Revista Magos 2019 - Festas em Honra de Nossa Senhora da Glória

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Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos n.ยบ6 | Ano 2019


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| Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos n.º 6 Ano: 2019

Propriedade Câmara Municipal de Salvaterra de Magos Coordenação Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Eng.º Hélder Manuel Esménio Grafismo Soraia Magriço Colaboradores deste número Rita Cachulo Pote Roberto Caneira Foto de Capa Procissão em honra de Nossa Senhora da Glória - Década de 80 Execução Gráfica Gráfica Central Almeirim Lda Depósito Legal 380652/14 Tiragem 900

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Índice 1 | Vestir à Moda da Glória - A Lenda e a História | Rita Cachulo Pote | pág. 3 à 26 2 | As festas da Glória: Passado e Presente - Súmula histórica dos festejos em honra de Nossa Senhora da Glória | Roberto Caneira | pág. 26 à 77

Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


Magos Prefácio | O 6.º número da Revista MAGOS - revista cultural do Município de Salvaterra de Magos, dá continuidade ao seu critério editorial: estudo, preservação e divulgação da história local e do património cultural nas suas múltiplas vertentes, proporcionando aos seus munícipes um contato próximo com as suas raízes identitárias. A presente edição tem um cariz temático dedicado às festas em Honra de Nossa Senhora da Glória, a festividade mais antiga do concelho, cuja génese remonta à Idade Média, ao séc. XIV. Os artigos em questão abordam a vertente histórica dos festejos e a

diversidade de aspetos etnográfico e antropológicos associados às festas da Glória do Ribatejo. Espero que este novo número contribua para honrar o legado material e imaterial dos festejos em Honra de Nossa Senhora da Glória, ajude na sua divulgação e possa continuar a promover novos estudos e desta forma enriquecer a nossa história e a nossa identidade cultural, ainda mais numa altura em que iniciámos a preparação de uma oportuna candidatura dos bordados típicos da Glória do Ribatejo a Património Cultural Imaterial Nacional. Setembro de 2019

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O Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos

Eng.º Hélder Manuel Esménio

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Vestir à Moda da Glória A Lenda e a História Rita Cachulo Pote Associação do Rancho Folclórico da Casa do Povo - Glória do Ribatejp

ritapote@gmail.com


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Vestir à Moda da Glória - A Lenda e a História

A Glória é uma localidade do concelho de Salvaterra de Magos, distrito de Santarém, implantada em plena charneca, a uns escassos 70 Km de Lisboa. Com pouco mais de 3000 habitantes, ocupa uma área geográfica de 5354,85 hectares e é a maior freguesia do concelho, em área geográfica. Esta localidade desenvolveu-se em redor de um lugar central, o largo da igreja ou Largo D. Pedro I, conhecido vulgarmente por Pátio (“Pait”, segundo a pronúncia local). Pode considerar-se um povoamento concentrado, embora haja muitas moradias dispersas. Ainda hoje e, apesar do progresso, é uma freguesia diferente de todas as outras do concelho, o que pode atestar-se em muitos aspetos, nomeadamente, a composição do solo, o trajar, o modo de falar, o artesanato, um modus vivendi muito particular. Em suma: é uma terra com identidade própria - facto que não passaria despercebido a grandes autores (Alves Redol, Alexandre O´Neil, Lima de Freitas, Júlio Pomar, Margarida Ribeiro, Idalina Serrão Garcia, entre muitos e ilustres desconhecidos). Sobre esta realidade, Alves Redol, no seu livro Glória, uma Aldeia do Ribatejo (obra que marcaria o início do seu percurso neorrealista) escreveu “A Glória é como uma ilha no meio do Ribatejo, a pretender fugir a influências estranhas.”

O Espírito do Lugar Sensíveis às especificidades desta terra e destas gentes, há muito que falamos da mística do lugar, o que o torna único e indefinível, objetivamente. Sabemos que, ao longo dos tempos, a terra tem moldado as pessoas e vice-versa. Por isso, se tentássemos descortinar as caraterísticas regionais daqueles que vieram habitar este espaço, em tempos idos, estaríamos perante uma tarefa inglória. Não o conseguiríamos. A força do lugar impôs-se de tal forma, que aqueles que foram atraídos pela conquista da terra, pelos privilégios, etc. rapidamente se deixaram imbuir na sua matriz, consequência de uma vivência partilhada em todas as dimensões da vida. O resultado foi uma amálgama una, regida pelo mesmo sentir, pelos mesmos

valores e gostos. É isto que define uma identidade e origina da parte dos seus elementos um sentimento de pertença. No caso concreto da Glória, o espírito do lugar encontra-se no seu património imaterial, observável nas suas vivências quotidianas, sociais e espirituais, artísticas e artesanais que têm evoluído consoante o contexto epocal, mas que se mantêm na sua essência. Desde o nascimento à morte, embora com nuances diferentes, continuamos a encontrar costumes coletivos, modas que alastram rapidamente a toda a comunidade, o que é um sinal de que são aceites por todos e legitimadas por essa razão. Na prática, isto significa que a força do coletivo é maior do que a do indivíduo, qualquer

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Magos que seja a circunstância - facto que nos permite afirmar que o espírito do lugar continua a impor-se e a revelar-se, embora com outros contornos.

Como se cruza a Lenda e a História?

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Teremos de recuar à Idade Média, mais propriamente a 1362, altura em que reinava em Portugal D. Pedro I, para quem os densos matagais da Glória se apresentavam como excelentes esconderijos onde se reproduzia facilmente a caça, em particular, o javali. É precisamente a partir de um episódio de caça que a lenda e a história se cruzam numa amálgama perfeita e trazida até aos nossos dias como algo inabalável: vendo-se o rei em perigo de morte, invoca a proteção de Nª Srª da Glória, cuja graça lhe é concedida. Segue-se, entretanto, da parte do rei, a contrapartida: aí mandar erguer uma capela com a imagem de Nª Srª da Glória, à semelhança da sua visão, fazendo arder, no seu interior, dia e noite, um lampião a azeite para a alumiar. Posteriormente, em 1364, o mesmo rei concede aos habitantes uma carta de mercês, onde manda firmar um conjunto de privilégios que visam promover o povoamento, o culto a Nos- A fama da santa milagreira atrai ao lugar muitos sa Senhora, a agricultura, a pastorícia etc. Este forasteiros, bem como muitos daqueles que aí documento é seguido de um outro que isenta se estabelecem definitivamente, atraídos tamos habitantes de Santa Maria da Glória do ser- bém pelos privilégios régios concedidos. viço militar.

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São vários os documentos que atestam a nomeação de ermitões responsáveis pela manutenção do sítio sagrado, nomeadamente, um documento datado de 1525 (Arq. Nac. Da Torre do Tombo, chancelaria de D. João III, Lº 8, fol.71); um outro de 1642 ( Arq. Nac. Da Torre do Tombo, chancelaria de D. João IV, Lº1, fol. 226); outro ainda de 1649 (Arq. Nac. Da Torre do Tombo, chancelaria de D. João IV, Lº 15, fol. 214). O mais importante para este tema em particular, julga-se ser de 1758 (Dicionário Geográfico do Padre Cardoso, vol. 25, C, nº 255, p. 1899), documento longo que faz a descrição da vila de Muge e cujo conteúdo é muito esclarecedor relativamente as todas informações anteriores: “As ermidas que há nesta paróquia são as seguintes: a primeira e principal é a de Nª Srª da Glória, onde se venera uma imagem da mesma senhora, que é íman dos corações de todos os que a veem; porque é muito formosa e perfeita e há tradição de ser feita pelos anjos e a perfeição da mesma Imagem assim o inculca e não menos a singularidade do rosto. Esta ermida é do padroado Real, por ser fundação del rei D. Pedro, o primeiro, por ocasião do seguinte sucesso digno de memória. Andando o dito Rei à caça por aquele sítio viu-se repentinamente quase submergido em um pego e esteve em tanto perigo que perdido da sua Comitiva e não o achando esta depois de muitas diligências, se recolheu a Almeirim muito triste dando el Rei por perdido e morto. Porém, passado algum tempo apareceu el Rei contando o que lhe tinha sucedido, tendo

chamado por Nª Srª para lhe valer naquele perigo. Esta lhe aparecera e lhe livrara dele, mandando-lhe que lhe construíssem casa naquele lugar em que fosse venerada. Em cumprimento deste preceito mandou el Rei fazer a dita ermida, que não é pequena mas corresponde à arquitetura daquele tempo. Desta fundação há memória em uma pedra, que está no frontispício da mesma Ermida, que a escrita em letra gótica relata o mesmo Sucesso (sucedido). El Rei não só mandou fazer a dita Ermida, mas também ordenou uma renda para seu “guizamento” e para se conservar lâmpada acesa diante da imagem e deu grandes privilégios a todos os que quisessem ir habitar e povoar aquele sítio para que assim melhor tivesse continuado o culto, em memória e agradecimento do benefício recebido (…) e pelo que respeita à imagem diz a tradição dos antigos que mandando-a el Rei fazer a vários escultores nunca lhe saíra conforme as informações que ele dera segundo as recordações que lhe ficaram da imagem que no perigo lhe apareceu e que os forasteiros desconhecidos se ofereceram para a fazerem e com efeito fizeram a que hoje se venera por sair muito do agrado del rei e muito conforme à ideia que conservava da que vira e querendo o dito Rei remunerar a obra, não foi possível achar os ditos forasteiros e este é o princípio em que se funda a tradição já referida de ser feita a dita Imagem pelos Anjos.”

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Magos A Festa em Honra de Nª Srª da Glória foi, desde sempre, o ponto alto do culto a Nossa Senhora. A par dos aspetos mais “mundanos”, a procissão aglomerava toda a sorte de sentimentos. Pouco religiosas, mas muito devotas a Nª Srª da Glória, as mulheres esperam este momento único para as suas preces. Percorrendo as ruas principais da vila, cada uma aproveita a ocasião para “expressar silenciosamente” as suas aflições, numa espécie de diálogo metafísico, que, no passado, teria uma vertente material, através do pagamento da promessa - expressa em litros de azeite, em dinheiro (que ainda hoje se prega com alfinete no fato da santa) ou em ouro, exibido também na imagem da santa.

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As ofertas em dinheiro assumiram o auge na altura da guerra colonial, pois este momento da História constitui-se como uma verdadeira ameaça para a comunidade e, como tal, o recurso ao transcendente apresentou-se como o último refúgio para conforto de mães, irmãs e esposas.

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Vestir-se de anjo ou de virgem representa uma vertente mais restrita das promessas: por norma, estão estas associadas às doenças. Ainda hoje, podemos observar, na procissão, algumas figuras em pose de prece, que facilmente identificamos como promessas devido a doença.

Não raro, acontecia também prometer à santa uma vestimenta digna, a exibir no dia da procissão. Esta promessa continua viva, já que ainda se verifica esta relação transcendente entre o doente e o espiritual. Por norma, sabe-se com a antecedência de vários meses que o fato da santa vai ser oferecido por determinada pessoa (mulher) que faz a promessa por si ou por um seu familiar. Curioso é perceber que, até ao final dos anos oitenta do século passado, estas ofertas apresentavam muitas características dos próprios trajes de festa das mulheres (tecidos, feitios, adornos).

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As fogaças assumiam um aspeto menos penitente das promessas, pois, vulgarmente transportadas pelas raparigas solteiras, seriam depois leiloadas e revertidas em oferenda monetária, com a qual se compraria azeite para alumiar a imagem e pagar algumas despesas da festa. Atualmente, faz-se a reconstituição do desfile de fogaças, apesar de ter desaparecido já a vertente “promessa” que esta manifestação possuía. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos


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Também no que se refere às oferendas em ouro, estas não se compravam propositadamente para o efeito. Seriam as peças de uso das próprias mulheres que, numa atitude de abdicação, representariam uma espécie de sacrifício no ato da oferta. Apesar da evolução e, por consequência, a programação da festa ter vindo a adotar alterações bastante significativas, pode afirmar-se com propriedade que o culto a Nossa Senhora da Glória continua vivo entre a comunidade, perpassando todas as gerações. Por todas estas razões, mas principalmente pela fama da senhora da Glória como milagreira, a festa da Glória ficou conhecida, desde tempos muito recuados, como algo de grandioso, registando sempre muito interesse, dentro e fora da própria comunidade.

O Trajar De entre os hábitos peculiares observáveis nesta comunidade, destacamos o trajar, como sendo um dos mais fortes elementos da sua singularidade. Este facto chamou a atenção de artistas e escritores e responsáveis por edições dedicadas ao traje, como é o caso do estudo INATEL, Como Trajava o Povo Português, (1991) organizado por Rita Maria Bouça. Nele podemos ler que “As mulheres da Glória distinguem-se de todas as outras camponesas ribatejanas por serem excecionalmente habilidosas, além de muito ativas no trabalho rural.

É certamente por essa razão que ganham sempre mais um escudo diário que as demais trabalhadoras, exigindo, além disso, “quartel à parte”. Muito antes, em Redol, Glória - Uma aldeia do Ribatejo, 2ª edição, Publicações Europa-América, pode ler-se a propósito do traje que “Quando parti para a Glória uma certeza me acompanhava - a de que em todo o Ribatejo calcorreado eram as mulheres dessa aldeia sempre a noivar as mais caraterísticas no trajo.” Em passagem mais adiante, o autor afirma ainda que “Só estas ficaram na retina, pela Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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beleza rústica que as suas mãos rijas, ao contacto da foice, das ervas daninhas e dos moços, vão criando, às horas da sesta e depois do desferrar, bordando aventais e casacos em tão feminil desvelo. ” Desde há muito que falamos da sensibilidade gloriana como um atributo caraterizador do coletivo e de cada mulher, em particular. À mulher cabiam todas as tarefas domésticas, a que acresciam outras grandes exigências a que nenhuma escapava, sob pena de ser alvo de forte censura: “arremendar” bem, ombrear com os demais (fossem homens ou mulheres) na labuta da terra; gerir, de forma implacável, a economia doméstica e ter uma ética exemplar. Estas eram as grandes bitolas por que se media o valor duma mulher. Podemos afirmar com alguma propriedade que, apesar dos tempos, as mulheres das gerações acima dos cinquenta anos ainda se regulam por estes valores, sendo muito vulgar saber-se que determinada mulher é muito habilidosa em certos pormenores de costura, o que faz com que a mesma seja vista com uma certa importância, pelas restantes. A este propósito, Redol afirma, na mesma obra, que “o trajo da mulher da Glória (…) constituem-no a blusa, a que chamam casaco, a saia, o avental e o lenço. Mas nestas vulgaríssimas peças, usadas pela maioria das camponesas em Portugal, elas põem tal gosto de atavio que conseguem destacar-se, nos seus pobres riscados, das outras minhas conhecidas.” Estamos certos de que esta sensibilidade e rigor de execução são estimulados pelo primado

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que a comunidade dá a este elemento da vida coletiva e, por conseguinte, à educação, razão por que uma das nossas informantes, Rosa Feliciana, de setenta e nove anos, em 2010, testemunha: “A gente não comprava nada. Brincava-se com qualquer coisa. Os nossos pais e os nossos avós faziam brinquedos de trapo, de cana, de pau, de cortiça…

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As cachopinhas brincavam com bonecas de trapo que tinham pernas e braços feitos de buinho de esteira. Os rapazinhos, com bicicletas de cana… Depois, havia muitos jogos: ao pião, ao martelo, ao barrete, ao capado, ao lobo, à semana, ao aeroplano, ao caracol… Quando a gente tinha uns cinco ou seis anos, as nossas mães arranjavam logo uns trapinhos e uns bocadinhos de linha para aprendermos a marcar. Nunca se estava a olhar. O tempo era todo aproveitadinho. As cachopinhas estavam sempre a marcar. Por isso é que, quando chegávamos a grandes, arremendávamos tão bem, fazíamos tudo tão perfeitinho. Quando tínhamos oito ou nove anos, íamos logo guardar gado (cabras ou porcos) e daí, íamos para o campo. Tínhamos de ajudar a criar os nossos irmãos, mas levávamos sempre os trapinhos para estar entretidas.” A forte identidade da Glória assenta em pilares bastante enraizados, ao longo dos séculos, transmitidos, de geração em geração, principalmente, pela mulher. Ainda hoje, podemos observar alguns que teimam em não se desvanecer. Atentemos nas artes do pormenor, cultivadas em inúmeras peças artísticas, resultantes de uma criatividade invulgar que cruza harmonia cromática, elementos simbólicos, pormenores artísticos, o sagrado e o profano, sempre aliados a um grande perfecionismo de execução. “Vestir à moda da Glória” é uma expressão tão enraizada entre os glorianos que, sem grandes

explicações, todos sabem que isso implica uma matriz identitária que não vemos em mais parte alguma. O lenço da cabeça, o casaco bem talhado e a cintura estreita e bem delineada são a base dessa estrutura. Até há poucos anos, qualquer mulher da Glória era reconhecida nos arredores por três aspetos essenciais: o andar apressado e miudinho, o falar e, sobretudo, o trajar. Do traje da Glória fazem parte peças verdadeiramente artísticas, diríamos mesmo, de alta costura, tal era o rigor de manufatura que as mesmas exigiam. Esta é uma conclusão que nos espanta, pois falamos de um povo ao qual Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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faltava tudo, em termos materiais. Do pouco se fazia muito, em todas as áreas da vida, e também no que ao traje dizia respeito. De tecidos singelos, resultavam belíssimas peças. O tempo que demoravam, a paciência e dedicação necessárias não entravam nas contas finais. O importante era o produto. De todas as peças da indumentária, o casaco seria a mais complexa. Desde cedo, as raparigas eram iniciadas na árdua tarefa de confecionar um casaquinho bem feito que passava por várias etapas: fazer e desfazer até à aprovação final. Quando começavam a namorar, passavam por outra provação: fazer uma camisa para o namorado, sob a alçada da sogra, que ditaria o juízo final - aprovada ou não aprovada. O mesmo acontecia, mais tarde, quando já mães, tinham de fazer as toucas para os filhotes. Uns folhos bem embainhados e bem encasalados faziam subir a reputação de qualquer mãe de família. De tal forma assim era que, no Natal, para as mulheres casadas, o ponto alto do dia seria vir para a rua passear-se com os filhotes, de toucas engrinaldadas, mostrando e admirando umas e outras.” Toda a roupa era muito poupada, razão por que passava por várias fases de uso até chegar a rodilha. Assim, uma peça nova era usada ao domingo. Já envelhecida, passava a ser usada à semana e daí, era “posta ao trabalho”. Depois de esfarrapada, continuava a ter utilidade, como para outras ocasiões festivas e, muitas vezes, rodilha, nas lides domésticas. Os trajes de festa das saias das mulheres, faziam-se outras peças não entram nesta sequência. Eram guardados para as meninas. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos Traje de Domingo e de Segunda-Feira

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Ao domingo e segunda-feira à tarde, as raparigas vestiam-se com a “roupa bonita” para irem à praça. Passeavam-se pelas ruas, em magotes numerosos, perfiladas lado a lado, como quem desfilava numa passerelle. Chamavam de “roupa bonita” a um traje que, apesar de ser confecionado a partir de tecidos singelos (riscados, popelinas, gorgorinas), era primorosamente trabalhado, apresentando pormenores artísticos muito diversos, consoante os dotes, paciência e criatividade de quem o fazia: bicos, refegos, lacinhos, pauzinhos, carranquinhas, preguinhas, marcados, bordados, etc. A este conjunto mais ou menos complexo, associava-se uma harmoniosa combinação cromática de “indiscutível bom gosto”. Este traje, composto por saia de cima, de quatro panos (mais escura que o casaco), anágoa, várias saias de baixo, com bicos de cores diversas, com ou sem avental, era confecionado a partir de tecidos singelos: riscado, linhol, gorgorina, popelina, chita, etc. Os padrões variavam entre lisos, aos quadrados, às ruas, às florinhas… Da roupa interior, faziam parte, ainda, camisa de pano cru (quase até aos joelhos) e colete. O casaco, peça delicada, apresenta feitios diversos, consoante as épocas, e distingue-se pelos seus nomes próprios: “casaco de regadeira”, “casaco de meia regadeira”, “casaco aos bicos cortados”, “casaco de espelho”, “casaco aos rabinhos de colher”, “casaco de orelhas” etc. Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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14 Os aventais, para as raparigas novas, eram marcados com letras, raminhos, cercaduras, em cores mais vistosas. As mulheres casadas passavam a usar cores mais sóbrias. A saia de castorina era peça indispensável, tanto no inverno, como no verão, e usava-se de várias maneiras, de acordo com a necessidade ou o contexto. Tinha, em média, 4,5 metros de roda. Na cabeça, usavam-se lenços de pano, de fundo branco ou amarelo, com os mais diversos padrões e cores. Eram conhecidos, também, por nomes específicos: “lenço às cartas”, “lenço aos ramos”, “lenço aos corações”, “lenço

aos laços”, “lenço às grades”, “lenço aos torricados”, lenço às estrelas”, “lenço às cebolas” etc. A cinta preta, marcada nas pontas, foi de uso corrente e a cinta encarnada foi exclusiva de uma ou duas gerações (entre os finais dos anos 30 e os anos 50 do século XX). O lenço marcado e dobrado em quatro pontas ou “à balhana” fazia parte do conjunto e era em tudo igual aos lenços dos namorados. Era usado na cinta ou na cintura, sobre um dos lados. Toda a compostura era rematada com cinto de pano, apertado na cintura, diferente nas cores, espessura e aplicações, consoante a época.

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Magos Traje de Semana e de Trabalho Este tipo em nada variava do traje anterior. Distinguia-se apenas pelo aspeto desgastado. À medida que ia envelhecendo, qualquer peça era posta à semana ou ao trabalho. Consoante a tarefa, o avental era levantado ou posto ao lado para ser poupado. À saia de cima, fazia-se um rabo, preso atrás com um alfinete grande, cuja finalidade seria também o resguardo da peça mais nova. No trabalho (principalmente na monda do arroz) faziam-se grandes saiotes, de modo a não enlamear as saias.

Traje Escuro Este traje era envergado vulgarmente pelas mulheres mais idosas, no dia-a-dia. Contudo, no contexto específico em que o rapaz saía para cumprir serviço militar, no continente, a namorada (ou mulher), as irmãs e a mãe vestiam de escuro até ao seu regresso.

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Traje Roxo Chama-se roxo, na Glória, a um padrão que resulta da mistura de tecelagem branca e preta, dando assim origem a uma tonalidade que pretende ser mais leve do que o preto carregado. Vestia-se de roxo quem andava de luto por um avô, um tio, um primo ou na circunstância de aliviar luto. Nesta situação, o lenço da cabeça era preto. O roxo era usado também pela namorada (ou mulher), irmãs e mãe de um militar que cumpria serviço militar na guerra e “lá fora” (expressão utilizada para referir as ex-colónias). Neste contexto, o lenço da cabeça era também roxo (branco e preto).

Luto O luto carregado, na Glória, tinha a particularidade de se caraterizar com a “saia pela cabeça”, no traje feminino. Todo preto, este traje era usado pelas mulheres, quando lhes faleciam familiares muito próximos (filhos, pais, irmãos, marido). Em caso de morte de um filho ou de viuvez, a sua utilização verificava-se até ao fim da vida.

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Magos Traje de Domingo (Masculino) Ao domingo, os rapazes novos usavam calça justa e subida, com ou sem polaina, de cotim de padrões diversos, colete (da mesma cor ou diferente) e jaleca. A camisa, de peitilho às preguinhas e colarinho subido, era feita de tecidos vulgares (linhol, riscado, algodão), de cores “mimosas” e de padrões lisos, às riscas, aos quadrados ou às florinhas. Eram muito comuns os lenços marcados, que usavam dentro ou fora do colete, ao pescoço e na cinta.

Os lenços (marcados pelas namoradas) evidenciam grande criatividade e simbolismo, sendo os mais antigos marcados a duas cores (azul e encarnado ou verde e encarnado). As cores evoluíram, mais tarde, para uma grande variedade. De entre os hábitos caraterísticos que se podiam observar nos glorianos, há alguns que, pela sua singularidade, merecem ser estudados e divulgados. É o caso das prendas que os namorados trocavam entre si, como forma simbólica de selar o seu compromisso. A época a que nos referimos (finais do século XIX, até às décadas de 60, 70 do século XX) pode parecer demasiado recente, mas, se tivermos em conta a lenta evolução que esta sociedade sofreu

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até há pouco tempo, apercebemo-nos de que a influência da industrialização, nesta altura, em determinadas áreas da vida, era mínima e, por conseguinte, esses costumes permaneceram inalteráveis, desde tempos mais remotos. Este capítulo - lenços de namorados - apresenta-se em estudo à parte, dada a especificidade do mesmo.

Traje de Festa (Masculino) Nestas ocasiões, os rapazes novos apresentavam-se de roupas mais pesadas (lã, bombazina, algodão grosso ou armur), de cores preta, azul-escuro, cor-de-canela, verde-seco ou de outras tonalidades escuras. A camisa, por norma, clara ou de cor, destacava-se da de uso vulgar pela qualidade do tecido (algodão e fio de seda)) e pelos enfeites no colarinho, peitilho e punhos, a bordado inglês (de dimensão discreta). Em vez da cinta vulgar, usavam cinta preta acetinada. O barrete, a maior parte das vezes, era substituído por chapéu alto, de feitio cónico ou de aba larga. A jaqueta rematava a figura e eram vulgares as cores preta, cor-de-canela, verde, azul-escuro e outras. Na festa, a par das raparigas, (que estreavam brincos, pregadeiras e cordão) aos rapazes era dado também um “dote” desta natureza, que consistia nas correntes de relógio, mais grossas ou mais humildes, consoante as posses.

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Magos Traje de Festa (Feminino)

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Até ao final dos anos 20, início dos anos 30 (século XX), em dias de festa, as raparigas novas usavam saias longas, de grande barriga lisa, em tecidos de armur, risca-de-seda ou casteleta, em tons escuros (cor-de-canela, cor-de-mel, azul, verde-seco, cor-de-pinhão, encarnado-escuro, azul-petróleo), enfeitadas com refegos e aplicações diversas (galões acetinados, gorgorões, fitas de seda, de organza, etc.), com ou sem avental. Os casacos, de cabeção, de regadeira, de espelho ou de varanda, evidenciavam colarinho alto, manga tufada e justa no punho. Eram meticulosamente enfeitados com rendas largas, guipur, passe-fita e fitas de seda, de várias cores. Os tecidos variavam, também, entre a risca-de-seda, o armur, algodão lavrado a seda, etc., em cores diversas: verde-seco, azul-claro, cor-de-laranja, cor-de-canela, azul-petróleo. As saias de baixo, em número sempre elevado (quatro ou cinco), deixavam de ter bicos. Em sua substituição, surgiam os bordados ingleses. Mantinha-se a anágoa, a camisa e o colete interiores. O cinto (na maior parte dos casos, preto) era largo, de tecido rijo, surgindo nesta época também a moda do cinto “de polimenta”. O xaile turco fazia parte integrante deste tipo de traje e havia-os de tonalidades muito variadas, além do preto. Estes substituíam a saia de castorina, em ocasiões festivas: nos casamentos, nas festas…Assim, consoante as épocas, foram adoptados tipos que vieram a ser conhecidos Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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pelos respetivos nomes. Deste modo, os mais antigos que conhecemos (finais do século XIX, princípio do século. XX) são os xailes pretos, mais brilhantes ou mais baços e ligeiramente finos. Desta época, surgiram também alguns de cor, cuja raridade não nos permite fazer grandes afirmações. Segue-se depois o “xaile turco”, muito grande e grosso e que apresenta duas faces coloridas: castanho e azul, verde e azul, preto e azul, etc. O “lenço de malhas” ou “malhão”, coexistente na época do anterior, é um xaile mais pequeno e mais leve, menos festivo, apresentando relevos muito variados. Este, quando se tornava mais velho, passava a ser usado “à semana”, no Inverno, cruzado sobre o peito e atado com um nó, atrás. Destes, há conhecimento de cores, como azul, encarnado, castanho, rosado e alaranjado. O último desta sequência é o “pirinéu”, mais grosso que o anterior e sem relevos. As cores mais frequentes são o castanho, o azul e o preto, havendo também alguns rosados. Estes surgiram na década de sessenta e ainda hoje há mulheres (idosas) Os lenços da cabeça mais vulgares para estas que os usam no Inverno, em certas ocasiões. ocasiões festivas eram os de cachené, às ruas, de fundo branco, cor-de-limão, cor-de-salsa, várias tonalidades de verde e de amarelo, arroxeado, castanho e cor-de-laranja. No entanto, temos conhecimento, também, do uso de lenços de seda, em tonalidades claras (branco, azul, amarelo…) e mais escuras (cor-de-laranja e encarnado). Usava-se atado acima ou aberto, como um véu. Há ainda a considerar o lenço chinês, menos festivo do que o de cachené, mas usado igualmente em alturas excecionais. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Surpreendente é o facto de, no seu conjunto, Nos anos sessenta do século passado, surgem perfazerem algumas centenas de variedades, ainda dois modelos de brincos - “à Coimbra” sintoma de uma comunidade com muita sen- e “à cigana” - que se usam também presentesibilidade e com padrões estéticos muito apu- mente. rados e desenvolvidos. Esta conclusão não é mais nem menos do que a confirmação do que já havíamos encontrado relativamente a todos os outros aspetos que matizam esta cultura quer se fale de bordados e artesanato, quer de melodias, poesia, danças, decoração das habitações, etc. Era nesta altura que o ouro saía mais à rua, sendo vulgar as raparigas apresentarem-se com “brincos à cabaça”, “brincos de rabo-de-colher”, “brincos de folhinha-de-oliveira”, “chouriças” ou argolas, entre outros. Do conjunto, fazia parte ainda a pregadeira ou pregadeiras, anéis e algumas tinham também cordão. No final dos anos 30, início da década de 40, os trajes de festa tornam-se mais exuberantes nos tecidos, nas cores e nos feitios. Surgem as sedas, cetins e crepes, em cores vivas: cor-de-rosa, azul-da-cura, amarelo, cor-de-salsa, cor-de-lírio, cor-de-camarão, etc. Tanto saias, como casacos, são minuciosamente empregueados, obedecendo a um ritual que demorava semanas a confecionar. Nesta época, a juntar aos modelos anteriores, surgem para ficar, até aos dias de hoje, os “brincos à rainha”. A rondar os anos 50 do século vinte, os lenços de cachené preferidos desta geração são “mais mimosos”, com aplicações mais leves (raminhos), lavradas também a fio de seda. Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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Fogaceiras

Traje de Noiva

Sempre em conjunto de três, vestiam roupas vistosas e muito trabalhadas, com a particularidade de não usarem lenço nem avental. As caraterísticas deste traje são as mesmas, já descritas em “traje de festa feminino”. Enfeitavam-se com ouro (brincos compridos, cordão, pregadeiras, anéis) e fitas de seda, de várias cores.

Semelhante a um traje de festa, o traje de noiva difere apenas no facto de saia e casaco serem da mesma cor, com o propósito de o conjunto provocar o aspeto de vestido. Tal como o traje de festa, este sofreu as mesmas evoluções nos feitios, tamanhos, padrões, tecidos, cores e enfeites. No entanto, podemos observar que,

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Magos salvo raras exceções, o traje de noiva é ainda mais enfeitado. Alguns dos mais antigos apresentam cabeções muito ornamentados com rendas grandes, guipur, punhos muito justos e longos, com rendas em duplicado. Do mesmo modo, as saias são também mais engalanadas com as aplicações já descritas. O lenço da cabeça, de cachené ou seda, usava-se aberto, pretendendo-se fazer o efeito de um véu. O ouro e o xaile completavam a indumentária.

Traje de Ocasião As mulheres que já não eram jovens vestiam, nas ocasiões (Natal, festas, casamentos), lenço chinês ou de cachené e roupas novas, mas não de seda: saias de lã, gorgorina ou algodão pesado, casacos às flores, “às bichas”, em tons mais sóbrios. Em vez da saia de castorina, nestas ocasiões, usava-se o malhão ou xaile turco. Compunham-se com brincos grandes ou argolas.

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Traje de Festa (Criança)

À semelhança dos adultos, as crianças vestiam, na altura das festas, roupas melhores, destacando-se, da indumentária, a touca. Esta era uma peça muito elaborada. Até aos anos quarenta do século passado, apresentava folhos engomados, embora esta marca temporal não seja muito rígida. É normal encontrarmos estas caraterísticas nas décadas seguintes, pois não podemos afirmar, perentoriamente, que, a partir duma data exata, desapareceu determinado hábito. A baliza temporal ajuda-nos a perceber em que altura é que surgiu uma moda nova, deixando de se usar tão frequentemente o modelo anterior. Estamos a referir-nos à introdução das toucas de fitas que surgem depois das de folhos engomados. As toucas de fitas tinham folhos e outros pormenores em fita de seda que podia ser só branca ou conter uma “carreira” de cor- de-rosa ou azul, consoante se tratasse de menina ou menino. Como já referimos, antes, a touca era uma peça distintiva que, por ser muito minuciosa, requeria habilidade, tempo e paciência. De tal forma se caraterizava por aspetos artísticos invulgares que Alves Redol, na obra mencionada anteriormente, se refere a esta peça da seguinte forma: “uma alta expressão do cuidado das glorianas, assim se apodam, está nas toucas e vestidos dos seus filhotes. Qualquer touca vulgar é engrinaldada de dois e três franzidos, e o restante coberto de bordados vários.” Os vestidos, de cores mimosas e de tecidos “melhores”, eram também empregueados, no caso das meninas.

Por baixo, vestiam combinação e saias com bordados ingleses, o que tornava a imagem final algo volumosa. Refira-se que era vulgar as crianças usarem touca até aos quatro, cinco anos, assim como o vestido em ambos os sexos, até essa mesma idade. A partir daí, os meninos vestiam calção por baixo do joelho ou calça, de suspensórios, e camisinha enfeitada com bordado inglês, casaquinha “à marinheiro” e mitra na cabeça. Do mesmo modo, as meninas, a partir de tenra idade, passavam a vestir como as jovens, incluindo o lenço na cabeça.

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Magos aspetos que mais tem resistido ao progresso, nas mulheres em idades avançadas. O lenço da cabeça, a saia rodada, a saia de embrulhar ou xaile e ainda o casaco, resistiram de tal forma ao progresso, nas mulheres mais velhas, que só agora começámos a tomar consciência de que o seu uso no quotidiano vai inevitavelmente extinguir-se, como aconteceu em todo o país. São pouco mais de uma centena as figuras que ainda vestem à moda da Glória. Rita Cachulo Pote Ass. Rancho Folclórico da Casa do Povo de Glória do Ribatejo

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Até ao 25 de Abril, todas as mulheres, de todas as gerações, vestiam o traje, salvaguardando as devidas adaptações referentes à idade, como explicámos antes. A partir desta data emblemática, a grande saída de homens para as unidades fabris permite um contacto permanente com a cultura urbana. Do mesmo modo, as políticas de esquerda influenciam o pensamento e, assim, operam-se, a partir desta época, alterações que seriam impensáveis, dez anos antes. Como tal, as mulheres mais jovens vão alterando progressivamente os traços marcantes do seu trajar, como expressão da adesão aos novos valores. O mais emblemático é o lenço da cabeça. Tirar o lenço e cortar o cabelo são sinónimos de evolução, pelo que a moda se tornou quase explosiva. Contudo, o traje tem sido um dos

Referências Bibliográficas Pote, Rita, (2011) Glória, Cem Anos a Preto e Branco, Torres Novas INATEL, (1991) Como Trajava o Povo Português, Centro Gráfico do Inatel Redol, Alves, (s.d.) Glória, Uma Aldeia do Ribatejo, 2ª edição, Publicações Europa-América, Lda. Mem Martins, Lisboa, Porto, Faro, Queluz

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Informantes Bárbara Maria Modesto, “Bárbara do João Modesto”, natural da Glória (n. 1928) Gertrudes Luciana, natural da Glória (n.1922) João Batista Pote, “João Guedes”, natural da Glória (n.1936) Manuel José Caneira, “Manel Bonitinho”, natural da Glória (n. 1911) Margarida Damião, natural da Glória (n. 1934) Vitória Sequeira Madelino, natural da Glória (n.1934)

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As festas da Glória: Passado e Presente Súmula histórica dos festejos em honra de Nossa Senhora da Glória Roberto Caneira1 Técnico Superior de História patrimoniocultural@cm-salvaterrademagos.pt 1

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As festas da Glória: Passado e Presente - Súmula histórica dos festejos em honra de Nossa Senhora da Glória

1 | Introdução As festas em honra de Nossa Senhora da Glória, são uma manifestação de cariz religioso, consagradas a Nossa Senhora da Glória, que atualmente decorrem entre o penúltimo e último fim de semana de agosto. Apesar de terem um cariz de índole religioso, estes festejos também congregam um conjunto de rituais associados ao paganismo. No arraial, local privilegiado onde decorrem os festejos, o religioso e o profano convivem em harmonia. A génese da festividade está associada a um milagre, que envolveu o monarca D. Pedro I e a aparição de Nossa Senhora da Glória. Este episódio remonta a 1362, data do início da construção da igreja em honra desta Santa. A aparição da Santa ao monarca D. Pedro I e a sua fama de milagreira, contribuiu para a organização de uma romaria dedicada a Nossa Senhora da Glória, segundo Ernesto Veiga de Oliveira, “a romaria é uma celebração em honra de um santo ou invocação divina, caraterizada por uma missa, uma procissão e uma festa onde coexistem elementos religiosos e profanos”1. A veneração da imagem de Nossa Senhora da Glória, ditou a organização de uma romaria e a consequente mobilização de romeiros que se deslocavam para rezar e pagar promessas,

após as cerimónias religiosas, alegrava-se o corpo na comida, bebida, cantigas e danças, originando as festividades de Nossa Senhora da Glória. Desde os primórdios da fundação da igreja, no séc. XIV (1362) até aos nossos dias, uma lamparina de azeite mantém-se iluminada, graças à intervenção da população local, relembrando a aparição de Nossa Senhora ao monarca e a fé que o povo gloriano tem na sua padroeira. Esta nova povoação que surgiu em redor da ermida de Nossa Senhora da Glória, teve o nome de Santa Maria da Glória, séculos mais tarde, tomou o nome de Nossa Senhora da Glória, o que evidencia a génese do lugar associada à Santa. A comunidade local envolve-se entusiasticamente no apoio e organização das festas da Glória, verifica-se uma transmissão geracional de conhecimentos e práticas, que contribuem para a renovação das festas, assegurando a sua continuidade. O presente texto revela-nos o contexto histórico do culto em honra de Nossa Senhora da Glória, esboça uma cronologia histórica e documental dos festejos e dá-nos a conhecer um conjunto de caraterísticas específicas de índole etnográfico, antropológico e histórico das festas da Glória.

1 Ernesto Veiga de Oliveira, «Romarias» In Dicionário da História de Portugal [coord. Joel Serrão], Porto, Livraria Figueirinhas, 1985, p. 368

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Magos 2 | O culto mariano em Portugal 2.1 | A origem do culto Mariano

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O culto Mariano está intimamente ligado aos alvores da nossa nacionalidade, D. Afonso Henriques consagra a reconquista cristã e a vitória sob os muçulmanos, graças à intervenção da Virgem Maria, elegendo-a como padroeira de Portugal. O rei D. Afonso Henriques na reconquista dos territórios a sul do Reino, consagra a edificação de novas sés a Santa Maria. Durante a Idade Média, os monarcas portugueses mantiveram o culto a Nossa Senhora, veja-se o exemplo de D. João I, aquando da Batalha da Aljubarrota, os estandartes da Virgem Maria iam logo a seguir aos estandartes reais. Esta batalha ocorreu em véspera de Santa Maria, fatores decisivos na vitória portuguesa sobre os castelhanos: «[Aljubarrota] considerada por alguns a mãe de todas as batalhas garantiu a nossa independência face a Castela. Este feito heroico, foi entendido por D. João I e por D. Nuno Álvares Pereira como manifestação de Providência Divina, pois o combate decorreu nas vésperas da festa de Santa Maria de Agosto.» 2

No período medieval, erguem-se templos, constroem-se altares, esculpem-se e pintam-se imagens, fazem-se doações à igreja, assegura-se o azeite nas lamparinas para manter acesa a luz do culto e surgem inúmeros santuários Marianos de norte a sul do País: «De Santa Maria de Fiães, em Melgaço, até Santa Maria de Faro, no Algarve; desde a Senhora da Nazaré, sobre as praias alcantiladas no Atlântico, até Santa Maria da Estrela e Senhora de Milreu, batidas pelos ventos agrestes da serra, desde Santa Maria do Abade a Santa Maria de Vouzela ou Senhora da Ajuda à Senhora da Vitória, não havia terra portuguesa que não tivesse um templo ou altar levantado em honra da Virgem, mãe de Deus e dos Homens.» 3 O fervor religioso a Santa Maria, adensa-se graças à piedade popular, que cada vez mais contava com a presença de populares em eventos religiosos nos locais de culto. Com a afluência de devotos, surge a necessidade de se criarem festividades para celebrar o milagre ou a aparição, eram locais onde se podia rezar, cumprir promessas ou pedir proteção, além do aspeto religioso, os festejos também congregam uma vertente pagã, a necessidade de alegrar o corpo, que se manifesta em bailaricos, jogos, fogo de artifício entre outros.

António Gil Mantas, «A devoção a Nossa Senhora em Coruche: Algumas datas que fizeram história» In 500 anos da Procissão em Honra de Nossa Senhora Coruche, Coruche, Câmara Municipal de Coruche / Museu Municipal de Coruche, 2016, p. 111 3 Avelino de Jesus da Costa, A virgem Maria Padroeira de Portugal na Idade Média, disponível em: https://repositorio. ucp.pt/bitstream/10400.14/4967/1/LS_S1_02_AvelinoJCosta.pdf, [consultada a 27 de novembro 2018] 2

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A edificação de um templo aclamado a Nossa Senhora da Glória, no lugar de Santa Maria da Glória, está intimamente associado ao culto Mariano, que se difundiu em Portugal durante o período medieval e se manteve nos séculos seguintes.

2.2 | A lenda de Nossa Senhora da Glória A referência bibliográfica mais antiga alusiva ao milagre de Nossa Senhora da Glória, remonta a 1707 e encontra-se compilada na majestosa obra de Frei Agostinho de Santa Maria - Santuário Mariano, e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora e das milagrosamente aparecidas, em graça dos Pregadores e dos devotos da mesma Senhora. Este documento relata a aparição de Nossa Senhora a D. Pedro I, descreve a imagem, afirma que era muito venerada, salienta que em frente da igreja se encontravam casas para albergarem romeiros, que se deslocavam para pagamento de promessas, o que denota a importância da ermida de Nossa Senhora da Glória enquanto centro de romagem: «No termo da Villa de Muge, comarca de Santarem, e junto à estrada que vay de Coruche, & de todo o Alentejo para mesma Villa de Santarem, se ve hua fermosa Igreja, na qual he muy venerada hua milagrosa Imagem da Mãy de Deos, com o titulo de nossa Senhora da Gloria. A origem desta milagrosa Imagem he, que

appareccera a hum Principe de Portugal, ou Rey, que andava a caça, (& sem duvida seria este aparecimento com algumas grandes luzes, & resplandores, & deles se tomaria o motivo para lhe imporem o titulo da Gloria; porque se não sabe, nem consta da causa porque o tal titulo se lhe impoz) & que o livrára do perigo de se afogar em huns grandes pégos, que havia em aquellas charnecas, & que em acção de graças lhe mandára fazer ElRey aquella grande Igreja. Sobre a porta principal desta mesma Igreja, está huma inscripção de letra gótica que mal se pode ler, da qual consta o tempo em que ella se fez (& constará também parte do successo) que haverá 330. & tantos, & por esta conta se ajusta também ser o Principe, ou Rey, El Rey D. Pedro o I, quem chamam o Justiceyro; porque este nasceo no anno de 1320 & começou a reynar no de 1357, & por este computo vem ajustada a era que traz a pedra, & poderia ser o favor feito pela Senhora, quando era Principe; & a obra ser feita depois, que foy Rey, & tomou o governo. Appareceo a Senhora detraz da Capella mayor, no sitio onde hoje se ve fundada; está colocada no Altar mayor sobre a mesma peanha, em que dizem appareceo. Terá de estatura pouco mais de cinco palmos, he de vestida de branco ao antíguo; tem na cabeça hua coroa de prata, obra tão antigua, que bem mostra a sua ancianidade; he de veneravel presença, & alegre rosto; tem os olhos muyto abertos, & assim infunde nos que a vem respeito, & temor.

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Junto à Senhora está hua Imagem do Menino JESUS, fechado dentro de hum cayxilho de vidraças, que terá dous palmos, com cabelleira de cabello natural, vestido de setim azul, chapeo na cabeça, he muyto lindo. Deste Menino se afirma que em outro tempo estava em os braças da Imagem da Senhora, por algum successo maravilhoso, que não podemos alcançar, que obrou, o recolherão naquele cayxilho de vidraças, para estar com mais veneração, & respeito. A Igreja he grande, & espaçosa, & mostra ser obra Real, mas o sitio he tão deserto, que duas legoas em roda não ha casa alguma, nem povoado, & só alli junto à Casa da Senhora haverá dez moradores; porem ainda que deserto, & sitio de matos, he vistoso, & alegre. Na frontaria da Igreja está hum grande átrio com algumas casas de romagem; porque de todos aquelles contornos, concorre muyta gente a venerar aquella Sagrada Imagem, com grande fervor, & frequência, & assim he servida com generosa devoção, & despesa; o que a Senhora satisfaz largamente, com os muytos milagres que em todos obra; & em confirmação disto se vem não poucas memorias na sua Casa, como são mortalhas, & outras muytas insígnias de cera.»4

Em 1758 nas Memórias Paroquiais de Muge, este documento de uma forma minuciosa, volta a descrever o episódio da aparição de Nossa Senhora da Glória a D. Pedro I da seguinte forma: «Andava o dito monarca à caça por aqueles sítios desertos, quando de repente se viu submergido em um pego, em iminente perigo e perdido da sua comitiva. Esta não o achando, depois de muitas diligências recolheu a Almeirim, tendo o Rei por morto. Passado algum tempo, apareceu D. Pedro, que contou o sucedido. Clamando por Nossa Senhora que lhe valesse naquele aperto, a Virgem o livrou da morte, formosa Senhora que lhe ordenara que erigisse ali uma para nela ser venerada. El Rei a mandou edificar, ermida que senão era pequena correspondia à arquitectura da época.» 5 (fig. 1) Um século mais tarde em 1878 Pinho Leal, cita novamente o milagre de Nossa Senhora da Glória com D. Pedro I, e volta a mencionar as casas dos romeiros, que se deslocavam a este local para venerar a imagem e assistir à procissão: «No termo d’esta villa, junto à estrada que vae

Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora e das milagrosamente aparecidas, em graça dos Pregadores e dos devotos da mesma Senhora, disponível, Tomo 2, edição de 1707, em: https://archive.org/details/santuariomariano02sant/page/n335, [consultado a 25 novembro 2018] 5 Memórias Paroquiais de Muge, transcritas por José Estevão Anais de Salvaterra de Magos, dados históricos desde o século XIV, Lisboa, Edições de Couto Martins, 1959, pp. 96 - 97 4

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Fig. 1 - Igreja de Nossa Senhora da Glória - Década de 40 do séc. XX

de Coruche (e de todo Alemtejo) para Santarem, está a formosa egreja de Nossa Senhora da Glória. Segunda a lenda, a imagem d’esta Senhora, apareceu a D. Pedro I, em uma ocasião em que elle por aqui andava à caça, livrando-o de afogar-se em um grande pégo, que havia n’esta charneca; em reconhecimento do que, o rei lhe mandou fazer este templo, dando à Virgem o nome de Senhora da Glória, pelas muitas luzes e resplandores de que estava cercada, no acto da aparição. (…)

Em frente da egreja, há um vasto terreiro, arborizado, com algumas casas, para pousada para romeiros.»6 Os vários autores referem que o rei andava à caça e que inesperadamente caiu num pego e que devido ao perigo de morrer afogado clama por Nossa Senhora, contudo a versão popular acrescenta que quando estava no pego, o monarca sente aproximar um felino que estava prestes a atacá-lo, versão que Alves Redol relata na sua monografia dedicada à Glória: «Andava D. Pedro batendo os matos da charneca com séquito e matilhas quando, entusiasmado em perseguição de peça grada, se isolou da sua gente. O corcel fogoso abria clareira nas ervas, incitado pelos seus brados, e o veado, bonito exemplar, nervoso e ágil, altivo na imponência da sua armadura bem lançada de galhos, tomava-lhe a dianteira numa fuga desesperada. Mas o cavalo não cedia, antes tragava aos poucos a distância que o ruminante lhe levava. El-Rei, embriagado pela luta travada, esporeava sempre, olhos aguilhoando o objectivo da carreira, esquecido da companhia. De súbito, surge um pego enorme. E enquanto o veado o galgava, desaparecendo no cerrado da vegetação em bacanal, D. Pedro caiu-lhe dentro, tolhido o cavalo por intraduzível torpor. De entre moitas, à sorrelfa, um bicho desconhecido,

Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal, Portugal antigo e moderno, vol. V, 1878, disponível em: https:// archive.org/details/portugalantigoe02ferrgoog/page/n8, [consultado a 12 novembro 2018] 6

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espécie de gato enorme, caminha para o atacar e, numa derradeira esperança, El-Rei invoca a Virgem da Glória. O bicho, sem mais quê, de novo se embrenhou no mato e D. Pedro, livre e são, logo ali jurou erguer ermida a perpetuar graças.»7 Margarida Ribeiro também recolhe junto da população local testemunhos sobre a existência de um designado “bicho”, que pretendia atacar o monarca: «Depoimento de João Estaca, de 86 anos de idade: - “O rei andava à caça e depois apareceu-lhe de repente, um bicho, ali naquele sítio, e depois o cavalo a modos que se empinou e caíram os dois para o pego, que havia naquele lugar da banda de trás da igreja e onde, no meu tempo de cachopo (= garoto) ainda se criavam pampos (=peixes).»8 A existência de uma escultura zoomórfica medieval, que se encontra nas traseiras da igreja, e que representa a cara de um felino, é designado pelo Povo o tal “bicho”, que tentou atacar D. Pedro I. (fig. 2) A lenda de Nossa Senhora da Glória tem semelhanças com outras lendas, nomeadamente com a de Nossa Senhora da Nazaré, em que envolve o D. Fuas Roupinho, ou então com D. Dinis e um urso que pretendia atacar este monarca, episódio ocorrido em Belmonte, freguesia de S. Pedro de Pomares.

Figura 2 - Escultura zoomórfica medieval, que o povo gloriano associa ao “bicho” que tentou atacar D. Pedro I

A edificação de um templo religioso consagrado a Nossa Senhora da Glória, segue a tendência de enraizar e divulgar o culto Mariano em Portugal, contudo numa perspetiva histórica (que é a minha), a construção de uma igreja neste local foi uma hábil estratégia por parte de D. Pedro I, para criar um aglomerado urbano, numa zona erma e de primordial importância para ligar o sul do Reino.

Alves Redol, Glória, uma aldeia do Ribatejo, 3.º edição, Lisboa, Caminho, 2004, p.171 Margarida Ribeiro, Estudos sobre Glória do Ribatejo (por Margarida Ribeiro), Glória do Ribatejo, Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural da Glória do Ribatejo, 2001, p.41 7 8

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Convém recordar que durante o período romano9, já existia uma via romana que partia do Escaroupim em direção a Coruche e que certamente este eixo viário se manteve nos séculos seguintes, e para tal era necessário dotá-lo de segurança para os transeuntes. A localização do lugar de Santa Maria da Glória, assume esta estratégia de segurança delineada pelo rei D. Pedro I . Edificado o templo dedicado a Nossa Senhora da Glória, havia que fixar pessoas, e por isso em 1364, D. Pedro I concede carta de privilégios aos moradores de Santa Maria da Glória, topónimo que identificou durante séculos este lugar. A carta de privilégios, apresenta um conjunto de regalias para facilitar o povoamento, promover a ocupação humana e assegurar a existência de um aglomerado urbano fundamental a quem estava de passagem. A existência de um templo religioso, associado ao culto de Nossa Senhora da Glória, juntamente com um aglomerado urbano em crescimento e afirmação, foram fatores determinantes na organização de uma procissão a esta Santa, que era procurada pelos romeiros e devotos locais. No final da procissão e das práticas religiosas, haveria o convívio e fraternização, e podemos afirmar que a génese das festas da Glória está aqui, na veneração ao culto de Nossa Senhora da Glória.

3 | Documentos históricos sobre as festas Escasseiam fontes documentais sobre a festividade dedicada a Nossa Senhora da Glória, contudo como já se referiu, os documentos mais antigos que mencionam a procissão são as obras de Frei Agostinho de Santa Maria e as Memórias Paroquiais de Muge. As Memórias Paroquiais de Muge, referem com minuciosidade a descrição da imagem e a data de realização da procissão: «[na igreja] Nossa Senhora da Glória, onde se venera a imagem de Nossa Senhora é muito formosa e perfeita, é de tradição ser feita pelos anjos tal a perfeição da imagem (…) No que respeita à imagem diz a tradição dos antigos que mandado El-Rei fazer várias esculturas nunca lhe saíra conforme as informações que ele dava, até aparecerem uns forasteiros desconhecidos se ofereceram para a fazer e com efeito fizeram a que hoje se venera por sair do agrado do rei, e quando o rei queria renumerar quem fez a obra não foi possível achar os ditos forasteiros, que a fizeram e este é o privilégio em se funda a tradição de a dita imagem ser feita por anjos.»10 (fig. 3)

Cf. Vasco Gil Mantas, «Rede viária de Scallabis», In De Scallabis a Santarém, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 2002, pp. 109-110 10 Memórias Paroquiais de Muge, transcritas por José Estevão Anais de Salvaterra de Magos, dados históricos desde o século XIV, Lisboa, Edições de Couto Martins, 1959, pp. 96 - 97 9

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Figura 3 - Memórias Paroquiais de Muge - 1758 - Fonte: ANTT - Arquivo Nacional Torre do Tombo

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Continuando com a leitura do rol das Memórias Paroquiais, ficamos a conhecer mais dados sobre a procissão em Honra de Nossa Senhora, e que este evento religioso atraía vários forasteiros das terras vizinhas, fascinados pela devoção e a formosura da imagem: «A procissão de Nossa Senhora da Glória é na primeira oitava do Espírito Santo acode os moradores desta vila e fazem todos uma festa a qual concorrem muitas pessoas das terras circunvizinhas como de Salvaterra, Benavente e Coruche e nove sábados antes da Páscoa concorrem alguns devotos da vila a fazerem a sua novena em cumprimento dos seus votos e

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promessas ou para visitarem aquela milagrosa imagem levadas pela devoção e atraídos pela formosura dela.»11 (fig. 4) Na análise deste documento, há um importante facto a reter - a data de realização da procissão, que ocorria na primeira oitava do Espírito Santo. Esta data no calendário litúrgico corresponde a 8 dias depois do Domingo de Pentecostes. O domingo de Pentecostes realizava-se 50 dias depois do domingo da Páscoa, trata-se de uma data móvel que tem como referência a celebração da Páscoa, também feita em data móvel.

Idem

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As festas da Glória: Passado e Presente - Súmula histórica dos festejos em honra de Nossa Senhora da Glória

Figura 4 - Memórias Paroquiais de Muge - 1758 - Fonte: ANTT - Arquivo Nacional Torre do Tombo

O Domingo de Pentecostes foi uma das mais importantes celebrações do calendário cristão, comemora a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, e os transformou em pregadores para divulgar a palavra e a fé de Cristo. É nesta data balizada em finais de maio e inícios de junho, que se realizava a procissão e as respetivas festividades em honra de Nossa Senhora da Glória. Durante séculos os festejos organizavam-se tendo em conta a primeira oitava do Espírito Santo. No início do século XX, há uma alteração da data das festividades para setembro, o que obedece a uma pausa no calendário agrícola,

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e depois mais tarde passam a ser realizadas em agosto, data que ainda se mantém. Outros documentos históricos datados do último quartel do séc. XIX, são as Atas de Receitas e Despesas da Confraria da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Paróquia de Muge, referente ao aluguer de cera e tochas aos festeiros da Glória:

1 junho de 1863

«pelo aluguer das tochas que serviram na festa da Glória, nos anos de 1863 e 1864. Sendo 48 tochas ao todo a 40 réis.»12 (fig. 5)

AHJFM - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento 1860 - 1873 - 1 de junho 1863, fl. 15

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Magos Figura 5 - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Muge 1860 - 1873 - 1 de junho 1863

12 junho 1866

«pelo aluguer de cera para a festa de N.S. da Glória, a quantia de novecentos e sessenta reis»13 (fig. 6)

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Figura 6 - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Muge1860 - 1873 - 12 de junho 1866

18 maio de 1868

«recebeu dos festeiros de N. Sr.a da Glória, pelo consumo de 918 grammas de sera.»14 (fig. 7)

Figura 7 - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Muge 1860 - 1873 - 18 de maio 1868

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AHJFM - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento 1860 - 1873 - 12 de junho 1866, fl. 26 AHJFM - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento 1860 - 1873 - 18 de maio 1868, fl. 32

Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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As festas da Glória: Passado e Presente - Súmula histórica dos festejos em honra de Nossa Senhora da Glória

Atenta-se nas datas da realização dos festejos que ocorrem entre finais de maio e princípios de junho, o que corrobora a tese da realização das festas da Glória, por altura da Primeira Oitava do Espírito Santo. Outro aspeto a ter em conta é alusivo à receita que advinha para os irmãos da Irmandade do Santíssimo Sacramento, com o aluguer de cera e tochas aos festeiros que organizavam a festa. Continuando com a pesquisa de documentos históricos, outras fontes documentais, evidenciam a necessidade de manter a segurança durante a festividade, ou a licença para queimar fogo-de-artifício durante os festejos.

Para o efeito era necessário enviar requerimento ao Regedor da Paróquia de Muge, que por sua vez encaminhava o documento dos festeiros para a Câmara Municipal, entidade que licenciava a queima de fogo e assegurava força militar para a segurança. Os seguintes exemplos datam de finais do séc. XIX: • «nos dias 16 e 17 do corrente há de ter lugar na Freg.ª a meu cargo, a festividade e arraial de N. Sr.a de Glória, e portanto vou recomendar a V. S.ª empregue todos os meios a seu alcance, afim de manter a ordem durante taes dias para que se evite algum acontecimento

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Figura 8 - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1869 - 1870, oficio 14 maio 1869

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Magos desagradavel que possa perturbar o socego publico, o que é frequente em festividade d’esta ordem.»15 (fig. 8) • «no próximo domingo 14 corrente ha de ter logar n’essa villa o peditório para a festividade de Nossa Senhora da Glória, que os habitantes de Marinhaes [erro do Regedor, queria dizer Glória] tenciona fazer, vou portanto recomendar a V. S.ª toda a polícia possível diante aquelle acto. Por esta ocasião tenho a dizer-lhe que os festeiros assignaram termo de fiança, n’esta administração para poderem uzar de fogo d’artificio na mesma festividade.»16 (fig. 9)

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Figura 9 - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1870 - 1871, ofício 12 maio 1871

• «Sr. João António Ferreira Fino, juiz da festividade de Nossa Senhora da Glóra, veio hontem a esta Adm. do Conc. solicitar licença para usar de fogo d’artifício, por ocasião da mesma festividade, cuja licença lhe foi por mim, concedida e de que assignou o respectivo termo de fiança. O que comunico a V. S.ª para sua intelligencia. Deus guarde V. Exa. Salvaterra de Magos, 21 maio 1879.»17 (fig. 10) AHMSM - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1869 - 1870, oficio 14 maio 1869, fl. 4 AHMSM - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1870 - 1871, ofício 12 maio 1871, fl. 41 17 AHMSM - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1879 - 1881, ofício 21 maio 1879, fl. 20 15

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Figura 10 - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1879 - 1881, ofício 21 maio 1879

Um outro documento histórico, confirma as rivalidades e as quezílias com os habitantes de Marinhais, durante as festas. Raro era o baile que não acabava com brigas envolvendo glorianos e marinhalenses. Um documento datado de 1880, retrata-nos essa antiga rivalidade e os distúrbios que ocorriam nas festas:

24 maio 1880

• «da semana finda em 22 do corrente cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exa que na tarde do dia 17, por ocasião da festivadade que anualmente se costuma fazer no logar da Glória, freguesia de N.ª S.ª da Conceição d’este concelho, não obstante as providencias que tomei, envolveram-se n’umma grande desordem Francisco Ferreira da Graça e Manuel Ferreira da Graça d’esta villa e os habitantes d’aquelle logar e dos Marinhaes, do qual nada

resultou de gravidade, devido talvez ao muito trabalho empregado pelo respectivo Regedor e cabos de polícia para os fazer entrar na ordem o que muito custo conseguiram, constou-me porem que na estrada quem do ditto logar para esta villa, se envolveram, segunda vez em desordem aos mencionados Francisco Ferreira da Graça e Manuel Ferreira da Graça e mais quatro ou seis indivíduos dos Marinhaes de que resultou graves ferimentos. Mais tarde no mesmo logar da Glória levantou-se uma outra desordem entre os habitantes do logar e dos de Marinhaes, e comparecendo neste acto o cabo chefe d’aquelle logar com mais cabos de policia para ver se conseguia apasigna-los não foi possível, não lhe obedeceram antes o insultaram de palavras injuriosas e pouco decentes, sendo o que mais saliente se tornou nesta desobediência Sebastião José João dos

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Magos Marinhais, podendo atribuir-se todos estes factos, a embriaguez e rixas antigas o que é muito frequente em festas d’arraial. De tudo isto se levantaram os competentes auttos que foram enviados ao poder judicial onde se instauraram os respectivos processos.»18 No início do século XX, concretamente em 1911, os festejos a seguir à implantação da República, mantiveram a data da primeira oitava do Espírito Santo. Nesse ano os festejos ocorreram a 4 e 5 de junho, conforme o documento

que o Regedor da Paróquia de Muge enviou ao Administrador do concelho, a solicitar licença aos festeiros da Glória para queimar fogo: • «Remetto a V. S.ª a inclusa licença concedida a António Alexandre da Glória, para deitarem foguetes e queimar outro fôgo de artificio nos dias 4 e 5 de junho próximo, por ocasião da festividade da Senhora da Glória, e bem assim deitarem foguetes por ocasião dos respectivos pedictórios: afim de V. S.ª mandar entregar a dita licença ao interessado.»19 (fig. 11)

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Figura 11 - Registo de Ofícios para diferentes auctoridades: 8 Abril 1911 a 5 Dezembro 1913, Oficio 18 Maio de 1911

Um outro aspeto curioso nestes festejos, e que após a implantação da República houve a separação do Estado e das Igrejas, os republicanos pretendiam um estado laico. O pároco de Muge, afirma que a festividade à Nossa

Senhora da Glória é um costume inveterado dos povos, e, portanto, deve-se manter a sua realização: • «Em resposta ao seu officio de hontem tenho a dizer-lhe que constituindo um costume

AHMSM - Registo de Ofícios para o Governador Civil: 1879 - 1882, Oficio 24 maio 1880, fl. 45v - 46 A.H.M.S.M. - Registo de Ofícios para diferentes auctoridades: 8 Abril 1911 a 5 Dezembro 1913, Oficio 18 Maio de 1911, fl.6 18 19

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inveterado dos povos, a festividade à S.ª da Glória como effectivamente constitui, não há duvida alguma em se fazer aquella festividade, como já tive ocasião em que aqui veio solicitar a respectiva licença para queimarem n’essa ocasião fogo de artificio.»20 A partir da segunda década do séc. XX, verifica-se uma rotura temporal com a realização dos festejos, é abandonada a data que desde sempre esteve ligada às festas, ou seja a primeira oitava do Espírito Santo, e os festejos começam a ser realizados no primeiro fim de semana de setembro. A escolha desta data, tem a ver com a ciclo agrícola, a época dos cereais estava passada, há aqui uma pequena pausa nos trabalhos agrícolas, as vindimas são feitas mais para meados de setembro, o que permite folgar as gentes e dedicarem-se aos festejos. A primeira referência que encontrámos à realização das festas em Honra de Nossa Senhora da Glória em setembro, remonta ao ano de 1924, e está nas ordens que o Cabo Chefe da Glória envia à Administração do Concelho, a solicitar licenças para a realização da festividade:

22 agosto • «Rogo a V. Exa, convida Manuel Pasmarra e restantes festeiros a comparecerem nesta Adm. o mais breve possível afim de tratar de assumptos referentes à festa que desejam realizar»21 fl. 42v

27 agosto • «Pelo Governo Civil de Santarem nos foi remetido duas licenças de fogo de artifício e licenças para queimar foguetes esta ultima exigida por dizerem deitar foguetes por ocasião da festa. • Como o dinheiro angariado entregue por Alexandre José Pote foi para a de fogo de artifício rogo por isso a V. Exa avisar o mesmo Senhor que já enviei para Santarém a importância de 24$900 da licença referente a selos nos termos, quantia esta que deverá ser entregue nesta Adm.»22 Uma outra licença comunicada pelo Cabo Chefe é que após a procissão, seja autorizado uma tolerância de abertura das tabernas de duas horas após o recolher, o que evidencia o carater festivo após a sessão religiosa da procissão:

A.H.M.S.M. - Registo de Ofícios para diferentes auctoridades: 8 Abril 1911 a 5 Dezembro 1913, Oficio n. 158 - 31 Maio de 1911, fl.8 21 A.H.M.S.M. - Registo de ordens de serviço dos Cabos Chefes 1919 a 1924, fl. 42v 22 Idem, fl. 43 20

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Magos 30 agosto • «Respondemos ao seu ofício de hoje, comunico a V. Exa para dar conhecimento a comissão de festa à Senhora da Glória, que pelo presente foca a mesma comissão autorizada a realizarem nesse lugar, a procissão que tencionam fazer no dia primeiro de Setembro próximo. Conforme também seu pedido, por V. Exa ali conceder tolerância de duas horas depois de recolher às tabernas para conservarem abertas as suas portas.»23 (fig. 12)

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Figura 12 - Registo de ordens de serviço dos Cabos Chefes 1919 a 1924 - Ordens de 27 e 30 de agosto de 1924 23

Idem, fl. 43

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A partir desta data, as festas efetivam a sua realização em setembro. Alves Redol na década de 30 do século XX, quando se desloca à Glória do Ribatejo, para recolher informações para a sua monografia “Glória, uma aldeia do Ribatejo” confirma a data, e relata também que no passado se realizavam na primeira oitava do Espírito Santo: “A festa da Senhora da Glória é a mais importante de todas que na aldeia se efectuam, embora o ciclo se cinja somente, além desta ao Carnaval e Natal. Actualmente realizam-na em Setembro, quando os cereais foram recolhidos e as bolsas têm alguns cobres mais, mas durante alguns anos faziam-na pelo Espírito Santo, em cumprimento de promessa de lavradores de Salvaterra que por epidemia de bexigas, o juraram e cumpriram. Falecidos, a imperiosa lei económica, fê-la transferir para o mês actual, sem domingo fixo.”24 Os festejos vão manter-se como data de realização sempre em setembro, um mês em que a azáfama do ciclo agrícola já estava mais calma, a ceifa dos cereais estava feita, de forma que a escolha deste mês para a realização da festa, é feita considerando não só o ciclo agrícola, mas também pelo facto de haver algum dinheiro nos bolsos, resultante da safra agrícola.

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Figura 13 - Festas da Glória - Organizada pelo Sr. Manuel Batista (Ti Batista) - década de 30

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Alves Redol, Glória, uma aldeia do Ribatejo, Lisboa, Editorial Caminho, 2004. P. 172

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Figura 14 - Requerimento dirigido ao Presidente da Câmara a solicitar licença para queimar fogo nas Festas da Glória - O Juíz é o Sr. Manuel Batista (Ti Batista) - 1939

Nas décadas seguintes, destaca-se a participação de um juiz que foi bastante ativo na realização das festas, o Sr. Manuel Inocêncio (Ti Batista), que foi um antigo combatente na Primeira Grande Guerra, que esteve na frente da Batalha de La Lys e sobreviveu. Como promessa a Nossa Senhora da Glória, decidiu realizar as festas, estes festejos ficaram conhecidos como “As festas do Ti Batista”. (fig. 14 e 15) Na década de 70, com a revolução de abril de 1974, as festas tiveram um interregno de 4 anos, só foram retomadas em 1978, graça ao esforço do Ti Chico Manel (fig. 15), que foi Juiz da festa nesse ano, e durante anos esteve sempre disponível para ajudar várias comissões de festas. Com o reinício dos festejos a data passou para agosto, a escolha deste mês está associado ao facto de alguns emigrantes glorianos, estarem de férias na Glória do Ribatejo, no mês de agosto, a nova comissão decidiu a escolha deste mês, para que possam assistir aos festejos. A data ficou e manteve-se até à atualidade. Em 2008 a Comissão de festas, decidiu reestruturar as festas, criando mais 2 palcos: palco jovem e palco do Chaparrão. No primeiro destacam-se concerto de bandas e atuações de DJ, tendo como público-alvo os jovens, enquanto no palco do Chaparrão está mais vocacionado para o público mais idoso, onde podem assistir a música popular e também dar um pé de dança. Esta ideia arrojada, permitiu criar diferentes itinerários, fazendo circular as pessoas por entre os palcos, acresce ainda uma maior oferta de tascas com comida e bebida Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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e ainda vários expositores com venda de artesanato entre outros produtos.

4 | A preparação das festas

Figura 15 - Ti Chico Manuel - Ano 1997

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«A aldeia em festa procura partilhar com os outros a sua alegria e exibir em sua intensão uma inteira coesão e a grandeza do seu património cultural.»25 As festas em Honra de Nossa Senhora da Glória, revestem-se de caraterísticas específicas, que englobam certos ritos que envolvem a comunidade local, espelham rituais religiosos e algumas reminiscências pagãs, que se manifestam nos jogos e noutras cerimónias. Para além desta associação das vertentes religiosas e pagãs, as festividades da Glória possuem uma forte componente cultural e histórica, os espetáculos de música com artistas de renome associados a exposições que espelham a história e etnografia da Glória do Ribatejo, são fatores que contribuem para o enriquecimento cultural destes festejos, que nos distinguem. O arraial é o centro da Festa, é o espaço de devoção, o local onde se reza, se penitencia o corpo, mas depois das obrigações religiosas, procura-se o prazer na música, nas danças, nos excessos da comida e álcool. É um espaço de penitência e de regozijo.

Moisés Espírito Santo, A religião popular portuguesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1990, p. 70

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Magos 4.1. | A entrega da bandeira O início da preparação dos festejos do próximo ano, começa simbolicamente no último dia da festa cessante, numa cerimónia que é designada “entrega da bandeira”, em que os atuais festeiros se reúnem no arraial e aguardam pelos futuros festeiros, que vão integrar a próxima comissão de festas.

Os elementos que compõe a comissão de festas, são um grupo formado por ligações familiares, de amizade, ou também do “sorteio da mesma mocidade”, ou seja, de um determinado ano em que nasceram, mas também há elementos que ano após ano integram as diferentes comissões, com a vontade de manterem viva a continuidade dos festejos. Há nesta cerimónia

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Figura 16 - Entrega da Bandeira - Ano 2006

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um sentimento de prosseguimento das festas, porque são os futuros festeiros que vão ter a nobre missão de assegurar as festividades. No passado o cargo de Juiz da Festa era uma tarefa dedicada aos Homens, contudo a partir do início do séc. XXI, várias mulheres foram juízas da festa e tiveram a nobre missão de liderar a comissão de festas. Na cerimónia da entrega da bandeira, uma comitiva segue abrilhantada por uma banda filarmónica até ao edifício da Junta de Freguesia, à frente segue o estandarte com a imagem de Nossa Senhora da Glória, os elementos da atual comissão de festas vestidos com as tradicionais capas brancas e azuis, seguidos dos futuros

festeiros, mais atrás vários populares acompanham o desfile. No edifício da Junta de Freguesia, perfilam-se os atuais e futuros festeiros, o Juiz da comissão de festas cessante, agradece aos elementos da sua comissão, à população e deseja sorte aos novos elementos da futura comissão. Depois é entregue o estandarte de Nossa Senhora da Glória ao futuro Juiz das festas (fig. 17). Em tempos passados, o estandarte ficava o ano inteiro até à realização das festas na casa do futuro Juiz, hoje fica simbolicamente guardado na Junta de Freguesia da Glória, que é o fiel depositário do estandarte.

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Figura 17 - Entrega da bandeira ao futuro Juiz da Festa - Ano 2000

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4.2 | Páscoa - A amostra do fogo

4.3 | O pauluto - o epicentro da festa

No sábado da Páscoa realiza-se a “amostra do fogo”, a empresa de pirotecnia contratada para realizar o grandioso espetáculo de fogo de artifício na noite do sábado das festas, mostra à comunidade o que poderá ser o fogo nas festas. É também nesta noite de sábado, que se revela à população os artistas que vão estar em palco nos festejos. No domingo de Páscoa, realiza-se o primeiro peditório: «Pela Páscoa, a bandeira sai a anunciá-la e recolhem-se os primeiros donativos pela aldeia e terras vizinhas».26 Os elementos da comissão de festas percorrem as ruas da Glória do Ribatejo, a população contribui monetariamente para a realização dos festejos. Os donativos são sempre feitos com agrado pela população local, que se revê na importância que é manter a tradição da realização das festas. O primeiro peditório é fundamental para perceber a reação da população, se gostaram ou não do cartaz ou da amostra do fogo.

Com o passar dos meses, aproxima-se a data dos festejos, faltando quinze dias antes das festas, manda a tradição que se vai escolher um grande eucalipto, que é designado de pauluto. Esta tarefa consiste em cortar o eucalipto, limpá-lo, ou seja, tirar a casca e ramos, é depois transportado para o Largo D. Pedro, aqui é pintado de branco, vermelho e azul, desconhecem-se a escolha destas cores e não outras. O pauluto tem certas semelhanças com os mastros de maio, aqui trata-se de uma cerimónia pagã, que ainda hoje se realizam em certas localidades de Portugal e no Brasil. Nesta cerimónia ergue-se o mastro, que simbolizava a força e a fertilidade masculina. No contexto das festas da Glória, o pauluto nos dias de hoje serve precisamente para indicar às povoações vizinhas que a Glória do Ribatejo, está em festa. A uma semana do início das festividades, é levantado o pauluto. No passado era feito de uma forma manual, homens auxiliados com cordas esforçavam-se para levantar o paulute. Atualmente uma grua iça este grande mastro e coloca-o ao alto. O levantar do pauluto é sempre um orgulho para os festeiros, dado que este grande mastro é o epicentro da festa. É aqui que no sábado das festas é hasteada a bandeira nacional, que simbolicamente corresponde à abertura oficial das festividades.

26

Alves Redol, Op. Cit, p. 172

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Figura 18 e 19 - Preparação do pauluto: escolha e corte do eucalipto pelos elementos da Comissão de Festas - Ano 2014

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Figura 20 e 21 - Transporte do pauluto para o Largo D. Pedro I (local do arraial da Festa) - Ano 2014

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Figura 22, 23, 24 - Levantar do pauluto - cerimónia que ocorre uma semana antes do iníco da festa - Ano 2014

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Magos 4.4. | A decoração do arraial

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«O arraial é o prado, o campo plantado de árvores, o entroncamento de caminhos, a avenida ou a praça que a festa anexou; é também o ajuntamento que aí se forma, a densidade social que aí se cria, o Povo que aí se compõe, o “nós” gratuito que aí se instala, é enfim, o conjunto de actividades que aí se desenrolam.»27 Aproximando-se a data das festas, nota-se uma grande azáfama no Largo D. Pedro I, populares apressam-se a pintar muros ou a caiar casas, elementos da comissão, iniciam a distribuição de bandeiras pelas ruas da Glória. Prepara-se a quermesse com diferentes e variados produtos / bugigangas que depois vão ser sorteados em pequenas rifas que a comissão de festas coloca para vender. Os arcos designados à moda do Minho, são colocados nas principais artérias do centro da Glória. No passado estes eram de murtinheira, tratava-se de um arbusto que existe em abundância pela charneca gloriana, e servia para decorar os arcos. Um outro aspeto decorativo é a colocação de uma cruz, também ela feita com ramos de murtinheira, na rua Dr. Eduardo Fonseca e Almeida. Diz-nos a tradição que simboliza a memória de um gloriano, que faleceu num acidente ao desmontar-se de uma camioneta e como a data era próxima da realização dos festejos,

27

Figura 25 - Bandeiras preparadas para serem espalhadas pelas ruas - Ano 2014

Pierre Sanchis, Arraial: festa de um povo, as romarias portuguesas, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983, p. 142

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decidiu-se homenagear a memória deste se- Na última semana que antecede as festas, verinhor com a colocação de uma cruz, que ainda fica-se grandes movimentações no largo onde hoje se mantém todos anos por altura das fes- se realizam os festejos, atraindo a população tas da Glória. local para ver o desenrolar das tarefas.

Figura 27 - Aspeto da quermesse - Ano 2014

Figura 26 - Pauluto da Quermesse - Ano 2014

Figura 28 - Aspeto da quermesse - Ano 2001

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5 | As festas no passado e no presente

5.1 | A abertura oficial das festas O hastear da bandeira nacional

Atualmente as festas em Honra de Nossa Senhora da Glória têm a duração de 4 dias, iniciam-se à sexta feira e terminam na segunda-feira, contudo está enraizado entre os glorianos, o hábito na noite da quinta-feira que antecede as festas, deslocarem-se ao arraial para ver as iluminações e como está o aspeto da quermesse. Como havia uma grande movimentação de pessoas, algumas comissões de festas começaram a colocar em palco um apontamento musical, o que de certa forma faz com que a noite de quinta feira seja também integrada nas festas. As festas começam à sexta feira à noite, que é dedicada ao folclore e também há sardinhada assada, várias caixas de sardinhas e barris de vinho são disponibilizadas gratuitamente a quem esteja interessado em assar e depois comer. Nos vários palcos há animação até altas horas da madrugada.

No passado os festejos tinham a duração de 3 dias e iniciavam-se no sábado à tarde, altura em que os festeiros e alguns elementos da população aguardavam pela chegada da banda filarmónica, como anotou Idalina Serrão Garcia: «A festa começa no sábado. Perto das três ou quatro horas chega a Banda de música, esperada pelos festeiros, e toca no coreto. Há baile até às cinco horas da manhã e fogo de artifício.»28 No sábado das festas atuais, a grande cerimónia que simbolicamente marca a abertura da festividade é o hastear da bandeira. No edifício da Junta de Freguesia da Glória, concentram-se festeiros, edilidades locais e elementos das associações e coletividades, que partem em cortejo, acompanhados por uma banda filarmónica até ao arraial, aqui perfilam-se em frente ao pauluto, aguardando pelas 16h, quando o sino da igreja bate a última badalada, a banda de música, inicia o hino nacional e lentamente a bandeira portuguesa é içada até ao topo do pauluto onde ficará durante os festejos. Seguem-se os discursos do Pároco, Presidente da Câmara Municipal, Presidente da Junta de Freguesia e o Juiz da festividade e está formalmente aberta as festas em honra de Nossa Senhora da Glória.

28

Idalina Serrão Garcia, O falar da Glória do Ribatejo, Lisboa, Edição da Assembleia Distrital de Santarém, 1979, p.160

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Figura 29 - Cerimónia do hastear da bandeira, conduzida por António Fino - Ano: 2007

Esta cerimónia é presenciada por inúmeros populares, que se identificam com este momento solene da abertura oficial dos festejos. Na noite de sábado decorre o grandioso fogo-de-artificio, que atrai milhares de pessoas,

o arraial e as ruas adjacentes estão cheias, é quase impossível circular. À hora certa 00h30m, inicia o fogo, para gáudio dos presentes, estalam foguetes, morteiros, bolonas, explosão de cores e efeitos decoram a noite na

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Figura 30 e 31 - Hastear da Bandeira - Ano 2008

Glória do Ribatejo, terminando como é apanágio com fogo forte, levando ao rubro o espetáculo pirotécnico. Depois do espetáculo do fogo de artifício, a diversão prossegue no palco com artistas,

seguindo-se o baile. No passado eram os bailes que se prolongavam pela madrugada, ao som de um harmónio ou concertina, faziam-se grande bailaricos, havia despiques entre dançarinos das freguesias vizinhas e por vezes zaragata, Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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como afirma Redol: «Há baile à parte. Os da Glória, sempre isolados, escolhem o terreiro entre o coreto e a quermesse; os do Granho dançam a outro lado, e os de Marinhais também formam roda própria, envolvidos todos em nuvens de poeira que seca as goelas, constantemente a refrescarem-se nas barracas de comes e bebes, com vinho branco de Almeirim, dourado e fresco, sugado até às últimas pingas, em copos que pelo fundo não perdem. E até alta noite as saias não cessam o rodopio.»29 Nas festas atuais pela noite dentro até a altas horas da madrugada, circulam pessoas em convívio e de copo na mão, muitos resistentes só abandonam o arraial na manhã de domingo, depois da alvorada.

5.2 | O domingo - dia religioso

Na madrugada de domingo, a alvorada com a Figura 32 - Imagem de Nossa Senhora da Glória com o manto duração de uma hora, acorda a população e re- coberto de notas - década de 80 Séc. XX lembra que neste dia há peditório. Os elementos da comissão de festas, percorrem as ruas para o último peditório, que por norma costu- A tarde de domingo é o dia religioso dedicado ma ser aquele com maior valor monetário, isto a Nossa Senhora da Glória, com a realização da se o fogo de artifício lhes agradar, caso contrá- procissão. No interior da igreja ornamentam-se os altares com flores, coloca-se o ouro na Nossa rio contribuem, mas com menos dinheiro.

29

Alves Redol, Op.cit, p. 173

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Senhora e pagam-se promessas, colocando dinheiro no manto da Santa. No passado em especial durante as décadas de 60 / 70 do século XX, que corresponde ao período da guerra colonial, o manto da Padroeira estava cheio de notas, devido às inúmeras promessas dos familiares dos soldados que se encontravam nas antigas colónias. Os soldados por sua vez também usavam no dia a dia uma pequena imagem da Santa que os acompanhava. Terminada a missa, o Sr. Padre dá ordem para se levar para o exterior da igreja, estandartes, andores com imagens religiosas, a última a sair é Nossa Senhora da Glória, o Povo quando a vê sair do seu templo, emociona-se e prepara-se para a seguir na procissão. Integrado no cortejo vão as fogaceiras, que atualmente são recriadas por elementos dos Ranchos Folclóricos das Janeiras e da Casa do Povo da Glória, e também por alguns particulares. No passado eram várias pessoas que se vestiam de fogaceiras, cujo intento final era leiloar a fogaça, que é um cesto que continha doces, pão, bebidas, fruta entre outros elementos. Este dinheiro depois revertia a favor da comissão de festas, recorrendo mais uma vez aos escritos de Redol, que anota o desfile das fogaceiras da seguinte forma: «[as fogaças] São constituídos por um cestinho de verga enfeitado a flores e fitas de seda, do qual partem quatro arcos revestidos de papéis de cores e donde pendem cachas de uvas e bolos. Dentro do cesto, mais frutas e gulodices. (…)

Figura 33 - Fogaceiras - ano: década de 60 séc. XX

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Cada fogaceira leva duas camaradas e os seus vestidos têm certa harmonia de cores, se não totalmente iguais. Dos cabelos pendem-lhes fitas de seda.»30´ Integra também a procissão os penitentes com traje de anjinhos, vão pagar promessas: «A frente e atrás do andor vão os penitentes, muitos deles vestem-se de branco, como com camisa de dormir, pondo touca da mesma cor na cabeça. Chamam a este trajo a «mortalha». Dizem que vão de anjo, e pagam assim promessas feitas em momento de angústia, em que, incapazes de reagirem perante qualquer facto, ou temendo a morte em caso de doença, alijam a sua incapacidade ou impotência.»31 O percurso da procissão contempla as principais ruas da povoação, aqueles que por doença ou incapacidade de acompanhar a procissão ficam à janela e à porta e acenando à sua Santa, suplicando-lhe proteção e saúde. Após percorrer o itinerário definido, no átrio da igreja com os altares virados para o Povo, o Sr. Padre discursa e agradece a proteção divina de Nossa Senhora da Glória, é altura de a imagem recolher ao templo, onde ficará um ano. No momento da entrada, o sino replica e inicia a estalaria de foguetes e morteiros, os devotos emocionados acenam com lenços brancos a Nossa Senhora, que retorna ao interior da sua casa.

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Figura 34 - Desfile de fogaceiras - Ano: 1964

Idem, p. 175 Idem, p. 175

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Figura 35 e 36 - Miúdos vestidos de “anjinhos” como pagamento de promessas a Nossa Senhora da Glória - Ano: década de 80 séc.XX

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Figura 37 - Procissão (fotografia de Alves Redol) - Ano: 1939

Figura 38 - Procissão em Honra de Nossa Senhora da Glória - Ano: década de 50 séc. XX

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Figura 39 - ProcissĂŁo - Ano: 1979

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Figura 40 - Procissão – década de 80 - Ano: década de 80 Séc. XX

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Figura 41 - Procissรฃo em Honra de Nossa Senhora da Glรณria - Ano: 2012

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Figura 42 - Imagem de Nossa Senhora da Glória no final da procissão, prestes a entrar para a igreja - Ano: 2013

5.3 | Segunda-feira - o último dia das festas A segunda feira da festa é simbolicamente o dia dedicado aos jogos, certas reminiscências pagãs que ainda hoje perduram e fazem parte integrante dos festejos, exemplo do chinquilho e das cavalhadas. Um dos jogos mais caraterístico e que ainda persiste nos dias de hoje são as cavalhadas. O termo “cavalhadas”, remete-nos para o período medieval, onde os nobres nos intervalos das guerras para se exercitarem, praticavam

jogos equestres, onde exibiam a sua destreza e valentia. O jogo das cavalhadas na Glória do Ribatejo, mantém a essência do que acontecia na Idade Média, em que os participantes têm de mostrar a sua audácia e destreza, a grande diferença é que não fazem este jogo em cima do cavalo, mas sim em bicicletas, contudo no passado este jogo era feito montados em burros, com o aparecimento de bicicletas, optou-se pelo uso deste veículo. A essência das cavalhadas, consiste no seguinte: o participante está montado numa bicicleta

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Magos e munido de um pau, também designado de cajado, avança lentamente para uma zona onde estão penduradas numa corda várias púcaras de barro, a corda está segura num pau em cada extremidade, os paus oscilam, ou seja, não estão totalmente fixos, e nas duas extremidades encontra-se um homem.

Figura 44 - Cavalhadas - Ano: 2006

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Figura 43 - Corrida de burros - década de 80 séc. XX

Figura 45 - Cavalhadas - Ano: 2008

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Quando o participante avança para quebrar a púcara com o cajado, a essência do jogo consiste em partir este objeto, dado que lá dentro estão prémios, mas também está água, farinha ou serradura. Ao aproximar-se os homens oscilam os paus, que faz com as púcaras estejam em movimento dificultando ao participante acertar-lhes. Sempre que o participante acerta nas púcaras, ganha o prémio que está lá dentro, e é presenteado com uma música pela banda filarmónica que está no coreto. No passado para além das cavalhadas, havia ainda outros jogos, as corridas de burros, ainda na década de 80 do século passado se faziam. Outro jogo era o pau com sebo, no topo colocava-se um rabo de bacalhau, e os participantes esforçavam-se para o ir buscar, tarefa nem sempre conseguida. Um outro acontecimento desportivo que animava a segunda-feira das festas, era a realização de uma prova de ciclismo pelas ruas da Glória do Ribatejo, vários equipas de ciclismo da região, faziam questão de estar presentes nesta prova, mas que infelizmente acabaram por se perder no tempo e já não se realizam. Após as cavalhadas decorre a cerimónia da entrega da bandeira, que já foi descrita. Tratando-se de uma cerimónia de grande simbolismo, uma vez que é através dela que se mantém a continuidade das festas. Durante a noite artistas de nome atuam no palco principal, e depois segue-se o baile até ao nascer do sol, a esta hora são lançados foguetes e simbolicamente estão encerrados os festejos

em Honra de Nossa Senhora da Glória.

5 | Conclusão As festividades em Honra de Nossa Senhora da Glória, são um marco temporal na comunidade gloriana. Estes festejos contribuem para a afirmação da identidade cultural das gentes da Glória do Ribatejo e valorizam a memória coletiva da comunidade local. É a população que contribui de uma forma voluntária, através de peditórios, para financiar as despesas da festa, e participa ativamente nos vários acontecimentos organizados pela comissão de festas. A realização dos festejos na Glória do Ribatejo, são um momento de celebração da vida, anseia-se pela chegada das festas, para além da vertente religiosa, há a destacar um fraterno e salutar convívio entre amigos e familiares. Estas festividades são uma manifestação cultural que contribuem para a divulgação turística no concelho de Salvaterra de Magos, a noite do fogo de artifício que ocorre no sábado, a procissão que mobiliza crentes e não crentes, os espetáculos musicais e as exposições no Museu Etnográfico, são alguns dos momentos chaves das festas que atraem milhares de pessoas. Nas festas em Honra de Nossa Senhora da Glória, criam-se elos de sociabilidade e convívio, reencontram-se velhas amizades, recebem-se amigos, brinda-se à vida, e purifica-se o corpo e a alma na fé e na devoção a Nossa Senhora da Glória.

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Magos Bibliografia

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- ESTEVÃO, José, Anais de Salvaterra de Magos, dados históricos desde o século XIV, Lisboa, Edições de Couto Martins, 1959 - GARCIA, Idalina Serrão, O falar da Glória do Ribatejo, Lisboa, Edição da Assembleia Distrital de Santarém, 1979 - MANTAS, António Gil, «A devoção a Nossa Senhora em Coruche: Algumas datas que fizeram história» In 500 anos da Procissão em Honra de Nossa Senhora Coruche, Coruche, Câmara Municipal de Coruche / Museu Municipal de Coruche, 2016 - MANTAS, Vasco Gil, «Rede viária de Scallabis», In De Scallabis a Santarém, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 2002, - OLIVEIRA, Ernesto Veiga de, «Romarias» In Dicionário da História de Portugal [coord. Joel Serrão], Porto, Livraria Figueirinhas, 1985 - REDOL, Alves, Glória, uma aldeia do Ribatejo, 3.º edição, Lisboa, Caminho, 2004 - RIBEIRO, Margarida, Estudos sobre Glória do Ribatejo (por Margarida Ribeiro), Glória do Ribatejo, Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural da Glória do Ribatejo, 2001 - SANCHIS, Pierre, Arraial: festa de um povo, as romarias portuguesas, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1983 - SANTO, Moisés Espírito, A religião popular portuguesa, Lisboa, Assírio e Alvim, 1990

Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos (AHMSM) - AHMSM - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1869 - 1870, oficio 14 maio 1869 - AHMSM - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1870 - 1871, ofício 12 maio 1871 - AHMSM - Registo de ofícios para diferentes autoridades 1879 - 1881, ofício 21 maio 1879 - AHMSM - Registo de Ofícios para o Governador Civil: 1879 -1882, Oficio 24 maio 1880 - AHMSM - Registo de Ofícios para diferentes auctoridades: 8 Abril 1911 a 5 Dezembro 1913, Oficio 18 - Maio de 1911 - AHMSM - Registo de Ofícios para diferentes auctoridades: 8 Abril 1911 a 5 Dezembro 1913, Oficio n. 158 - 31 Maio de 1911 - AHMSM - registo de ordens de serviço dos Cabos Chefes 1919 a 1924

Arquivo Histórico da Junta de Freguesia de Muge (AHJFM) - AHJFM - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento 1860 – 1873 - 1 de junho 1863 - AHJFM - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento 1860 – 1873 - 12 de junho 1866 - AHJFM - Livro de Receitas e Despesas da Irmandade do Santíssimo Sacramento 1860 – 1873 - 18 de maio 1868 Salvaterra de Magos | n.º 6 | Ano: 2019


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Recursos da internet - Avelino de Jesus da Costa, A virgem Maria Padroeira de Portugal na Idade Média, disponível em: https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/4967/1/LS_S1_02_AvelinoJCosta.pdf, [consultada a 27 de novembro 2018] - Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, e História das imagens milagrosas de Nossa Senhora e das milagrosamente aparecidas, em graça dos Pregadores e dos devotos da mesma Senhora, disponível, Tomo 2, edição de 1707, em: https://archive.org/details/santuariomariano02sant/page/n335, [consultado a 25 novembro 2018] - Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal, Portugal antigo e moderno, vol. V, 1878, disponível em: https://archive.org/details/portugalantigoe02ferrgoog/page/n8, [consultado a 12 novembro 2018]

Créditos fotográficos: - Associação para a Defesa do Património Etnográfico e Cultural da Glória do Ribatejo - Alves Redol - Roberto Caneira

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Figura 46 - Aspeto do arraial da festa de Nossa Senhora da Glória - década de 40 séc. XX

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Figura 47 - Arraial da festa de Nossa Senhora da Glória - década de 60 séc. XX

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Figura 48 - Cartaz das Festas - Ano: 1962

Figura 49 - Cartaz das Festas - Ano: 1966

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Figura 50 - Cartaz das Festas - Ano: 1979

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Magos Lista de Juízes das Festas da Glória (1978 - 2019) Após o 25 de Abril de 1974, as Festas não se realizaram durante 4 anos, foram retomadas em 1978 graças ao esforço e dedicação do Sr. Francisco Bernardino Silvestre (Ti Chico Manel), que durante anos integrou diversas comissões de festas

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