), a obra cruza referências do Renascimento italiano quatrocentista com os traços dominantes góticos de muitas figurações semelhantes existen tes pelo Norte da Europa. A apresentação da Vir gem dolorosa como uma mulher enlutada e madura, a entrar na velhice, parece evocar a imagem pintada por Pietro Vannucci, il Perugino (? - 1523) em 1472 ou 1473 para um convento franciscano situado nos arredores de Perugia, obra exibida hoje na Galleria Nazionale dell’ Umbria, nessa cidade. O corpo morto de Cristo foge, contudo, ao naturalismo apre sentado nessa pintura e noutras obras semelhantes, mostrando-se deformado, quase esmagado e es ticado ou desconjuntado, após o violentíssimo su plício. O que mais impressiona é, todavia, o rosto do Redentor, destituído de qualquer vislumbre de serenidade, ao exibir um rictus agónico, capaz de incomodar vivamente o observador. As incongruên cias nas anatomias provocariam e provocam quem se confronte com a imagem, dominada pelo contra ponto estabelecido entre a figura sedente e contida da Virgem - com o seu rosto quase masculino (a acentuar o paradigma da mulher forte) - e o vulto
tinham a Maria Vesperbild. Tendo D. Luís falecido menos de uma década depois da conclusão da obra da capela, a 27 de Novembro de 1555, a execução da escultura deverá então colocar-se nos anos que medeiam entre 1547 e a data do seu passamento. Precisamente por essa altura, meses antes de fale cer, o Infante D. Luís tinha como seu escudeiro um imaginário ou escultor: Pero ou Pedro de Frias9. Pero de Frias (também chamado Pero de Frias, o Moço) era natural da Biscaia, espanhola ou france sa10, e residiu uma boa parte da sua vida em Lisboa. Estava casado com Isabel Lopes e sabemos que o seu pai, também biscainho, se chamava Tomé11. É provável que fosse parente de um outro escultor seu homónimo - da Biscaia, como ele, e conside rado “grande marceneiro” -, o qual esteve activo pelo menos entre 1510 e 1565, residindo também na capital (cf. Mendes, 2017: 44). Com Guoterrez de Souro ou de Sovro, pelo menos entre 1543 e 1549, Frias foi carpinteiro de marcenaria do Cardeal-Infante D. Henrique, em Évora12 (cf. Bilou, 2016: 240 – 241; Apolónia, 2005: 257). Cerca de 1546/47, exe cutou dois retábulos destinados à igreja de Beringel (Beja), encomendados pelo primeiro Conde do Pra do (cf. Serrão, 1995 in Mendes, 2017: 45). Em 1549,
9 ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 244, n.º 163.
sem vida do seu Filho, esvaziado de qualquer sopro ou dignidade majestática.
A documentação não revela nem a autoria nem a data de execução desta peça. Concordamos, ainda assim, com quem afirma tratar-se de uma escultura quinhentista (cf. Duarte, 2020: 284; Vale in Neves, 2021: 239), embora a façamos recuar algumas déca das em relação ao que tem sido proposto. Quanto a nós, esta obra de arte deve ser incluída entre as primeiras encomendas realizadas pelo Infante D. Luís, logo após a conclusão da obra da capela, cerca de 1547 (cf. Craveiro, 2009: 94) ou pouco depois. A nos sa convicção assenta sobre a comprovada devoção pessoal do filho de D. Manuel I à Paixão de Cristo, nomeadamente ao momento em que o Redentor, morto, terá sido depositado no regaço de Santa Ma ria. Será bom lembrarmos que o orago do cenóbio de franciscanos arrábidos, por ele fundado em 1542, entre Benavente e Salvaterra de Magos, era preci samente Nossa Senhora da Piedade (cf. Piedade, 1728; Portugal, 1735). É ainda importante recordarmos a ligação deste membro da família real portuguesa à Ordem de Malta, enquanto Grão-Prior do Crato, e a devoção especial que os hospitalários
Magos Salvaterra de Magos | n.º 9 | Ano: 2022
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12 Em 1543, Pero de Frias “carpinteiro de maçenaria” ganhava por ano “hum moyo de trigo […] e dous mil seicêtos rs ê dinheiro pera aluger de casas” enquanto residisse em Évora e servisse o Cardeal-Infante D. Henrique; em 1547, mantinha-se o mesmo ordenado destinado à mesma finalidade (cf. Gonçalves, 2005: 373). A sua partida para Lisboa deverá datar de 1548 ou 49. O escultor terá con tactado com assiduidade o grupo de humanistas sustentados pelo filho de D. Manuel I, entre os quais se contavam Nicolau Clenardo, João Vaseu, André de Resende, Pedro Nunes, Diogo de Castilho, Damião de Góis, Duarte Nunes de Leão, etc. (cf. Gonçalves, 2005: 373).
10 No século XVI, o adjectivo biscainho tinha uma abrangência bastante maior do que aquela dada actualmente, abrangendo – como bem viu Rafael Moreira - muitas das terras setentrionais da Península Ibérica banhadas pelo Golfo da Biscaia (cf. Moreira, 1991: 416) e ainda alguns territórios situados além dos Pirinéus.
11 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Domingos, mç. 2, doc. 60, fls. [135 a 151].
16 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, Habilitações, Domingos, mç. 2, doc. 60, fl. [151].
“Pero de Frias o Moço” já vivia em Alfama (Lisboa), onde tinha oficina e vários colaboradores, nomea damente dois estrangeiros, um natural de Lyon ou de Sabóia (Filberte ou Filipe Filiberto13) e outro da Alta Borgonha (Pierre ou Pedro Delsey14). Em 1551 e 1554, foi juiz e examinador do ofício de carpinteiro de marcenaria (cf. Mendes, 2017: 45; Mendes, 2017a: 9). Tal como foi referido, poucos meses antes da morte do Infante D. Luís, era escudeiro da sua Casa, embora não se saiba quando atingiu tal estatuto15. Uma década depois, em 1565, morava na casa de seu filho, o capelão António de Frias, na Rua Direita de São Lourenço, em Lisboa (cf. Mendes, 2017: 44). Mais tarde, em 1570, surge como Cavaleiro Fidalgo da Casa de Sua Majestade e seu imaginário, altura em que esculpiu peças para a Santa Casa da Mise ricórdia de Alcobaça; não obstante, depois dessa ocasião, parece ter continuado com ligações à vila cisterciense, as quais se registam pelo menos até 1583 (cf. Mendes, 2017: 45).
Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos
No ano de 1573, Pero de Frias estabeleceu um con trato de parceria laboral e artística com Estácio Ma tias, escultor, imaginário e carpinteiro de marcenaria de origem flamenga, também residente em Lisboa. Em 1577, foram ambos contratados para realizarem imagens de alguns santos, destinadas à igreja do Salvador, de Torres Novas. Frias acabaria por nada realizar, ficando todo o trabalho nas mãos de Matias.
14 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, livro 53 [denúncias], fl. 148.
15 ANTT, Corpo Cronológico, Parte II, mç. 244, n.º 163.
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17 A documentação, nomeadamente a inquisitorial, prova que Nicolau de Frias era filho de Pero de Frias e não seu irmão (cf. Gonçal ves, 2005: 372; Carvalho & Correia, 2009: 62).
Em 1584, o “ymaginario” “ora residia em Unhos, ora em Lixboa” (localidades onde os seus filhos tinham casas), tendo sido alvo nessa data de um processo judicial, movido pela Universidade de Coimbra (cf. Gonçalves, 2005: 380). Cerca de 1590/91, já idoso e viúvo havia mais de 15 anos, Pero habitava na fre guesia de São Lourenço, na casa de seu filho Nicolau de Frias e de sua nora, Ana Baleeira16. Não é conhe cida, infelizmente, a data da sua morte. Frias teve vários filhos do seu matrimónio com Isabel Lopes: além do escultor, marceneiro e arquitecto Nicolau de Frias17, são ainda conhecidos o Dr. Francisco de Frias (pregador do Cardeal-Infante D. Henrique e da
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13 Nasceu por volta de 1513; antes de chegar a Portugal, esteve em Sevilha (certamente em trabalho), onde foi condenado por here sia e depois reconciliado (ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 12114).
Tal atitude geraria um conflito judicial entre os dois artistas, o qual acabaria sanado por acordo celebra do em 1578, através do qual se desfez a equipa (cf. Gonçalves, 2005: 375 – 379; Serrão, 2012: 138 – 141, 211 – 213; Carvalho & Correia, 2009: 65; Gonçalves, 2018: 51). Entre 1574 e 1578, Pero de Frias residiu em Coimbra, onde foi “familiar” do Colégio domi nicano de São Tomás a partir de 1575, recebendo os privilégios habituais, concedidos pela Universida de (cf. Gonçalves, 2005: 374 – 375; Mendes, 2017: 45; Carvalho & Correia, 2009: 65; Gonçalves, 2018: 51; Gonçalves, 2020: 113). Na cidade universitária, o escultor foi examinador do ofício de carpinteiro de marcenaria (cf. Gonçalves, 2005: 375; Gonçalves, 2018: 48).
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19 ADE, Paróquia de Santo Antão, Liv. 2, cx. 2, fl. 156 v. (documento encontrado por Francisco Bilou).
Mesmo que não tenham surgido até ao momento provas documentais da autoria da imagem de Nos sa Senhora da Piedade, venerada na Capela Real de Salvaterra de Magos até 1785 (e movida depois para a sacristia, onde felizmente se conservou), é bastan te defensável a hipótese de ela ter saído das mãos ou da oficina de Pero de Frias, o Moço. Alicerçamos a nossa forte convicção no facto de o artista ser escudeiro da casa do Infante pelos anos em que a peça terá sido executada, ou seja, na primeira me tade da década de 1550. Convenhamos: não faria sentido D. Luís ter ao seu serviço um escultor com provas dadas (e decerto recomendado por seu ir mão D. Henrique) e não lhe cometer a execução de qualquer obra de imaginária sacra.
rainha D. Catarina de Áustria), o já referido António de Frias (capelão real, beneficiado de São Lourenço de Lisboa e prior de Unhos), Soror Filipa do Espírito Santo (freira em Chelas) e Soror Inês de Jesus (domi nicana em São Domingos de Abrantes) (cf. Mendes, 2017: 46). O filho mais velho do artista deveria ser, todavia, o seu homónimo Pero ou Pedro de Frias, falecido a 11 de Janeiro de 1595 na paróquia de São Silvestre de Unhos, onde era prior o seu irmão António18. Com toda a probabilidade, foi esse seu descendente quem, no dia 30 de Agosto de 1545, casou em Évora, na igreja de Santo Antão, com Ana (de) Mascarenhas, ficando a residir na rua do Cerva to19. Até ao momento, não se encontraram todavia indícios de que exercesse a mesma profissão que o pai, embora tal não seja impossível. Têm sido atribuídas a Pero de Frias, o Moço duas ou três obras escultóricas (cf. Carvalho & Correia, 2009: 61; Serrão, 1989: 164), embora sem argumentos consensuais20. Há, pelo contrário, quem afirme
18 ANTT, Paróquia de São Silvestre de Unhos, Mistos, Lv. M1 – Cx 1, fl. 142 (documento encontrado por Francisco Bilou).
20 Fala-se de uma “preciosa Virgem e o Menino”, oferecida pela Infanta D. Maria, meia-irmã do Infante D. Luís, ao Convento de Nossa Senhora dos Anjos, de frades franciscanos capuchos, situado nos arredores de Torres Vedras (cf. Serrão, 1989: 164). A imagem ofe recida ao convento arrábido torreense, cerca de 1570, trata-se de uma estátua mariana sem Menino, em madeira, que representa o orago do cenóbio, encomendada “ao mais perito Escultor, que havia na Cidade de Lisboa”. Substituída, mais tarde, como orago da casa e movida para um altar lateral, com o título de Senhora da Saúde, após a extinção das ordens religiosas foi colocada na igreja de São Pedro de Torres Vedras, sendo levada mais tarde para a igreja do Carvalhal, no mesmo concelho, onde ainda hoje é venerada. Com cerca de 1m45, algo modificada, é uma peça com assinalável qualidade escultórica (cf. Pinto, 1996: 87 – 88, 108 – 109). Embora atribuída a Pero de Frias, o Moço, é quase certo que tenha saído, antes, das mãos de Estácio Matias (que com ele colaborou), o qual fez para o Mosteiro de São Bento da Saúde, em Lisboa, quatro imagens que se tornaram famosas (cf. Serrão, 1998: 144). É bom lembrar que esta casa beneditina foi muito beneficiada pela filha mais nova de D. Manuel I, à qual chegou a oferecer uma relíquia do monge de Monte Cassino (cf. Pinto, 1996: 107 - 108), referindo as crónicas beneditinas que foi ela, também, a comitente da imagem do Patriarca (cf. Pinto, 1996: 108). Há quem lhe atribua ainda as esculturas em barro existentes em Vila Fresca de Azeitão, encomendadas por Brás Afonso de Albuquerque para a sua quinta e para a igreja de São Simão, aí existente e por ele reconstruída (cf. Carvalho & Correia, 2009: 61), mas tal atribuição apela a uma revisão devidamente circunstanciada.
que “não sobraram quaisquer registos que possam determinar que obras terá feito”, existindo apenas provas de que se tratou de “um artista errante, bastante renomado e possuidor de um estatuto social e económico que lhe permitiu obter o título de Cava leiro d’ El Rei” (Gonçalves, 2005: 380).
Magos
Salvaterra de Magos: Duas esculturas (quase) esquecidas
21 ANTT, Ordem de São Jerónimo, Mosteiro de Santa Maria de Belém, mç. 4, doc. 36 (treslado do século XVIII). Transcrito por Rafael Moreira in Moreira, 1989: 11.
O documento referente à escultura lisboeta re mete, explicitamente, para o “crucifixo do Choro”, ou seja, para a imponentíssima representação do Redentor que ainda hoje preside ao coro-alto da igreja de Belém. A identificação do escultor está escrita pela sua própria mão, no final de uma quitação redigida por outra pessoa, mas assinada por ele com bela caligrafia: Diguo eu filipe brias que e verdade que Receby do padre prove[n]ciall frei miguel de ualemça proue[n] ciall de belem quore[n]ta e cimquo mill reis de feitio de hũ cristo que fiz para belem os quaes quore[n]ta e cimquo mill reis saõ quore[n]ta mill reis de feitio do cristos [sic] e os cimquo mill reis saõ da madeira do mõte calluario e do corpo da ymagem e por que asim e verdade Receber os ditos quore[n]ta e cimquo mill reis e me dou por pago de todo o que nisto fiz feito e ouge outo dias d’ abril de 1551. Foi testemunha christouaõ Rodriguez que o fiz e asiney aqui cõchristouaõele Rodriguez phelippe bries e eu frey Rodrigo que emtreguejlho
Ao decidir mandar esculpir uma imagem de Cris to pregado na cruz, cerca de 1549/50, o Infante D. Luís não escolheu Pero de Frias, o Moço, pois cer tamente ele ainda não seria membro da sua casa. Por essa altura, dirigiu uma carta a Frei Miguel de Valença, Prior do Mosteiro de Santa Maria de Belém, em Lisboa, referente a assuntos administrativos em que interviera a favor do cenóbio. No final dessa missiva, em jeito de post scriptum, acrescentou uma informação que, parecendo marginal, é deveras im portante: […] da Imagem do Crucifixo naõ póde deixar de haver alguã dilação; porque o Meu naõ está inda aca bádo, e depois de se acabar se hade fazer o outro que Naõ está mais, que começado. Nosso senhor vos aja em sua especial guarda. O Infante Dom Luiz 21 Não houvesse mais documentação sobre o assun to e estas linhas pouco nos diriam. Ficaríamos apenas a saber que, nessa data imprecisa, um artista anónimo estava a fazer uma imagem do Crucifica do destinada ao Infante e, de seguida, iria esculpir outra, com a mesma iconografia passionista, des tinada ao Mosteiro dos Jerónimos. Felizmente, o riquíssimo fundo documental hieronimita guarda o recibo do pagamento de uma dessas obras de arte e, melhor ainda, há referências em processos inquisitoriais que nos dão informações cruciais, não só sobre a imagem em causa como, também, sobre o artista que a fez e a sua oficina. Temos, ainda, a fortuna de a obra de arte ter subsistido em todo o seu esplendor, mesmo que desprovida dalguns dos elementos iconográficos que a acompanhavam e completavam.
Ffrey Rodrigo d’ aluito22 Lendo alguns processos do Tribunal da Inquisi ção de Lisboa, ficamos a conhecer um pouco este Philippe Bries, autor de uma das mais admiráveis obras de arte cristã existentes no nosso país e, mes mo, na Europa. As actas dos interrogatórios a que submeteram o marceneiro e escultor francês Pero de Loreto, em 1560, afirmam que o autor do Cristo dos Jerónimos era seu compatriota e possuía uma
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22 ANTT, Ordem de São Jerónimo, Mosteiro de Santa Maria de Belém, mç. 4, doc. 59, fl. 4. Publicado parcialmente por Rafael Mo reira, com transcrição paleográfica in Moreira, 1989: 11. Transcrição integral in Bilou, 2021: [6].
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ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2560, fls. s/n [0294] (transcrito parcialmente por Deswarte-Rosa, [1993]: 45).
Ao descrever-nos esse Christus Patiens, apresen tou-nos também a enorme atracção exercida por essa obra sobre os artistas do seu tempo e de tem pos posteriores, não deixando de relatar algumas idiossincrasias da personalidade do seu autor: Desta immagem tem tirado, e tirão de prezente os famozos sculptores mil exemplares, dezejando cada qual perfeitamente immitala: Este [tem] a ca beça inclinada, cabellos com sangue conglutina dos, e mortificaõ dos olhos – aquelle os brassos retorçidos para chegar aos buracos dos crauos, Outro a abertura do Lado, e de fluxão do sangue, e joelhos denegridos; porque hum so sculptor dif ficultozamente, ou quazi impossiuel lhe sera o im mitar a dita immagem em todo; portanto o proprio artífice que a fez de sua perfeição ficou taõ pago, que se atreueo dizer, que nem artifice do Ceos [sic], e divino poderia fazer outra semelhante, nem melhor, posto que desta exageraçaõ prezumptuoza, e Louca foy repreendido, e castigado. 24 Frei Manuel Bautista de Castro, numa outra cróni ca, já setecentista, reafirmou a oferta que teria sido realizada pelo Infante (cf. Deswarte-Rosa, [1993]: 45), informação reproduzida em 1833, ano da extinção da comunidade jerónima, num memorial redigido por Frei Manuel do Bom Jesus Costa25.
personalidade irreverente, manifestando sem grande prudência opiniões contrárias à fé católi ca vigente, decerto por ter simpatias luteranas ou calvinistas. Aí se afirma, por exemplo, que “nunca farya Jmajem nehuuã se nom fose por aver dinhei ro”, declarações ouvidas por Loreto na oficina do artista, enquanto “o dito felype bryas” fazia “hum crocefixo para o mosteiro de belem”23. O desas sombro com que exprimia as suas posições, bem como a confiança que tinha na qualidade do seu trabalho, permaneceram na memória da comu nidade jerónima do Restelo. Guardou-se, ainda, a lembrança da ligação do Infante D. Luís àquela representação de Cristo, geradora da maior admi ração artística e devocional. Frei Diogo de Jesus, em meados do século XVII, registou numa crónica manuscrita que […] he huã ueneranda immagem de nosso Re demptor crucificado, e pendente daquella arbore tanto mais excellente, que a da uida, quanto uay gozarmos della o fructo, que a outra so figurada. Trinta palmos tem esta cruz de altura do seu caluario te a superior inscripsaõ em tres Lingoas a sancta, grega, e Latina nem pedia menor altura pe lla grandeza da immagem feita, e posta neste alto coro per deuaçaõ e custo do senhor Infante D. Luis, filho do senhor rey D. Manoel fundador.
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ANTT, Ministério das Finanças, Convento de Santa Maria de Belém [inventário da extinção], cx. 2199, fl. 34.
23 ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10947 (contra Pedro de Loreto), fls. 14 e 14 v.
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3 - Cristo crucificado, de Philippe Bries, no coro-alto da igreja do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa (foto Ruy Ventura).
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não existe nem na documentação antiga nem no autógrafo do artista. Não era flamengo. Era gaulês – e assim era reconhecido por outros franceses –, conquanto não seja possível apontar em definitivo a sua data e o seu local do seu nascimento, o mo mento em que chegou a Portugal, nem sequer o seu percurso artístico antes de se fixar no nosso país durante pelo menos nove anos. Na realidade, embora se possam assinalar afinidades estilísticas fortes com a produção de outros artistas europeus seus contemporâneos ou de outros centros artís ticos (cf. González, 1961: 14 e 43; Flor, 2008: 129 e 139), a partir dos dados disponíveis é apenas segu ro afirmar-se que no final da década de quarenta do século XVI a sua presença já se registava em Lisboa e no vale do Tejo, laborando para as mais exigentes clientelas. Em 1549/50, Bries encontrava -se em Almeirim a trabalhar com vários carpinteiros de marcenaria ou escultores, enquanto lá permaneciam D. João III e vários membros da família real, entre os quais o Infante D. Luís, bem como muitas outras pessoas importantes do séquito real27, que habitavam periodicamente esse paço. Não terá sido noutra altura nem noutro lugar que o irmão do rei lhe encomendou as duas imagens de Cristo na cruz, uma para si e outra destinada ao Mosteiro dos Jerónimos. Deve sublinhar-se a proximidade de Philippe e desses artistas seus companheiros a membros da Casa do Infante e Prior do Crato, com quem conviviam (e prevaricavam) nalguns espaços do complexo palatino ribatejano28. Entre os seus
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10947 (contra Pero de Loreto), fls. 19 e 19 v..
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Perante os dados disponíveis, temos no entanto de admitir que não possuímos uma certeza abso luta em relação à oferta, embora possamos afirmar com a maior segurança documental que o filho de D. Manuel I esteve envolvido no processo artísti co que levou à concepção do Crucifixo, ao surgir como uma espécie de intermediário entre o Prior dos Jerónimos e o escultor. Atendendo à tradição da comunidade, é não obstante muito provável que tenha havido um patrocínio nos custos, embora o pagamento da obra tenha sido efectuado directa mente pelos monges de Belém, conforme se pode ler no recibo transcrito. Temos ainda a certeza de que o mesmo estatuário esculpiu outro Cristo des tinado ao Infante, obra que teria uma dimensão apreciável, tendo em conta a explícita demora na suaPhilippeexecução.eraconhecido pelos Cristos que fazia, ao ponto de essa “especialização” gerar facécias, mesmo entre os seus colaboradores. Um deles recor daria perante os inquisidores do Tribunal de Lisboa que “vendoo fazer Alguuãs Jmajes de Christo e vem delas elle […] lhe dezya que elle felype briarte era pior que Judas porque Judas nom vendera a Chris to mais que huuã vez e elle ho vendia cada dia”26 . Embora o seu apelido fosse Bries (assim o assina va!), surge na documentação portuguesa como Fili pe Brias, Briat, Briate ou mesmo Dias (cf. Flor, 2008: 128). Vários autores acrescentaram ao seu nome a preposição de (cf. Moreira, 1989: 9; Dias, 1995: 45; Caetano, [2011]: 78), mas é fácil verificar que ela
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10947 (contra Pero de Loreto), fls. 12, 19 e 20 (confissões de Pero de Loreto). ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 1602 (contra João de Fontenay), fls. 4 v..
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 12453 (contra Bartolomeu de Utreque), fl. 9.
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levariam aos cárceres daquele tribunal. Se, antes disso, houve algum castigo, dele não ficou qual quer rasto concreto, a não ser uma pouco clara menção na documentação do Mosteiro de Santa Maria de Belém35. Pouco se sabe, no entanto, da sua actividade na Península do Indostão. É ape nas seguro que no tempo do terceiro Conde da Atouguia, D. Luís de Ataíde, Vice-Rei da Índia entre 1568 e 1571, ainda se encontrava nesse território e, por ordem dele e sua direcção, foi responsável pela construção da nova fortaleza de Braçalor (cf. Viterbo, 1899: 136), edificada em 1570 (cf. Flor, 2008). Embora tal informação nos diga que as suas competências se alargavam também à arquitectura e à direcção de obras militares (algo habitual entre os escultores do século XVI), não podemos crer no abandono da sua exímia capacidade artística en quanto imaginário. É, assim, provável a existência de estatuária sua nesse subcontinente asiático (cf. Flor, 2008; Antunes & Serrão, 2017: 117), podendo ainda colocar-se a hipótese de a sua mestria ter influenciado alguma escultura indo-portuguesa quinhentista de maior qualidade.
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colaboradores, é quase certo que estiveram os flamengos Bartolomeu de Utreque29 e António do Rio30, aos quais talvez se possam juntar Francis co “Daste” (de Haste?) e Lourenço de Campos 31 . Regista-se, ainda, uma forte proximidade laboral a Pero de Loreto (irmão do escultor e arquitecto Francisco Lorete) e a Harte de Balduque, embora não saibamos se trabalhou com eles na sede da Or dem de Cristo, em Tomar (1554/55)32. Será bom re pararmos que um dos artistas próximos de Loreto foi um tal Filberto ou Filipe Filiberto / Felisberto33, membro da oficina de Pero de Frias, o Moço, como já tivemos oportunidade de referir. É ainda muito defensável a estreita colaboração de Bries com Diogo de Çarça na execução do cadeiral desenha do por Diogo de Torralva e instalado no coro-alto do Mosteiro dos Jerónimos, o mesmo lugar onde se ergueu e se levanta o seu monumental Crucifixo (cf. Moreira, 1989: 9; Dacos, 1989: 13; Corrêa, 2002; Flor, 2008).
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 12114 (contra Filipe Felisberto).
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Voltando aos dois Crucifixos que Philippe Bries esculpiu, se um deles nos ofereceu a documenta ção suficiente para sabermos bastante sobre o seu contexto histórico, artístico e religioso, uma incó moda lacuna recai sobre a outra obra de arte que
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ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 12453 (contra Bartolomeu de Utreque), fls. 9 v., 10, 28 v. e 37 v..
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ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10947 (contra Pero de Loreto), fls. 14 e 14 v..
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 12453 (contra Bartolomeu de Utreque), fl. 9.
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 10947 (contra Pero de Loreto), fls. 18 e 18 v..
ANTT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 12453 (contra Bartolomeu de Utreque), fl. 9.
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ANTT, Manuscritos da Livraria, n.º 2560, fls. s/n [0294] (transcrito parcialmente por Deswarte-Rosa, [1993]: 45).
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Em Abril de 1558, Bries partiu para a Índia, inte grando a armada de quatro naus que levou para o Oriente o seu novo Vice-Rei, D. Constantino de Bragança34. É possível que tal tenha sucedido para o livrar ou se livrar das garras da Inquisição, tendo em conta a soma de testemunhos que o colocam entre os estrangeiros defensores de doutrinas lute ranas ou calvinistas e, mais tarde ou mais cedo, o
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36 No inventário do Convento de Nossa Senhora da Piedade de Jenicó, realizado aquando da sua extinção, em 1834, e publicado por Joaquim Silva Correia e Natália Correia Guedes, existe apenas uma imagem relacionada com a Paixão de Cristo, denominada “Senhor Jezus dos Aflitos” (cf. Correia & Guedes, 2018: 131). Guarda-se hoje na igreja da Santa Casa da Misericórdia de Benavente. Representa um Cristo a caminho do Calvário com a cruz às costas, em tamanho natural, sendo peça já de inícios do século XVIII.
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o D. Luís mandou fazer para si. O pronome posses sivo com que o Cristo é designado na carta dirigida a Frei Miguel de Valença (“o Meu”) assinala, ainda assim, que o vulto crucificado de Jesus seria uma obra importante e se destinaria a ser colocado num dos lugares de eleição desse filho do Venturoso. Resta saber ou conjecturar qual foi ele. Entre as vá rias hipóteses, existem três mais fortes: Crato, sede do Grão-Priorado homónimo, chefiado pelo Infante entre 1527 e 1551; Benavente ou, mais precisa mente, o lugar de Jenicó, onde fundou, em 1542, um convento de franciscanos arrábidos, posto sob a protecção de Nossa Senhora da Piedade; e Salva terra de Magos, onde se situava o seu palácio, er guido com esmero arquitectónico a partir de 1542. Entre o valioso património artístico das igrejas da vila do Crato, não se encontra qualquer escultura que, estilisticamente, possa ser atribuída a Philippe Bries. O edifício primevo do Convento de Nossa Senhora da Piedade de Jenicó desapareceu por completo ainda no século XVII, sendo substituído por outro, levantado a curta distância, do qual, por seu turno, restam pobres vestígios e apenas uma
interessante imagem quinhentista representan do São Baco (a qual pode ter sido oferecida por D. Luís). Entre o seu espólio sobejante, guardado nomeadamente na Santa Casa da Misericórdia de Benavente, nada há também que possa ter saído da mão do artista francês ou da sua oficina36 . Em bora pudéssemos pensar ainda noutras localidades a que o irmão de D. João III esteve senhorialmen te ligado (Beja e Estremoz, por exemplo37 ), a única hipótese consistente que nos resta é mesmo a vila de que D. Luís era senhor e escolheu para seu lu gar de vilegiatura, retiro e actividade venatória (cf. Almeida, 1986: 83 – 84). Essa possibilidade cairia, não obstante, por terra, caso não existissem algu mas afinidades estilísticas entre o Crucificado do coro-alto dos Jerónimos e a escultura análoga que preside à Capela Real de Salvaterra, transcenden do a aparência geral das duas estátuas lígneas, que é diferente.
37 Mencionamos estas duas por, comprovadamente, D. Luís ter promovido aí edificações de vulto (o Convento das Maltezas, em Estremoz, e os Açougues, em Beja). Entre as localidades integradas nos seus senhorios estavam, no entanto, outras: Almada, Moura, Serpa, Marvão, Covilhã, Seia, Lafões e Besteiros (cf. Almeida, 1986: 19).
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4 - Cristo crucificado, na Capela Real de Salvaterra de Magos (foto Ruy Ventura).
capela palatina, a mesma cena evangélica surge, pelo contrário, como expressão ou projecção da união hipostática. A representação escultórica do Filho do Homem continua a exibir claros sinais de sofrimento, sublinhados pela policromia, mas não apaga (como parece suceder em Belém) a condi ção divina de quem é, também, plenamente Deus. Não se rasura a kenosis. É, não obstante, superada pelo desenho simétrico da figura, guiado por um fio de sangue descendo do pescoço, o qual defi ne um eixo de equilíbrio que permite o surgimento de um vislumbre de esperança transcendente na ressurreição. É certo que a cabeça se inclina para a direita e para a chaga do lado, como em Lisboa, mas não chega a descair. O corpo, embora exiba evidências do livor mortis, consegue desligar-se do sofrimento que o levou ao patíbulo e à entrega do espírito a Deus Pai. Até a perturbação cósmica se ausenta, se observarmos o pano de pureza, cujo apaziguamento contrasta com a agitação da obra hieronimita.Emborase trate de duas imagens com um carác ter distinto, mostrando dois modos dissemelhan tes, mas complementares, de entender a Paixão de Cristo, tal não significa que os seus pormenores deixem de indiciar uma mão ou uma oficina comum. A extensão da barba e dos cabelos não é a mesma, o ângulo de inclinação da cabeça também não, existindo ainda uma ligeira disparidade no rictus, o que de alguma forma perturba a observação com parativa e o estabelecimento de paralelos entre ambas. Contudo, se contemplarmos longamente essa parte cimeira da escultura, somos obrigados a reconhecer a enorme similitude existente entre elas, no desenho delicado dos narizes, na boca entreaberta com o lábio inferior ligeiramente des caído, nos globos oculares salientes e na posição
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A obra de Santa Maria de Belém, nas palavras de Joaquim Oliveira Caetano, “traduz, nas escoria ções, chagas e mazelas sobre o corpo do crucifica do, toda a dramática história da Paixão de Cristo que, de forma condensada, a figura narra”, num “modelado […] perfeito, pondo elegantemente em relevo os músculos em tensão” (Caetano, [2011]: 78). É bom termos em mente que se destinava a ser venerada por uma comunidade monástica de clausura, em lugar a que só ela (ou quase só ela) acedia, presidindo às longas horas de ofício coral. A peça de Salvaterra, pelo contrário, tinha como objectivo captar e estimular a devoção dos leigos que frequentavam o paço (um grupo restrito, é certo, mas ainda assim distinto dos monges jeróni mos). Representando ambas a figura do Redentor, já morto na cruz, com a caixa toráxica perfura da pela lança do soldado, evidenciam posturas e composições diferentes, as quais obrigam a leituras dissemelhantes. Se obra lisboeta dá um passo em frente na pacificação do paroxismo dramático de tantos Crucificados, sem desejar apagá-lo por completo, a ribatejana é dominada por uma paz e por uma serenidade que se podem considerar, até, esperançosas.Nocorohieronimita apresenta-se uma figuração didascálica do corpo terrenal de Jesus, sem preo cupações de simetria. Consumado o brutal martírio, o cadáver descai, suspenso do madeiro, inclinan do a cabeça e o tronco para o lado direito (aquele onde a chaga sanguinolenta se exibe), enquanto o perizónio esvoaça, movimentado pelo vento da tempestade que sucedeu àquela morte. Estamos perante a expressão perturbadora da humanidade plena de Cristo e do seu pleno e voluntário esvazia mento na dor extrema e na morte, que só o rosto sereno do supliciado parece mitigar um pouco. Na
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Posto isto, voltamos a sublinhar que são duas imagens distintas, com policromias diferentes e pormenorização díspar. Essa dissemelhança decorre, quanto a nós, dos lugares a que foram destinadas e da condição dos seus usufrutuários, que decerto determinaram as idiossincrasias de cada uma delas. Ambas exprimem (não se pode negar) as virtudes que, na opinião de Francisco de Holanda, deveriam estar sempre presentes na “imagem altissima de Nosso Senhor Jesu-Christo”: majestade, serenida de, modéstia, formosura, gravidade, graciosidade, benignidade e justiça (Holanda, 1918 in Ventura, 2021: 106). Ainda assim, temos de admitir que a expressão desses valores no par de Crucificados demonstra pelo menos duas maneiras de entender os caminhos percorridos e a percorrer pelo huma nismo cristão, cuja crise explodira nas primeiras dé cadas do século XVI e dera origem às várias refor mas protestantes e, depois, ao Concílio de Trento (1545 – 1563), o mais longo e mais influente de toda a História cristã, com fortes implicações na concepção e no uso das imagens destinadas a contextos religiosos e litúrgicos (cf. Insolera, 2016).
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angular das pálpebras fechadas em relação ao sep to nasal. Salienta-se, ainda, a forte semelhança nos cabelos e na barba. Verifica-se, em qualquer das peças, um contraste entre as madeixas largas de “cabellos com sangue conglutinados”, agarrados à caixa craniana, e as barbas bifurcadas onde se entalharam, miudamente, com notável minúcia, os pêlos ondulados e fartos que enquadram a parte inferior do rosto. Se descermos um pouco, reco nheceremos também alguma proximidade entre as chagas do lado, ambas com a forma de uma meia-lua invertida e profundamente escavadas no corpo esculpido. Nos perizónios encontraremos nova semelhança. Qualquer deles mostra laçadas laterais engenhosas, procurando exibir um efeito de real. Não é, no entanto, aí que pode estar um dos estilemas do artista ou da sua oficina. Encon tramo-lo, antes, no que parece ser uma colagem do tecido aos quadris do Salvador, como se o pano tivesse sido previamente molhado38 ou ensopado com o suor e o sangue vertidos pelo condenado ao longo das suas longas horas de suplício. As pregas sucedem-se em sucessivas linhas onduladas, adap tadas ao corpo, contribuindo para a serenidade do conjunto, através da sugestão de um movimento suave e natural. No que respeita aos membros in feriores, em qualquer das peças se verifica um cui dado extremo na exibição da estrutura de cada um dos ossos e dos músculos existentes sob a pele. As pernas são magras sem serem esqueléticas e os pés, ligeiramente cruzados, primam por idêntico detalhe na representação das falanges e das unhas.
38 Essa colagem do tecido ao corpo morto de Cristo faz lembrar alguns crucifixos esculpidos por Diego de Siloé. Estamos, todavia, convictos de que se trata de um estilema do autor, observável também nalguns dos santos esculpidos no cadeiral do coro-alto do Mosteiro de Santa Maria de Belém.
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5 - Pormenor do Crucificado da Capela Real (foto Câmara Municipal de Salvaterra de Magos).
orientado ou inspirado a concepção do Cristo do Mosteiro dos Jerónimos (cf. Ventura, 2021: 106), essa hipótese parece-nos ainda mais forte no que diz respeito à escultura de Salvaterra de Magos. Não só a figura apolínea do Redentor crucificado encaixa no muito que o pintor nos apresentou no supracitado álbum, quanto existe, ainda, um ele mento iconográfico na peça a reforçar tal convic ção. Falamos do letreiro colocado sobre a cruz da
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Trazer à colação, neste artigo, o autor valorizado e protegido pelo Infante D. Luís, que conviveu em Roma com Vitoria Colonna (1490 – 1547) e Miche langelo Buonarroti (1475 – 1564), desenhou uma obra tão importante quanto o livro De Aetatibus Mundi Imagines e chegou a ter morada em Almeirim, não é algo que façamos de ânimo leve. Se em artigo anterior defendemos a possibilidade de um desenho seu, hoje perdido ou extraviado, ter
Capela Real, o qual replica rigorosamente a cópia estilizada que o humanista luso fez na Cidade Eter na do Triumphalis Titulus crucis (cf. Holanda, 1989), ainda hoje guardado e exibido numa capela da Ba sílica de Santa Croce in Gerusalemme, como uma das mais importantes relíquias de todo o mundo cristão. Não deixa de ser importante repararmos que a obra hieronimita possuía igual ou idêntica inscrição - “em tres Lingoas a sancta, grega, e Latina” -, tendo ainda, aos pés desse Calvário, uma pequena pintura do filho de António de Holanda. Infelizmente, esse elemento iconográfico perdeu -se (bem como o Calvário que servia de base à enorme cruz), embora estejamos convictos de que não seria distinto daquele ainda hoje existente em Salvaterra.
BILOU, Francisco (2016) - Património Artístico no Alentejo Central: obras, mestres e mecenas, 15161604. Lisboa, Edições Colibri.
CAETANO, Joaquim Oliveira ([2011]) - Obras-Primas da Arte Portuguesa. Escultura. Lisboa, Athena.
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Concluindo, é muito provável que o Crucifixo en comendado pelo Infante D. Luís para sua devoção pessoal seja aquele que ainda hoje preside à Capela Real. A peça pode atribuir-se, quanto a nós, a Philippe Bries, mesmo que o trabalho tenha tido alguma colaboração de outros membros da sua oficina. É de assinalar que a obra escultórica – ao contrário do que sucede com a imagem instalada no coro do Mosteiro dos Jerónimos – conserva a sua integridade, sem adições de outra época (além do resplendor de prata), mesmo que a sua poli cromia seja adventícia nalgumas áreas. Bom seria que, num futuro próximo, a imagem fosse alvo de um processo de conservação e restauro científicos, juntamente com a cruz dourada e esgrafitada, o titulus e o retábulo envolvente. É, sem dúvida, uma das mais importantes peças do património do con celho e mesmo do nosso país.
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