Revista Magos 2018

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Magos

Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos n.ยบ5 | Ano 2018


Magos

| Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos n.º 5 Ano: 2018

Propriedade Câmara Municipal de Salvaterra de Magos Coordenação Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, Eng.º Hélder Manuel Esménio Grafismo Soraia Magriço Colaboradores deste número Gonçalo Lopes Carlos Carpetudo Franklin Pereira António Pedro Manique Roberto Caneira Capa Bote do Roberto - Década de 40 Execução Gráfica Gráfica Central de Almeirim, Lda Depósito Legal 380652/14 Tiragem 500 exemplares

Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos


Índice 1 | A propriedade régia em Muge durante a Idade Média | Gonçalo Lopes | pág. 3 à 28 2 | O projecto Muge 1692: Uma proposta de reconstrução virtual | Gonçalo Lopes e Carlos Carpetudo | pág. 29 à 58 3 | O frontal de altar em guadameci, na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos | Franklin Pereira | pág. 59 à 76 4 | O Modelo Espacial do Liberalismo e as Extinções do Concelho de Salvaterra de Magos (1836 - 1855 - 1867) | António Pedro Manique | pág. 77 à 104 5 | O Poder Local e os Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos - 1910 a 2017 | Roberto Caneira | pág. 105 à 124 6 | Granho e Marinhais: Breve nota toponímica | Gonçalo Lopes | pág.125 à 129

Salvaterra de Magos | n.º 3 | Ano: 2016


Magos Prefácio | A revista MAGOS desde o seu primeiro número assumiu estrategicamente uma função de defesa, estudo, preservação e divulgação da história local e do património cultural concelhio. A edição do 5.º número reforça estes objetivos, e continua a privilegiar a interdisciplinaridade e a descentralizar a temática territorial do concelho, não concentrando os seus temas na sede de concelho, mas sim abordando os diferentes lugares e as freguesias que formam o concelho de Salvaterra de Magos. O 5.ª número da revista MAGOS conta com a preciosa colaboração de vários investigadores e académicos, que se revêm nos objetivos desta revista e de uma forma “pro bono” continuam a colaborar com o Município, apraz-me agradecer a todos que colaboraram.

A revista continua a crescer e a sedimentar o seu lugar editorial, posso afirmar que já é uma referência a nível distrital, já que pelas suas caraterísticas é um importante instrumento de consulta e apoio a investigadores de história local, historiadores, estudantes ou a simples leitores anónimos que procuram conhecimento das raízes histórica e identitária do concelho. Espero que esta publicação continue a honrar o legado cultural dos nossos antecedentes, mas que fundamentalmente consciencialize as gerações futuras da importância da nossa identidade e memória histórica. Aos leitores espero que continuem a apreciar os novos temas da revista MAGOS, desejo-vos boas leituras.

O Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos

Eng.º Hélder Manuel Esménio

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A propriedade régia em Muge durante a Idade Média Gonçalo Lopes g.simoeslopes@gmail.com


A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

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Antecedentes Em 1301, D. Dinis recebe do Mosteiro de Alcobaça a sua quintã de Muge, em rigor um couto, trocando para o efeito parte do reguengo de Valada. Este acto foi, na prática, o culminar de um processo de aglutinação de terras ocorrido ao longo de todo o século XIII, e cujo resultado será, assim que passa à Coroa, a concessão da carta de foral. Recuando várias décadas, a constituição da propriedade deveu-se a Soeiro Gonçalves de Alfange, sobrejuiz de D. Sancho II e foi aumentada de forma considerável por dois dos seus filhos - os clérigos Mendo e Nuno Soares. Mendo Soares, na verba testamentária que redige em 1271, lega ao Mosteiro de Alcobaça todos os bens que detinha em Muge e, passados dois anos, Nuno Soares, tal como o irmão, testa a esta casa religiosa todo o património que havia reunido por compra, herança paterna e negociando partes dessa mesma herança com as irmãs e cunhados. Para além do que havia sido deixado pelos Soares de Alfange, entram no património alcobacense outras terras de menor dimensão, ainda dispersas nas mãos de particulares, tal é o caso das de mestre Vicente de Santarém, doadas em 1271. Assim, a partir de 1273-4 o Mosteiro vê-se detentor da maior parte do espaço compreendido entre o Tejo e o terço inferior da ribeira da Lamarosa, grosso modo aquilo que será o termo de Muge até à extinção do município, no século XIX. Alcobaça, nunca terá grande interesse em administrar directamente a quintã de Muge devido, não só à distância a que ficava do núcleo principal dos coutos que, excluindo Beringel estavam todos na Estremadura mas, sobretudo, pelo grande investimento necessário à conversão dos terrenos pantanosos do Paul em solo arável. Em virtude dessa mesma realidade opta por emprazar os seus herdamentos, primeiro ao almoxarife Pero Esteves, entre 1281 e 1285, depois ao meirinho-mor D. João Simão (1298). As condições do emprazamento feito a D. João Simão previam, além do óbvio aproveitamento agrícola, o povoamento e sendo este consistente, a outorga de foral pelos cistercienses nos moldes dos forais dos restantes coutos de Alcobaça. Por motivos não documentados, o emprazamento cessa pouco depois e, três anos volvidos, será o rei a negociar por escambo o património ali detido por Alcobaça, tornando-se então o senhor de Muge não só num sentido estritamente jurisdicional, mas de efectiva material da terra. Em 1304, D. Dinis concede foral a Muge e estabelece a partilha das terras com os povoadores. À semelhança do acontecera em Salvaterra de Magos, concelho vizinho criado em 1295, concede aos moradores o usufruto pleno das terras menos produtivas - as ademas - charnecas e arneiros - e reserva para si os solos de melhor qualidade - os pauis, que seriam explorados mediante o pagamento de 1/4 sobre o rendimento das colheitas. Exceptuando pequenos ajustes feitos nos reinados de D. Afonso V e D. Manuel, esta irá ser a configuração da propriedade régia ao longo de toda a Idade Média e parte da Modernidade, até à concessão da jurisdição de Muge ao duque de Cadaval, em 1692. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos 1 | Fontes Data do reinado de D. Afonso V o único tombo medieval que arrola de forma sistemática os bens régios na Comarca de Santarém1 e, consequentemente, o que a Coroa detinha em Muge. Posto que tardio, caracteriza de forma relativamente detalhada propriedade, em que circunstâncias foi obtida e quem era o usufrutuário. Não traz informações significativas em relação ao que se pode colher na diversa documentação referente aos reinados anteriores, no entanto, enumera as compras recentes do rei, geralmente courelas de modesta dimensão e vinhas que, de outro modo, escapariam a uma compreensão mais global dos bens régios. Curiosamente, surge na chancelaria de D. Manuel e na Leitura Nova a confirmação de uma doação de courelas por D. Afonso V não registada no Tombo o que sugere terem entrado na posse do rei por aquisição posterior à sua compilação. Nos reinados de D. João II e D. Manuel as fontes não referem quaisquer alterações à dimensão patrimonial, embora as chancelarias registem várias confirmações de mercês concedidas por D. Afonso V e a doação de alguns bens não enumerados anteriormente.

2 | O Património

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2.1. Terras de Pão

2.1.1. Paul

Esta era, de longe, a propriedade régia mais extensa. Com uma área total de cerca de 870 ha, começava na ponte da Figueira que atravessava a ribeira de Muge, pouco adiante da actual corte de Figueira e seguia a norte para o casal de Vicente Fernandes, escrivão das malfeitorias, próximo a Vialonga. Daqui continuava até ao pontão do Grou, nas imediações da actual localidade de Raposa, de onde partia na diagonal ao arneiro de João Boieiro e ali atalhava à foz da ribeira da Lamarosa. Inflectia a ocidente para a Adua e seguia contornando as ademas até à vala da Corte da Vinha. Pouco antes da corte de Figueira ficava a Várzea dos Covais, ou Covões, provavelmente a actual Várzea do Loureiro, que não fazia parte do vale da ribeira de Muge, mas estava incluída nas terras do Paul e, portanto, na alçada do património régio2. Como o topónimo Paul indica, tratava-se de uma zona pantanosa, frequentemente inundada no inverno e com grandes áreas de matos, embora com excelente aptidão agrícola (na sua maioria solos das classes A e B) ou, conforme a categorização do tombo quatrocentista - terra de pão. Este factor aliado à grande dimensão, fez dele a terra reguenga mais importante e com maiores expectativas na obtenção de rendimento. 1 2

A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fls. 164v - 167v. A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 166v.

Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

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O Paul, em rigor é o vale onde corre, sensivelmente a meio, o terço inferior da ribeira de Muge. Os seus limites conformam parte da bacia hidrográfica desta ribeira, com orientação este – oeste. O limite ocidental era a ponte da Figueira e daqui ao Tejo recebia o nome de Campo de Muge, já fora da alçada da Coroa. A sua organização dependia em grande medida deste eixo definido pela ribeira a partir do qual se dividiam diversos talhões de tamanho irregular condicionados pelas valas e regos que os delimitavam. Cada um deles, designados “cortes” a parFig. 1 - Área ocupada pelo reguengo do paul de Muge. Fonte: tir do final do século XIV, tinham um nome próprio Google Earth. que os permitia localizar na geografia do vale. A referência mais antiga a um destes talhões surge no contrato de compra e venda, datado de 1198, (Lopes, 2016, p. 79) da corte de Figueira, localizada na extremidade sudoeste do Paul. Será a porção de terra arroteada há mais tempo, com trabalhos iniciados provavelmente na alta Idade Média (Lopes, 2015, p. 175). Em 1388 D. João I faz dela doação, enquanto sua mercê fosse, a Gonçalo Pires, vedor da sua fazenda (Lopes, 2016, p. 79). A mesma corte está na posse de João Dornelas, contador da cidade de Lisboa, no primeiro quartel do século XV, sendo-lhe depois retirada por D. Duarte3. No tempo de D. João I são conhecidas mais três cortes - as cortes do Mouro - que confinavam a sul com a quintã de Muge. O nome destas cortes deve-se à sua cedência a mestre Brafeme, estribeiro muçulmano de D. Pedro I4. Na segunda metade do século XV há referência a outra corte - a corte de Cebola - localizada no limite noroeste do Paul5. No foral de 1304, D. Dinis determina com algum cuidado a forma como os povoadores deveriam aproveitar a terra, embora assinalando (pelo menos em intenção) que seria da sua própria competência a abertura de valas, construir pontes de madeira e delimitar bebedouros para evitar que o gado fizesse A.N.T.T., Chancelaria de D. Afonso V, Lº 19, fl. 54v. A.N.T.T., Chancelaria de D. Pedro I, Lº 1, fl. 92. 5 A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 166v. 3 4

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Fig. 2 - Cortes do Paul no séc. XIX. Na extremidade norte, a corte de Figueira. Detalhe do mapa do Tejo publicado por M. Guerra em 1861.

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dano nas valas6. Como veremos, a realidade será bastante diferente. Nos capítulos apresentados pelo concelho de Muge às Cortes de 1439 é dito que o Paul nunca tinha sido devidamente arroteado, só no tempo de D. Duarte foram abertas duas valas travessas e regularizados alguns boqueirões. Trabalhos esses que fizeram aumentar razoavelmente a produção de nos dois anos seguintes, mas as invernias que se lhes seguiram inutilizaram as valas, levando às queixas dos procuradores do Concelho que alegam já não ser ali possível lavrar. Consequentemente, o rei, por sugestão do almoxarife, mandara coutar a erva encoimando amiúde os lavradores de cujo gado fosse lá achado, com óbvio interesse do segundo porque lhe cabia a metade das coimas7. O tema volta a ser abordado nas Cortes de Lisboa de 1446, pedindo os procuradores de Muge que o rei provesse o Paul de valadores que fizessem a manutenção das valas, ao que D. Afonso V assentiu passando privilégios a dois que ali quisessem morar e trabalhar8. Durante quase todo o século XIV a gestão do Paul, bem como das restantes terras régias, era feita mediante o acordo firmado no foral de 1304, em que o usufruto era cedido aos lavradores de Muge e estes tratavam com rei intermediados pelo almoxarife de Santarém. No século XV o Paul passa a ter almoxarife e escrivão próprios, superintendidos pelo Almoxarifado de Santarém, numa relação nem sempre fácil com as gentes da terra. Como vimos, os rendimentos ficavam, na maior parte das vezes, muito aquém da capacidade produtiva do solo em virtude da dificuldade de atrair mão-de-obra e sobretudo, pelo descuido na drenagem, crónico até ao século XIX. Segundo as Inquirições de D. Dinis, no final do século XIII, toda a herdade de Muge, Paul incluído, rendia 100 moios de trigo e vinho9. Em 1529, um alvará de D. João III10 ordena que o almoxarife do paul de Muge remeta aos fornos de Vale do Zebro 80 moios de trigo, dos 180 pelos quais esta terra estava arrendada. Desconhecemos os termos do contrato, mas estimando pelo quarto que era exigido na Idade Média, a produção total desse ano andaria à volta dos 720 moios de trigo, o que é um aumento significativo se comparado com os índices medievais. Em 1759, o pároco de Muge queixa-se da negligência dos administradores do Duque de Cadaval em manter as valas limpas, comprometendo seriamente o seu cultivo. O mesmo pároco tinha memória de, num ano excepcional, terem sido colhidos 994 moios de trigo, sem contar com outras espécies cerealíferas sendo que, habitualmente só se obtinham 500 moios entre todos os géneros agrícolas11. Numa sentença de D. João I contra Teresa Novais, o rei reclama 200 moios de trigo relativos às cortes do Mouro das quais ela se havia apropriado indevidamente. O rendimento em causa corresponde ao quarto tributado sobre a produção durante 20 anos, o que dá uma média de 40 moios anuais só para aquelas duas parcelas. A.N.T.T., Chancelaria de D. Dinis, Lº 3, fl. 34v. A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 65v. 8 A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 70v. 9 A.N.T.T., Feitos da Coroa, Inquirições de D. Dinis, Lº 10, fls. 20v - 21. 10 A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte I, mç. 43, doc. 60. 11 A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 25, memória 225, p. 1906. 6 7

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A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

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Fazendo uma rápida estimativa para a época em apreciação e considerando os melhoramentos feitos no Paul durante a segunda metade do século XV, a produção corrente deveria rondar os 300/400 moios de trigo por ano. Durante quase todo o século XIV a exploração agrícola fez-se de forma muito incipiente mantendo-se as mesmas dificuldades que já vinham do tempo da granja alcobacense. A mão-de-obra era muito escassa, a vila difícil de povoar e os reis, não obstante a intenção de a incrementar, raramente cumpriam a parte que lhes cabia. Em 1376, D. Fernando concede carta de sesmaria a quem cultive o Paul, embora o texto nada inove em relação ao do foral de 1304. As condições mantêm-se praticamente as mesmas, sendo apenas agilizada e posta de forma mais objectiva a atribuição das terras aos lavradores12. Na realidade, pouco obviou os problemas habituais, já que o lugar continuou pouco atractivo à captação de trabalhadores agravados pela guerra com Castela que deixou a vila semidestruída13. Na primeira metade do século XV, a exploração continua a fazer-se de forma irregular e com conflitos frequentes entre os vizinhos e o almoxarife, a quem os primeiros acusam de parcialidade na divisão da terra privilegiando os de fora. Noutras ocasiões são os vizinhos de Muge a dispor do Paul como sua coisa própria fazendo posturas ao sabor dos seus interesses. Em 1426 o gado de Silvestre Anes, morador em Vialonga, foi encontrado no Paul dentro de terra coutada pelo Concelho. Encoimado em 80 reais brancos, foi julgado em primeira instância e absolvido porque o juiz considerou nula a jurisdição municipal sobre o Paul. Perante tal sentença os oficiais de Muge pedem arbitragem ao rei e este dá razão ao juiz porque, examinado o foral, o Paul era um reguengo, logo o Concelho não tinha ali qualquer tipo de jurisdição: “(…) e outrossim como o dito reo em cada hum anno lavra no dito Paul e por a carta do foral do ditto Concelho nom mostrava o dito Paul lhe ser dado em couto, e o dito Concelho fez coutada do que seo nom era”14. Em data incerta, D. Afonso V dá o Paul com todas as suas rendas e direitos a D. Garcia d’Eça, fidalgo da Casa Real e bisneto do infante D. João, filho de D. Pedro I. Não conhecemos o documento da doação, mas as condições seriam semelhantes às que surgem na confirmação do mesmo benefício concedido por D. João II ao seu filho, D. Jorge de Eça - a abertura de valas novas e a manutenção das antigas à sua custa. O tempo em que D. Garcia d’Eça deteve do Paul foi o mais contestado pelos vizinhos de Muge que lhe tecem violentas críticas nas Cortes de Lisboa de 1471. Com efeito, acusam-no de todo o tipo de violências: Deixar o seu gado destruir colheitas, encoimar arbitrariamente o gado deles, lavradores da terra e, inclusivamente, mandar servidores e mouros quebrar as portas dos seus currais para que o gado fosse apanhado a danificar culturas. Isto para além de violar constantemente o regimento do Paul e das já habituais queixas de parcialidade na distribuição de terras para cultivo15.

A.N.T.T., Chancelaria de D. Fernando, Lº 1, fls. 196v - 197. A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 44v. 14 A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fls. 46v - 49v. 15 A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura Lº 4, fls. 174v-175. 12 13

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A atribuição deste reguengo a D. Garcia d’Eça terá sido feita em uma vida, segundo o costume na generalidade dos reguengos. Não sabemos a data exacta da sua morte, mas é possível que tenha ocorrido entre 1476-77 porque em 1477, D. Afonso V dá o Paul com todas as rendas e direitos a Pero Feio, seu estribeiro-mor. Os termos desta doação são semelhantes aos da anterior estipulando o reembolso da despesa na abertura de valas novas aos herdeiros, caso este falecesse sem obter rendimentos que a liquidassem16. Em 1482, D. Jorge d’Eça, aproveitando a subida ao trono de D. João II, pede ao rei que lhe dê o paul de Muge como o tivera seu pai, D. Garcia. O rei acede à solicitação, mas desconta-lhe 30.000 reais da tença de 35.000 atribuída a D. Garcia por D. Afonso V à conta da despesa feita nas valas. Todo o gasto na manutenção das valas velhas seria por sua conta e a abertura das novas, paga pelo monarca. D. Manuel confirmará a mercê em 149717. D. Jorge beneficiou de 5000 reais de tença (quantia que ficava do abatimento dos 30.000) até cerca de 1526, data do último recibo de pagamento. Em 1529 é-lhe assinado o recebimento de seis moios de pão meado, cobrados ao almoxarifado do paul de Muge, o que significa que à data este ainda continuava na sua posse18. Não é claro se o seu filho D. Garcia de Eça vê renovada a mercê do Paul, como acontecerá com alcaidaria-mor da vila também de D. Jorge. Porém, o mais provável é que tenha retornado à Coroa uma vez que em 1530 D. João III manda que os contadores das comarcas de Santarém e Abrantes deem de empréstimo aos lavradores de Muge 58 moios de trigo, cevada e milho para semear19. Aparte as questões jurisdicionais intrínsecas ao domínio da terra, a tributação eclesiástica - dízimo - também era cobrada, independentemente de ser ou não reguengo. Neste caso, ao abrigo do escambo de 1301, a prorrogativa pertencia ao Mosteiro de Alcobaça. Tornar-se-á bastante flexível ao longo do século XV, havendo herdades da circunscrição paroquial a pagar os dízimos a outras igrejas. É o caso de uma fracção da Lezíria do Palanque, pertencente à Ordem de Cristo, cujos dízimos eram pagos à igreja de Santiago de Santarém por determinação daquela ordem20. Em 1516 D. Manuel pede ao papa que lhe conceda os dízimos do paul de Muge para os aplicar na defesa das praças portuguesas do Norte de África21, despachando Leão X, nesse mesmo ano, uma bula em favor do monarca. Por razões que ignoramos, D. Manuel desiste de aplicar os dízimos no Norte de África e faz deles mercê à colegiada de Stª. Maria da Alcáçova de Santarém, ainda em 151622, dos quais é beneficiária, pelo menos até 1529, data em que D. João III ordena ao almoxarife do Paul que os pague àquela igreja23. A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura Lº 10, fl. 296. A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 27, fl. 14. 18 A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte I, mç. 42, doc. 125. 19 A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte II, mç. 162, doc. 109. São registados nesta ocasião 54 lavradores, 40 de Muge e 14 de fora. 20 B.N.L., Fundo Geral, cod. 736, fls. 83 - 85v. 21 A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte I, mç. 20, doc. 84. 16 17

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A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 25, fl. 175v. A.N.T.T., Corpo Cronológico, Parte I, mç. 42, doc. 26.

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A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

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2.1.2. Vale de Lobos

Este era o segundo reguengo em tamanho e importância. Trata-se de um paul de menor dimensão, com orientação sudeste - noroeste por onde corre a ribeira de Vale de Lobos, afluente da ribeira de Muge. Era frequentemente inundado pelas cheias de inverno e lá, sensivelmente a meio, existe uma lagoa que não seca durante a estiagem devido à pouca profundidade a que se encontra o lençol freático. Próxima à foz, a ribeira é transposta por uma ponte de alvenaria, referida no tombo dos bens de D. Afonso V e cartografada no mapa de Fernando Álvares Seco, de 1560 servindo a estrada que atravessa o sítio de Montalvo em direcção a Salvaterra de Magos, pela margem esquerda da ribeira de Muge, referida desde o século XIII (Lopes, 2016, p. 81). O reguengo de Vale de Lobos confrontava a noroeste com o troço inferior da ribeira de Muge, conhecido por ribeira de Alcalana a partir da foz de Alpiarça, num lugar onde estava um cabouco que servira de estaleiro a um nauyo24. Do cabouco de Alcalana, o seu termo ia pela margem dos arneiros de Montalvo até ao caminho de Muge para o Escaroupim que passava sobre o vale do Cocharro, hoje a Estrada Nacional 118. Daqui partia pelo nordeste com a estrada do Rossio para Alcalana entre as actuais Quinta do Dias e a corte de Maria José. No século XV, por este reguengo considerado terra de pão, cultura que lhe foi alheia até meados do século XIV. No tempo de D. Dinis estava ali uma grande vinha, especificando o rei no foral que os seus rendimentos também eram sujeitos 24

A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 166.

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Fig. 3 - Detalhe do Mapa de Fernando Álvares Seco (imp. 1630). A sudeste de Muge está representada a ponte de Vale de Lobos.

Fig. 4 - Reguengo de Vale de Lobos. Fonte: Google Earth.

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Magos à tributação do quarto. A vinha existia naquele sítio desde a segunda metade do século XIII, mandada plantar por Nuno Gonçalves de Alfange na “(…) quintaa que fiz en Muya sobrelo uale de mata lobos a par de Monte aluo (…)”25. No reinado de D. João I o paul de Vale de Lobos estava em estado de semiabandono, sem qualquer tipo de aproveitamento e a vinha perdida. Numa tentativa de clarificação dos direitos reais em Muge, o monarca manda inquirir sobre diversas propriedades entre as quais esta terra, supostamente com foros em dívida há vários anos. Em consequência disso, em 1395, o almoxarife de Santarém vem a exigir aos moradores de Muge que paguem o quarto que deviam. Todavia, o rei acabará por isentá-los dessa obrigação porque há muito tempo que ali não existia vinha alguma, conforme responde o procurador de Muge: “(…) que nenhuns homens deste tempo nunca virom estar vinhas nenhũas, porque he tal terra, que por tanto tempo nom poderia durar, qua dizem que he terra de area, e nom poderia durar em ella vinha nenhũa mais de vinte anos (…)26. Ao que parece, exceptuando 5 pés de oliveira27 que ali havia, grande parte do terreno estaria em bravio, não se lhe conhecendo qualquer referência documental entre os finais do século XIV e o XV. Na segunda metade do século XV o Vale de Lobos está na posse de Rui Besteiro, cavaleiro da Casa Real, por doação de D. Afonso V. Desconhecemos a data da mercê mas, em 1474, o mesmo Rui Besteiro pede ao rei que lhe conceda o Vale de Tamargais, provavelmente as Tramagas, na continuação do reguengo de Vale de Lobos, entre a ribeira de Muge e o Tejo; no mesmo documento é confirmada a doação anterior28. Em 1511 é cedido a D. Jorge d’Eça29, não havendo mais nenhuma fonte que o refira depois disso.

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2.1.3. Terra do “Amaral”

De entre as terras da Coroa esta era a terceira em dimensão também ela apta ao cultivo de trigo, chegando aos dias de hoje com a configuração cadastral intacta. A propósito do topónimo é conveniente referir que a designação “do Amaral” será um erro de transcrição do Tombo. Em rigor, a parcela chamava-se “Amoral” (de amora, fruto da silva), que deu a designação actual de Moral ou Mural, por queda da vogal do início. Localiza-se num meandro da ribeira de Muge, entre a ponte e a foz da ribeira de Alpiarça e é “rredonda e valada sobre sy”, confrontando a nascente com o Rossio. No século XV levava de semeadura 30 alqueires de trigo, estando de mercê a Afonso Álvares, alcaide-mor de Muge30. Pelas confrontações percebe-se que é o mesmo talhão escambado por D. Dinis a Marinha Anes Soldadeira31. A.N.T.T., Ordem de Cister, Stª. Maria de Alcobaça, 2ª Inc., mç. 10, doc. 224. A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 11v. 27 A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 166. 28 A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura Lº 4, fls. 283v - 284. 29 A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 8, fl.38. 30 A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 167. 31 Era mulher de Pero Esteves, almoxarife de Santarém e criado do meirinho-mor D. João Simão. É o mesmo Pero Esteves a quem o Mosteiro de Alcobaça empraza as terras de Muge, entre 1281 e 1285. 25 26

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A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

Em 1322 o monarca cede perpetuamente a terra ao seu escrivão Estevão Peres nas mesmas condições em que havia dado de foro os reguengos aos lavradores de Muge, ou seja, mediante o pagamento de ¼ da produção32. Isto porque o almoxarife Gil Martins e o escrivão de Muge e Salvaterra se queixaram ao rei que “a moor parte dessa herdade ficaua por laurar en cada huum ano e que non auya eu dela tanto come nada”.

2.1.4. Lezírias

Para ocidente da ponte da ribeira de Muge findavam os reguengos e começavam as lezírias, agrupadas sob a designação genérica de Campo de Muge, formavam um loteamento heterogéneo de courelas de pequena e média dimensão e a sua posse estava dispersa por diversos proprietários laicos e casas religiosas, algumas com sede extraregional, como Stª Cruz de Coimbra. Como as restantes terras de aluvião, o cultivo centrava-se essencialmente no trigo, como deixa um testemunho eloquente o documento de emprazamento de três courelas do Mosteiro de Chelas, em 1483: “(…) de pam meado bom e limpo de paa e de vassoira E de rreeçeber por santa maria dagosto medudo na eira e entregue e posto no embarcadoiro do porto de muja.”33 Embora as fontes pouco adiantem sobre o património régio nesta área é certo que o rei também detinha algumas parcelas de lezíria, pelo menos em duas áreas distintas. Por falta de dados não é possível

Fig. 5 - Terra do Amoral. São visíveis os mesmos limites que tinha na Idade Média. Fonte: Google Earth.

traçar um quadro temporal alargado, uma vez que a documentação as remete para o último quartel do século XV, ao tempo de D. Afonso V. A que aparentava ser de maiores dimensões é a Lezíria da Verga doada em 1476 em uma vida a Pero Vaz da Cunha, fidalgo da Casa Real34. Esta doação é confirmada por D. Manuel em 149735. A doação de D. Afonso V não lhe refere a localização, mas pelo documento de 1501 percebe-se que entestava no Escaroupim junto à foz da Ribeira de Muge, grosso modo o sítio que actualmente se chama Mouchão do Escaroupim. Poderá ser a mesma lezíria do Escaroupim, cedida por D. Fernando em 1371 a Francisco Esteves seu vedor, e no ano seguinte, a João Esteves Provados, criado do falecido D. Pedro I37.

A.N.T.T., Chancelaria de D. Dinis, Lº 4, fl. 98v. A.N.T.T., Cónegos Regrantes de Stº. Agostinho, Mosteiro de Chelas, mç. 54, doc. 1078. 34 A.N.T.T., Chancelaria de D. Afonso V, Lº 7, fl. 39v. 35 A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 30, fl. 94. 36 A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 38, fl. 80v. 37 A.N.T.T., Chancelaria de D. Fernando, Lº 1, fls. 72v, 117. 32 33

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Fig. 6 - Localização das lezírias do Escaroupim e do Palanque. Fonte: Google Earth.

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Na Lezíria do Palanque38, a norte da anterior, D. Afonso V cede em 1475 três courelas a Pedro de Sá, fidalgo da sua Casa39, confirmadas em 1490 ao seu filho Francisco de Sá40. De entre as terras de pão pertencentes à Coroa, as lezírias são as menos expressivas, como podemos verificar não obstante ficarem dentro da classe de solos mais produtivos do País e bastante cobiçados na Idade Média. O facto de estas passarem despercebidas ao património régio deve-se essencialmente a uma maior e mais antiga fragmentação, à semelhança do que se passa no resto da planície aluvial do Tejo (Valada, Moncão, Caçarabotão, Trava, etc.).

Sendo o rei o “herdeiro” dominial do Mosteiro de Alcobaça cujo couto não ia para oeste do Paul, jamais poderia estender as suas propriedades pelo Campo de Muge, precisamente porque já estava ocupado desde o final do século XII por uma multidão de courelas, cada uma com o seu dono. É verdade que, logo no início do século XIV, D. Dinis se esforça por comprar e escambar terra fora do seu senhorio talvez na tentativa de estender os reguengos até ao Tejo, porém ficou restrito a dois ou três lotes isolados no meio de tantos outros, na sua maioria da nobreza de Santarém e que nunca serão património da Coroa. Por vezes, quando rei tinha necessidade de se servir das lezírias em vez de adquirir, pede de empréstimo aos proprietários. Em 1404 D. João I reconhece trazer emprestada uma courela na Lezíria do Palanque, pertencente à Ordem de Cristo, para aí criar as suas éguas41.

2.1. Vinhas A vinha era a segunda cultura mais importante durante a Idade Média. Menos exigente do que o trigo, podia ser disposta praticamente em qualquer lugar, desde que devidamente cuidada. À volta de Muge existiam vinhas em grande número, nomeadamente em terrenos de areia menos próprios ainda assim plantados. A esse propósito já referimos a vinha de Vale de Lobos que, plantada no final do século XIII, fará parte do reguengo de D. Dinis, desaparecendo no reinado de D. João I.

A Lezíria do Palanque é uma parte do Mouchão da Silveira, entre a Ribeira de Muge e o Tejo. A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura Lº 1, fls. 10 -10v. 40 A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura Lº 11, fls. 108 - 108v. 41 B.N.L., Reservados, Cod. 736, fl. 78. 38 39

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A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

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Por uma carta datada de 1430 sabemos que D. João I tinha outra em Muge, chamada, de Vasco Lourenço, sobre a qual os moradores foram condenados a pagar o quarto pelo seu usufruto, em dívida há mais de 30 anos42. Sem a indicação das confrontações não é possível fazê-la coincidir com um espaço concreto, embora possamos supor que seja uma das que adiante se enumera. No século XV estão registadas cinco vinhas e, exceptuando uma que ficava junto ao caminho de Coruche, estavam todas situadas no espaço compreendido entre o Paço e a Igreja que parece ser onde se concentrava a maior parte dos vinhedos, não só os do rei. Em geral, são courelas de pequena dimensão, sendo a maior de 24 X 13 hastins que tinha um pomar anexo, cerrada e valada em redor. Estava próxima da ponte (e do Paço) e confrontava a nascente com a quintã de Muge sendo, portanto, a área ocupada hoje pelas adegas da Casa Cadaval. No último quartel do século XV foi cedida a D. Garcia d’Eça para compensar a despesa feita na abertura da vala da testada dessa vinha43. Pela localização, tudo indica que o intuito principal seria alargar a área útil da propriedade rústica anexa ao Paço dotando-a de áreas produtivas. Por outro lado, tendo o rei o direito de relego, o seu vinho seria o primeiro a ser vendido em Muge representando um negócio lucrativo quer em benefício próprio, quer na forma de mercê para pagar os serviços dos dependentes, como foi o caso de D. Garcia.

2.3. Propriedade urbana 2.3.1. A quintã de Muge

Fig. 7 - Localização das áreas de vinha em Muge, durante a Idade Média.

A.N.T.T., Gavetas 12, mç. 6, doc. 6. A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 165. 44 A.N.T.T., Feitos da Coroa, Inquirições de D. Dinis, Lº 10, fl. 21. 42 43

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“(…) alcobaça lhy dera o que auja em muya Conuem a saber Cassa seruida com booys e com moyros e com herdamentos e com vinhas (…)”. Esta era descrição da quintã de Muge no início do século XIV, inserta nas Inquirições de D. Dinis44. O documento reporta-se à composição feita entre o Mosteiro de Alcobaça e Pero Esteves, duas décadas antes para averiguar quais os seus rendimentos. Para todos os efeitos, dá a definição concreta do que seria uma quintã medieval: domínio fundiário, de dimensão variável encabeçado por um elemento urbano - a casa - que dispunha dos equipamentos necessários ao serviço da propriedade.

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A constituição da quintã na primeira metade do século XIII deve-se a Soeiro Gonçalves de Alfange, herdada pelo seu filho, Nuno Soares é, por sua vez, legada ao Mosteiro de Alcobaça. No testamento tem o cuidado de referir que se trata da quintãa uelha de Muya, recebida do pai, para a diferenciar da que ele próprio tinha construído sobrelo uale de matalobos a par de Monte aluo. Ocupou o povoado islâmico que existiu no mesmo lugar até meados do século XII acabando por absorver o que restava dele e, pelo escambo de 1301 entra nos bens da Coroa. A área rústica era relativamente extensa. A norte incluía as cortes adjacentes a sul da ribeira de Muge, a nascente confrontava com o caminho pera os marmelaaes que poderá ser a estrada velha que passa o Serradinho em direcção à Fonte da Costa. A sul, o limite seria pela Cova da Faia contra montaluo45. Para além do trigo cultivado nas cortes, facto que levou o compilador do Tombo a considerá-la terra de pão, havia áreas de olival e vinha. O edificado urbano era constituído por várias casas, lagar com as suas vasilhas e zonas para estabulamento do gado ao serviço da propriedade. No século XIV (1337), mestre ‘Ali, estribeiro de D. Afonso IV chega, inclusivamente, a ter aqui as suas éguas46. A quintã esteve na posse de mestre ‘Ali provavelmente até à sua morte em 1362- 63, altura em que D. Pedro a doa a outro mouro, mestre Brafeme47 (Ibrahim) seu estribeiro e talvez seu filho48. Em 1368, D. Fernando concede a quintã a título hereditário a João Esteves Privados49, criado de D. Pedro I50. Cinco anos depois, talvez por falecimento João Esteves, é dada de juro e herdade a Rui Pereira e Violante Lopes (Soares de Albergaria). É com a filha destes, Teresa Novais, que D. João I terá um pleito por posse indevida das cortes do Mouro entendidas pelo rei como não incluídas na doação do irmão. Na segunda metade do século XV, o tombo dos bens de D. Afonso V faz-lhe referência, mas não diz Fig. 8 - Área ocupada pela quintã de Muge. Fonte: Google Earth. quem tinha o usufruto, supomos que D. Rolim de Moura, senhor de Azambuja.

A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 167. A.N.T.T., Chancelaria de D. Afonso IV, Lº 4, fl. 23v. 47 Mestre Brafeme era morador em Santarém, na freguesia do Salvador. A.N.T.T., Colegiada do Salvador de Santarém, mç. 3, doc. 123. 48 A.N.T.T., Chancelaria de D. Pedro I, Lº 1, fl. 92. 49 É o mesmo João Esteves a quem D. Fernando dá a Lezíria do Escaroupim. 50 A.N.T.T., Chancelaria de D. Fernando, Lº 1, fl. 34. 45 46

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D. Rodrigo de Moura, na qualidade de filho varão de D. Rolim e descendente de Rui Pereira e Violante Lopes, solicita a D. Manuel que confirme os bens herdados por sucessão na Casa, usando para isso o traslado da carta da doação feita por D. Fernando aos seus trisavós. D. Manuel confirma a posse em 151351, data a partir da qual mais nenhum documento lhe faz referência.

2.3.2. Paço Os paços régios (do latim palatium - palácio) eram estruturas fundamentais à Corte medieval, em constante itinerância pelo território. Com efeito, na Idade Média não pode ser entendida como um corpo estático desde logo porque não havia a noção de uma capital do Reino. O rei podia ficar num determinado sítio por períodos mais ou menos dilatados, mas jamais aí permanecia indefinidamente. Por outro lado, vista noutra óptica, a existência dos paços era também um alívio para as populações que se viam menos sujeitas à obrigação de dar aposentadoria às comitivas régias; obviamente não as isentava de contribuir com o que fosse necessário, mas até certo ponto, escusava-as de recebê-las de forma onerosa nas suas casas. D. Duarte, na carta em que isenta os moradores de Muge de aposentadoria, vai ao encontro desta mesma ideia: “(…) e quando contecer, que hi chegue algum senhor, ou cavalleiro de grande estado, e quizer pouzar nos nossos Paços, mandamos ao cazeiro, que em elles esta, que lhe dè a ello logar.”52 Desde muito cedo, os reis dotaram o Vale do Tejo com uma rede de estruturas palatinas que assegurava o apoio às suas constantes deslocações pela comarca de Santarém. O mais importante ficava, obviamente, nesta vila local privilegiado para as estadias da Corte pelo seu prestígio e importância estratégica enquanto ponto central de ligação com resto do Reino. Assim, em redor de Santarém foram construídos vários paços-satélite que garantiam lugar de pousada a caminho de outras localidades de relevo como Lisboa e Évora, ou simplesmente para recreio da Corte. Na margem esquerda do Tejo, surgem em Salvaterra e Muge na transição do século XIII para o XIV e em Almeirim, no primeiro quartel do século XV, associado à criação da Montaria de Santarém por D. João I. A partir de 1511, mais tardiamente, é construído o Paço da Ribeira de Muge, com o claro objectivo de servir de base às caçadas nas coutadas em redor. O paço de Muge terá sido construído pouco depois de 1301, assim que o rei obtém o senhorio da terra. Anos depois, e mencionado nas inquirições de D. Dinis tendo como morador e eventual paceiro um certo Pero Martins53. Ao longo do século XV há diversas referências, embora de nenhuma seja possível colher qualquer tipo informação que permita caracterizá-lo. Só no último quartel dessa centúria aparecem dados nesse sentido, compilados no já referido tombo dos bens de D. Afonso V. A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura Lº 13, fls. 120 - 120v. A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fls. 74 - 74v. 53 A.N.T.T., Feitos da Coroa, Inquirições de D. Dinis, Lº 10, fl. 20v. 51 52

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Magos Era uma construção térrea, possivelmente com sobrado no alçado norte, com um claustro ou pátio povoado de arvores e todo o conjunto era murado, sem que houvesse construções de propriedade alheia a ele encostadas. A repartição interna é descrita de forma lacónica e apenas sabemos que tinha uma grande sala térrea com outras casas anexas54. Situa-se numa pequena elevação sobranceira à ribeira de Muge, talvez por uma questão de facilidade de acesso ao transporte fluvial vindo do Tejo e imediatamente à frente da ponte que fazia a ligação terrestre ao norte da comarca de Santarém. A crónica de D. João III, apesar de tardia, dá um bom exemplo desta localização: “(…) a Rainha e a ifante dona Isabel, e ficarão para as acompanharem o duque de Bragança o barão d’Aluito, dom Diogo lobo, e outros senhores da corte, com ha qual companhia chegarão a Mugem (…) Rainha dona Leonor sua irmam viuua delRey dom Manoel, que então estaua aposentada na villa de Muja (…) foy no mes de Mayo deste anno de mil e quinhentos, e vinta três, veyo elRey d’Almeirim a Muja a visitalla antes que se partisse (…)” (Andrada, 1613, p. 19, 43). No tempo de D. Afonso V o paço estava nas mãos de D. Garcia d’Eça e é possível que tenha retornado à Coroa após a sua morte, a julgar pelo número de visitas régias a Muge a partir do reinado de D. João II (Serrão, 1993). Todavia, mesmo que o seu filho D. Jorge d’Eça não tivesse a mercê renovada, os paceiros são escolhidos entre sua clientela. Em 1496 é nomeado paceiro Luís Gomes55 e em 1500 Antão Gonçalves56 para o mesmo cargo, ambos da sua Casa e em simultâneo detentores de vários oficios na vila.

Conclusão

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Fig. 9 - Recriação 3-D do paço de Muge no séc. XV (edição pósprocessual de Carlos Carpetudo).

Durante quase todo o século XIV os reis tiveram o cuidado de não fazer mercê das terras a nobres e a clérigos ou, na melhor das hipóteses, evitar que terceiros fizessem transmissão do seu património a pessoas de estrato social diferenciado. Numa carta datada de 1322, D. Dinis cede de uma herdade em Muge referindo claramente: “(…) nem alhear nem escambar a dita herdade nem parte dela a caualeiro nem dona nem escudeiro nem clerigo nem a ordim nem a outra pessoa poderosa nem Religiosa senom aa tal pessoa que seia da uossa condiçom (…)”57.

A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 164v. A.N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 34, fl. 84. 56 A .N.T.T., Chancelaria de D. Manuel, Lº 12, fl. 40v. 57 A.N.T.T., Chancelaria de D. Dinis, Lº 4, fl. 98v. 54 55

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Porém, a crise durante reinado de D. Fernando inaugura um novo paradigma: O tesouro entra em falta de liquidez devido às sucessivas guerras com Castela e o monarca vê-se obrigado a alhear parte do seu património para pagar os serviços dos vassalos. A doação da quintã de Muge, de juro e herdade a Rui Pereira não é mais do que um sintoma dessas condições vividas no final do século XIV. Finda a crise dinástica, D. João I será mais parcimonioso na distribuição das terras da Coroa e é notória a diferença em relação ao reinado anterior, com a tentativa legalista de recuperação do património cedido com base dúbia ou apropriado de forma indevida. Não esquecer que isto acontece no contexto da Lei Mental, embora só publicada no tempo de D. Duarte, já vigorava no tempo de D. João I. Justificando as numerosas confirmações de diplomas anteriores ocorridas nesta época e que irão marcar a transmissão dos bens da Coroa dali em diante. D. Afonso V entra claramente em contra-ciclo e acabará por dispersar todos dos reguengos sem excepção por elementos da nobreza fosse para compensar serviços, fosse para evitar despesas da sua manutenção.

Apêndice Documental

1273 - 06 - 07 Testamento de Nuno Soares [...]. Item. mando que Alcobaça aya o meu quinhom da quintãa uelha de Muya que mj ficou de meu yrmaao Soeyro soariz con ssa vinhas e con as liziras e con o meu dereyto do paul e con quanto hy ey que mj ficou desse meu yrmaao Soeyro soariz. e con a vinha que mj hy ficou de meu padre assi como antre mi e o Abade de Alcobaça est posto per estrumento feyto pelo tabellion da Guarda. e mando a Alcobaça a mha quintaa que fiz en Muya sobrelo uale de mata lobos a par de Monte aluo con ssa vinha e con ssas herdades e con seu monte de conhedo e con todolos outros montes e uales e dereytos que ey en toda essa terra. que ey da parte de meu padre e de meu yrmaao Soeyro soariz e con sas entradas e con ssas exidas e con todas perteenças. e quanto eu hy ey so tal condiçom que o Abade de Alcobaça faça leuar Mayor a que tem Maria soariz e a meta en Coz e a contenha en quanto for uiua pelos fruytos desse logar. e o al que fica dos fruytos desses herdamentos deno ao Conuento en pitança ou en pitanças que faça esse Conuento aniuerssayro en cada huun ano en ssa uidada dita Mayor. e poys que morrer. essa Mayor aya o Conuento de Alcobaça esses h erdamentos por seus quites pera ssas pitanças. e faça cada ano aniuerssayro por mha alma e de meu padre. e se essa Mayor non quiser alo hyr ou non quiser hy ficar. Mando que o Conuento de Alcobaça aya esses herdamentos pera ssas pitanças. [...] E eu Jhoam suariz publico Tabelliom de Portalegre chamado sobraquisto e rogado do sobredito Nuno suariz este strumento con mha maao propria screuj e en ele meu sinal pusi que tal est (sinal) en testemoyo destas sobreditas cousas. ffoy feyto en portalegre en casa de Martjn uenhegas quarta feyra. vij. dias andados do mes de Juyho. Era. Mª. CCCª. xjª. A.N.T.T., Ordem de Cister, Santa Maria de Alcobaça, 2ª Inc., Mº10, Doc. 224. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos 1302 - 07 - 28 - Venda de 13 hastins de herdade em Muge a D. Dinis.

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En nome de Deus amen esta he a Carta dauendiçom e da perdurauil ffirmidoym a qual encomendamos a ffazer Nos dona Maria molher en outro tempo de Pero nouaais e Gomez perez petariom ffilho da dicta dona Maria. A nosso Senhor El Rey de huum nosso Talho derdamento de Treze estijs o qual nos auemos en termho de Santarem en logo que chamam Muia O qual erdamento dos Treze estijs parte com nosso Senhor El Rey da hũa parte E da outra parte com Joham simhom e da outra parte com Soeiro meendis petite vendemos a uos nosso Senhor el Rey e outorgamos o dauante dicto Talho de Treze estijs da dicta Erdade com todas sas entradas e com todas sas saidas e com todos seus derreitos e perteenças por preço nomeado que de uos reçebemos conuen a ssaber Cento e Thrinta libras Ca a tanto a nos e a uos ben aprougue e do preço apres de uos nenhũa cousa en diuida fficou por dar Por ende aiades uos o dicto Talho da dicta Erdade ffirmemente pera todo senpre e toda uossa Geeraçom depos uos E sse alguem ueer assy da nossa parte come dos outros estranhos que este nosso ffeyto e uosso britar ou tentar queser nom sseia a ele outorgado mais pola soo tentaçom quanto demandar tanto a uos en dobro conponha E sse nos a uos o dicto Talho da dicta Erdade en Conçelho outorgar nom quisermos ou deffender nom podermos conponhamos nos a uos ele dubrado e quanto ffor milhorado e ao Senhor da Terra outro tanto ffeyta a Carta vjnty e Oyto dias de Juinho da Era de Mil e Trezentos e Quareenta anos E nos de ssuso dictos que esta Carta encomendamos aa fazer ela dante boons omees Reuoramos e outorga mos Os que presentes fforom Afonso paaiz Clerigo de nosso Senhor el Rey e Domingos joanes da Posta e Domingos martjz de sam Juyaão Tabelliões e Afonso dominguiz e Domingos ffernadiz Clerigos do dicto Afonso paaiz E eu ffrançisco martiz publlico Tabelliom de Santarem a rogo da dicta dona Maria e do dicto Afonso paaiz Clerigo de nosso Senhor el Rey a esta vendiçom presente fuy e esta Carta ende com mha maão propria escreuy e en ela este meu si [sinal público] nal pugy en testemuynho de uerdade A.N.T.T., Gavetas 12, Mº 11, doc. 10.

1337 - 12 - 04 - Cedência da quintã de Muge a mestre ‘Ali, seu estribeiro Dom Affonso pella graça de deus Rey de Portugal e do Algarue a uos meu Almoxarife e ao meu escrivam de muga saude Sabede que Eu tenho por bem que mestre Aly meu Estrabeyro tenha de mjm as casas da graia que foy do mosteyro dalcobaça que som en esse logar com sa vinha e com seu Oliual e com seu lagar e uasylha se as hij haas pera trager e criar en esse logar sas Eguas e potros e seus gaados E esto lhj faço de graça enquamto for mha merçee Porque uos mando que lhj entregedes logo as dictas cousas vnde Al nom fasades e o dicto mestre Aly tenha esta carta Dante em Lamas dorelham quatro dias de decembro El Rej o mandou per ffernam gonçalvez cugominho seu vasallo francisco Lourenço Afez Era de mil e trezentos e saatenta e Cinque anos ffernam gonçaluez a uy A.N.T.T, Chancelaria de D. Afonso IV, Lº4, fl.23-v.

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1373 - 06 - 20 - Doação da quintã de Muge a Rui Pereira e Violante Lopes ¶ dom fernando pella graça de deos rrey de purtugall e do algarue a quantos esta carta virem fazemos saber que nos queremdo fazer graça e merçee a rrui pereira caualleiro nosso vassalo e a violante lopez sua molher por seruicos que delle Ruj pereira Recebemos e emtemdemos Receber ao diamte. E queremdo lhe nos Remunerar e conhecer com merçees como cada huum rrey he teudo de nossa liure vomtade fazemos lhe doaçam pura amtre hos viuos e a todolos seus herdeiros e sobeessores (sic) que depois eles vierem e lhe damos por juro e herdade a nossa quintaa que chamam de muja que a tenham daqui em diamte de nos per a guissa que a tinha Joham esteues priuados com todas suas emtradas e saídas e com todas suas jurdicaçoes. E mandamos que facam da dicta quintaa e dereictos pertemças della como de sua herdade própria e que eles per si e sua própria autoridade tomem e possam tomar a posse da dicta quintaa e dereitos e pertemças della, A qual doaçam per nos e por nosso soccessores prometemos dauer por firme e estauell pera todo sempre daqui em diamte e se alguũa passoas quiserem hyr comtra esta doaçam mandamos que lhe nam posam empeçer ca nos queremos e outorgamos que esta doaçam seia valiosa pera todo sempre nam embargando quaaes quer leix dereictos custumes e outras quaes quer coussas per que se Esta doaçam possa embargar ou comtradizer as quaaes nos aquj auemos por expressas e repetidas e mandamos que nam ajam lugar em esta doaçam nem lhe possam empeçer ca nos de nossa çerta sciemçia poder absoluto queremos e outorgamos que esta doaçam seia valiosa pera sempre como dicto he. E em testemunho desto lhe mandamos dar esta nossa carta escripta em sanctarem a vimte dias de junho Ell Rey o mandou afomsso piriz a fez. Era de mil quatroçentos xj anos. A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura, Lº 13, fls. 120 - 120v.

1423 - Sentença contra Teresa Novais sobre as cortes do Paul Dom Joham pella graça de deos Rey de portugall e do algarue e Senhor de çepta A uos pero gonçalluez nosso almoxariffe em santarem e a outros quaes quer a quem desto conhecimento e a quem esta carta ffor mostrada saude sabede que per dante o Juiz dos nossos ffeitos era ffeito hordenado a uos martim affonso procurador dos nossos ffeitos por nossa parte autos de hũa parte e tareiga novaães dona veuua morador em santarem filha que ffoy de Ruj pereira Rea por sy da outra dizendo o dicto nosso procurador por nossa [...] que nos avemos em o logo de muJa o nosso paull que hj esta que era nosso Regueengo confrontado e lemjtado sobre ssy de que nos aviamos dauer o quarto dos frujtos que deos hj desse e que nos aviamos no dicto paull e Regueengo tres cortes de herdade que jazem dentro no dicto Regueengo e no dicto paull as quaes cortes a dicta dona Ree tomou e tem ssem titullo e djreito que em ellas teuesse sendo molher filha dalgo e tall [...] que nom podia auer nem gaançar posissom algũa no dicto Regueengo sem espiçiall priujllegio nosso per bem da hordenaçom do Rejno ffeita em contrairo e que a dicta dona teue e tem as dictas cortes e herdade contra a defesa da dicta hordenaçom e asy foy senpre pesoydor de maa ffe e era theuda de Restituyr os frujtos que da dicta herdade ouue e que avia vijnte annos os mais achegados aa ca que a dicta Ree o auia e tragia tinha (riscado) rocuperaua e defrujtaua a dicta herdade Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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em o quall tempo poderia auer della dozentos moyos de trijgo ou quanto been em uerdade segundo que desto era prubica uoz e fama pedja o dicto nosso procurador ao dicto Juiz que per sentença deffenitoria Julgasse que a dicta dona leixasse e desembargasse a nos a dicta herdade por quanto Jazia dentro no dicto nosso Regueengo e paull como dicto he e a condanasse em os dictos dozentos moyos de triigo que a dicta herdade ouuera eu por cada huum alqueire quinze Reais brancos desta moeda corrente segundo que o dicto nosso procurador esto era mais compridamente dizia e pedia em sua auçom Contra a quall a dicta dona presentou perdante nos hũa carta de doaçom del Rey dom fernando nosso Jrmão em a quall antre as outras cousas era consirado que por seuiço que Reçebera de Ruj pereira lhe fazia pura doaçom a ell e a viollante lopez sua molher pera elles e todos sseus herdeijros e suçessores que depos elles viessem da quintãa de muJa e que a ouuessem polla guisa que a do dicto nosso Jrmão tijnha Johane esteuez prouado com todas suas entradas e e saydas e perteenças e Jurdiçõees e que ffezessem della e das cousas que a ella pertençia como de sua cousa propria a quall doaçom lhes fazia sem enbargando quaes quer e djreitos e custumes e ordenações que em contrario fossem fectas outorgando lhes a dicta doaçom por firme e estauell pera senpre antre ujuos valledejras segundo mais conpridamente sse mostraua polla dicta doaçom dizendo a dicta Ree que per erança do dicto Ruj pereira e sua molher ella cobrara e ouuera a dicta quintãa a quall quintãa teuera senpre por suas perteenças as dictas cortes e que o dicto Joham esteuez o prouado as tuera senpre em quanto teuera a dicta quintãa de muJa em sua vida e que quando ella ouuera a dicta quintãa e lhes fora entrege a posse della que logo lhes forom entregues as dictas cortes asij como suas perteenças e que das perteenças da dicta quintãa foram senpre aauudas des çento anos aa ca que a memoria dos homens non era em contrario e que porem non era theuda de leixar nem desenbargar as dictas cortes e o dicto nosso procurador pera fazer çerto de sua auçom presentou ante nos hũa carta del Rej dom affonsso meu avoo cuJa alma deos aJa e outra de dom pedro meu padre em que era contheudo que querendo fazer graça e merçee a braffome mouro sseu estrabeiro lhe daua em teença em quanto sua merçee fosse as tres cortes da herdade que o dicto Señor avia em muJa a que chamauam as cortes do mouro as quaes soya a laurar meestre aly outrossj estrabeiro que fora del Rej dom afonsso meu avoo as quaes cortes partiam com as vinhas da sua quintãa que elle hj avia do dicto Señor Rej tragia o dicto braffome segundo mais conpridamente se mostraua pollas dictas cartas sobre as quaes sse contendeu tanto de ffeito perdante o Juiz dos nossos ffeitos ata que foy ffeito concluso O quall visto per nos em Rellaçom com os do nosso desenbargo presentes as dictas partes e vistas per nos as dictas cartas postas no dicto ffeito per as quaes sse mostra estas cortes non seerem das perteenças da quintãa de muJa que foy dalcobaça que a dicta tareiga novães trage e como sse mostra que ssom dentro no paull do dicto logo de muJa e das perteenças delle e non das perteenças da quintãa que trage a dicta tareiga nabaães por tanto Acordamos que as dictas cortes e terra em que estam ficassem a nos liures e desembargadas pera dellas ffazermos o que nossa merçee fosse como de nossa cousa propria sem enbargo da dicta tareiga novaães a quall mandamos que nos leixe e desenbargue as dictas cortes e terra em que estam pera dellas ffazermos o que nossa merçee for como dicto he e seJa sem outras custas visto o ffeito quall he e Porem mandamos a vos e a todollas outras nossas Justiças que conpraes e

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façades conprir e a guardar o dicto nosso Juizo asij e polla guisa que nos (riscado) per nos he acordado e Julgado sem outro enbargo que a ello ponhaaes he all non façades dante em a çidade de lixboa xvijº dias do mes de Janeiro El Rey o mandou per diego affonsso sseu vassallo e do sseu desenbargo e juiz dos dictos ffeitos gonçalo vaasquez a ffez Joham de lixboa tem o ffeito Era do nasçimento de noso Señor Jhesu christo de mill e iiijc xxxij anos didacus legimi sco LEys ANTT, Gavetas 12, Mº 13, Doc. 15.

1440 - 01 - 10 - Capítulos das Cortes de Lisboa sobre o Paul Dom Affonso por graça de Deus Rey de Portugal, e do Algarve e senhor de Cepta. A quantos esta carta virem fazemos saber, que em as Cortes, que hora fizemos em esta nossa muy nobre, e leal cidade de Lisboa, pellos procuradores da nossa villa de Muja nos forão dados huns capitulos, e ao pee de cada hum lhe mandamos poer nossas repostas, segundo se adiante segue ≈ Jtem primeiramente o almoxarife, e escrivão darem a terra do dito Paul aos de fora, que a lavrem, e semeem ante que os moradores que seo proprio, pagando o quarto a el Rey, pedem por merce que o nom façom, e lhes alcem tal força . ¶ Mandamos a nosso contador de Santarem, que saiba parte se he assim como em este capitulo he conteudo, e se conforme bem sobrelo e o que achar nos [fl. 65v] faca saber ≈ E visto por nos daremos sobre ello dezembargo, como entendermos que he razom e direito ¶ Senhor, a vossa merce saberà que des del Rey Dom Denis atee ora este Paul nom foi aberto salvo quando el Rey vosso padre abrio dous pedaços de duas abertas travessas, a metade dellas para hum cabo e tapou alguns boqueirões e pellos tempos serem temperados, e de poucas agoas houve os primeiros dous annos muito pão; e depoes seguirão os annos invernosos, e as valas nom foraão repairadas, e rompesas ao qua, e nom forão mais lavradas as terras do Paul, e o almoxarife e escrivão se forão a el Rey vosso padre, que fizesse a erva do dito Paul coutada e a arrendasse e desse a el almoxarife, e escrivão a metade das coimas e a outra metade fosse para el Rey, e el Rey seo requerimento feze o assim; e alguns lavradores por nom cairem na coima arrendavom a erva com condiçom que posto que se os gados atravessassem as valas, que nom pagassem coima, nem corregessem o dano, e depoes estes mesmos officiaes, porque havião daver a metade da coima fizerão com el Rey que pose coima que qualquer que fosse achado pellas [fl. 66] vallas pagasse dez reis; e qualquer gados que fosse achado (sic) no Paul em pão, que pagasse outros dez reis, e mais dous alqueires de pão da noite, e hum de dia, e posto que nom fizesse mal pagasse dous reis brancos, e este proveito he do almoxarife, e escrivão e perda de el Rey, e dos da terra por quanto antigoamente os moradores da terra punhão as coimas aquelles que lhe prazia em tal guiza que se guardava o pão pedemvos por merce que lhe levantees taes coimas; e lhe mandeis pacer as ervas, e que elles possão poer as coimas sobre seo pão, segundo elles entenderem por seo proveito, havendo vos o quarto do estimo, ou coimas de dano qual elles entre si pozerem e se algum dano fizermos em as vallas queremvolo correger segundo nosso privilegio e a vossa merce mandar ¶Tanto que a Deos prazendo o Infante Dom Pedro meo muito amado, e prezado tio for em Santarem requeirão sobre esto e el terà cuidado de prover sobre ello o entender por melhor e mais nosso serviço Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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e assi de vos outros ≈ Jtem senhor vos pedimos por merce, que as coimas que aqui som feitas, que nolas [fl. 66v] releveis ¶Se estas coimas ainda nom levadas praz nos de volas quitarmos assim por esto anno como no lo requerees e esto athe primeiro dia de Janeiro que ora foi desta era prezente, que ora foi de quatrocentos quarenta annos; e se por esto lhes som filhados alguns pinhores, mandamos aos que os tiverem, que logo lhos entreguem ¶ Senhor el Rey vosso padre nos tomou hum valle que chamão Lamoroso, que he termo desta villa, que foi sempre do Concelho, e foi de ereos antigamente segundo se mostra pellas moradias antigas, e segundo poderees ver pello privilegio de el Rey Dom Deniz, que todo deu aos moradores do dito lugar izento, salvo o Paul ao quarto, e el Rey Dom, {e el Rey Dom} João vosso avo quando teve as egoas, contou (sic) para ellas certas terras para erva, em que pacessem e depoes que nom teve egoas, leixou as ditas terras as seos donos, e ficou assim este Concelho o dito valle, el Rey vosso padre o ocupou assim dizendo, que era seo, e mandou coutar a erva delle, e o mandou meter em rendeiros pellos nom cairem em coima de dez reis cada vez [fl. 67] lho arrendarom, sendo cargo de consciencia do dito senhor tomar o que era dado ao Concelho segundo seo privilegio pedem por merce que lhe mandees tornar sua terra, e termo segundo em os ditos privilegios he conteudo ¶ Quanto a Deos prazendo o Regente meo muito prezado e amado tio for em Santarem, entom o requeree, e sabera parte desto, como he, e se achardes que soes aggravados, el vos dezembargará ≈ Os quaes capitulos assim aprezentados, e nossas repostas à elles dadas, Estevão Falcom procurador da dita villa de Muja nos pedio por merce, que lhe mandassemos dar o trelado dalguns delles para o Concelho da dita villa se ajudar delles; e visto por nos seo requerimento, mandamos lhos dar em esta nossa carta; e porem mandamos a todos os nossos corregedores juizes e justiças do nossos Regnos, e a outros quaesquer officiaes e pessoas a que o conhecimento desto pertencer, que lhes cumprão e guardem e façom bem cumprir, e guardar em todo os ditos capitulos, e nossas repostas aqui conteudas e nom vão, nem consintão hir contra elles [fl. 67v] em nenhũa maneira, sem outro embargo, que huns, e outros a ello ponhades, e al nom façades. Dante em a dita nossa cidade dez dias de Janeiro por authoridade do Senhor Dom Pedro titor, e curador do dito Senhor Rey, regedor e defensor por el de todos seos Reynos e Senhorio Rodrigue Anes a fez <anno do nacimento> de Nosso Senhor JEZUS Christo de mil quatrocentos e quarenta ≈ E eu Ruy Pires tabaliom geral, e escrivão de el Rey Nosso Senhor em esta Comarca, e Correiçom dantre Tejo, e Odiana, que a dita carta treladei e concertei com o proprio original, e em testemunho desta fiz aqui meo sinal pubrico que tal he ≈ Sinal publico ≈ A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fls. 65 - 67v.

c. 1475 - Título dos bens de D. Afonso V em Muge [fl.164v] Titolo das heranças E direitos Reaes que el rrey ha na uilla. de muja. El rrey ha na entrada de muJa acerqua da ponte da aberta rreal do paul huum sentamento de paaços Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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com sua sala terrea E outras casas E huũa crasta com aruores dentro do asentamento asy como staa todo cercado de paredes a rredor sem outra casa nem quintal dalguum hereo. seer junta ao asentamento dos paaços. E de todalas partes esse asentamento dos paços com seruintijas do concelho. Estes paaços de muJa teem ora dom garcia deça da maao del rrey em quanto for sua mercee. Vinhas El rrey ha em muja huua vinha a caram da ponte da aberta rreal E Junto com os paaços. A qual parte contra santarem de longuo com a aberta rreal E contra a Jgreia de muja com huum çarrado daruores del rrey E com vinha de rodrigue anes requeredor da portagem de santarem E contra os paaços del rrey entesta em seruintija da ponte E da outra parte entesta em vinha da quintaa que se chama de muja que he del rrey E teem de longuo a caram da aberta rreal vinte e quatro estijs E de larguo pela meetade treze estijs. Esta vinha traz ora dom garcia deça Atee que se entregue por a despesa da vala da testada dessa vinha. [fl.165] Vinhas E çarrado El rrey ha antre as vinhas huum chaao com aruores çarrado E vallado que parte contra os paaços del rrey com seuintija da ponte que vay pera a uila E contra a aberta rreal entesta em vinha del rrey sobre dita E contra a igreia de muJa entesta em vinha da confraria de sam giaao de santarem E contra o leuante parte com vinha de rrodrigue anes rrequeredor da portagem de santarem teem de lomguo a caram da seruintija da ponte noue estijs e meo. Este chaao çarrado com suas aruores traz ora El rrey ha outra vinha em muja Junto com a Jgreia. A qual parte contra a dita ygreia com vinha de bertolameu aluarez E contra o leuante com vinha de pero gonçaluez E do abrego com vinha de caterina anes corucha. E com vinha de dioguo fernandez E contra os paaços del rrey entesta em caminho pubriquo que vay da uilla pera os marmelaaes. teem de comprido doze estijs E três quartos destil E de larguo cinquo estijs e meo. Esta vinha traz ora Joham grande da qual paga em cada huum Anno. de foro. cinquoenta e quatro rreis brancos de xxxv liuras o rreal corrente. [165v] De muJa El rrey ha outra vinha em muJa A qual parte contra o leuante com vinha dafomso pirez E com vinhas de lopo diaz E contra muja com vinha dos herdeyros daluare anes besteiro de benauente E contra a aberta rreal. entesta com caminho publiquo que vay de muja pera os marmelaaes E contra o abrego entesta em estrada pubriqua que vay de muja pera coruche. teem de largo quatro estijs e meo. Esta vinha El rrey ha outra vinha em a dita vila de muJa A qual comprou a Joham velho morador em a dita villa de muJa. que parte contra o leuante com Rua dalcobaça E asy entesta. E da parte do ponente com Rua pubriqua que vay pera aponte E contra santarem parte com azinhagaa do concelho E com parede do Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos quintal dos paaços do dito Senhor rrey E contra a ygreia parte com chaao de bertolameu aluarez E com chaao daluoro da agea Segundo mais com pridamente se contem na escriptura da dita compra que staa neestes contos em poder de martim vaaz porteiro delles. Carta da compra desta vinha que el rrey nosso Senhor mandou comprar he em poder dafonso de parga tabaliam em esta uila de santarem. A qual ele fez per mandado do contador Joham mateela E esta vinha custou ao dito Senhor quatro mil rreaes os quaees iiij Reaes pagou pero lopez recebedor que foy deste almoxarifado do anno de LRiiijº. E o de LRiiijº. Eu martim vaaz porteiro dos contos faço asy por seruico (sic) do dito Senhor pera em todo tempo se saber que ysto he verdade. [fl. 166] terras de pam.

Reguenguo de val de lobos.

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El Rey ha o Reguenguo de val de lobos que Jaz antre muJa E montaluo. ho qual parte contra o rryo do tejo com a aberta dalcalana des o cauouquo honde fezeram o nauyo atee os montes de montaluo E contra saluaterra parte pollos montes de montaluo des a aberta dalcalana atee a estrada que vay pera escaroupim que trauessa o cocharro acimo do paul E contra o abrego parte per esa estrada atee a terra do concelho de muja E contra muJa parte com Ressyo do concelho des a estrada atee o cauouquo honde fezeram o nauyo que staa na aberta dalcalana asy como staa de rregado per cima de huum outeyro que estaa acerqua da lagoa de vall de lobos. E a do cauouquo honde fezeram o nauyo atee a aberta da ponte de vall de lobos. oytenta e quatro estijs e meo mididos ao direito desse cauouco E as terras do rreguenguo passam aalem da aberta da ponte de val de lobos E vaao entestar nos montes de montaluo como Ja dito avemos E contra a estrada descaroupim que a trauessa o cocharro. stam cinquo pees doliueiras dentro no rreguenguo E des o pee doliueira que estaa dianteira contra a estrada sam dezoyto etijs e meo atee o rrego do rreguenguo por honde parte com o Ressyo de muja E todallas terras dentro destas confrontaçooes e deuisooes sam propias del rrey. Este reguenguo traz ora da maao Del rrey Ruy beesteiro seu caualeiro do qual leua as rrendas dele em quanto for sua mercee. [166v] Em MuJa

Paul de MuJa El rrey ha o paul de muja asy como parte contra santarem des a ponte da figueyra pola aberta das somas atee o casal de uicente fernandez escripuam das mal feitorias E dhy como vay pollo carril do concelho a caram do paul atee o pontam do grou. que he no cabo da corte da cebola E dhy como atrauessa a Rybeira de muja contra saluaterra atee o arneiro de Joham boyeiro E pola foz da lamarosa a fundo pollos peguos a caram dos matos atee o arneyro da adua E dhy atee o porto da adua partindo com os montes de huum cabo e do outro E dhy asy como o torna partindo com as ademas e com a uarzea dos couaaes ficando a uarzea dentro no paul partindo com as ademas do concelho de huum cabo da uarzea E do outro Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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E dhy como vay partindo com os marmelaaes pola aberta E dhy como vay partindo polos vallos das somas a caram da corte da vinha com a quintaa de muja que he del rrey E dentro destas confrontaçooes E deuisooes todallas terras do paul E cortes e varzeas. sam propeas del rrey. Este paul traz ora dom Garcia deeça. A que o El rrey deu que aja delle as Rendas. dez annos de graça. por quanto dom garcia abryo o paul aa sua custa E acabados os dez annos pagara el rrey a dom garcia toda a despesa que fez no abrimento do paul segundo seu contracto. [fl. 167] Terra do amaral. El rrey ha hũa terra em muJa Junto com os seus paaços a que chamam o amarall E he rredonda e valada sobre sy E parte com a aberta rreal a fundo da ponte E das outras partes parte com Ressyo do concelho de muja e leua em semeadura. trinta alqueires de trigoo./ Esta terra do amaral traz ora afonssaluarez caualeiro alcayde moor de muja. A que a el rrey deu em quanto for sua mercee.

Quintaa de muJa El rrey ha A quintaa de muja que foy dalcobaça. com seu asentamento. de casas E vinha grande E oliual E terra de pam asy como parte comtra santarem honde staa a vinha com a aberta rreal E des a vijnha parte de longo com as cortes del rrey que andam com o paul atee o caminho que vay de muja pera os marmelaaes E contra o leuante parte com este camjnho dos marmelaaes E contra montaluo parte com caminho pubrico E com vinha e chaao de dioguo gonçaluez tecellam E com vinha e chaao de Joham pinto E com vinha {e chaao} da confraria de sam giaao de santarem E com vinha de rodrigue anes rrequeredor da portagem de santarem E esta he a quintaa que el rrey dom denis ouue per escaymbo Do mosteiro dalcobaça por huua parte do rreguenguo De vallada como auedes ouujdo. Esta quintaa traz ora. [fl. 167v] Direitos rreaes de muJa. El rrey ha na villa de muja os direitos dalcaydaria E os direitos de moordomado. os quaaes se rrecadam pollo foral de sanctarem Asy como avemos dito deses direitos no titollo dos direitos reaaes de santarem. Estes direitos suso ditos. sam ora dados a afonsaluarez. caualeiro alcayde moor de muja em quanto for mercee del rrey. El rrey ha a portagem em muja A quaal se rrecada com a portagem de santarem. El Rey ha. Anadaria Dos beesteiros Em muja pollo forall de samtarem. El Rey ha em muja. tres meses pera o seu Releguo Em o qual tem po se nam ha de uender. outro vinho Saluo o uinho del rrey ou aquelles que fezerem aueenças E do vinho que vier de fora a muja asy como a vemos dito do rreleguo de santarem. por essas meesmas condiçooes se rrecada o rreleguo de muja. A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 164v.

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Magos Fontes Manuscritas

Biblioteca Nacional de Lisboa Reservados, Cod. 736. Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo Chancelaria de D. Dinis, Lº 3 - 4.; Chancelaria de D. Afonso IV, Lº 4.; Chancelaria de D. Pedro I, Lº 1.; Chancelaria de D. Fernando, Lº 1.; Chancelaria de D. Afonso V, Lºs 7, 19.; Chancelaria de D. Manuel, Lºs 8, 12, 25, 27, 30, 34, 38.; Colegiada do Salvador de Santarém, mç. 3, doc. 123.; Cónegos Regrantes de Stº. Agostinho, Mosteiro de Chelas, mç. 54, doc. 1078.; Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335.; Corpo Cronológico, Parte I, mç. 20, doc. 84.; Corpo Cronológico, Parte I, mç. 42, docs. 26, 125.; Corpo Cronológico, Parte I, mç. 43, doc. 60.; Corpo Cronológico, Parte II, mç. 162, doc. 109.; Dicionário Geográfico de Portugal, vol. 25, memória 225, p. 1906.; Feitos da Coroa, Inquirições de D. Dinis, Lº 10.; Gavetas 12, mç. 6, doc. 6.; Gavetas12, mç. 13, doc. 15.; Leitura Nova, Estremadura, Lºs 1, 4, 10, 11, 13.; Ordem de Cister, Stª. Maria de Alcobaça, 2ª Inc., mç. 10, doc. 224.

Cartografia

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Carta Geológica de Portugal, 31-C, 1967. SECO, Fernando Álvares (1630) - Portugallia et Algarbia quae olim. Amsterdão: imp. Joan Blaeu.

Bibliografia

ANDRADA, Francisco de (1613) - Cronica do muyto alto e muito poderoso rey destes reynos de Portugal dom João III deste nome. Lisboa: Impr. Jorge Rodriguez. BEIRANTE, Maria Ângela (1980) - Santarém medieval. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa – FCSH. GOMES, Rita Costa (1995) - A Corte dos reis de Portugal no final da Idade Média. Lisboa: Difel. GUERRA, M. J. (1861) - Estudos chorographicos, physicos e Hydrographicos da bacia do rio Tejo. Lisboa: Imprensa Nacional. LOPES, Gonçalo (2015) - “Materiais islâmicos do Serradinho (Muge) Cira Arqueologia. Vila Franca de Xira, nº 4, p. 171 - 186. (2015) -” A igreja de Muge na Idade Média: Uma proposta de reconstrução virtual” Magos: Revista cultural do Concelho de Salvaterra de Magos. Salvaterra de Magos, vol. II, p. 16 - 50. (2017) - “Muge antes de 1304” Magos: Revista cultural do Concelho de Salvaterra de Magos. Salvaterra de Magos, vol. III, p. 73 - 101. NEVES, João (2015) - “Documentos medievais de Muge e Santa Maria da Glória” Magos: Revista cultural do Concelho de Salvaterra de Magos. Salvaterra de Magos, vol. II, p. 70 – 92.

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A propriedade régia em Muge durante a Idade Média

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SERRÃO, Joaquim Veríssimo (1993) - Itinerários de el-Rei D. João II. Lisboa: Academia Portuguesa de História. VIANA, Mário (2007) - Espaço e povoamento numa vila portuguesa (Santarém 1147 - 1350). Lisboa: Caleidoscópio/ Centro de História da Universidade de Lisboa.

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O projecto Muge 1692: Uma proposta de reconstrução virtual Gonçalo Lopes Carlos Carpetudo g.simoeslopes@gmail.com carlos.carpetudo@gmail.com Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


O projecto Muge 1692: Uma proposta de reconstrução virtual

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Resumo O projecto em causa visa reconstruir virtualmente a vila de Muge (Salvaterra de Magos) no final do século XVII mais concretamente em 1692, data em que o duque de Cadaval se torna seu donatário. Para esse efeito foi coligida toda a informação escrita disponível, nomeadamente registos notariais, paroquiais e a mais variada documentação existente em arquivos públicos e privados. Em paralelo registou-se de forma o mais exaustiva possível, todas as construções ou vestígios delas, técnicas construtivas e elementos arqueológicos que pudessem ser aplicados na recriação deste centro urbano durante o período proposto.

Abstract This project aims to rebuild virtually the small town of Muge (Salvaterra de Magos) at the end of the 17th century, concretely in 1692 when the Duke of Cadaval becomes its jurisdictional owner. For this purpose, all written information, including notarial and parochial records and the most varied documentation in public or private archives, were collected. At the same time, all buildings, vestiges of them, constructive techniques and archaeological elements that could be applied in the recreation were registered as exhaustively as possible. Tem-se assistido nos últimos anos a uma crescente evolução nas técnicas de representação de Património, fruto do uso cada vez mais democrático de ferramentas informáticas que proporcionam não só uma eficiente expressão do “objecto” a duas dimensões, como a execução de modelos tridimensionais progressivamente mais realistas. Os avanços na modelação 3-D são precisamente o ponto fulcral da reconstrução/reconstituição virtual de bens patrimoniais móveis e imóveis, permitindo não só levantamentos rigorosos do existente mas, igualmente, a criação dos elementos em falta, contextos e ambientes históricos onde os objectos se inserem, até chegar a animações e modelos interactivos. Não obstante, para chegar à fase final de uma reconstrução virtual há todo um trabalho de investigação que se pretende com o máximo rigor científico possível. Há que ter também em mente que os “objectos” históricos/arqueológicos dificilmente se encontram nas condições originais em que foram produzidos encontrando-se alterados em maior ou menor grau pela passagem do tempo, quase sempre com elementos em falta, adulterações ou perdas irremediáveis que, por mais que as fontes completem, jamais podem oferecer um vislumbre completo da realidade original. É, portanto, uma tarefa que conta em grande medida com a interpretação de quem estuda e constrói um modelo virtual. Não significa isto que haja um atropelo às questões éticas subjacentes, mas antes, a assumpção de que ao fazê-lo se está a sugerir uma proposta, com diferentes graus de fiabilidade, mas uma proposta. Reconstruir a vila de Muge em 1692 é, portanto, uma sugestão de estudo, não uma versão acabada de registo urbano, na verdade impossível fazer (na totalidade) por se tratar de um aglomerado que perdeu grande parte da volumetria em dois momentos-chave; O primeiro ocorre na 2ª metade do século XIX, o segundo da década de 70 do século XX até à actualidade. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos Sobre este trabalho recaem ainda duas permissas essenciais: A opção de estudo de um sítio pequeno, pouco monumental e discreto na região onde se insere; uma análise do ponto de vista da Arqueologia da Arquitectura, embora feita pontualmente está subjacente à análise das técnicas construtivas locais e a alguns edifícios concretos. Tratando-se da totalidade do aglomerado, é impossível apreciar caso a caso sendo bastante mais eficaz perceber de que forma evolui o espaço em vez de cada imóvel per se. Por fim, trata-se de um projecto pessoal, não enquadrável em nenhum programa institucional, embora com uma finalidade pública que visa recriar de forma tangível a vila de Muge no ano de 1692 data em que, por vicissitudes várias, o duque de Cadaval se torna seu donatário e que corresponde, em grande medida, ao período de apogeu da localidade - os finais do século XVII.

1 | Breve introdução histórica

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Muge é uma vila e freguesia do concelho de Salvaterra de Magos, distrito de Santarém. Localiza-se no baixo Vale do Tejo, na margem esquerda deste rio sobre um terraço fluvial plistocénico, perto da confluência das ribeiras de Muge e Alpiarça (Carta Geológica de Portugal, folha 31-C, 1967). Seria redundante enunciar as ocupações pré e proto-históricas já suficientemente conhecidas e de pouca valia para o tema que estamos a tratar. O local ocupado hoje pela vila teve origem num pequeno povoado islâmico com ocupação anterior ao século X, edificado por sua vez sobre um sítio da Antiguidade tardia (Lopes, 2015, p. 171 – 186). A referência escrita mais antiga data de 1198 e trata-se do contrato de compra e venda da Lezíria da Figueira (a norte de Muge) celebrado entre Pedro Serrano e a sua esposa D. Eugénia e Martinho André, aparentemente, vizinhos de Santarém (Lopes, 2016, p. 79). Durante a primeira metade do século XIII, Soeiro Gonçalves de Alfange sobrejuiz e nobre da corte de D. Sancho II compra grande parte das terras do “lugar a que chamam Muge”, com intenção de aqui constituir um senhorio e, em 1238, consegue do monarca uma carta de couto que protegia as suas propriedades, trabalhadores e gado (Lopes, 2016, p. 82). Após a morte de Soeiro Gonçalves os seus filhos, Mendo e Nuno Soares, acabarão por comprar as parcelas entre a foz da ribeira da Lamarosa e o Tejo que ainda não faziam parte do património familiar as quais deixam em testamento ao Mosteiro de Alcobaça, entre 1271 e 1273 (Lopes, 2016, p. 86). A gestão do Mosteiro em Muge fez-se sempre por via indirecta através de emprazamentos a particulares. Em 1298, chega mesmo a negociar com D. João Simão, meirinho-mor do rei, a possibilidade de atrair povoadores e passar carta de foral, o que nunca veio a acontecer. Em 1301, D. Dinis faz um acordo de escambo com Alcobaça cedendo parte do seu reguengo de Valada (na margem direita do Tejo) por Muge com o intuito de povoar a terra e lhe dar foral e, de facto isto ocorrerá entre 1304 e 1307 com a concessão de dois forais. Durante todo o século XIV e primeira metade do XV a vila teve grandes dificuldades em prosperar e atrair moradores. Testemunho disso é a grande quantidade de privilégios concedidos durante este período, sempre enunciando dificuldades de povoamento e o abandono do cultivo da terra. Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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Na segunda metade do século XV verifica-se um aumento demográfico compatível, obviamente, com a dimensão geográfica da povoação. Surgem as primeiras elites que poderemos considerar urbanas, diversas actividades oficinais e alguma inovação agrícola, como a introdução da cultura do açafrão1. Do século XVI a meados do século XVII assiste-se à estabilização da conjuntura precedente e, a partir dali, há um novo período de estagnação só ultrapassado nos anos 70 do século XVII. Em 1692, culminando um longo processo de cedências e heranças, o duque de Cadaval D. Nuno Álvares Pereira de Melo solicita a D. Pedro II a jurisdição da vila de Muge juntando-a ao senhorio do Paul de Muge, do qual já era detentor. O rei despacha a petição favoravelmente nesse mesmo ano2. Na segunda metade do século XVIII e acompanhando a tendência natural verificada no País há um novo decaimento só recuperado a partir dos anos 40 do século XIX. Nesta altura assiste-se a um rápido aumento demográfico, mercê de sucessivas migrações oriundas dos actuais distritos de Leiria e Aveiro e, consequentemente, a renovação do tecido urbano. Todavia, em 1836 o antigo município de Muge é extinto, passando a integrar durante alguns meses o de Almeirim e, em 1837, o de Salvaterra de Magos.

2 | As fontes como ponto de partida

Gráfico 1 - Nascimentos entre 1650 e 1700. Os registos dos anos de 1654, 1658 e 1660 estão incompletos. O ano de 1659 está ausente.

1 2

A.N.T.T., Leitura Nova, Estremadura, Lº4, fl. 113 - 113v. A.N.T.T., Registo Geral de Mercês, D. Pedro II, Lº6, fl. 182.

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Uma das fontes primordiais para a compreensão de qualquer povoação portuguesa são os livros de lançamento da Décima. Posto que seja um tributo criado no pós-Restauração para suportar o esforço da guerra manteve-se, com maior ou menor alteração, até 1833. Era feito segundo os arruamentos e casa a casa, dando um registo exaustivo do tecido urbano de cada povoação. Até 1762, não há uma anotação central deste imposto pelo que a sua consulta depende exclusivamente do grau de conservação dos arquivos municipais. No caso da Câmara de Muge o arquivo desapareceu quase por completo deixando um acervo diminuto e quase todo do século XIX. No Arquivo Histórico do Tribunal de Contas, herdeiro do Erário Régio é possível encontrar toda a série das décimas de Muge, a partir de 1762, sendo os registos do ano de 1771 os mais rigorosos e

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pormenorizados. Não obstante isso coloca-se sempre o problema de um hiato cronológico de quase 80 anos em relação ao período em apreciação, à primeira vista de solução pouco viável. Seria, obviamente, anacrónico fazer coincidir dados de 1771 a 1692, contudo, são válidos para a reconstituição dos arruamentos quando complementados com os registos notariais próximos a essa faixa cronológica. Como veremos, a localização das ruas não muda, o que se altera é a sua progressão para a periferia da vila à medida que também progridem os índices demográficos. O Arquivo Distrital de Santarém possui os registos notariais de Muge em série descontínua e não coincidentes com aquele período, havendo um livro para os anos de 1680 - 84 e outro para 1696 - 1700 podendo, mesmo assim, extrair-se bastante informação complementar. Para além das questões de recenseamento urbano, os registos notariais são fundamentais para a compreensão da tipologia das habitações, com quem confrontam, como se relacionam os espaços entre si ou se há ou não descontinuidades. Complementam estes dados as fontes de menor importância quantitativa, mas decisivas a colmatar lacunas das anteriores. São elas os testamentos, dos quais estão elencados 19, para o lapso temporal que vai de 1650 a 1700, no fundo da Provedoria de Santarém e Tomar, depositado na Torre do Tombo e os processos relacionados com Legados Pios existentes no Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos (3 para a 2ª metade do século XVII). No Arquivo Histórico da Junta de Freguesia de Muge podem ser consultados outros documentos de igual valia, nomeadamente os processos de obras relativos à Igreja Matriz (1899 - 1902) e Igreja da Misericórdia (1896), relevantes por conter as plantas, alçados, cadernos de medição e, sobretudo, as memórias descritivas que têm informações preciosas sobre o existente e as alterações a introduzir nos edifícios. Ainda neste arquivo é possível encontrar os registos de decisões administrativas sobre obras públicas no fundo da Junta de Paróquia, concretamente nas séries de Actas, Receita e Despesa e Autos de Arrematação; o contrato de restauro da Igreja Matriz celebrado em 1866, por exemplo, está copiado no livro de autos de arrematação de 1857 - 1901. Os aspectos demográficos, por seu turno, são complementares para a compreensão do ritmo a que cresce a população é acompanhada pela geometria urbana. Colhem-se essencialmente nos Registos Paroquiais (baptismos, casamentos e óbitos) depositados na Torre do Tombo, completos para o período em apreciação. Esporadicamente, surgem nos registos paroquiais algumas indicações de carácter topográfico como as que deixou em 1663 o Pe. Manuel de Sousa ao anotar as ruas em que moravam alguns dos defuntos a quem fez a exéquias. Não menos importante é o registo fotográfico antigo. Posto que pouco abundante mostra o urbanismo anterior ao surto construtivo dos anos 70-80 do século XX que descaracterizou boa parte da arquitectura tradicional, alguma ainda dos séculos XVII - XVIII.

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3 | A paisagem urbana 3.1. As ruas

Não existe nenhuma representação gráfica de Muge anterior 17713 e a mesma, apesar de denotar alguma preocupação em representar a malha urbana (alguma dela reconhecível) está inserta num plano geral do curso do Tejo e padece de várias imprecisões que a invalidam enquanto fonte fiável. A planta constante no mapa do Tejo de 1861 (Guerra, 1861), parece seguir os mesmos moldes do anterior, embora com um pouco mais de detalhe. A melhor forma de identificar os arruamentos, é como atrás fica dito, o registo do imposto da Décima que fornece obrigatoriamente a lista completa das ruas segundo um percurso bem definido, embora omita as que separam os quintais por não serem úteis para efeitos de tributação. Neste último caso, completa-se a informação a partir dos registos notariais de 1680 - 84. O início do inquérito fez-se pela Rua da Cruz, na extremidade sudeste da vila, por onde começava caminho de Coruche em direcção ao lugar de Nª. Srª. da Glória. Tinha este nome por ali existir um cruzeiro, na bifurcação da estrada de Coruche com a azinhaga da Fonte da Costa. Esta rua surge na década de 20 do século XVIII com a atribuição de lotes em sesmaria pela Câmara estando, portanto, ausente do urbanismo seiscentista com excepção de algumas casas isoladas4. Segue-se o Adro ou Rua do Adro, naquilo que é a origem da vila medieval, de onde se estenderá para oeste. Terá surgido no século XIV a partir de um quarteirão tipo bastide, localizado defronte da igreja.

Fig. 1 - Detalhe do mapa das margens do Tejo, mandado levantar pelo tenente-coronel Guilherme Elsden entre 1770 - 71. 4 5

A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1720 - 1724, fl. 13. A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 60.

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Da Rua do Adro saía a Rua Direita, principal e mais antigo eixo viário, que descreve uma inflexão de este para sudoeste. É referida em 14435 e será ao longo dela que se vão implantar as casas mais importantes da vila bem como a grande parte dos serviços. O registo da Décima, por comodidade, divide-a em segmentos conforme a intersecção com as perpendiculares. Daqui saiam mais dois arruamentos: a Travessa do Pescado, que cortava o quarteirão sul do Adro e o ligava através de várias azinhagas a uma zona periurbana de cerrados, pomares e hortas; a Rua da Igreja, resultante provavelmente do cadastro medieval, começava mesmo à frente da porta principal da Matriz e ia entroncar na Rua da Praça.

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Abaixo do Adro ficava a Praça, onde estava a Câmara, o pelourinho e a estalagem. Aqui cruzavam duas ruas, a da Praça ou do Prior, para sul e a Rua do Paço para norte e, como o próprio nome indica conduzia ao paço do duque de Cadaval. Terminava na ponte medieval que atravessa a ribeira de Muge e aqui convertia-se na estrada real para Almeirim e Santarém. A Rua da Praça será provavelmente a mesma que é referida no tombo dos bens de D. Afonso V como Rua de Alcobaça6, no limite oeste da bastide medieval. Fazia a ligação entre a Rua Direita e a Rua de Palhais, a sul. Abaixo da Praça, a Rua Direita seguia até ao cruzamento com a Rua do Mel que a unia a sudeste à Rua de Palhais. Esta via era ocupada em ambos os lados por hortas e pomares havendo construção apenas nos ângulos dos entroncamentos. Mais ou menos paralela à Rua do Mel, na qual convergia ao extremo sudoeste, corria a Rua ou Travessa da Pontinha, conhecida a partir da segunda metade do século XVIII por Rua da Gata. Fazia a ligação da Rua Direita, ao lado da Igreja da Miseri- Fig. 2 - Detalhe do mapa do Tejo publicado por M. Guerra em 1861. córdia, com Rua de Palhais. À frente da intersecção da Rua da Pontinha com a de Palhais começava a Rua da Glória. Chamava-se assim porque dela continuava a estrada para Nª. Srª. da Glória e para os Marinhais, divergindo estes dois destinos na Cova da Faia tomando um, a direcção do Vale do Coelheiro, o outro o do Vale do Cocharro. No último quartel do século XVII a Rua da Glória só existia na extensão inicial e a ligação sudoeste com a Rua de Stº. André só será concluída na segunda metade do século XVIII. Prosseguindo na Rua Direita, esta findava no Largo da Misericórdia cruzando com o extremo oeste da Rua de Palhais, Rua dos Cantos e a Rua de Santo André. Esta última dava-lhe continuidade a sul, terminando no adro da ermida desse santo. Do adro de Santo André saía uma estrada secundária para os Marinhais que, a certo ponto, ligava com a que vinha da Rua da Glória A Rua do Areal era paralela à dos Cantos e, tal como esta, ia ter ao no largo da Ermida de S. Sebastião onde, no século XVIII, a construção de um novo quarteirão a fechá-lo-á do lado sudoeste criando a Rua do Arrais. 6

A.N.T.T., Contos do Reino e Casa, Núcleo Antigo 335, fl. 165v.

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A partir da Misericórdia, as ruas tomam uma configuração radial e, exceptuando a de Stº. André, inflectem para noroeste em quarteirões triangulares na direcção da estrada de Salvaterra (por Montalvo e Escaroupim) e do Tejo, principal via de comunicação com Santarém e Lisboa. Do Largo de S. Sebastião saía a Rua das Barcas para nascente, indo dar à Rua da Misericórdia paralela à Rua Direita. No espaço compreendido entre estas vias, de urbanismo algo rarefeito, existiam numerosas hortas e parcelas de cultivo cruzadas por uma azinhaga, à margem do Rossio, que atalhava até à Praça próxima a uma fonte. Entre as ermidas de S. Sebastião e Stº. André localizava-se o Arrabalde, constituído várias casas de edificação recente rodeadas de courelas e vinhedos. Era servido por uma travessa paralela à Rua de Stº. André que cortava um quarteirão entre esta rua e a do Areal. Inicialmente conhecida por Travessa do Arrabalde, passa a ser designada por Travessa do Moreira no século XVIII e Travessa da Palmeira nos inícios do século XIX. A área periurbana oeste, o Rossio (ou Rossio do Concelho), era um espaço de terreiro destinado ao uso comum e tarefas como a debulha dos cereais e o estabulamento temporário do gado. Fica de permeio entre o limite urbano norte e a Ribeira de Muge, confinando com a terra do Amoral que era senhorio do Duque. Era atravessado no sentido sul - norte por uma regueira que escoava o excesso de água da fonte7 atrás referida e próxima da Praça. No século XVIII, a azinhaga onde se implanta esta fonte passa a constituir um arruamento autónomo ligado à Rua Direita - a Calçada do Açougue.

3.2. Principais marcos urbanos 3.2.1. Igreja Matriz

Fig. 3 - Vista sobre a Rua de Stº. André em 1939.

7 8

A Igreja Matriz de Muge, fundada por ordem do bispo de Lisboa em 1297, sofreu uma profunda remodelação em meados do século XVII que lhe eliminou definitivamente os volumes medievais subsistentes até ali. Sabe-se pela memória das obras de 1712 que a fachada havia sido totalmente refeita no século XVII, o campanário medieval substituído por uma torre e a capela-mor apeada para dar lugar a outra maior que iria acolher o retábulo de talha, entretanto encomendado8. A obra de 1712 não introduziu mudanças significativas à arquitectura da igreja, exceptuando algumas

Esta fonte, conhecida por Fonte das Bicas, será melhorada em 1818 com uma caixa em alvenaria e duas bicas de bronze. Biblioteca da Casa Cadaval, Cod. 891 - K. VIII. IL.

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Fig. 4 - Levantamento da Igreja Matriz anterior à obra de 1899. Propriedade do Eng. Manuel de Paiva e Sousa.

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3.2.2. Igreja e hospital da Misericórdia

reparações nas paredes e a substituição dos madeiramentos da cobertura. Em 1866, uma nova campanha altera a fachada rasgando-lhe um janelão sobre o portal e oblitera a fenestração original embora, como é dito, utiliza grande parte das cantarias originais. À torre são adicionados 4 varões de ferro para suportar um pequeno sino e, no lado direito da fachada, é construída uma escada em caracol para aceder ao coro9. No limiar do século XIX (em 1899), toda a fisionomia da igreja é alterada por conta de um ambicioso projecto de reconstrução. As paredes são demolidas até uma altura de 5m, passa a ter 2 torres e todos os vãos são alterados, terminando a obra em 1902. É a partir do processo desta obra (na posse de um privado) que conhecemos a planta e os alçados do que existia antes de 1899 e, exceptuando os acrescentos descritos nos trabalhos de 1866, pouca diferença havia em relação ao prospecto do imóvel em 1692.

Em outubro de 1584, Filipe I emite um alvará dirigido aos oficiais da Câmara de Muge para que a Misericórdia recém-criada usasse o compromisso e o regimento da de Coruche10. Três anos antes, o lavrador João Pinhão consignava no seu testamento 100 mil reis para gastar no hospital da vila e, caso houvesse mais esmolas, uma parte seria gasta na edificação da igreja. Em 1584, o testamento estava embargado por dúvidas e a sentença do provedor da comarca tardou até abril desse ano, ficando Ana Marques, mulher do falecido, responsável por entregar o dinheiro ao lavrador Fernão Lopes que o pagaria de forma fraccionada aos oficiais da Misericórdia, conforme o andamento da obra11. De todas as formas, até à década de 40 do século XVII a igreja não tinha sido construída, decorrendo os ofícios litúrgicos na Ermida do Espírito Santo. A Misericórdia seria construída no seu lugar durante a segunda metade do século XVII, provavelmente em 167312. Era de pequenas dimensões (área máxima de 120 m2) com orientação norte-sul. Atrás, ficavam a sacristia e casa do despacho usada após a extinção da irmandade, em 1877, como sede da Junta de Paróquia. A.H.J.F.M, Junta de Paróquia, Actas, Lº2, fl. 161v - 163-v. A.N.T.T., Chancelaria de Filipe I, Lº 10, fl. 191. 11 A.N.T.T., Provedoria de Santarém e Tomar, Testamentos, Muge, mç. 2, nº. 29. 12 Esta data estava inscrita na porta da igreja e poderá ser o ano de conclusão das obras. 9

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Encostado ao alçado oeste havia um corredor que, da sacristia, dava acesso ao púlpito e às escadas do coro. No mesmo alçado, na extremidade noroeste, ficava a torre sineira com quatro frestas e três sinos. Durante o século XIX teve algumas obras importantes, nomeadamente em 1896, com a substituição das cantarias das janelas (por outras de feição neogótica), madeiramentos da cobertura, soalhos e a porta principal. Em 1963, todo o edifício, incluindo a sacristia, torre e a casa do despacho, foi demolido para a construção do posto dos CTT. No século XIV existia em Muge uma albergaria, cujo sítio exacto se desconhece. Sabemos da sua existência porque confronta com uma vinha doada à Igreja de Stª. Maria em 132613. É possível que esta albergaria tenha chegado ao século XVI e seja o hospital a quem João Pinhão consignou os 100 mil réis. Tomando como exemplo outras albergarias medievais14 da região, por exemplo a do Espírito Santo de Benavente, podemos supor que a ermida do Espírito Santo de Muge estivesse de algum modo associada à albergaria e esta transformada em hospital até ser absorvida pela Misericórdia por volta de 1581, à semelhança da de Benavente e de muitas outras no resto do País. O hospital era constituído duas moradas de casas térreas; uma, o hospital propriamente dito, a outra, a habitação do hospitaleiro e a estrebaria. Pelas escassas informações disponíveis entende-se que era um edifício fruste, pouco confortável e destinava-se apenas a dar guarida aos doentes em trânsito para o hospital de Santarém ou outros hospitais de maior dimensão, nomeadamente o das Caldas da Rainha. O inventário ordenado pelo Governo Civil de Santarém, em 187515, chama-lhe “casas abarracadas” o que terá a ver não só com o mau estado em que se encontrava na altura, mas também com a feição Fig. 5 - Igreja da Misericórdia. Foto de 1939. A.N.T.T., Ordem de Cister, Santa Maria de Alcobaça, 1ª. Inc., Docs. Part., mç. 28, doc, 10. O Espírito Santo era uma das invocações mais frequentes nas albergarias e hospitais medievais. Para além do de Benavente, poderemos referir outras localidades do aro regional: Coruche, Cartaxo, Santarém, Alenquer. 15 A.H.J.F.M., Misericórdia, Lº 11, fl. 25v. 13 14

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Magos rudimentar da construção. Localizava-se no ângulo do largo da Misericórdia (Teófilo Braga) com a Rua dos Cantos (Rua Alexandre Herculano), 50m a sul da igreja.

3.2.3. Câmara e pelourinho

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Desconhece-se a data de construção da Casa da Câmara, mas já existia em 1608, conforme um documento dessa data que regista realização de uma sessão do senado municipal16. É constituído por dois pisos, o inferior destinava-se à cadeia e o superior, ao qual se acede por uma escadaria exterior, servia para as sessões do município e arquivo. No plano perpendicular à porta principal tem um pequeno campanário. Não é de crer que tenha sofrido grandes alterações ao longo do tempo, exceptuando três janelas de sacada com gradeamento no 2º piso que substituíram outras mais simples no tempo de D. João V, conforme sugere a pedra de armas colocada no ângulo sudeste. Obras ocorridas recentemente mostram que o imóvel foi construído numa só fase sem que haja alguma alteração estratigráfica significativa, para além da abertura de dois vãos no piso térreo durante o século XIX. Com a extinção do concelho de Muge em 1836, o edifício passa a ser utilizado como escola pública no piso térreo e habitação dos professores no superior. Datam deste período a abertura de duas portas no piso inferior e a construção de uma chaminé (hoje inexistente) no superior. Na primeira metade do século XX estabelece-se aqui um posto de correios e telégrafo e, a partir de 1963, com a demolição da Misericórdia, onde funcionava a Junta de Freguesia, esta instituição passa a funcionar na antiga “Casa da Câmara”. O pelourinho de Muge, apeado em 1866, encontrava-se na Praça, à frente da Câmara. Não chegou até nós nenhuma representação gráfica do mesmo e as referências escritas são muito escassas, embora delas possamos tirar algumas ilações. Em 1758, nas Memórias Paroquiais o Pe. Isidoro Cabanas refere “[…] e mandando-lhe levantar na praça, que tem, hum pelourinho com as suas armas Reaes, que ainda hoje existe da mesma sorte.”, supondo ser sua construção do tempo de D. Dinis, aquando da outorga do foral17. O facto de referir a existência das armas reais, parece ser bastante revelador em relação ao período em que foi erguido. Senão vejamos: Não é frequente os pelourinhos medievais apresentarem motivos heráldicos compostos, ao contrário dos que foram feitos durante o reinado de D. Manuel, bastante mais elaborados e com abundantes representações da simbólica real, senhorial e frequentemente municipal. Estabelecendo alguma verosimilhança numa construção dos inícios do século XVI, podemos fazer comparação com os pelourinhos da região que ainda se conservam, ainda que alguns sejam réplicas de originais perdidos ou deslocados do seu lugar de origem. Na margem direita do Tejo, o pelourinho de Azambuja é um bom exemplo, embora réplica, foi feito de acordo com o pelourinho original, hoje perdido. Ostenta fuste espiralado, nó e capitel com representação 16 17

A.H.M.S.M, Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 90v. A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, Vol. 25, Memória 225, fl. 1900.

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Fig. 6 - Casa da Câmara (actual Junta de Freguesia) antes da obra de 2017 que lhe introduziu algumas alterações.

3.2.4. Ermida de S. Sebastião

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heráldica. Já na margem sul, o pelourinho de Coruche, segue o mesmo modelo, replicado a partir das peças que ainda existem na posse um privado, novamente com fuste espiralado, nó e capitel heráldico. O pelourinho de Benavente, demolido no século XIX, foi reconstruído com as peças originais e apresenta as mesmas características dos dois anteriores, variando a forma do capitel (cónico espiralado). Estendendo a pesquisa aos pelourinhos que existem num raio de 100km, maioritariamente manuelinos, rapidamente constatamos que quase todos apresentam fuste espiralado, nó e capitel geométrico/heráldico: Sintra, Aldeia Galega da Merceana, Alfeizerão, Maiorga, Turquel. Assim, dentro de probabilidades assentes na documentação e nos vários paralelos que resistiram ao passar do tempo, o pelourinho de Muge inscrever-se-ia nesta tipologia: fuste espiralado, nó e capitel com motivo heráldico que sabemos em concreto tratar-se das armas reais.

Não se sabe exactamente quando foi edificada esta ermida, embora seja referida na primeira metade do século XVII como local de romaria. No século XVIII estava muito arruinada e acabará por ser demolida nos anos 30 do século XIX. Ficava situada no largo do mesmo nome, no Rossio perto da estrada de Salvaterra. Aquando da demolição de uma habitação, perto da área onde se situava a ermida, foi encontrado um fragmento da base de um portal manuelino de talhe prismático e com grandes hipóteses de lhe ter pertencido. Partindo do princípio que este seria o período de construção da ermida, procuramos estabelecer comparação com outras ermidas de cariz rural da região nomeadamente as que pudessem ter um portal da mesma tipologia. Os paralelos regionais não são muito abundantes e o modelo disponível mais próximo é o da ermida de Nª. Srª. do Desterro de Pontével, no concelho do Cartaxo. Deste modo, na sua reconstituição delineou-se um pequeno edifício com o portal compatível com elemento pétreo que resta e o recorte do da ermida de Pontével, embora com linhas mais “neutras” de modo a minorar eventuais falhas de interpretação. 17

A.N.T.T., Dicionário Geográfico de Portugal, Vol. 25, Memória 225, fl. 1900.

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Magos 3.2.5. Ermida de Santo André Ficava depois do Arrabalde, no limite da Rua de Stº. André, embora em lugar impreciso. Desconhecemos a data da sua construção, sendo referida em 1621 no testamento de Inês Bernardes que deixa uma esmola de 2000 reis a Maria de Viegas para que cumpra a romaria de ir a pé à ermida todos os dias, durante um ano18. Em 1758, tal como a Ermida de S. Sebastião, já estava muito arruinada e a partir daqui não existe mais nenhuma referência documental.

3.2.6. Estalagem

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Por uma carta dirigida ao concelho de Muge, datada de 1449, ficamos a saber que a vila já dispunha de estalagem na Idade Média19, voltando a ser referida em 1700, no assento de óbito de Bartolomeu Álvares, natural da Póvoa de Galegos, que aqui faleceu20. Segundo o livro de lançamento da Décima para o ano de 1771, a Estalagem era constituída por oito Fig. 7 - Base em calcário, provavelmente do portal da Ermida de casas térreas com sobrado, da qual o duque de CaS. Sebastião. daval tinha o usufruto21. Situava-se na Rua da Praça para os Paços, próximo à Câmara e no caminho para a ponte. Pelas suas características e localização podemos supor que este edifício pouco tenha mudado entre os séculos XVII e XVIII e, eventualmente, estaria no mesmo lugar da estalagem medieval.

3.3. Arquitectura doméstica A construção doméstica seiscentista, embora pouco diferente da que se praticava na região até aos inícios do século XX, obedece a dois factores essenciais: as tradições construtivas meridionais e o estatuto socio-económico dos proprietários. No dizer do duque de Cadaval, em 1692, Muge era uma terra pequena, pobre e sem nobreza. Ignorando A.N.T.T., Provedorias de Santarém e Tomar, Testamentos, Muge, mç 2, doc. 19, fl. 3. A.H.M.S.M, Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 10v. 20 A.N.T.T., Arquivo Distrital de Lisboa, Registos Paroquiais, Muge, Óbitos, Lº1, fl.90v. 21 A.H.T.C., Décima da Província, D.P. 242.2, fl. 23. 18 19

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as verdadeiras razões desta afirmação podemos compatibilizar a falta de nobreza (pessoas que não exercem trabalhos manuais) à ausência de arquitectura doméstica de construção cuidada e dimensões mais generosas. Com efeito, contabilizando os dados fornecidos pela Décima em 1771, rapidamente verificamos que a esmagadora maioria das casas era constituída por moradas de duas divisões e, logo a seguir, as moradas com uma única divisão. Para o final do século XVII não temos dados que suportem uma estatística fiável porque são extraídos de livros notariais e, como é óbvio, seria impossível todas as casas da vila serem transacionadas nesse hiato. Ainda assim, os casos contabilizados, sobretudo para o período de 1680 - 84, suportam esta mesma ideia: há um claro predomínio de casas térreas de duas divisões. Esta tipologia de habitação era constituída pela “casa de fora”, reservada a espaço comum e cozinha e pela “casa de dentro” mais privada e que servia de quarto aos habitantes. Atrás, localizava-se o quintal e havendo espaço era povoado de árvores de fruto, galinheiros e, nalguns casos, pardieiros para alojar o gado. A generalidade da habitação apresentava pavimentos de terra batida e telhados de telha vã sem forro. Havendo condições económicas favoráveis, os proprietários mandavam ladrilhar o chão e forrar a cobertura, como ficou registado numa escritura de 1697 em que a “casa de fora” está forrada Gráfico 2 - Tipologia do edificado civil segundo os registos de “pinho da terra” e ladrilhada22. Algumas casas, notariais de 1680 - 1684. aproveitando a diferença de cota entre as traseiras e a fachada levavam um enchimento maior, permitindo o isolamento da humidade proveniente da rua no Inverno. Neste caso a entrada ficava sobrelevada, fazendo-se o ingresso a partir de um lanço de degraus. Esta solução é relativamente frequente na zona próxima ao Rossio, ciclicamente inundada pela ribeira de Muge até aos anos 80 do século XX. Nas casas de uma única divisão o espaço era partilhado por uma multiplicidade de funções domésticas desde cozinhar, costurar dormir, sem que houvesse qualquer tipo de privacidade. As casas “nobres” de sobrado, ou seja, de dois ou mais pisos não estão ausentes e em 1771 representam 17% do imobiliário doméstico da vila mas não são, de todo, os edifícios mais abundantes. Acresce ainda, a título excepcional, o palácio do duque de Cadaval, antigo paço régio medieval. Era constituído por uma área residencial térrea com pátio fechado, alçado norte sobradado entre dois torreões e capela. Tinha ainda várias dependências de apoio à actividade agrícola como a estrebaria, a abegoaria ou os celeiros. 22

A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1696 - 1700, fl. 91.

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Fig. 8 - Exemplos de arquitectura seiscentista: 1 Rua Direita - casa com entrada de poiais e lintéis curvos nos vãos (demolida em 2004); 2 Rua do Areal - casa térrea de alçado baixo e uma única abertura para o exterior (descaracterizada em 2001).

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4 | Métodos e materiais de construção

A geologia desta região do Vale do Tejo é constituída por formações sedimentares terciárias/quaternárias com o predomínio de areias, argilas e cascalho, sem qualquer tipo de afloramentos rochosos consolidados onde fosse possível extrair pedra para construção. Este facto condicionou as técnicas construtivas aos materiais e recursos disponíveis que se traduzem maioritariamente na fábrica de alvenarias em “terra”: a taipa e o adobe. De entre os imóveis antigos que pudemos observar, a maioria arruinados ou em processo de ruína, o uso da taipa tem uma preponderância sobre os demais métodos construtivos. A pedra, sobretudo lioz importado da região de Lisboa, quando utilizada, aplica-se sempre nas ombreiras e lintéis das portas, janelas e degraus, com um elevado índice de reaproveitamento. Outros tipos de pedra não aparelhada, como arenitos, calcários miocénicos, basalto de Lisboa ou ainda seixos rolados de quartzito, eram usados nos alicerces e como reforço entre as fiadas de taipa. O processo de obras da igreja de 1712 corrobora o facto de grande parte das paredes do templo serem construídas com “terra”, demonstrando que até nos edifícios importantes a taipa era usada amiúde. O adobe vem logo a seguir à taipa enquanto opção na construção de paredes. Aqui era fabricado com uma terra negra argilosa obtida na extremidade sul do Rossio que séculos de extracção transformaram numa imensa depressão a que deram o sugestivo nome de Barroco, aterrado nos últimos 30 anos. Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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Fig. 9 - Exemplos de alvenaria mista de taipa e tijolo.

Como alternativa estética ao uso da pedra, boa parte das vezes era simulada em estuque na forma da estereotomia de silhares, modulação das cimalhas ou ainda imitando relevos esculpidos, numa solução que é, aliás, comum a todas as áreas meridionais de Portugal. Outro recurso importante são as argilas para o fabrico de materiais de construção: tijolos, telhas e ladrilhos. Tendo em atenção a dificuldade na obtenção da pedra, os tijolos eram usados com funções análogas, ou seja, na criação de elementos estruturais que requeressem alguma robustez como ombreiras, cunhais ou intercalados na taipa. A madeira usava-se nas armaduras dos telhados e elementos móveis das portas e janelas, com recurso quase exclusivo ao pinho, dos pinhais que rodeavam a vila. O castanho, mais durável, era utilizado muito raramente e temos notícia do seu uso nos madeiramentos da igreja, em 1712. Para grandes áreas cobertas, por vezes eram usadas vigas de choupo, cujo comprimento e leveza permitiam uma maior eficácia na armação de suporte ao ripado. O forro abaixo do telhado era feito essencialmente com tábuas de pinho, conforme se regista em 169723. 23

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Magos Outra alternativa eram os forros de canas, muito abundantes em áreas rurais do Sul, dos quais não temos referência em Muge, mas do outro lado do Tejo, em Porto de Muge, surgem na construção de um celeiro em 153224. De referir que o documento de onde se extrai esta informação é um dos mais elucidativos sobre os métodos construtivos na região entre os séculos XVI e XVII. Nas coberturas utilizava-se quase exclusivamente a telha de canudo ou mourisca e, raras vezes, a palha de que há apenas dois registos, um em 1635 relativo a uma casa com telhado misto de telha e palha, situada no Rossio a S. Sebastião25, outro em 1770 de uma casa inteiramente deste material26. Todavia, a utilização da palha em casas de habitação já deveria ter caído em desuso no final do século XVII e estaria reservada apenas a pardieiros, construções de apoio agrícola e aos galinheiros dos quintais.

5 | Reconstrução virtual: Metodologia

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Reconstruir uma vila do final de Seiscentos de que fisicamente pouco existe não é, obviamente, uma tarefa isenta de erros. Há que assumir de que se trata sempre de uma interpretação das fontes que, algumas vezes, cotejam informação de forma muito lateral. Mais ainda quando nem sequer existem elementos arquitectónicos de vulto, mesmo que fora do contexto que possam auxiliar a uma compreensão mais profunda do aglomerado. Será sempre com isto em mente que este trabalho deve ser lido, como um jogo de possibilidades e impossibilidades formatadas àquilo que se entende da documentação histórica e dos vestígios materiais. Por outro lado, esta reconstituição segue modelos ideais/teóricos do que se compreende das vilas do seu tempo e espaço geográfico, o que lhe confere alguma autenticidade mas não despista as contingências dos padrões nem as imprevisibilidades da construção urbana. Assim, depois de concluído o trabalho de leitura das fontes escritas e materiais que dá corpo a grande parte deste artigo, avançou-se finalmente para a projecção a duas dimensões, em formato vectorial dwg do que se pretendia reconstruir. É importante seguir este passo porque é o primeiro teste às possibilidades de reconstrução, com a eliminação de eventuais erros que prejudicarão o trabalho a montante. Foram desenhados todos os edifícios singulares em alçado assim como algumas casas-modelo, principalmente as poucas que existem hoje em dia, as quais serviram de base para as descritas na documentação. Passou-se à modelação a três dimensões, com cada objecto feito em separado e em ficheiro individual no programa Sketchup da Google, na sua versão aberta. No mesmo programa foram alinhados os edifícios sobre a fotografia aérea, à escala, obtida no GoogleEarth e previamente formatada à planta reconstituída do século XVII. Terminado o modelo 3-D, foi exportado na extensão dae para outro software de modelação, o Blender A.N.T.T., Registo Geral de Mercês, Doações da Torre do Tombo, Lº 3, fl. 161. A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1635 - 1637, fl. 40v. 26 A.H.T.C., Décima da Província, D.P. 240.4, fl. 27v. 24 25

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(também open source), para eliminar toda a geometria acessória, e adaptar o conjunto a um modelo digital de terreno (produzido a partir do GoogleEarth). A conversão de ficheiros de um software para outro não é, de todo, convencional e gera alguns problemas ao nível da transformação da geometria em triads para quads, concretamente gerando polígonos adicionais que podem ser problemáticos. É frequente haver algumas incompatibilidades entre estes dois softwares pela diferença de geometrias na modelação, embora a extensão dae seja satisfatoriamente legível em ambiente Blender. Após a remoção de geometria duplicada que surge da integração do modelo 3D num novo software, há que optimizar geometrias de cada objecto (através da retopologia) para que, na hora de processar o render, o processo seja simples e o mais rápido possível tendo em conta os milhares de frames que normalmente são produzidos para a criação de uma animação 3D. Terminada a modelação, calculou-se a iluminação com base numa fotografia 360º de um céu com integração HDR, recorrendo ao addon Pro Lightning Skies, de forma a que todo o modelo 3D da reconstrução virtual de Muge fosse iluminado da forma mais realística possível. Esta forma de iluminar um modelo 3D resulta melhor realisticamente quando em comparação com a iluminação usando apenas uma fonte de luz artificial. Na realidade, a luz que vemos durante o dia é o resultado de várias fontes de luz e reflexos, algo só possível de obter na modelação 3D através de HDR e que, cada vez mais, começa a tornar-se na regra de trabalho para a indústria do 3D. Posteriormente, passou-se à aplicação de texturas através da utilização de fotografias reais para texturizar as paredes e telhados do edifício. Procurou-se usar imagens com baixas resoluções em zonas por onde a câmara não passasse directamente, de modo a não sobrecarregar a memória RAM do computador, utlizando-se o inverso para as zonas do caminho da câmara. Da mesma forma foi trabalhada a vegetação no modelo de terreno, projetando-a de forma a poupar recursos de computação. A última fase, antes de iniciar o processo de renderização, foi a definição do caminho da câmara para a animação em vídeo. Optou-se por dois tipos de perspectiva: uma geral com vista infográfica em que surgem informações de contexto e localização de vários monumentos de Muge em 1692; uma vista na primeira pessoa, à semelhança do que é habitualmente usado nos videojogos, para percorrer a reconstrução virtual. Após a conclusão do processo de renderização, a animação foi editada também em contexto Blender e produzido o vídeo final que pode ser consultado na plataforma Youtube27.

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O vídeo encontra-se disponível no seguinte endereço: https://www.youtube.com/watch?v=zGdj4o82nvQ

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Magos Anexos

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1 - Mapa cadastral de Muge do princípio do séc. XX. Propriedade da Casa Cadaval. (Foto de Rafael Martins).

3 - Reconstituição 2-D dos edifícios principais: 1 Igreja Matriz; 2 Igreja da Misericórdia; 3 Ermida de S. Sebastião; 4 Hospital da Misericórdia; 5 Casa da Câmara; 6 Pelourinho.

2 - Planta reconstituída de Muge, no final do séc. XVII. 1 Adro; 2 Travessa do Pescado; 3 Rua da Igreja; 4 Rua da Praça; 5 Rua do Paço; 6 Rua de Palhais; 7 Rua Direita; 8 Rua do Mel; 9 Rua da Pontinha; 10 Rua da Glória; 11 Rua da Stº André; 12 Rua dos Cantos; 13 Rua do Areal; 14 Travessa do Arrabalde; 15 Rua das Barcas; 16 Rua da Misericórdia.

4 - Reconstrução virtual. Render sem textura.

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5 - Reconstrução virtual. Modelo texturizado e adaptado à morfologia do terreno.

Apêndice Documental 1532 - 08 - 17 Licença régia para construção de um celeiro em Porto de Muge [...] Duarte Velho meu escriuão da Camera me disse que elle se obrigaua a fazer no dito lugar de [Porto de] Mujem hũa caza para seleiro do dito pão em que coubessem 200 moyos que hé o pão que o dito ramo rende pouco mais ou menos a qual faria grande boa e forte como para isso hé necessario comtamto que ouuesse de aluger o que parecesse rezão sobre o que mandei a Francisco Dias que seruia de Almoxarife das ditas jugadas que como escriuão dellas se imformasse disso e que por sua carta mo fizessem a saber os quais o virão e me responderão que era meu servisso fazersse o dito seleiro e que o dito Duarte Velho se obrigaua a fazello desta maneira que faria hũa caza grande em que possão alojar 200 moyos de pão a qual seria com seu alicersse de pedra e cal e do chão para cima 6 ou 7 palmos da dita parede de pedra e cal e daly para sima de taipa muito boa com seu formigão de cal e os cantos da caza de sima de tejollo e por fora hũa escada athé a altura donde for a parede de pedra e cal e no andar da parede e escada sua porta e athé esta porta e parede e altura della seria entulhada e argamaçada ou ladrilhada [...] que posto que venhão muito grandes cheyas não fação nojo ao pão que estiuer dentro e asy farião huma jenella com suas portas e grades de ferro muito boa seria muito bem immadeirada do telhado e forrada de canas e muito bem telhada com suas braceiras de cal quantas lhe forem necessarias [...] A.N.T.T., Registo Geral de Mercês, Doações da Torre do Tombo, Lº 3, fl 161. 1632 - 03 - 14 Registo de óbito de uma criança sepultada na Ermida do Espírito Santo Aos 14 de março de 1632 faleceo hũa menina filha de Vicente Leitão por nome Maria está enterrada na Hermida do Spiritu Santo que serue de Mizericordia fis o acrecentado - 1632- o Prior Manoel Pegado da Ponte A.N.T.T., Arquivo Distrital de Lisboa, Registos Paroquiais, Muge, Mistos, Lº1, fl.79v. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos 1635 - 10 - 01 Registo de venda de uma casa com cobertura de palha [...] e são hũas cazas terreas cubertas de telha e palha que são duas com seu quintal por detras que estão junto ao Rocio desta uilla a Jrmida de Sam Sebastião della que partem da banda do norte com pardieiros e quintal de Antonio Alues e da banda do poente com chão e serrado de Antonio Ribeiro e da banda do sul com cazas e quintal de Antonio Gonçalues o Jmjurio e da banda do nassente com rua publica que uay Rocio desta uilla e com as mais suas deuidas e uerdadeiras comfrontaçois [...] A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1635 - 1637, fl. 41v. 1680 – 1684 Registos notariais de transacção de imóveis 1680 - 08 - 21 fl.8 [...] huma morada de cazas terejras cubertas de telha uã que são duas cazas com seu quintal as quais estauão nesta uilla na esquina da rua chamada a Rua do Mel as quais partem da Banda do norte com cazas de João Fereira e da banda do nasente com partem as ditas cazas e quintal com rua publica que uaj dos dos Cantos do Arial para a Igrejia Matris desta dita uilla e da Banda do sul partem com a mesma rua e da banda do poente partem as ditas cazas com rua chamada a Rua do Mel que uem para a Pontinha [...]

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1680 - 09 - 10 fl.16v [...] as quais cazas com seu quintal partem da banda do norte com rua publica do Areal e da banda do nacente partem as ditas cazas he quintal com cazas e quintal que ficarão de Antonio Alues e da banda do sul partem com serado que foj uinha de Ieronimo de Matos de Abreu e da banda do poente partem com cazas e quintal de Pedro Marques e com outras sertas e uerdadejras confrontasoins [...] 1680 - 09 - 16 fl.20 [...] hum serado que tem nesta dita uilla de Muia para a banda de Santo Andre o qual serado parte da banda do norte com uinha de Manoel Alueres Raphael e da banda do nacente parte com quintal do comprador Antonio Francisco e da banda do sul parte o dito serado com estrada que uaj desta uilla para a Orta do Pastana e da banda do poente parte com estrada que uaj dos Curais para a mesma Orta do Pastana e com outras sertas e uerdadejras confrontasoins [...] 1680 - 10 - 15 fl.21 [...] huma morada de cazas que estam nesta dita uilla na Rua Derejta della as quais constam de tres cazas terejras e huma de cobrado (sic) com seu quintal as quais partem da banda do norte com cazas que ficarão de Esteuão da Mota que Deos tem e da banda do nasente com rua publiqua que uai da Mizericordia para Santo Andre e da banda do sul com partem com cazas e quintal de Antonio Perejra e do poente partem com trauessa que uaj da Mizericordia para o Arabalde e com outras sertas e uerdadejras confrontasoins [...] 1681 - 03 - 27 fl.43-43v [...] huma casa terejra cuberta de telha uam com seu quintal por detras a qual caza e quintal lhe ficam por morte e fallesimento de seus pais e hesta nesta dita uilla adonde chamão os Cantos e Rua da Mizericordia e parte da banda do norte com a dita Rua da Mizericordia e da banda do nasente parte a dita caza e quintal com cazas e quintal da compradora Catherina Rodrigues e da banda Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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do sul com tera de Manoel Francjsco carpintejro e da banda do poente com rua publiqua do Arial e com outras certas e uerdadejras confrontasoins [...] 1681 - 04 - 23 fl.47v [...] huma morada de cazas terejras cubertas de telha uam que sam sinquo cazas com seu quintal pela parte detras com suas aruores de fruto e sem fruto digo de fruto com fruto e sem fruto as quais cazas e quintal estam nesta dita uilla na Rua das Barquas e partem da banda do norte com quintal de Manoel Antunes sapatejro e da banda do nasente parte com cazas do mesmo Manoel Antunes e da banda do sul partem com rua publiqua que uaj para o Rosio do Conselho e da banda do poente partem com com cazas e quintal de Domingos Duarte e com outras e sertas e uerdadeiras confrontasois [...] 1681 - 05 - 12 fl.49 [...] hum pardiejro cham de huma caza quaida que esta nesta dita uilla na rua que uaj dos Cantos direito a Igrejia Matris e parte da banda do norte com quintal da Mizericordia desta dita uilla e da banda do nasente parte com cazas de Manoel Fernandes e da banda do sul parte com rua publiqua da Pontinha e da banda do poente parte com cazas da mesma Mizericordia e com outras sertas e uerdadejras confrontasois [...] 1681 - 05 - 21 fl.52 [...] huma morada de cazas que sam duas cazas terejras cubertas de telha uam com seu quintal por detras que estam nesta dita uilla na Rua da Prasa della e partem da banda do norte com cazas e quintal de Luiza da Silua de Villa Longua e da banda do nacente partem com rua publiqua da Praca e da banda do sul partem com cazas e quintal que ficarão de João Craualho e da banda do poente parte o quintal com orta de Manoel Dias Marecos e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1681 - 06 - 18 fl.62 [...] as ditas cazas herão sete com seu quintal na forma que atras fiqua declarado as quais partião da banda do norte com rua que uaj para o Rosio desta uilla e riguejra da fonte e da banda do nacente com rua que uaj para a Prasa e da banda do sul que partia a tajpa do quintal com a mesma Rua Dereita que uaj para a Mjzericordia e da banda do poente parte o dito quintal com hum pardiejro que ficou de Antonio da Costa de Sequejra e com quintal de Manoel Francisco Monico e com huma caza de Domingos Fernandes [...] a qual parte com huma caza das contheudas neste instromento que he a ultima que tem ceruentia para a rua que uaj da rua chamada a das Barquas para a Prassa para a mesma rua estão duas cazas as quais se arendarão deuedidas e estão na conta das sete contheudas e declaradas neste instromento [...] 1681 - 10 - 15 fl.69v [...] huma morada de cazas tereiras cobertas de telha uam que são duas cazas com seu quintal por detras que estão nesta dita uilla na rua Dereita della iunta igrejia da Mizericordia della as quais cazas e quintal partem da banda do norte com rua publica da Mizericordia desta dita uilla e da banda do nacente partem com huns sellejros do Duque de Cadaual e da banda do sul parte o quintal das ditas cazas com quintal de Sebastianna Jorgue Anaqua e da banda do poente partem com cazas e quintal de Antonio Lopes e outras certas e uerdadejras confrontacoins [...]

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Magos 1682 - 01 - 08 fl.79 [...] humas cazas em que uiue com seu quintal por detras que estão nesta dita uilla na Rua Dereita que uaj para Santo Andre as quais partem da banda do norte com cazas e quintal de Manoel Rodrigues Altorello e da banda do nacente parte o dito quintal com cazas digo com quintal das cazas que ficarão de João Lopes das Neues que Deos tem e da banda do sul partem as ditas cazas e quintal com adro de Santo Andre e da estrada que uaj desta uilla para os Marinhais e da banda do poente partem com rua publiqua que uaj da Mizericordia para Santo Andre e com outras certas e uerdadejras confrontasois [...] 1682 - 03 - 15 fl.86 [...] huma caza terejra cuberta de telha uam que esta nesta dita uilla na rua que uaj da Prasa para a Igrejia Matris desta uilla a qual parte da banda do norte com cazas do mesmo João Pinhejro e da banda do nasente com o adro da Igrejia Matris desta dita uilla e da banda do sul parte a dita caza com cazas de Manoel Bras e da banda do poente parte com quintal do mesmo João Pinhejro e com outras sertas e uerdadejras confrontasoins [...]

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1682 - 08 - 22 fl.108 [...] humas cazas terrejas que são duas cubertas de telha uam com seu quintal por detras que estão nesta dita uilla na rua que uaj para o Arabalde e bem asim um serado fora de senteio o qual esta no termo desta dita uilla iunto a hum que foj uinha de Guaspar Dias as quais cazas partem da banda do norte com huma trauesa que uaj para o Arabalde e da banda do nasente partem as ditas cazas e quintal com quintal de Antonio Perejra e da banda do sul partem com quintal de Maria Cereja e quintal das cazas que ficarão de Antonio Gomes carpintejro e da banda do poente parte com a rua que uaj do Arebalde digo para o Rosio do Conselho [...] 1683 - 04 - 30 fl.121 [...] huma morada de cazas tereias que são duas cazas com hum pardiejro que estão nesta dita uilla na rua chamada a Rua das Barquas as quais cazas e pardiejro partem da banda do norte com quintal de Manoel Antunes laurador e da banda do nacente partem com cazas de Francisco Gomes Delguado e da banda do sul partem com rua publica das Barquas que uaj para o Rosio e da banda do poente partem as ditas cazas e pardiejro com cazas que ficarão de Domingos Fernandes o Amo e com outras sertas e uerdadejras confrontacois [...] 1683 - 05 - 26 fl.124 [...] huma caza tereja cuberta de telha uam que esta nesta dita uilla na rua que uaj da Prassa para a Igrejia Matris desta dita uilla a qual parte da banda do norte com cazas do mesmo João Pinhejro e da banda do nacente parte com o adro da Igrejia Matris desta dita uilla e da banda do sul parte a dita caza com cazas de Manoel Bras e da banda do poente parte com quintal do mesmo João Pinhejro e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1683 - 05 - 29 fl.126v Escritura de doação inreuoguauel que faz Catherina Vieguas moradora nesta uilla de Muia a Santa Caza da Mizericordia della de duas moradas de cazas e hum pardiejro com seus quintais por detras na Rua Derejta desta dita uilla de Muia

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1683 - 09 - 06 fl.142 [...] hum serado tera de arnejro com onze peis de oliuejras e mais aruores de fruto e sem fruto o qual esta no termo desta uilla o qual parte da banda do norte com huma estrada que uaj da Fonte da Costa para o Coelhejro e da banda do nacente parte o dito serado com uinha de de Manoel Gomes [...] e da banda do sul parte com serado de Sebastião Gomes e da banda do poente parte com hum serado da quinta de Esteuão da Mota que Deus tem e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1683 - 10 - 21 fl.147 [...] hum serado tera de arnejro que esta nesta dita uilla iunto adonde chamão a Trauessa do Pescado o qual serado parte da banda do norte com estrada que uaj para o adro da Igrejia Matris desta dita uilla e da banda do nacente parte com hum serado de Cristovão Cavalejro Botelho morador na uilla de Santarem e da banda do sul parte com hum serado que oie he de Antonio Gomes Coucejro e da banda do poente parte o dito serado com trauessa chamada do Pescado e com outras sertas e uerdadejras confrontaçoins [...] 1684 - 02 - 17 fl.159 [...] hum serado tera de arnejro que esta iunto desta dita uilla o qual parte da banda do norte com serado de Manoel Francisco Morejra e da banda do nacente parte com hum serado de Francisco Simois e com outro serado que ficou de Domingos Craualho e da banda do sul parte o dito serado com hum serado de Francisco Simois e da banda do poente parte com huma estrada que saie da Rua da Gloria e uaj para os Marinhais e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1684 - 03 - 15 fl.166 [...] huma casa terejra cuberta de telha uam com seu quintal a qual quaza esta nesta dita uilla iunto ao adro da Igrejia Matris a qual parte da banda do norte com adro da Igrejia Matris desta dita uilla e da banda do nasente parte com o adro da mesma igrejia e da banda do sul parte com huma trauessa que uaj desta dita uilla para o mesmo adro da dita igrejia e da banda do poente parte com quintal de João de Souza e com quintal de Manoel Dias Marecos e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1684 - 03 - 20 fl.169 [...] hum serado tera de arnejro que esta no termo desta dita uilla iunto a Trauessa do Pesquado o qual parte da banda do norte com azinhagua da Trauessa do Pesquado e outra que uaj para a Cruz e da banda do nasente parte com hum serado da Irmandade do Santisimo Sacramento desta dita uilla de Muia e da banda do sul parte o dito serado com serado de João de Souza e da banda do poente parte com a mesma Trauessa do Pesquado e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1684 - 04 -11 fl.173 [...] hũa morada de cazas sobradadas que são tres com suas logias e sinquo terejiras e hum seleiro tudo com seu quintal das quais esta de posse mansa e passifiquamente sem contradicão de pessoa algũa as quais partem da banda do norte com quintal de Cristouão Curdejro e da banda do nasente com adro da Igrejia Matris desta dita uilla e da banda do sul com cazas e quintal de João de Souza e da banda do poente partem com rua publica da Praca e com suas sertas e uerdadejras confrontacoins [...]

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Magos 1684 - 10 - 02 fl.189v [...] huma morada de cazas tereeas que são sete cazas com seu quintal por detras que estam na Rua Dereita desta dita uilla e o dito quintal tem suas aruores de fruto e sem fruto as quais quazas e quintal partem da banda do norte com rua publica e da banda do nacente partem com a Rua Dereita que uaj para a Prasa desta uilla e da banda do sul partem com a mesma rua e da banda do poente partem com huns pardiejros de Francisco Simois e com huma caza de Domingos Fernandes e com outras sertas e uerdadejras confrontacoins [...] 1684 - 12 - 01 fl.198 [...] hũa casa terrea cuberta de telha vaa com seo quintal que está nesta dita villa junto á Praça della que parte da banda do norte com quintal de Manoel Veyga o Moço e da banda do nascente parte com casa e quintal de Antonio João alfayate e da banda do sul parte com rua publica que vay para a Prassa desta dita villa para a Igreja Matrix desta dita villa e da banda do poente parte com casas de Domingos Fernandes e com outras certas e deuidas confrontaçois [...] 1684 - 12 - 24 fl.202 [...] são huns pardieyros e casa com seo quintal tudo sito nesta dita villa na Praça della e parte da banda do norte com casas de Manoel Guomes e do sul co casas do dito Dominguos Fernandes e do nascente com casas diguo com rua publica da Praça e do poente com quintal do dito Manoel Guomes e com outras certas e verdadeyras confrontacoens [...] A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1680 - 1684.

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1697 - 11 - 09 Registo de venda de uma casa ladrilhada e forrada [...] huma morada de cazas terreas cubertas de telha vã com seu pedaco de quintal por detras que são duas cazas huma de fora forrada de pinho da terra e ladrilhada e a de dentro terrea com seu galhinhejro no quintal e huma e huma parrejra as quais cazas e quintal e galinhejro partem da banda do norte com selejro de Manoel Mendes e da banda do sul com cazas e quintal de Andre Barboza de Figuiredo e do poente com rua publica da Praca e do nacente parte o dito quintal com a abegoaria delles uendedores e com suas sertas e uerdadejras confrontasois [...] A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1696 - 1700, fl. 91. 1721 - 03 - 06 Cedência de terreno para construir uma casa no Bairro Novo da Cruz [...] escritos e acignados e nomiados que os ditos officios da Camara lhe haviam dado para todo sempre sem foro nem pemcam alguma hum pedaso de terra cham para huma caza com seu quintal por detras cito no Bairo Nouo da Cruz por despacho de huma peticam que he a que ofrece a qual he do theor e forma ceguintes dis Antonio Nunes Callado morador nesta villa de Muja que elle suplicamte [não] tem cazas em que more e home muito pobre e entre Andre Martis da [...] e Joam Barrozo esta hum bocado de cham para fazer huma caza com seu quintal por detras terra deste Comcelho termos em que pede a V. merces que lhe fazer merce darlhe o dito pedaso na forma e estillo [...] A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1720 - 1724, fl. 13.

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O projecto Muge 1692: Uma proposta de reconstrução virtual

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1866 - 04 -08 Auto de arrematação da obra da Igreja Matriz fl.22 Auto d’arrematação da obra da Egreja Matriz Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jezus Christo de mil oitocentos e sessenta e seis aos oito dias do mez de Abril do dito anno nesta Villa de Muge e caza das sessões da Junta de Parochia estando reonida a mesma Junta e bem assim o Regedor se procedeo à arrematação da primeira claçe da obra da Egreja Matriz de esta Villa de Muge relativamente a pedreiro e carpinteiro precedendo annuncios que estavão nos lugares /fl.22v/ publicos e andando a dita obra a lanços por muito tempo, e depois, de serem afrontados os pertendentes foi o menor lanço de Antonio Dias Henriques Travessa, cazado carpinteiro morador na Villa de Salvaterra de Magos cujo lanço foi d’oitocentos quarenta e sinco mil réis o qual a Junta asseitou, e mandou arrematar ao dito Antonio Dias Henriques Travessa sugeitando-se ás seguintes condições por elle, e pelo seu fiador Manuel Maria Rebello, cazado morador em Benavente, assignadas as quais são as seguintes. Primeira = a parede do lado direito será apiada athe ao alicerse desde a caza da Irmandade do Santissimo athe ao conhal e feita de novo = Segunda = a parede do fronteespicio da egreja será apiada athe á verga da porta, e da porta principal ao lado direito athe ao alicer-se será feita de novo de maneira que fiquem bem aperomadas tanto a nova como a velha esta condição diz respeito a todas as paredes do corpo da egreja athe honde se poder = Terceira = a porta principal levará a primeira verga nova e de boa cantaria e as pessas que hoje tem e levará tão bem uma janela por cima da porta com dez palmos digo nove palmos por seis de vivo de cantaria sendo a verga óvada levando grades de ferro que não caiba por ella um homem = Quarta = a parede do lado esquerdo será tão bem apiada athe ficar no ção (sic), e aperumada sendo feita de novo = Quinta = nas paredes laterais abrirão das janelas no lugar das que estão tendo cada uma cinco por seis e meio palmos de vivo com cantaria e grades de ferro eguais ás da janela do coro levando todas as janelas, e portas sobre arcos de bom tejolo = Sesta = As paredes do corpo da egreja levarão mais dois palmos de pe direito = Setima = abrirão uma porta fazendo frente á do batisterio de cantaria e tendo nove palmos /fl.23/ por quatro e meio de vivo, e uma escada de caracol toda de cantaria trabalhando por fóra para dar serventia ao coro tendo de vão nove palmos de vivo, e a parede trez de groçura com sua competen porta ao nivel do coro e uma fresta tudo de cantaria a porta terá nove por quatro, e meio palmos de vivo, e a fresta que é para dar claridade á escada do coro levará um varão de ferro ao meio = Oitava = Na parede por cima do batisterio levará uma pórta para dar serventia á torre começando do univel do coro, e sendo egual ás mais = Nona = O arco rial será bem aperomado = Decima = A frente da egreja levará uma semalha á vontade da corporação ficando guarnecida e prompta, e as outras paredes levarão uma meia cana sendo esta tão bem guarnecida, e as paredes tanto intreores como extreores serão emboçadas como reboçadas em crespo = Decima Primeira = As linhas de ferro que estão no corpo da egreja serão bem ferrolhadas atracando as paredes = Decima Segunda = Todas as paredes que se fizerem devem ser de boa pedra d’alvenaria com cal sendo esta bem calenta sendo duas partes d’areia e uma de cal devendo esta ser traçada em grandes porções na prezença do fiscal que a Junta deve ter para este fim, e bem assim para fiscalizar toda a óbra = Decima Terceira = O tejolo, pedra, e cal que nesta obra se gastar deve ser de boa qualidade, e quando não o seja poderá ser

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Magos regeitado sem que por isso o arrematante tenha direito a indemnização alguma = Decima Quarta = A telha que no principio da obra é precizo arriar fica a cargo do arrematante assim como sua arrecadação = Decima Quinta = Todo o entulho que se juntar athe ao fim d’esta obra, tanto no entrior, como no extrior será removido á custa /fl.23v/ Decima Sesta = A Junta de Parochia fornece as madeiras que tem para andames exceto a casquinha entregando esta madeira por conto, de que receberá o competente recibo, e o arrematante o resgatará quando se dezobrigar, sugeitando-se a pagar a que faltar = Decima Setima = O immadeiramento do corpo da egreja e capella mór será todo feito de novo como o que está sómente forrado de guarda pó = Decima Oitava = Frexais, barrotes, forro, e ripa será tudo fornecido pela Junta, ficando a cargo do arrematante o prego que deve ser bom e tudo bem pregado o immadeiramento velho será apiado por conta da mesma Junta revertendo todo assim como o prego a beneficio da corpuração = Decima Nona = Levará oito ferrolhos nas angras, o imvigamento do coro ficará colucado no seu lugar acompanhado e prompto para se açualhar, e bem pregado. A.H.J.M, Junta de Paróquia, Autos de Arrematação, 1857 - 1901, fls. 22 - 23v. 1866 - 04 - 28 Acta da sessão onde se delibera de demolir o pelourinho

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fl.164 Acta da sessão da Junta de Parochia Anno do nascimento de Nosso Senhor /fl.164v/ Jezus Christo de mil oitocentos sessenta seis aos vinte oito dias do mez de Abril do dito anno nesta deliberarão que sendo nesta villa um pelourinho com seu pedestal de pedra sem utelidade publica, nem particular antes com pejamento do largo honde está situado, e podendo ser empregado com utelidade na reparação que vai proceder-se, da Egreja Matriz d’esta Parochia, se pedisse á Camara Municipal d’este Concelho a conseção do mencionado pelourinho com seu pedestal para o fim referido. E por não haver mais do que tratar se fixou a prezente sessão que todos assignão. E eu Joaquim de Souza Pimentel, secretario o escrevi e assigno. O Prezidente = Olival Os Vogais = Rapozo Barroca O Secretario = Joaquim de Souza Pimentel A.H.J.M, Junta de Paróquia, Actas, 1845 - 1868, fls. 164 - 164v. 1875 - 09 - 11 Inventário dos bens da Misericórdia remetidos ao Governo Civil de Santarém 35 Umas casas abarracadas, que servem de hospicio na Rua dos Cantos avaliadas por virtude etc. em # 300$000 36 Uma egreja com a competente sacristia casa do despacho d’esta irmandade, côro, torre com 3 sinos e um só altar com 6 santos. Avaliada etc. em # 1:500$000 A.H.J.F.M., Misericórdia, Lº11, fl. 25v.

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O projecto Muge 1692: Uma proposta de reconstrução virtual

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1896 - 08 - 24 Memória descritiva da obra da Igreja da Misericórdia Pretende a Junta de Parochia d’esta freguezia de Mugem proceder aos reparos indispensaveis na sua Egreja Parochial que se acha em estado de ruina, contando para esse effeito não só com as forças do seu cofre, como com o generoso e importantissimo auxilio que lhe foi offerecido pela Exma. Casa de Cadaval. Para que não haja porrem interrupção no culto divino, durante o tempo em que a egreja parochial tem de ser profanada, com a execução das obras, tem a sede da freguezia de ser transferida para a capella da Misericordia, templo este cujo estado de conservação deixa muito a desejar sendo necessario proceder de prompto aos necessarios reparos, para que possa alli celebrar-se com decencia o culto religioso. O vigamento e o forro do tecto da capella foram ha tempos apeádos por ameaçarem desabar e precisam ser substituidos. Metade do corpo da capella carece de ser vigado e soalhado de novo. A porta principal que data de 1673 está totalmente podre, e tem de ser substituida. A porta lateral carece de concerto. Os estuques das paredes estão a cahir, devendo essas paredes ser picadas e estucadas de novo a fingir marmore. Por ultimo, tem de ser pintados a oleo os tectos portas e roda-pés. Orçamentados estes reparos na quantia de 300$000 reis. Muge, 24 dagosto de 1896 Julio Francisco José de Lousa construtor d’obras publicas A.H.J.M, Junta de Paróquia, Obras Públicas, doc. 1, fl.1

Fontes Manuscritas

Biblioteca da Casa Cadaval, Cod. 891 - K. VIII. IL. Arquivo Distrital de Santarém Registos Notariais, Muge, 1680 - 1684. Registos Notariais, Muge, 1696 - 1700, fl. 91. Registos Notariais, Muge, 1635 - 1637, fl. 41v. Registos Notariais, Muge, 1720 - 1724, fl. 13 Arquivo Histórico da Junta de Freguesia de Muge Junta de Paróquia, Actas, Lº2, fl. 161v – 163-v. Misericórdia, Lº 4, fl. 25v. Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge. Arquivo Histórico do Tribunal de Contas Décima da Província, D.P. 240.4, fl. 27v Décima da Província, D.P. 242.2, fl. 23.

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Magos Arquivo Nacional da Torre do Tombo Arquivo Distrital de Lisboa, Registos Paroquiais, Muge, Mistos, Lº1, fl.79v. Arquivo Distrital de Lisboa, Registos Paroquiais, Muge, Óbitos, Lº1, fl.90v. Dicionário Geográfico de Portugal, Vol. 25, Memória 225, fl. 1900. Leitura Nova, Estremadura, Lº4, fl. 113 – 113v. Ordem de Cister, Santa Maria de Alcobaça, 1ª Inc., Docs. Part., mç. 28, doc. 10. Provedoria de Santarém e Tomar, Testamentos, Muge, mç 2, doc. 19, fl. 3 Provedoria de Santarém e Tomar, Testamentos, Muge, mç. 2, nº. 29. Registo Geral de Mercês, D. Pedro II, Lº6, fl. 182. Registo Geral de Mercês, Doações da Torre do Tombo, Lº 3, fl 161.

Bibliografia

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Carta Geológica de Portugal, folha 31-C, 1967. CARPETUDO, Carlos; LOPES, Gonçalo (2016) - “Paço dos alcaides: Uma proposta de reconstrução virtual” Almansor. Montemor-o-Novo, 3ª Série, Vol. II, p. 155 - 186. CORREIA, Ana (2012) - “A evolução da malha urbana de uma vila ribeirinha: Contributos para o conhecimento do caso de Coruche” Revista Portuguesa de História. Coimbra, Tom. 43, p. 192 - 218. GUERRA, M. J. (1861) - Estudos chorographicos, physicos e Hydrographicos da bacia do rio Tejo. Lisboa: Imprensa Nacional. LOPES, Gonçalo (2015) - “Materiais islâmicos do Serradinho (Muge) Cira Arqueologia. Vila Franca de Xira, nº 4, p. 171 - 186. (2015) - “A igreja de Muge na Idade Média: Uma proposta de reconstrução virtual” Magos: Revista cultural do Concelho de Salvaterra de Magos. Salvaterra de Magos, vol. II, p. 16 - 50. (2016) - “Muge antes de 1304” Magos: Revista cultural do Concelho de Salvaterra de Magos. Salvaterra de Magos, vol. III, p. 73 - 101. VIANA, Mário (2007) - Espaço e povoamento numa vila portuguesa (Santarém 1147 - 1350). Lisboa: Caleidoscópio/ Centro de História da Universidade de Lisboa.

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O frontal de altar em guadameci, na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos Franklin Pereira Professor de Educação Visual / 3º ciclo, em Braga. Guadamecileiro; investigador do Artis-Instituto de História da Arte - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. www.frankleather.com / frankleather@yahoo.com Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


O frontal de altar em guadameci, na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos

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Introdução

Em 2016, por indicação de Tiago Moita (na altura doutorando na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), soube de um frontal de altar em couro pintado e dourado, guardado na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos; as imagens recebidas eram suficientemente explícitas para entender estar perante uma obra rara. Meses depois, viajei até Salvaterra para o estudo da referida peça em guadameci.

Guadameci: uma arte esquecida Antes da análise do frontal, é necessário esclarecer este estranho termo: guadameci provém do árabe “wad al-másir” (PEZZI, 1990: 74; PEREIRA, 2010-11: 100), significando as propriedades daquilo que é rameado e colorido; o árabe hispano “gueld al-másir” (SOLER, 1992:146) aponta para um sentido semelhante de ornamentação, mas sobre couro. Na realidade, o guadameci é um termo técnico para um trabalho requintado sobre couro fino de carneiro coberto de folha de prata, desenhado e pintado com tintas de óleo, texturado com punções metálicas de pouco recorte, e dourado com um peculiar verniz resultante da cozedura de ingredientes vegetais. Para simplificar, não se diz “um frontal de altar em couro trabalhado pela técnica do guadameci”, mas sim “um frontal de altar em guadameci”. O couro assim trabalhado passou a um elevado nível de qualidade no Medievo peninsular e no Renascimento. A utilização desta técnica decorativa no al-Andalus permanece envolta em neblina: não há documentos nem obras assim trabalhadas; o que os historiadores desta época marcante afirmam sobre a antiguidade, produção e comércio de guadamecis não tem sustentação documental e matérica, não passando de suposições e necessitando de revisão crítica, livre de nacionalismos e de efabulações. É a designação do método que demonstra a sua origem nas terras do Islão ibérico, pois a única referência data do início do século XV, relativa a “dos paraments de la cambra de cuyr amb fort bells al mercader Pedro Arias, quien los pedió a Granada para que la obra fuese de excelente calidad” (TORRES BALBÁS, 1949, IV: 207; PEREIRA, 2017: 17), paramentos/panejamentos estes com o brasão do encomendador, o conde de Urgel. A Reconquista absorveu modas e oficinas, e estas, se dirigidas inicialmente por artífices mudéjares, tiveram de se adaptar e servir a nova clientela cristã – terá sido assim que a técnica do guadameci teve continuidade em diversas cidades portuguesas, como foi o caso de Coimbra, Évora, Vila Viçosa e Lisboa (PEREIRA, 2012; 2013; 2018). Córdova permanecia, no entanto, como o principal foco de irradiação do guadameci, e exportando para Portugal (PEREIRA, 2017).

Estéticas e usos do guadameci Na época tardo-medieval, a produção de guadamecis teve muita aceitação entre nobres, clero e réis. Utilizava-se para fabricar cobertas de parede (vários rectângulos em couro eram costurados entre si para formar uma grande superfície), frontais de altar, coxins, cobertas de estrado, e até calçado rico. As estéticas iniciais tinham ainda elementos da arte mudéjar (entrançados, encordoados, polígonos estrelados), mas eram sobretudo florais: pinhas, alcachofras, flores de cardo, faixas de folhagem aparentada com o Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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acanto, flores de pétalas em arco contracurvado, romãs, lírios e outras flores. Por vezes os ornamentos eram estruturados no interior de padrões em arcos duplos contracurvados ou círculos. Todos estes elementos florais eram genericamente descritos como “ao brocado” e também utilizados nos têxteis. A brasonária ou cenas da Cristandade eram elaboradas por encomenda nos guadamecis mais ricos e dispendiosos, peças estas ditas de “imaginária”. Os guadamecis de parede alternavam sazonalmente com as tapeçarias: estas para o tempo frio, aqueles para a época quente; ambos os ornamentos parietais denominavam-se “panos d’armar”, obrigando, para os fixar, a haver argolas no seu topo, e pregos nas paredes. Já o clero requisitava guadamecis para frontais de altar, por vezes com pintura devocional, tal como acontecia em retábulos e pequenos quadros na mesma técnica de luxo. Só com o avançar do Renascimento e aproximações à Europa é que estas modas foram sendo eliminadas, perante novos códigos de conforto nos interiores - e é assim que, em Portugal, a cadeira em couro lavrado passa a ter importância; esta peça viu os seus motivos iniciais recriados a partir do legado califal que ficou nas terras do ocidente peninsular, o Gharb al-Andalus, de que Portugal é o herdeiro; antecedem aqueles dos guadamecis mais antigos, do século XV-XVI (PEREIRA, 2017 A). Em todo o território nacional há documentação que aponta para o uso do guadameci: a primeira referência situa-se em Coimbra no século XII, relativa à aplicação da técnica em sapataria (PEREIRA, 2012, 175); muitas outras se seguem, sobretudo do século XVI e para o sul do rio Mondego - a zona de maior influência da época mudéjar nacional (CALDAS E PEREIRA, 2017: 14). Conquanto parcos, os inventários mostram o uso de guadamecis em Coimbra, Tomar, Santa Maria de Casével/Santarém, Santiago do Cacém, Lisboa, Alcácer do Sal, Setúbal, Borba, Elvas, Évora, Vila Viçosa, Montemor-o-Novo, Avis, Arraiolos, Mértola, Odeceixe, Loulé, Aljezur e Faro; temos ainda notícias pontuais do uso litúrgico do guadameci em Viana do Castelo, Tibães, Braga, Guimarães e Mogadouro. Demonstram estes inventários que o comércio e encomendas de guadamecis (de uso litúrgico ou civil) se espalhavam por todo o país, desde as cidades mais ricas até centros do que agora se chama de província; colaboravam na beleza dos templos e enfatizavam o seu prestígio. Tais inventários também fazem salientar a necessidade em estudar e divulgar tal arte sobre couro, até agora menorizada ou simplesmente ignorada. As raríssimas peças inventariadas como historiadas mostram que a arte pictórica do guadameci partilhava, com a escultura arquitectónica, a pintura em tábua ou tela, o azulejo ou o vitral, a mesma linguagem da época, ajudando a disseminar a Fé cristã. Ainda em menor número estão as obras peninsulares que chegaram até nós - a mudança de modas com o Renascimento, a ênfase dada à talha dourada e a falta de apreço pelo património material eliminaram pura e simplesmente frontais de altar e cobertas de parede. Limitam-se as peças sobreviventes ao Palácio Nacional de Sintra (contador recoberto nas quatro faces), Palácio da Ajuda (cortina e coxim), e um quadro devocional em antiquário lisboeta; acrescenta-se agora o frontal de Salvaterra e o de Alvito. A norte, está um magnífico frontal figurativo mudéjar no Museu Abade de Baçal – que eu considero como a peça mais importante da Península -, proveniente de alguma capela de Trás-os-Montes. Quanto à Charola de Tomar, a execução por molde de dois diferentes motivos em rectângulos, colados no tambor e colunas, distanciam-se, pela técnica de alto-relevo, da linhagem clássica ibérica, e abrem outros entendimentos na centenária História do guadameci (PEREIRA, 2016 A).

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O frontal de altar em guadameci, na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos

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O guadameci também era incluído nas exportações: Flandres parece ter sido um ponto de entrada do guadameci nos Países Baixos, havendo notícias de artífices portugueses a trabalhar em Amsterdão em 1612 (KOLDEWEIJ, 1992: 84); poucos anos depois, os mestres locais abandonaram os métodos artesanais ibéricos, inventando moldes e prensas para relevar os rectângulos de couro, com novas estéticas do Barroco e Rococó - são esses guadamecis industriais e repetitivos que mais se encontra na península, montados em frontais de altar, estofos e biombos (PEREIRA, 2016). Além das novas modas, essa indústria ajudou ao declínio da produção nacional, que se terá extinguido em inícios do século XVIII.

A pintura de c. 1500 e a representação de guadamecis A drástica falta de guadamecis em Portugal pode ser colmatada com o estudo da pintura: por vezes os pintores representavam os guadamecis vistos nos interiores ricos da época, com a usual divisão em rectângulos. A pintura “Retrato de D. João I” (CONFINS, 1992: 255) revela o que seriam os guadamecis tardo-medievais: arcos contracurvados formam as pétalas de uma flor, com outra estilização floral (lírio) no campo. Observando mais perto a pintura exposta no Museu Nacional de Arte Antiga, nota-se que até as marcas das punções - linhas paralelas em losango, ponto – foram simuladas pelo pintor. Já a pintura “O Bom Pastor” (ARTE PORTUGUESA, 2009, VI: 74), de Frei Carlos, mostra um motivo vegetalista muito simples: caule com flor de pétalas em arcos contracurvados; repete-se a divisão em rectângulos do painel, facto indicador de estarmos perante a representação de um guadameci. O panejamento representado em “Cristo atado à coluna”, também do século XVI (imagem em http:// reservasescolhidas.blogspot.pt/2009/03/cristo-atado-coluna.html) tem mais interesse. O grande painel floral atrás de Cristo está ladeado por um panejamento têxtil com as normais pregas. Sem que o pintor tenha representado a normal divisão em rectângulos, é caso para perguntar por que haveria de mostrar o ondulado dos panos laterais e deixar o painel central liso. Esse painel central está decorado com um desenvolvimento floral em dourado sobre fundo verde; atendendo aos inventários da época, que designam genericamente alguma decoração por “ouro e verde”, é de crer que será este o tipo de guadameci em uso. Na pintura “Circuncisão” (GRÃO VASCO, 1992: 88), de 1501-06, um “pano d’armar” em guadameci tardo-medieval está representado nessa cena litúrgica pintada por Grão Vasco (c. 1475-1542). Outros exemplos pictóricos permitem ver o emprego de guadamecis nos interiores. Reveja-se “Anunciação” (Francisco Henriques, século XVI) (SANTOS, 1958: estampa XLVII; 1970, I: 48), “Nossa Senhora dos Anjos” (oficina dos Países Baixos Meridionais, c. 1500) (PINTOR, 1997: 88); e “Santo António” (escola luso-flamenga, século XVI) (idem: 162); neste caso, o comentário admite o panejamento como «um drap d’honneur, trabalho do século XV de inspiração ítalo-hispânica» (idem: 163), perdendo uma oportunidade em ligar tal aplicação ornamental e padrões à tradição ibérica decorrente da herança muçulmana.

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Magos O guadameci na Igreja Matriz O frontal de altar em guadameci encontra-se afastado do uso, e fixo noutro espaço da igreja. O frontal mede 214 x 93 cm, e cada rectângulo/“pano” mede 47 x 64 cm. Foi elaborado em couro de carneiro, e é constituído por quatro “panos”/rectângulos de couro, ladeados por estreitas barras rectangulares e encimado por sanefas (rectangulares e quadradas), que repetem a pintura floral (imagens 1 a 5).

Imagem 1 - Frontal completo. Fotografia do autor.

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Imagem 2 - Rectângulo/pano. Fotografia do autor. Imagem 3 - Detalhe do vaso florido. Fotografia do autor.

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O frontal de altar em guadameci, na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos

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64 Imagem 4 - Detalhe. Fotografia do autor.

Imagem 5 - Outro detalhe. Fotografia do autor.

Datará do século XVII, ou de inícios do XVIII, atendendo à sua estética barroca. Cada rectângulo de couro de carneiro repete o mesmo motivo: jarro de flores (rosas, petúnias ou begónias, em tons rosados e cinza) e folhagem num campo dourado liso, assente em duas volutas; este motivo está simetricamente emoldurado por rameado barroco e outras volutas. No descolorido nota-se sobretudo o dourado da folhagem e fundos vermelhos; outros fundos foram pintados em verde-escuro. Dir-se-ia que o pintor teve alguma liberdade, pois há diferenças entre jarros (nomeadamente na pega) e na disposição das flores. A pintura recorreu ao delineado largo com tinta escura e tinta vermelha. Tal como os guadamecis clássicos, a tonalidade dourada foi realizada pelo verniz dourado/“douradura”; este último termo é dos guadamecileiros lisboetas, com regimento no famoso Livro dos Regimentos, de 1572 (CORREIA, 1926: 94); de notar que esta colectânea de regimentos quinhentistas não contém toda a documentação; o original está em depósito no Arquivo Histórico de Lisboa. Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos


Magos O mestre guadamecileiro utilizou diversas punções típicas da arte: padrão de Vs ligeiramente ondulados, linhas paralelas no interior de rectângulo, losango com três faixas com três pontos em linha, dois círculos concêntricos rodeados por pequenos pontos, ponto raiado, e quadrado (ou suave losango) dividido em quatro quadrados (imagens 6 e 7). Estas punções foram aplicadas na estilização floral, tanto bordejando-a como criando malhas e faixas texturadas no seu interior; as imagens de detalhe mostram que o puncionamento não encaixa exactamente no campo devido - no guadameci este facto é tido como usual, e não um erro do artífice. O vaso de flores e o campo dourado onde se encontra foram deixados lisos.

Imagem 6 - Desenho das punções utilizadas. Desenho do autor.

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Imagem 7 - Punções do autor, réplica dalgumas usadas no frontal de Salvaterra; obra do torneiro mecânico Manuel Capa (Tibães/ Braga). Fotografia do autor.

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O frontal de altar em guadameci, na Igreja Matriz de Salvaterra de Magos

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O estudo das marcas das punções não contribui para estabelecer “escolas” ou mesmo o local ou país de produção: há coincidências neste ferramental da arte em Espanha e em Itália (manufactura decorrente da presença espanhola). Aliás, uma das carências dos poucos livros ilustrados de guadamecis é a falta de detalhes das imagens, pois a fotografia geral e a descrição não são suficientes. Imprescindível é um estudo sobre o guadameci em Itália, já que inclui imagens de muito detalhe e decalque a grafite das punções (NIMMO et all., 2008, 158-220); a minúcia chega ao ponto de publicar imagens de proximidade, notando-se a gradação das cores e o modo de usar as punções típicas da arte. Outros livros apresentam mais alguns detalhes (ART, 1992, 35, 37 e 38; ARTE, 1998, 84, 103 e 107; GUADAMASSILS, 2001, capa, 23, 25, 27, 29. 31, 37, 39, 55, 61, 67, 69, 71, 73 e 75; CORDOVANS, 2004, 25 e 29). Também um outro trabalho é um pequeno mas valioso contributo ao detalhe das punções do ofício (FUENTE ANDRÉS E SOLER, 2002, 459). É preciso ver o puncionamento de perto, e entender que, com o avançar do Renascimento, as punções se tornaram de marca maior, e menos detalhadas - o “filigranado” quinhentista tornou-se mais texturação. Voltando a este frontal, as costuras entre rectângulos estão cobertas por faixas douradas em brocado têxtil, como é frequente noutras peças. A antiguidade e o uso estão visíveis no mau estado de conservação e no descolorido que chegou a atingir o verniz dourado. Só por comparação com as obras espanholas em bom estado é que é possível visionar a qualidade e riqueza originais deste frontal em guadameci. O recurso ao motivo de jarro florido poderá parecer-nos trivial e decorativo, relembrando de imediato as jarras em cima da mesa ou os bordados das nossas mães e avós. No entanto, nesse elemento corrente se enfatiza os símbolos antigos: a Água como elemento vital na Natureza, e a sua sacralização enquanto veículo do Baptismo. As flores dão brilho a esta simbologia, e prolongam o culto da Árvore da Vida – este tema arcaico, que atravessou diversas civilizações, teve continuidades até aos dias de hoje, mesmo perdendo importância e simbologia.

Um outro frontal no Alvito Com o mesmo ornamento e divisão em quatro rectângulos - três centrais ladeados por meio “pano” está um outro frontal de altar na igreja da Misericórdia de Vila Nova da Baronia/Alvito (FALCÃO et all., 2018: 55). Não possui as fitas têxteis que unem cada rectângulo - antes são unidos por costuras -, e não tem sanefas laterais nem inferiores. No topo, o frontal é rematado por uma longa faixa repetindo o motivo; uma fita em brocado têxtil com franjas tapa a união ao restante. Esta obra está pendurada num varão por oito presilhas largas em couro, que é um acrescento recente, simplesmente elaborado para ser de fácil colocação na parede. Observando outras imagens não-publicadas que a autora do referido artigo me fez chegar, nota-se que apenas há variações na coloração; as cores são quentes, e há partes deixadas na tonalidade da folha de prata (nomeadamente no interior das volutas, e no campo exterior); está muito mais descolorido que o de Salvaterra. As punções são aparentadas, sendo necessário uma observação detalhada para admitir obra Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos

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Magos da mesma oficina de guadamecileiros; refiro em particular a punção de estrela (ponto ou bola pequena raiada), pois, sendo de fabrico caseiro, qualquer minúsculo erro (ou diferença de ângulo) no vincar de algum raio que o ferro tenha é visível no seu texturado.

O jarro florido: um diálogo entre artefactos O ornamento mostrando um jarro florido foi corrente noutros artefactos ou peças antigas, e vale a pena um pequeno historial. A representação de guadamecis na pintura quinhentista presente em Portugal também sucede em Espanha. John Waterer refere duas pinturas espanholas, c. 1490, nas quais aparece um panejamento e um frontal de altar divididos em rectângulos, indiciando serem guadamecis (WATERER, 1971: imagens 5 e 6); ambas estão expostas no Museu do Prado (Madrid). Numa delas, o motivo central do frontal de altar representado é um jarro (imagem 8). Noutro guadameci, catalão e do século XVII, o painel central tem uma pintura de São Félix (GUADAMASSILS, 2001: 49). As três sanefas superiores desse frontal de altar estão preenchidas com um vaso com frutos (uma pera e duas romãs), ladeado por ramagens com duas aves viradas para o vaso (imagem 9).

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Imagem 8 - Detalhe de pintura representando um frontal de altar. WATERER, 1971: imagem 6.

Imagem 9 - Detalhe da faixa superior de um frontal de altar; o motivo é repetido três vezes; note-se a imitação das franjas têxteis. GUADAMASSILS, 2001: 49.

Da segunda metade do século XVII, algumas cadeiras em couro lavrado mostram, no espaldar alto de base e topo ondulados, um vaso florido, assente em ladrilhado; um dos lavrados mostra o vaso seguro por dois “putti”, e o outro ladeado por aves. Crê-se que tal ornamento tenha sido absorvido da cerâmica azul importada de Delft, apesar da ancestralidade e “vulgaridade” de tal desenho nas artes decorativas. Os dois exemplares que mostro (imagens 10 e 11) poderão ser obra da mesma oficina de excelentes mestres correeiros, ou - hipótese mais provável - serem de oficinas diferentes partilhando um elemento corrente na época e admitido como oficial; lembremo-nos que a arte era regulada por juízes do ofício, e que havia motivos oficiais e integrados nos estilos em voga; o mesmo se passava na arte dos guadamecis. Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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Imagem 10 - Espaldar de cadeira na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo/Caldas da Rainha, de 1500. Fotografia do autor.

Imagem 11 - Espaldar de cadeira na Casa-Museu Guerra Junqueiro/Porto. Fotografia do autor.

As cadeiras lavradas da época de D. João V continuam a usar este jarro florido. Avanço para os safões, um artefacto campestre de protecção das pernas. As pouquíssimas referências nos raros inventários da produção artesanal utilitária dos tempos idos não deve estranhar: às faltas de registo acrescenta-se o pouco valor dado ao mais corrente e indispensável do dia-a-dia campesino. Como deixam antever os forais manuelinos, houve sempre uma produção caseira, não contabilizada, de artífices em “part-time”; não contavam nos regimentos da época por estarem dispersos; eram, também, tais artefactos de protecção – a par de sacos, mochilas, cintos, samarras e odres – obras da auto-suficiência de casas rurais ou pequenas comunidades. Tanto quanto pude ver no Alentejo e Andaluzia, a temática ornamental Revista Cultural do Concelho de Salvaterra de Magos


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dos safões pode ser dividida em quatro estilos: um mais geométrico, um mais arabizante, um floral de muita minúcia, e, finalmente, um outro floral. Todos eles são tecnicamente denominados “calado”, ou melhor, filigrana em couro, usando cortes e aberturas, colocando couro branco por trás, também usado para costuras (PEREIRA, 2009, 542, imagem 11; 2012 A, 200, fig. 6D). O safoeiro Luís Bermijo, já idoso e em final de uma vida ligada aos couros utilitários e campestres - conheci-o em 2002, na vila de Aroche, na serra de Aracena -, mostrou-me o álbum de fotografias do pai. Entre as imagens, está a de uns safões com o ornamento de planta a crescer (imagem 12), que é o que interessa relacionar com o vaso no frontal da igreja matriz. Admito a “pureza” destas obras, pois as fotos datam dos primeiros anos do século XX. Se os ecos do Medievo permaneceram até ao século XVII inicial nos couros artísticos da elite, após esta data ficaram ancorados nas artes populares do sul ibérico, em zonas de menor poder económico e político (PEREIRA, 2007, 2007 A, 2008). Em 2003, em trabalho de campo no Alentejo, conheci Joaquim Militão, de Vaiamonte; em jovem teve a ideia de fazer um par de safões para si, obra que despoletou encomendas, acrescentadas ao seu trabalho de agricultor, carreiro - aquele que trabalha com uma parelha de animais no amanho da terra - e até ao curtume, além de tocar concertina e guitarra. Acrescento descobridor: a ele se deve ter encontrado, em 1947, um enorme pavimento em mosaico da época romana - o “Mosaico das Musas” -, integrado logo depois nas escavações arqueológicas da Torre de Palma. Actualmente este painel está exposto no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa. A par dos safões - que confeccionava em pelica e couro -, eram elaborados quadros em couro, usando o mesmo rendilhado típico, e servindo como moldura de um conjunto de fotografias (actividades Imagem 12 - Safões andaluzes de 1914-17. Fotografia do autor. festivas, casamentos, memórias). Aliás, era corrente encontrar nas feiras e romarias sazonais quadros em tecido bordado ou em cortiça, deixando sempre espaço aberto para a colocação de fotos; os de cortiça apresentavam muitas vezes miniaturas de ferramentas ou objectos de trabalho, sendo comprados porque o destinatário teria directamente a ver com os motivos esculpidos. Na altura da minha visita a Joaquim Militão, tive apenas oportunidade em ter em mãos três quadros Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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elaborados pelo velho artesão, graças à amabilidade da sua esposa e de um vizinho. Os três objectos repetem a mesma matriz: várias aberturas para colocar as imagens, com tiras de couro fino de bezerro rendilhadas (cortes com uma tesoura especial, usualmente usada em tecido) ou com curvas, estas executadas com uma punção cortante em meio círculo, da qual havia vários modelos, genericamente denominados “marrafiados”. As folhas e pétalas da decoração floral, saindo de um vaso (imagem 13), são cortadas à faca, e resumem-se a duas curvas unidas, com aplicação de tecido colorido da parte de trás do couro (PEREIRA, 2009, 541, imagem 7; 2012 A, 200, fig. 6C). Quanto ao chifre esculpido/talhado à faca, convertido em contentor de líquidos, um exemplo de muita elaboração mostra, entre enlaçados e brasonária, um vaso florido sobre a data: “ANNO 1620” (MONIZ, 1997, 21). Já um polvorinho em chifre, datando de 1844 e do Museu de Monsaraz, mostra cavaleiros e caçadores, separados por uma faixa de vasos floridos (idem,14, fig. 5). Na produção de chocalhos do Alentejo, era tradição fixar-lhes um desenho, em chapa de ferro, ficando este relevado ao sair do forno. Funciona esse alto-relevo como marca do fabricante e, tendo dois, um é também a marca do artesão que o restaurou. De novo, estas marcas são outras versões da Árvore da Vida (ARTES, 1980, 102; PEREIRA, 2009, 541, imagens 8-8B) - estamos perante uma mesma matriz na produção de chifres esculpidos, chocalhos e couros decorados de raiz popular. Um pequeno aparte: o livro referido (ARTES, 1980) é da responsabilidade de professores estagiários de Educação Visual, decorrente do seu trabalho de recolhas no meio, a que chamaríamos investigação no terreno ou pesquisa no campo; este facto enfatiza a vertente pedagógica e o seu interesse. Escrito em 1977, está afastado dos estágios subsequentes, cada vez mais longe da herança patrimonial e do pulsar artístico e estético das comunidades que a escola devia servir. Nos últimos anos, com o domínio do digital, e o currículo mais vincadamente submetido aos cânones da arquitectura e engenharia, as horas para as manualidades foram reduzidas, implicitamente consideradas retrógadas ou desnecessárias. Deixando os artefactos e recuando no tempo, consideremos Imagem 13 – Detalhe de quadro em couro de de novo a pintura de c. 1500; o vaso florido aparece pintado em Joaquim Militão, de Vaiamonte. Fotografia do diversas representações da Anunciação, como é o caso daquela autor.

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de Diogo Contreiras (imagem 14): entre a Virgem e o anjo está o vaso, não só acrescentando beleza, mas emanando o simbolismo da planta/Vida a crescer da terra. No Museu de Grão Vasco, o painel “Anunciação” (escola luso-neerlandesa) mostra de novo o vaso com flores, junto à Virgem sentada aos pés do leito (PINTOR, 1997,186); o anjo estende a faixa “AVE GRATIA PLENA”; de realçar, como na referida pintura de Diogo Contreiras, a Pomba Branca do Espírito Santo, envolta num halo de luz – motivo também pintado no frontal de altar quinhentista em guadameci, exposto em Bragança. No “Tríptico da Aparição de Cristo à Virgem”, de Grão Vasco, temos o vaso florido aos pés do anjo (idem, 214). Este diálogo, pese a coincidência temporal de algumas peças com a datação do frontal de Salvaterra, mais que inspiração, mostra diferentes abordagens visuais a uma simbologia arcaica. Aparentemente, toda esta decoração floral pode ser vista como simples, e mesmo simplória; no entanto, um olhar mais intenso permite retirar outros dados e conclusões, e é exactamente essa uma das prazenteiras tarefas de quem investiga. O vaso referido em todas estas produções artesanais portuguesas emparceira perfeitamente com alguns exemplos no longo estudo de George Lechler, intitulado “The Tree of Life in Indo-European and Islamic cultures”; inclui o autor 148 ilustrações do tema ancestral da Árvore da Vida, o que permite afirmar que a arte popular ou da elite (como eram os guadamecis e as cadeiras lavradas), continua, inconscientemente, motivos de um simbolismo ancestral, tornado arquétipo, de apreço e reverência pelas forças da Natureza, condensadas numa planImagem 14 - Detalhe da pintura “Anunciação” (1550-1555), peça ta a crescer. do antigo retábulo da igreja de São Brás do Campanário (Madeira), Dir-se-á ser elementos de simples decoração, baexposta na recente mostra “As Ilhas do Ouro Branco - encomenda seada em algo tão corrente como o vaso de flores. artística na Madeira, séculos XV-XVI”, no MNAA. Fotografia do autor. Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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No referido estudo aparece a mesma discussão, contrapondo o autor que “eles [os padrões de árvore e vaso] também eram símbolos. Combinavam o decorativo com o útil. Os símbolos trazem boa-sorte e representam um auxílio ao portador, ao protegê-lo e santificá-lo” (LECHLER, 1937: 394; tradução minha). Por outras palavras, cria-se e partilha-se uma memória colectiva, explicitando a pertença a uma cultura; vemos também o poder da arte ou do desenho como veículo visual e metafórico desta memória.

O guadameci como frontal de altar Há mais frontais em guadameci ainda em uso nas igrejas de Miragaia, Torres Vedras, Balsamão/Macedo de Cavaleiros, Murfacém/Almada, e Santa Eulália (em Pinelo/Vimioso); todos são da indústria repetitiva dos Países Baixos do século XVIII. Dois outros estão nas reservas do Museu de Abade de Baçal, outros nas do Museu Alberto Sampaio (originários da igreja do Mosteiro de Pombeiro), e cinco nas do Museu Nacional de Arte Antiga (PEREIRA, 2016), em que três procedem do Forte da Ínsua, em Moledo do Minho. No museu brigantino está também um outro, magnífico, do século XVI, vindo de alguma igreja da zona nordeste. A pintura central mostra Cristo recebendo o Espírito Santo; ladeiam-na dois rectângulos/panos, com ornamento floral inscrito em amplos arcos duplos contracurvados; a faixa que os forma contém dois arabescos alternados, outra versão do ancestral módulo da flor quadripétala sobre quadrado, motivo este anterior ao Islão e que foi absorvido e recriado na sua expansão geográfica - esta é a arte mudéjar em guadameci, aqui no frontal mais importante da Península Ibérica (PEREIRA, 2012, 190; 2012 A, 195, fig. 1C; 2012 B, imagem 16; 2013 A, 150). Como peça rara, é de todo o interesse proceder ao restauro deste frontal de altar em guadameci da igreja matriz de Salvaterra de Magos, inserindo-o convenientemente no local de culto e numa rede nacional de couros artísticos de uso litúrgico – um aspecto ainda em falta, agora que tanto se fala de turismo cultural e identidades.

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O Modelo Espacial do Liberalismo e as Extinções do Concelho de Salvaterra de Magos (1836 - 1855 - 1867)

António Pedro Manique

apmanique@gmail.com Mestre em História dos Séculos XIX e XX. Professor Coordenador (aposentado) da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Santarém. Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


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O Modelo Espacial do Liberalismo e as Extinções do Concelho de Salvaterra de Magos

Resumo

O processo de construção da administração periférica do Estado e do modelo espacial a ela associado constituiu um dos mais complexos problemas políticos com que se debateu o regime liberal implantado em Portugal a partir de 1834. O ordenamento administrativo do território arrastou-se por quase todo o século XIX, mas teve dois momentos cruciais relativamente à extinção e à reorganização de concelhos: o primeiro ocorreu em 1836, com o Decreto de 6 de novembro, que procedeu à extinção de quase meio milhar dos antigos concelhos chegados aos alvores do Liberalismo; e o segundo em 1855, com o Decreto de 24 de outubro, que voltou a reduzir o número de municípios e a reorganizar os territórios dos existentes. O concelho de Salvaterra de Magos foi vítima dessas duas medidas, tendo sido extinto em 1836 e em 1855 e anexado ao de Benavente. E se a primeira integração no concelho vizinho durou apenas alguns meses e não chegou a marcar significativamente o quotidiano dos habitantes de Salvaterra, já a segunda estendeu-se por quase oito anos e teve repercussões profundas na vida das populações de Salvaterra e de Muge. O último sobressalto ocorreu em 1867, quando um novo quadro administrativo voltou a determinar a extinção do concelho, mas desta vez a legislação morreu antes de ser aplicada, não chegando a perturbar a vida municipal. Este texto procura esclarecer as extinções e os restauros do concelho de Salvaterra de Magos e aborda alguns aspetos da vida local que favorecem a compreensão das alterações ocorridas.

1 | O quadro administrativo do Antigo Regime e a situação concelhia em 1826 O ordenamento administrativo do território não é neutro e reflete sempre a ideologia e os valores dos regimes políticos que o determinam. O aparelho administrativo do Antigo Regime resultava da aplicação dos princípios fundamentais do sistema político que lhe estava subjacente, uma vez que as instituições administrativas, enquanto extensão e parte integrante de um aparelho de Estado determinado, são responsáveis pela difusão dos códigos políticos dominantes, pela normalização dos comportamentos sociais e pelo exercício das funções coercitivas e ideológicas inerentes ao modelo político vigente e emanadas do centro do sistema político1. A concentração de poderes típica da monarquia absoluta determinava a não separação das funções administrativas, judiciais e fiscais, exercidas frequentemente pelos mesmos funcionários. A não coincidência das divisões territoriais relativas a essas funções fazia multiplicar o número de agentes atuantes num mesmo espaço, imperando a complexidade do sistema administrativo que, nos seus traços gerais, chegou a 1832. Ver: CHEVALLIER, Jacques (et al.) - Centre, Périphérie, Territoire. Paris, P.U.F., 1978, pp. 15 ss.; CHEVALLIER, Jacques e LOSCHAK, Danièle - Science Administrative. Théorie Générale de l’Institution Administrative. Paris: LGDJ, 1978.Tomo I, pp. 175 ss. 1

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Nos fins do Antigo Regime as comarcas e os concelhos eram as unidades básicas da administração periférica portuguesa, nas quais agiam os funcionários régios encarregados do controlo administrativo e da aplicação da justiça: os corregedores e os juízes. Com competências administrativas e financeiras existiam ainda os provedores, cujas áreas de atuação coincidiam, genericamente, com as comarcas2. A comarca era a circunscrição mais ampla e a área de jurisdição do corregedor, primeiro magistrado régio na hierarquia da administração periférica e que detinha vastas atribuições de carácter judicial, administrativo, fiscal e policial. Politicamente, tutelava os governos concelhios, organizava e ratificava as eleições, autorizava o lançamento de impostos e fiscalizava as contas de cada município. Estes magistrados correspondiam-se diretamente com o poder central, sobretudo através do Desembargo do Paço. Os provedores atuavam em áreas semelhantes às comarcas e detinham competências administrativas e financeiras, sendo particularmente responsáveis pela arrecadação das receitas régias. A administração local básica assentava nos concelhos, governados pelas câmaras municipais, cujos vereadores eram eleitos localmente e confirmados pelo Desembargo do Paço, ou pelos senhores das terras, conforme se tratasse de concelhos da Coroa ou de concelhos em que os donatários possuíam tal capacidade3. Nos concelhos da Coroa considerados mais importantes as câmaras eram presididas por juízes de fora, de nomeação régia e subordinados aos corregedores, com vastas atribuições nos campos da justiça, da administração e do policiamento. Nos restantes concelhos, estas funções eram desempenhadas por juízes ordinários, eleitos localmente em conjunto com as vereações. Eram 45 as comarcas chegadas a 1826, pelas quais se distribuíam os 816 concelhos então existentes. Vejamos a situação dos concelhos que nos importa considerar: Quadro 1 Situação Concelhia nos Fins do Antigo Regime (1826)

Fontes: Instruções de 7 de Agosto de 1826 para a convocação das Cortes Gerais; Mappa Alfabético das Povoações de Portugal que tem Juiz de Primeira Intrância. Ver: SUBTIL, José - Governo e Administração. In MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal. Lisboa, Círculo de Leitores, 1993. Vol. IV, pp. 182-186. 3 Para a eleição dos corpos camarários nos fins do Antigo Regime ver: MANIQUE, António Pedro - “Processos Eleitorais e Oligarquias Municipais nos fins do Antigo Regime”. In Arqueologia do Estado, Comunicações. Lisboa, História e Crítica, 1988. Vol. I, pp. 109-120. 2

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Como demonstra o Quadro 1, dos quatro concelhos em causa, Benavente era o mais populoso, com 802 fogos, seguindo-se Salvaterra de Magos com 595. Samora Correia e Muge eram concelhos minúsculos em termos populacionais, sem quaisquer hipóteses de sobrevivência no quadro administrativo liberal que adiante analisaremos. A distribuição dos concelhos por comarcas obedecia mais à lógica das jurisdições tradicionais do que à sua situação geográfica. Daí que Benavente pertencesse à comarca de Avis, porque a vila fora doada à Ordem Militar com o mesmo nome e esteve sujeita à sua jurisdição desde o século XII4. Samora Correia pertencia à comarca de Setúbal, e Salvaterra e Muge à de Santarém, imperando aqui a proximidade territorial. Apesar de os quatro concelhos pertencerem à Coroa nos fins do Antigo Regime, eram diferentes os seus estatutos relativamente à administração da justiça. Samora Correia e Muge tinham como magistrados principais juízes ordinários, enquanto Benavente e Salvaterra possuíam juiz de fora, de nomeação régia, beneficiando Benavente de alguma vantagem sobre Salvaterra de Magos. Com efeito, desde o século XVII que existia um juiz de fora comum às duas vilas5 (situação que se verificava em cerca de oitenta concelhos, em todo o país), mas a condição de concelho mais populoso determinava que o magistrado residisse em Benavente, ficando o concelho de Salvaterra com o estatuto de “anexo” àquele. Circunstância que, do ponto de vista simbólico, condicionava uma certa superioridade de Benavente, apesar de não existir qualquer subordinação das funções judiciais e das competências do juiz, quando exercia a sua magistratura relativamente a Salvaterra de Magos. O quadro administrativo descrito chegou a 1832, uma vez que o triénio vintista e o primeiro período de vigência da Carta Constitucional (1826-1828) não chegaram a produzir qualquer alteração significativa na administração periférica do Estado nem no ordenamento administrativo do território. Foi o Decreto de 16 de maio de 1832, da autoria de Mouzinho da Silveira, que deu substância à primeira reforma administrativa liberal, procedendo à divisão do território em províncias, comarcas e concelhos, e dotando as novas circunscrições de órgãos e competências para a governação do futuro aparelho administrativo.6 A reforma de Mouzinho da Silveira previa um completo reordenamento administrativo do território que pusesse fim ao modelo espacial do Antigo Regime, caótico e irracional aos olhos dos liberais, e o substituísse por um outro, que obedecesse aos princípios da racionalidade e da igualdade e que assentasse em circunscrições administrativas homogéneas, quer ao nível regional, quer ao nível local. A rede concelhia deveria obedecer a um conjunto de critérios que vão sendo definidos pela legislação posterior e onde se evidenciavam: uma homogeneidade territorial e populacional, que conjugasse a extensão com o número de habitantes, por forma a garantir aos concelhos condições financeiras de sobrevivência e de resolução dos problemas municipais; a existência de uma massa populacional que assegurasse o desenvolvimento Ver: AZEVEDO, Álvaro Rodrigues, Benavente. Estudo Histórico-Descritivo, Lisboa, 1926 (Reedição C.M.B.). p. 155. Ver: ESTEVAM, José, Anais de Salvaterra de Magos. Dados Históricos desde o século XIV, Lisboa, Ed. Couto Martins, 1959, p. 79. 6 Para a compreensão desta reforma e sua aplicação, ver: MANIQUE, António Pedro, Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública, Lisboa, Livros Horizonte, 1989. 4

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concelhio e fornecesse cidadãos capacitados para o exercício dos cargos municipais (o número mínimo de 1000 fogos tornou-se referência para a constituição de qualquer concelho); a centralidade das sedes de concelho, de forma a que todas as povoações do mesmo município ficassem equidistantes da câmara municipal; a comodidade dos povos, tendo em conta as condições de deslocação e o estado dos caminhos; e os costumes e tradições locais relativos a hábitos de interação económica e política das comunidades. A reorganização administrativa do território estava prevista na legislação de Mouzinho da Silveira, mas veio a ser delineada apenas no ano seguinte, através do Decreto nº 65, de 28 de junho de 1833. O Mapa anexo a este Decreto consagrava a existência de 8 províncias, 40 comarcas e 796 concelhos e pretendia regular as novas circunscrições administrativas e judiciais7. A aplicação da reforma administrativa de Mouzinho da Silveira revelou-se inexequível e viu-se confrontada com a oposição de grande parte do país, à medida que ia sendo executada, após o fim da guerra civil. Não só porque alterava radicalmente o quadro de funcionamento das câmaras municipais, retirando-lhes autonomia para aplicarem as suas decisões, mas também porque a reorganização territorial implicava a extinção de muitos concelhos e a reorganização de outros, o que suscitou uma autêntica “guerra” entre as comunidades locais e o governo e seus agentes ao nível regional. A substituição do modelo administrativo de Mouzinho da Silveira ocorreu logo em 1835, com a publicação da Carta de Lei de 25 de abril e do Decreto de 18 de julho do mesmo ano, que dividiu o território em distritos, concelhos e freguesias e restituiu às câmaras municipais a autonomia a que estavam habituadas. Esta legislação será a base do primeiro Código Administrativo português, promulgado em 31 de dezembro de 1836 pela mão de Passos Manuel, já depois da Revolução de Setembro8. Mas continuava por resolver o problema do reordenamento administrativo do território. A legislação de 1835 previa ainda a existência de 799 concelhos e continuavam a revelar-se infrutíferas as tentativas de supressão dos pequenos municípios. A “grande” medida relativa à reorganização do espaço surgiu também pela mão de Passos Manuel, como adiante veremos.

2 | O modelo espacial do Liberalismo e a primeira extinção do concelho de Salvaterra de Magos (1836-1837)

É no quadro descrito que se compreende a primeira extinção do concelho de Salvaterra de Magos, bem como dos de Muge e Samora Correia. O objetivo dos liberais era a criação de grandes concelhos, que possuíssem população e meios financeiros suficientes para a sua existência, no contexto do novo sistema político. A “ditadura” de Passos Manuel9 foi a grande oportunidade para resolver de vez a questão da supressão dos pequenos concelhos e da reorganização administrativa do território. Recorde-se que são três os Decretos de 16 de maio de 1832, da autoria de Mouzinho da Silveira: o nº 22, que reorganiza a Fazenda Pública; o nº 23, que reorganiza a Administração; e o nº 24, que reforma a Justiça. São precedidos de um Relatório comum. 8 Ver: MANIQUE, António Pedro, “O Setembrismo e a Administração Pública”. Atas do Colóquio Passos Manuel e o Liberalismo. Santarém e o Pronunciamento Nacional de 1846. Santarém, ESES, 1996. 9 No período liberal designava-se por “ditadura” a produção legislativa por parte dos governos, na ausência do funcionamento das Cortes (Parlamento), uma vez que a Carta Constitucional atribuía a função legislativa exclusivamente ao Parlamento. 7

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Com efeito, baseando-se em trabalhos efetuados pelas juntas gerais dos distritos, convocadas expressamente para elaborarem pareceres sobre o assunto, o governo de Passos Manuel publicou o Decreto de 6 de novembro de 1836, que revolucionou drasticamente a organização territorial, ao extinguir 498 antigos concelhos e ao fixar a existência de apenas 351. O Decreto de 6 de novembro de 1836 é uma peça fundamental no processo de ordenamento territorial do Liberalismo, uma vez que estabelece uma rotura definitiva com o paradigma municipal do Antigo Regime e cria um novo modelo espacial e uma rede concelhia que, com alguns ajustes, chegou aos nossos dias. Modelo espacial que assentava na existência de dois níveis básicos de divisões administrativas10: um conjunto de grandes circunscrições (distritos) homogéneas, dirigidas por um representante do governo (Administrador Geral do Distrito ou Governador Civil) e por ele nomeado, que era o responsável pela aplicação das leis e das orientações políticas do poder central, garantindo-se, assim, o controlo político de todo o território nacional. E uma rede homogénea de concelhos com territórios redimensionados e contínuos e maioritariamente compostos, já em 1842, por mais de 5.000 habitantes11. Ou seja, “grandes” concelhos, comparativamente com o que se verificava em Espanha e em França, onde a proliferação de pequenas circunscrições municipais caracterizou a evolução dos regimes liberais12. Como referimos já, o Decreto de 6 de novembro de 1836 produziu efeitos nos concelhos que nos importa analisar. O concelho de Muge foi extinto e integrado no de Almeirim, agora reorganizado; o concelho de Samora Correia foi igualmente extinto e integrado, definitivamente, no de Benavente; e o concelho de Salvaterra de Magos foi também vítima de extinção e de integração no de Benavente, do qual se tornava freguesia. Naturalmente que a supressão do concelho de Salvaterra e a sua anexação a Benavente (e não o contrário), foi determinada pela inferioridade populacional demonstrada no Quadro 1 e que se mantinha em 1836, uma vez que a regra geral era a extinção dos concelhos mais pequenos em benefício dos maiores. O concelho de Benavente passava, assim, a cumprir os requisitos populacionais exigidos pelas normas liberais, pois integrava agora cinco freguesias (Benavente, Barrosa, Santo Estêvão, Samora Correia e Salvaterra de Magos), o que totalizava 1641 fogos, ou seja, mais do dobro dos que possuía dez anos antes. A aplicação do Decreto de 6 de novembro de 1836 não foi pacífica, como o não tinham sido as medidas anteriores relativas ao ordenamento territorial. Mais de uma centena de concelhos reclamaram contra a extinção de que foram alvo e alguns deles viriam a conseguir ser restaurados nos anos seguintes. Vejamos o que se passou com Salvaterra de Magos. Não se atribui aqui à freguesia a mesma importância das outras circunscrições em virtude de ter sido irregular a sua permanência enquanto entidade administrativa. 11 Ver: SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da - Território e poder. Nas Origens do Estado Contemporâneo em Portugal, Cascais, Patrimonia, 1997, pp. 123-124. 12 Sobre a reforma territorial do Setembrismo ver: MANIQUE, António Pedro, “A reforma concelhia setembrista e o modelo espacial do Liberalismo. Contestações municipais e alterações ao Decreto de 6 de novembro de 1836”. In Os Irmãos Passos. Da Política ao Poder Local, Lisboa, Leya Online, 2018. 10

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O comportamento do extinto concelho de Salvaterra pode caracterizar-se por duas atitudes fundamentais: uma resistência pacífica à integração em Benavente; e uma estratégia eficaz de reivindicação, junto do governo, da restauração da sua autonomia. A descrição de alguns factos mais significativos ajudará a compreender as referidas atitudes. A morosidade das comunicações da época condicionou o conhecimento local e a aplicação do Decreto de 6 de novembro de 1836. Só em 30 de novembro é que o Ministério do Reino enviou o Decreto aos administradores gerais dos distritos, através de uma Portaria Circular que ordenava a sua execução13. Estes, por sua vez, só em fins de dezembro remeteram aos concelhos o Decreto e o Mapa anexo, para ser posto em prática, designadamente com a notificação aos concelhos extintos para entregarem os seus cartórios nos novos municípios em que eram integrados, o que viria a acontecer, supostamente, em janeiro de 1837. Por outro lado, a nova divisão administrativa exigia eleições camarárias, a realizar já de acordo com os novos mapas concelhios. Em 17 de Janeiro de 1837, uma Portaria do Ministério do Reino14 mandava ativar as eleições municipais e ordenava aos novos concelhos que tomassem posse das anexações ordenadas pelo Decreto de 6 de novembro, notificando igualmente os concelhos extintos de que deveriam proceder à entrega dos seus cartórios e que eram nulas quaisquer deliberações que continuassem a tomar, o que demonstra o atraso geral na aplicação do Decreto. A documentação disponível permite reconstituir com relativo pormenor o que se passou em Benavente. Ainda em dezembro de 1836, o administrador geral do distrito de Santarém ordenou a execução do Decreto, uma vez que em 3 de janeiro de 1837 exige ao administrador do concelho o envio dos mapas estatísticos “já anteriormente pedidos”15, mapas esses que serviriam para preparar as novas eleições municipais que teriam de integrar os votos dos concelhos extintos, agora freguesias de Benavente. E sublinha que o extinto concelho de Samora Correia já os tinha enviado, “mas não o de Salvaterra”, o que constitui o primeiro indício da resistência à integração por parte de Salvaterra de Magos. Essa resistência é mais evidente ainda na recusa da entrega a Benavente do cartório municipal por parte do comissário de paróquia interino de Salvaterra de Magos, António José de Magalhães Araújo, que desempenhara as funções de administrador do concelho agora extinto. Instado para fixar o dia em que procederia à entrega do cartório a Benavente, o comissário de paróquia responde ao administrador do concelho que “quanto ao indicar-lhe o dia para que lhe apresente o meu cartório, tenho a dizer a V. Senhoria que está pronto quando V. Senhoria o queira receber”16. Ou seja, sugere que devem ser as autoridades de Benavente a deslocarem-se a Salvaterra para recolherem o cartório, quando os normativos legais obrigavam ao contrário. Arquivo Distrital de Santarém, Portarias e Ofícios dos Ministérios (1835-1836). Coleção de Leis e outros documentos oficiais publicados no primeiro semestre de 1837. Lisboa, Imprensa Nacional, 1837. 15 Arquivo Municipal de Benavente (AMB), Fundo Administração do Concelho, Correspondência recebida (1837), maço 1. Agradeço ao Arquivo Municipal de Benavente e às suas responsáveis a disponibilidade com que me facultaram a documentação que necessitei de consultar para a elaboração deste trabalho. 16 Ofício de 1 de fevereiro de 1837, AMB, idem, maço 2.

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A 8 de fevereiro, o administrador do concelho de Benavente informa o administrador geral do distrito de que tinha “novamente oficiado ao comissário de paróquia interino de Salvaterra para que até ao dia oito do corrente (fevereiro) lhe mandasse entregar o cartório daquela extinta administração”, ao que o chefe do distrito responde que “não compreendo como o indicado comissário tenha em seu poder o cartório, que lhe não pertence, devendo este ser todo entregue a V. Senhoria”. E informa que, na mesma data, vai ordenar ao comissário a entrega total e imediata do cartório17. Um mês depois, o administrador do concelho de Benavente volta a queixar-se ao chefe do distrito da renitência do comissário de paróquia de Salvaterra, ao que a autoridade distrital responde que “o faça intimar por um oficial, marcando-lhe dia e hora para a entrega e caso não cumpra devolva os papéis todos a esta administração geral para lhe dar o devido destino”18. Diligência semelhante ocorre em 12 de abril, o que revela a completa desobediência do comissário de paróquia de Salvaterra que, em resposta às advertências do chefe do distrito, ainda responde que “jamais deixou de obedecer” às ordens da câmara de Benavente. Esta queixa-se de que oficiou a Salvaterra na mesma data em que o fez a Samora Correia, tendo este extinto concelho procedido à entrega do cartório em 1 de fevereiro, enquanto Salvaterra “tal não fez e se desculpa dizendo não querer fazer a entrega em globo”19. Em suma, o representante do extinto concelho de Salvaterra de Magos nunca procedeu à entrega do cartório, não enviou os mapas estatísticos solicitados pelo chefe do distrito e retardou igualmente a entrega das tabelas do Subsídio Literário que estava obrigado a entregar ao recebedor do concelho de Benavente20. Uma atitude consciente de desobediência civil que ilustra a resistência de Salvaterra à perda da sua autonomia e à integração no concelho de Benavente e que certamente se baseava na esperança da rápida restauração do concelho, como viria a acontecer. Apesar das dificuldades criadas por Salvaterra, a Câmara de Benavente passa a deliberar para todo o concelho a partir de janeiro de 1837, embora o faça com extrema cautela, uma vez que a vereação tinha consciência da sua falta de legitimidade para o efeito. Na verdade, não chegaram a realizar-se eleições municipais que permitissem o voto das novas freguesias, pelo que os vereadores eram os eleitos antes do Decreto de 6 de novembro, representando apenas o antigo concelho. Por isso, no início de fevereiro, ao receber um ofício do comissário de paróquia de Salvaterra a pedir uma deliberação sobre impostos, a câmara responde que “como não foi eleita por todo o concelho” e enquanto não se tomassem medidas gerais para todo o território municipal, “deveriam existir todas as fintas e contribuições que atualmente se achem em vigor”21. Na reunião de 18 de fevereiro, a vereação procede à formação dos “distritos” para os juízes de paz, sendo um deles correspondente à freguesia de S. Paulo, de Salvaterra de Magos, Ofício nº 145, de 11 fevereiro de 1837, do administrador geral do distrito de Santarém, AMB, idem. Ofício nº 342, de 29 de março, idem, maço 3. 19 Ofício da câmara de Benavente ao administrador geral do distrito de Santarém, de 19 de abril de 1837. AMB, Livro de registo de correspondência expedida (1836-1855), f. 7v. 20 Ofício do recebedor ao administrador do concelho, de 24 de janeiro de 1837, AMB/AC, Correspondência recebida (1837), maço 1. 21 Ofício da câmara de Benavente ao administrador geral do distrito de Santarém, de 11 de fevereiro de 1837, AMB, Livro de registo de correspondência expedida (1836-1855), fs. 6v-7. 17 18

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e propõe os nomes a designar para escrivães dos mesmos22. E outras deliberações vão sendo tomadas, parecendo evidenciar-se o caráter provisório das mesmas, como se todos aguardassem a restauração do concelho de Salvaterra de Magos, que sabiam ter sido solicitada. Com efeito, entre as mais de uma centena de representações enviadas ao parlamento e ao governo a solicitar a restauração de concelhos suprimidos pelo Decreto de 6 de novembro de 1836, encontram-se as Samora Correia e de Salvaterra de Magos, sendo interessante comparar as estratégias seguidas pelos dois ex-concelhos. Samora Correia representou às Cortes em 18 de janeiro de 1837 a protestar contra a divisão administrativa e judicial criada pela nova legislação e a pedir a sua suspensão. Protestava igualmente pela sua anexação a Benavente e contestava o facto de passar a pertencer à comarca de Santarém, dada a distância e as dificuldades do caminho23. Não tendo consciência de que a sua reduzida dimensão populacional não permitia a sobrevivência do concelho, Samora Correia teve como resposta do parlamento que a sua pretensão era “inadmissível, por absurda”, pelo que foi chumbada através do parecer da comissão de estatística aprovado em 15 de abril do mesmo ano24, ficando definitivamente integrada no concelho de Benavente. Salvaterra de Magos seguiu uma estratégia diferente e bem mais eficaz. O parecer da mesma comissão de estatística do Soberano Congresso25, datado de 16 de março de 1837, informa que lhe foi remetida “uma representação dos habitantes de Salvaterra e de Muge (…) expondo os incómodos que experimentam na execução do decreto de 6 de novembro, na supressão dos concelhos, por ficar o de Salvaterra anexo ao de Benavente e o de Muge ao de Almeirim”. Pedem ao Congresso que lhes seja deferida a pretensão que também enviaram ao governo, a qual “se reduz a que, fazendo-se destas duas vilas um só concelho, seja cabeça dele a de Salvaterra”26. Ou seja, Salvaterra e Muge perceberam que não tinham hipóteses de sobreviver isoladamente e negociaram entre si uma petição conjunta, através da qual o extinto concelho de Muge aceita ser integrado no de Salvaterra, certamente porque não queria pertencer ao de Almeirim, como determinara a legislação de 1836. Acresce que o administrador geral do distrito de Santarém terá dado parecer favorável a esta solução, pelo que a comissão entende não haver “qualquer prejuízo para a nação (..) nem desfalque que diminua a consideração política dos concelhos de que se desmembram” (Almeirim e Benavente). Assim, não hesita em propor “que seja formado o novo concelho de Salvaterra de Magos, sendo composto desta freguesia, desanexada do concelho de Benavente, e da freguesia de Muge, desanexada do concelho de Almeirim”27. Este parecer foi aprovado sem discussão na sessão de 15 de abril de 1837 e deu origem AMB, Actas da Câmara, Livro 8 (1821-1848), fs. 1276-1276v. Representação da Câmara de Samora Correia, Arquivo Histórico-Parlamentar, Secções I/II, Caixa 308, maço 9, documento 87. 24 Diário da Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, 1837, sessão de 15 de abril. 25 Assim se designava o parlamento eleito na sequência da Revolução de Setembro e que teve como missão principal a elaboração da Constituição de 1838. 26 Diário das Cortes, ver nota 24. Itálicos meus. 27 Idem. 22 23

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à Carta de Lei de 28 de abril do mesmo ano, que procede à restauração do concelho de Salvaterra de Magos, agora aumentado com a freguesia de Muge. Sublinhe-se que dos 28 concelhos restaurados em 1837 e 1838, o de Salvaterra de Magos foi o primeiro a recuperar a sua autonomia, o que não pode deixar de atribuir-se à influência política dos notáveis locais e à esclarecida estratégia que adotaram para conseguirem os seus intentos. Na sequência desta medida legislativa, o administrador geral do distrito de Santarém nomeia para Salvaterra de Magos uma Comissão Municipal presidida por Vicente Lucas de Aguiar, a qual prepara a eleição da nova vereação. Do ato eleitoral realizado em 13 de junho de 1837, já com a participação dos eleitores de Muge, saíram eleitos vereadores os cidadãos seguintes28: José Luís da Silva e Brito - 72 votos Simão Ferreira Pacheco - 71 votos José Augusto de Sousa Pimentel - 69 votos José Joaquim Sabino Lucas - 68 votos Estêvão Silva e Brito - 67 votos. O único repetente é José Joaquim Sabino Lucas, que fora vereador em 1836, antes da extinção do concelho. Não tendo sido grandemente afetado pela extinção, que durou apenas quatro meses e que não chegou a consumar-se na totalidade, o concelho retoma assim a normalidade da sua vida até 1855, data em que virá a perder de novo a autonomia.

3 | A extinção de 1855 e a integração no concelho de Benavente (1855-1863) Apesar de, com a legislação de 1836, ter ficado genericamente definido o modelo espacial do Liberalismo, os ajustes territoriais continuaram, quer pela restauração de concelhos extintos, quer por novas supressões, numa constante dinâmica que não era alheia às influências das elites locais e às pressões exercidas por alguns deputados, em representação dos notáveis a quem deviam a eleição. Recorde-se que o caciquismo político é um fenómeno que atravessa todo o século XIX, fazendo-se sentir localmente por diversas formas, entre as quais o ordenamento administrativo do território. As juntas gerais dos distritos acusam essas pressões, designadamente a do distrito de Santarém, que em 1854 se queixa que “a esperança de aumentar território tem dado lugar a vexames e usurpação, de que se ressente não só o bem-estar dos povos, porém mesmo a propriedade particular”, referindo “a necessidade de reforma definitiva da divisão do território, contra a qual nunca deixaram de reagir antipatias sistemáticas ou interesses injustos de muitos povos”29. 28 Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos (AHMSM), Caixa B, Actas de eleição de vereadores, fs 4 e 17-20. Agradeço ao AHMSM, em particular ao Dr. Roberto Caneira, a disponibilidade com que me facultou a documentação disponível e necessária à elaboração deste trabalho. 29 Consulta da Junta Geral do Distrito de Santarém, 1854, pp. 1-2. In Consultas das Juntas Gerais dos Distritos Administrativos do Reino e Ilhas Adjacentes (1841-1860), Lisboa, Imprensa Nacional, 1841-1860.

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Complexos como eram, os problemas da divisão administrativa do território não terminaram em 1836. Logo no ano seguinte deu-se início à restauração de alguns dos concelhos extintos pela reforma setembrista, com a publicação da Lei de 28 de abril de 1837, que restaurou Salvaterra de Magos. Entre esta data e 17 de abril de 1838 foram restaurados 28 desses concelhos, mas o movimento de reordenamento territorial continuou. Em 1842 os concelhos do Continente listados no Código Administrativo de Costa Cabral somam 382. Foram frequentes as autorizações parlamentares concedidas aos governos para reformarem a divisão territorial, designadamente em 1840, 1843, 1853 e 1854. E foi ao abrigo de uma dessas autorizações que o governo, tendo em conta os trabalhos de mais uma comissão nomeada para o efeito, publicou o Decreto de 24 de outubro de 1855 que, como se disse já, constituiu o segundo momento crucial na definição do modelo espacial do Liberalismo, ao estabelecer apenas 256 concelhos, suprimindo, portanto, cerca de uma centena dos então existentes. Trata-se da grande medida da Regeneração relativa ao ordenamento do território, sendo o Decreto assinado pelos ministros do Reino, Rodrigo da Fonseca Magalhães, e da Justiça, Frederico Guilherme da Silva Pereira, uma vez que reformula, concomitantemente, as circunscrições administrativas e as judiciais. O concelho de Salvaterra de Magos foi, de novo, vítima do objetivo governamental de aumentar a dimensão e a capacidade financeira dos municípios, embora os critérios aplicados venham a ser bastante discutidos, como adiante se verá. O que importa reter agora é que, pelo Decreto de 24 de outubro de 1855, o concelho foi extinto e integrado no concelho de Benavente, com toda a extensão territorial que então possuía, ou seja, as freguesias de Salvaterra de Magos e de Muge. Antes da extinção era presidente da Câmara de Salvaterra António Joaquim Peixoto da Fonseca, que assina o Edital de 10 de novembro de 1855 a convocar eleições municipais para o dia 18, dado que era ainda desconhecido o decreto de 24 de outubro30. Mas logo em 28 de novembro o governador civil de Santarém expede um Alvará que manda executar aquele Decreto, com diversas instruções31: anulação das eleições anteriores e realização de novo ato eleitoral para escolha da vereação para o biénio de 18561857, já de acordo com a nova configuração do concelho de Benavente, ou seja, devendo participar nele todos os cidadãos eleitores de Salvaterra de Magos ; a câmara de Salvaterra entregará a Benavente os cadernos de recenseamento no prazo de oito dias; as novas eleições terão lugar a 16 de dezembro e a nova vereação entrará em funções em janeiro de 1856. A epidemia de cólera-morbus que assolou o país na época teve forte incidência em Salvaterra de Magos e complicou as operações eleitorais, pelo que o governador civil determinou que se realizasse uma assembleia eleitoral em Salvaterra, onde votassem os eleitores das freguesias próximas, “evitando-se assim a comunicação entre os moradores das localidades afetadas pela epidemia de cólera e os das localidades onde ainda não apareceu”32. Procurando evitar a disseminação da epidemia, a câmara de Benavente, Edital de 10 de novembro de 1855. AHMSM, Livro de Registo de Editais, 1855-1884, f. 2. AMB, Fundo CMB/G.37. Alvará do Governador Civil de Santarém de 28-11-1855. 32 Ofício nº 572, de 11 de dezembro, do governador civil de Santarém. AMB, Livro de Actas da Câmara (1848-1860), sessão de 1312-1855, f. 156v. 30 31

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tendo em conta que o problema se colocava noutros pontos do concelho, decidiu a realização de assembleias eleitorais autónomas não só nas freguesias de Salvaterra e Benavente, mas também nas de Samora Correia e Santo Estêvão. Nos termos legais, cada uma destas assembleias era presidida por um vereador e, no caso de insuficiência destes, por um cidadão designado para o efeito, pelo que a assembleia eleitoral de Salvaterra foi presidida por António Joaquim Peixoto da Fonseca. A nova vereação do alargado concelho de Benavente tomou posse em 13 de janeiro de 185633, consumando-se assim a integração plena do extinto município de Salvaterra de Magos, que viria a manter-se até 1863. Por sua vez, a nova administração do concelho de Benavente tomaria posse da documentação da extinta administração de Salvaterra em 9 de fevereiro, em cerimónia registada pelo escrivão desta, João Maria da Costa Freire34. Para a boa compreensão da vida concelhia neste período e no que se seguirá à restauração do concelho, importa recordar as disposições do Código Administrativo de 1842, referendado por Costa Cabral, uma vez que esteve em vigor durante 36 anos, moldando definitivamente as instituições da administração periférica do Estado durante a Regeneração. Este código, bastante centralizador, ao contrário do código setembrista, divide o país em distritos e concelhos, desaparecendo a freguesia como circunscrição administrativa, embora continue a dispor de uma junta de paróquia, encarregada da administração da fábrica da igreja e dos bens paroquiais, bem como de um regedor, mero delegado do administrador do concelho. Cada um dos dezassete distritos do Continente35, criados em 1835 e territorialmente estabilizados, tinha como magistrado o governador civil, de nomeação governamental e representante do poder central, coadjuvado por uma junta geral do distrito, composta por procuradores eleitos pelas câmaras, em conjunto com os respetivos conselhos municipais. Junto ao governador civil funcionava ainda um conselho de distrito, com funções de tribunal administrativo, composto pelo governador civil e por quatro vogais, nomeados pelas juntas gerais. Os concelhos tinham como magistrado o administrador do concelho, também de nomeação governamental e escolhido a partir de uma pauta elaborada pelo governador civil e aprovada pela junta geral do distrito. Inicialmente, para o desempenho do cargo de administrador exigia-se residência no concelho, mas logo em 1843 essa disposição foi alterada, passando a nomeação a poder recair em indivíduos estranhos ao município, situação que não se verificou nos concelhos de que nos ocupamos e no período aqui tratado. O administrador do concelho, que representava o poder central, tinha vastas atribuições de caráter administrativo e policial, bem como ao nível da fiscalização das instituições concelhias, como irmandades, misericórdias e hospitais, cabendo-lhe igualmente zelar pelos bens públicos e desempenhar as funções de oficial do registo civil. Livro de Actas, idem, sessão de 13-01-1856, f.157. AMB, Fundo Administração do Concelho, 1856. Auto de posse da extinta administração do concelho de Salvaterra de Magos, 0902-1856. 35 O distrito de Setúbal foi criado apenas em 1926. 33 34

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O governo concelhio cabia à câmara municipal, eleita pelos cidadãos ativos para mandatos de dois anos. Era constituída por cinco vereadores nos concelhos com menos de três mil fogos (situação de Benavente, mesmo depois da anexação de Salvaterra) e por sete nos de população superior. Nos termos do Código, a presidência era assumida pelo vereador mais votado, mas legislação posterior viria a alterar esta norma, passando o presidente da câmara a ser eleito pelos seus pares, imediatamente após a tomada de posse. As reuniões camarárias eram semanais. O voto era censitário, sendo a capacidade eleitoral determinada pela posse de um rendimento anual mínimo de 100$000 réis (cem mil réis). Mas a capacitação para o cargo de vereador variava com a dimensão dos concelhos, sendo necessária a detenção do mesmo rendimento nos concelhos com menos de dois mil fogos, valor que subia para 300$000 réis quando o número de fogos se situava entre os dois mil e os seis mil, e para 400$000 nos restantes. Além do rendimento, os vereadores teriam de saber ler, escrever e contar, circunstância que colocou os órgãos concelhios ao serviço das burguesias locais, uma vez que os elevados níveis de analfabetismo afastavam deles a esmagadora maioria da população. Em cada município funcionava ainda um conselho municipal, constituído por um número de vogais igual ao de vereadores e nomeados de entre os maiores contribuintes do concelho. Cabia à câmara, no fim de cada mandato, a designação do conselho municipal para o biénio seguinte, com base no último recenseamento da décima e com a assistência do administrador do concelho. Ou seja, são sempre os cinco maiores contribuintes que formam este órgão, sendo os cinco seguintes designados como substitutos. O conselho municipal reúne obrigatoriamente e delibera em conjunto com a câmara sempre que haja decisões relativas ao orçamento municipal, ao lançamento de impostos concelhios ou ao recurso a empréstimos e hipotecas municipais. Trata-se, portanto, de um verdadeiro controlo da vida financeira dos municípios por parte dos indivíduos mais abastados, o que reforça o caráter oligárquico dos órgãos concelhios. É neste quadro administrativo que passará a funcionar o concelho de Benavente entre 1856 e 1863. Como se pode verificar pelo Quadro 3, com a anexação de Salvaterra o concelho passa de pouco mais de 4.000 habitantes para quase 7.500, subindo o número de fogos de 1.192 para 2.094, pelo que a câmara municipal será sempre composta por cinco vereadores. As atas das sessões camarárias não denotam qualquer contradição entre os vereadores de Benavente e os oriundos de Salvaterra de Magos, tratando-se com igual cuidado os assuntos referentes a todas as partes do concelho. Em relação a Salvaterra, há mesmo preocupações extraordinárias relativamente à epidemia de cólera que, no início de 1856, deixou a população num “estado calamitoso”, chegando a pedir-se ao governo um médico provisório para a vila36. A representação de Salvaterra no conjunto das vereações do novo concelho apresenta aspetos interessantes, como mostra o Quadro 2.

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AMB, Livro de Actas da Câmara (1848-1860), sessão de 18-02-1856, fs. 160v.-161.

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Quadro 2 Vereações do Concelho de Benavente (No período da integração de Salvaterra de Magos)

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(a) Devido a falhas na documentação arquivística não foi possível confirmar se mantiveram a presidência e a vice-presidência, embora seja presumível que sim. Fontes: Actas da Câmara Municipal de Benavente (1848-1860); Actas de Eleição de Vereadores (1861).

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Com efeito, a primeira vereação eleita após a integração deu vantagem a Salvaterra, que elegeu três dos cinco vereadores e conquistou ainda a presidência e a vice-presidência da câmara. Apesar de o presidente eleito, Luís Ferreira Roquete, ter comparecido apenas a quatro sessões camarárias durante todo o biénio de 1856-1857, a presidência continuou a pertencer a Salvaterra, através de António Elizeu da Costa Freire, que a assumia na ausência do titular. Mas a representação de Salvaterra diminui logo no segundo biénio, sendo apenas dois os vereadores eleitos pelo extinto concelho, passando a um no terceiro e no quarto biénios. O principal representante de Salvaterra de Magos foi sempre Costa Freire, que foi eleito para todos os mandatos e manteve a vice-presidência em pelo menos três deles, sendo provável que a detivesse também no último, embora a falta de documentação não permita afirmá-lo com segurança. Outro aspeto a sublinhar no conjunto das vereações deste período é o baixo grau de renovação dos eleitos. Na verdade, apenas dez indivíduos asseguraram um total de vinte mandatos e só no biénio de 1860-1861 a renovação atingiu três dos cinco vereadores (mais de 50%). No biénio anterior foram apenas dois os eleitos de novo, e no último biénio foram reeleitos todos os vereadores do mandato anterior. Ou seja, dos dez indivíduos que passaram pela vereação em oito anos, dois deles exerceram os quatro mandatos (José Maria de Sá Pereira e Moura e António Elizeu da Costa Freire), quatro exerceram dois mandatos e os outros quatro foram eleitos apenas uma vez. De salientar também que Pereira e Moura deteve a presidência da câmara nos segundo e terceiro biénios e, provavelmente, também no quarto. Estes dados não se afastarão muito dos padrões médios nacionais, mas Salvaterra de Magos constituirá uma exceção depois da restauração do concelho, como adiante verificaremos. Também a capacidade económica dos vereadores merece ser referenciada. Dos dez cidadãos envolvidos no governo camarário neste período, apenas dois (João Carlos da Fonseca, de Salvaterra, e Francisco Saldanha Machado, de Benavente) não constam das listas dos quarenta maiores contribuintes do concelho. Todos os outros fazem parte delas, atestando o caráter elitista das vereações e a preponderância dos indivíduos mais abastados na governança municipal. Tal como aconteceu com a reforma territorial setembrista, também o Decreto de 24 de outubro de 1855 suscitou problemas na sua aplicação, desde logo porque os concelhos suprimidos dificilmente aceitavam a sua anexação a outros, uma vez que, entre as diversas razões invocadas, a extinção condicionava sempre uma maior incomodidade para os povos nas deslocações que tinham de fazer à câmara municipal para tratarem dos seus assuntos. A partir de 1860 são frequentes os pareceres que invocam os inconvenientes da aplicação do Decreto e que consideram mesmo terem sido injustas muitas das supressões de concelhos dela decorrentes. Alguns dos municípios extintos em 1855 reclamam a sua restauração, criando-se um movimento favorável a novas alterações do ordenamento territorial. O segundo governo do Marquês de Loulé (1860-1865) reconheceu a necessidade de considerar o problema de forma global, bem como de proceder à revisão do Código Administrativo, pelo que, através do Decreto de 16 de abril de 1862, o Ministro do Reino, Anselmo José Braamcamp, criou uma comissão para estudar e rever o Código e para propor medidas que melhorassem a organização administrativa, incluindo o ordenamento do território. Na sequência deste Decreto, a Portaria do Ministério do Reino de

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3 de setembro de 1862, determinou que se organizasse em cada distrito uma comissão para estudar a divisão territorial e elaborar um projeto de reorganização concelhia. Prevendo eventuais novas extinções, a Portaria consagrava a democraticidade do processo, devendo as comissões ouvir todas as autoridades e corporações interessadas na matéria, incluindo as câmaras municipais cujos concelhos fossem objeto de propostas de extinção ou alteração, as quais podiam manifestar-se sobre essas propostas. A Portaria considerava que não deviam ser suprimidos os concelhos que reunissem “elementos de população, de riqueza e de ilustração indispensáveis para a sua regular existência” e reconhecia o envio ao governo de representações municipais que reclamavam alterações à divisão territorial existente. Entre essas representações está a do extinto concelho de Salvaterra de Magos, que não perdeu tempo a aproveitar a oportunidade de reclamar a restauração da sua autonomia. Apesar de não ter sido possível localizar a petição original, o que permitiria datá-la e conhecer os subscritores, o Parecer da Comissão de Estatística da Câmara dos Deputados fornece os elementos essenciais para se compreender o seu alcance. A petição terá sido enviada em abril de 1862 (sendo, portanto, anterior à Portaria referida), uma vez que foi apreciada pela Câmara dos Deputados no mês seguinte, tendo o parecer da Comissão de Estatística a data de 21 de maio de 186237. A primeira conclusão a retirar é que o processo de restauração do concelho de Salvaterra de Magos arrastou-se por mais de um ano nos trâmites parlamentares, uma vez que só ficará concluído em julho de 1863. O conteúdo da petição revela aspetos interessantes para a compreensão do processo. Desde logo porque, segundo informa a Comissão, a petição foi enviada “por muitos cidadãos do extinto concelho de Salvaterra de Magos e do antigo concelho de Benavente (…), requerendo a restituição daquele concelho de Salvaterra”. Ou seja, a restauração do concelho de Salvaterra foi pedida, não apenas pelos seus habitantes, mas também por “pessoas importantes” da vila de Benavente, que “reconhecem a injustiça da extinção”38. Desconhece-se quais fossem essas personalidades de Benavente, mas é legítimo deduzir que atuariam em consonância com as autoridades municipais, o que significa que a desanexação de Salvaterra era uma questão pacífica e mesmo desejada por ambas as partes. Prova disso é a inexistência de qualquer manifestação formal da câmara de Benavente que contrariasse a pretensão de Salvaterra de Magos. A comissão de Estatística da Câmara dos Deputados analisou a documentação anexa à petição, certificou-se da veracidade das alegações e concluiu que “Salvaterra tem todos os elementos de meios pecuniários e pessoal para satisfazerem cabalmente aos encargos municipais e judiciais”, e que se devia atender “ao grande incomodo que, sem razão plausível, sofrem os povos daquele extinto concelho, tendo de percorrer grandes distâncias e atravessar ribeiras difíceis e charnecas perigosas para se apresentarem ante os tribunais e autoridades”. Pelo que propôs a restauração do concelho de Salvaterra de Magos “tal como se achava na data da lei de 24 de outubro de 1855”. 37 38

Diário da Câmara dos Deputados, Lisboa, Imprensa Nacional, 1862, Sessão de 17 de junho. Idem.

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Este projeto de lei, apresentado na sessão de 17 de junho de 1862, suscitou alguma discussão, mas foi aprovado e enviado à Câmara dos Pares, uma vez que o processo legislativo só se completava com a aprovação das duas câmaras do Parlamento e a subsequente sanção régia. Vai ser a Câmara dos Pares a complicar o processo de restauração do concelho de Salvaterra. Ao contrário dos deputados, que facilmente encontraram razões favoráveis, a Comissão de Administração Pública da Câmara dos Pares parece inventar argumentos para se opor à pretensão de Salvaterra, começando por apresentar um parecer negativo que foi objeto de larga discussão. Depois pediu ao governo informações sobre a capacidade financeira de Salvaterra para se manter como concelho autónomo, as quais mostraram que “os seus recursos têm aumentado”. Confirma a existência da petição atrás referida, mas escuda-se no facto de não estarem ainda concluídos os trabalhos das comissões distritais nomeadas pela Portaria de 3 de setembro de 1862 para, num parecer datado de 26 de junho de 1863, propor a rejeição do projeto de lei da Câmara dos Deputados (enviado um ano antes), ou seja, chumbar a restauração do concelho de Salvaterra de Magos39. A discussão teve lugar na sessão de 27 de junho e foi o Marquês de Nisa40 o grande defensor dos interesses de Salvaterra, confrontando a Comissão com os argumentos positivos que ela própria apresentava e defendendo que não havia razões para esperar pelos trabalhos das comissões distritais, que podiam ser bastante demorados. Parecendo conhecer bem a situação geográfica de Salvaterra de Magos, acrescenta que nas ocasiões das cheias a vila ficava separada de Benavente por períodos que chegavam a atingir vinte dias, o que acarretava prejuízos e dificultava o tratamento dos assuntos municipais. Também o Ministro do Reino, instado a pronunciar-se, declarou que não via razões para não se aprovar o projeto e que se devia atender às justas reclamações dos concelhos extintos por falta de meios que garantissem a sua existência. A Comissão acabou por ficar isolada e a Câmara rejeitou o seu parecer negativo, ficando, assim, aprovado o projeto dos deputados41. E foi este projeto que, submetido à sanção régia, se transformou na Carta de Lei de 10 de julho de 1863, que procede à restauração do concelho de Salvaterra de Magos, “tal como se achava na data da lei de 24 de outubro de 1855”. Terminava, assim, a segunda batalha pela sobrevivência do concelho, que podia agora reiniciar normalmente a sua vida autónoma. O Quadro 3 mostra a evolução populacional do concelho nos oito anos em que esteve anexado ao de Benavente e comprova a justeza dos argumentos invocados para a sua restauração. Dos 902 fogos existentes em 1855, passa para 1072 em 1863, o que corresponde a um aumento de quase 700 habitantes no mesmo período, crescimento que terá tido reflexos na capacidade económica e financeira do concelho.

Sessão da Câmara dos Pares de 27 de junho de 1863. In Diário de Lisboa, nº 223, 05-10-1863. D. Domingos Francisco Xavier Teles de Castro da Gama, 13º conde da Vidigueira, 9º conde de Unhão e 9º marquês de Nisa. Par do Reino desde 1842, teve papel ativo na Câmara e fez parte de diversas comissões, defendo posições que podem ser genericamente consideradas progressistas. 41 Sessão da Câmara dos Pares, Idem. 39 40

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Quadro 3 População Concelhia

*Após a desanexação de Salvaterra. Transpusemos para 1863 os dados do ano anterior. Fontes: Instruções de 7 de Agosto de 1826 para a convocação das Cortes Gerais; Mapas da População do Concelho de Benavente (AMB).

A reorganização do concelho de Salvaterra de Magos iniciou-se com o Alvará de 29 de agosto de 1863, do governador civil de Santarém, que procedeu à nomeação de uma Comissão Administrativa Municipal, encarregada do governo concelhio até à realização de eleições e composta por Luís Ferreira Roquete, Vicente Lucas de Aguiar, Joaquim de Meneses, José Xavier Pinto e António Elizeu da Costa Freire42, vindo este a renunciar e a ser substituído por Maximiano Monteiro Grilo. Esta Comissão reuniu em 3 de setembro e chamou o último presidente em funções antes da extinção, António Joaquim Peixoto da Fonseca, que foi nomeado Escrivão e que registou a posse da Comissão e a eleição do seu presidente, que recaiu em Luís Ferreira Roquete. Tomou posse também o administrador interino, José Maria da Costa Barbosa, nomeado na mesma data da Comissão Administrativa. Mas logo a 17 de setembro Luís Ferreira Roquete tomou posse como Administrador do Concelho, na sequência do Decreto governamental de 9 de mesmo mês, assumindo Vicente Lucas de Aguiar a presidência da Comissão Municipal43. O objetivo primordial da comissão era promover a eleição de uma câmara 42 43

AHMSM, Livro de actas das sessões da Câmara Municipal (1863-1875), Sessão de 3 de setembro de 1863, fs 2-2v. Idem, sessões de 8, 17 e 24 de setembro, fs. 3-4v.

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Magos municipal que governasse o concelho até ao fim do ano, realizando-se o ato eleitoral a 4 de outubro. Dele saiu a vereação legítima que tomou posse a 12 de outubro, ficando assim constituída a nova Câmara: Vicente Lucas de Aguiar - Presidente Maximiano Monteiro Grilo - Vice-Presidente José Xavier Pinto Joaquim de Meneses José Augusto de Sousa Pimentel44. Foram, portanto, eleitos todos os membros da Comissão, entrando Sousa Pimentel em substituição de Luís Ferreira Roquete, que transitara para a Administração do Concelho. O funcionamento regular da instituição municipal exigia eleições para o biénio seguinte, as quais tiveram lugar em 15 de novembro45 e ditaram a nova vereação que tomou posse a 2 de janeiro de 1864. Iniciava-se, assim, um longo período de normalidade da vida municipal, que adiante analisaremos.

4 | O último sobressalto (1867)

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O último sobressalto do concelho de Salvaterra de Magos ocorreu em 1867, quando o governo da “Fusão”, presidido por Joaquim António de Aguiar46, empreendeu uma reforma global do sistema administrativo, que incluía uma nova e drástica redução do número de concelhos. Com efeito, a Lei da Administração Civil, de 26 de junho de 1867, conhecida por reforma de Martens Ferrão, então Ministro do Reino, encerra no seu conteúdo um novo código administrativo e altera radicalmente o ordenamento territorial, desde a circunscrição mais ampla (distrito) até ao nível da paróquia, com o objetivo fundamental de voltar a alargar os espaços administrativos e concentrar meios humanos e financeiros. Os dezassete distritos do Continente dão lugar a apenas onze e alteram-se as designações vigentes desde 1835, retomando-se as nomenclaturas das províncias tradicionais (como exemplo, os distritos de Santarém e de Lisboa dão lugar ao distrito da Estremadura, que engloba os dois anteriores). Para os concelhos, estabelece a lei que terão no mínimo 3.000 fogos, e criam-se as paróquias civis (nova designação para as freguesias) com, pelo menos 1.000 fogos nas cidades e vilas e 500 nas povoações rurais. As vereações passariam a ser compostas sempre por sete elementos, independentemente da extensão e da população do concelho (excetuam-se Lisboa e Porto, como já acontecia antes), com mandatos de quatro anos, embora com renovações parciais bienais. Esta lei autoriza o governo a reformular a divisão administrativa do território, que é concretizada pelo Decreto de 10 de dezembro de 1867, o qual opera uma nova revolução no ordenamento territorial, ao reduzir o número de concelhos a 165, o mais baixo alguma vez considerado na legislação oitocentista. Idem, sessão de 12 de outubro, fs. 5-5v. AHMSM, Livro de Registo de Editais (1855-1884), fs. 3-3v. 46 Governo resultante da crise política que conduziu à “fusão” entre os partidos Regenerador e Histórico, que governavam o país desde 1851. 44 45

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Daqui resultava a extinção de 104 dos municípios então existentes, uma vez mais com o sacrifício dos de menor dimensão em benefício dos maiores. Pela aplicação desta medida legislativa o concelho de Salvaterra de Magos é de novo extinto e integrado no de Benavente, que “engole” também o concelho de Coruche, transformando-se numa enorme extensão territorial com mais de 3.700 fogos e cumprindo, portanto, o critério populacional imposto pela lei. Este novo ordenamento territorial e administrativo começou a ser executado com enorme prontidão. Logo em 12 de dezembro, o governador civil de Santarém oficia à câmara de Salvaterra a informar que “é considerado dissolvido esse concelho e incorporado no de Benavente”, devendo a câmara entregar o arquivo à nova sede concelhia47. A 29 de dezembro realizam-se eleições municipais, nos termos da nova legislação, funcionando uma assembleia eleitoral em Benavente e outra em Salvaterra, que ditam a eleição dos sete vereadores legalmente previstos, mas que não chegam a tomar posse. Com efeito, a revolta popular conhecida por Janeirinha conduziu à queda do governo fusionista em 4 de janeiro de 1868 e o executivo que lhe sucedeu, presidido pelo Conde de Ávila, revogou a legislação administrativa recente e repôs em vigor a anterior à lei de 26 de junho de 1867, o mesmo acontecendo com a divisão do território48. A Portaria de 15 de janeiro de 1868, do Ministério do Reino, ordena que as câmaras existentes antes do Decreto de 10 de dezembro entrem imediatamente em exercício, que os arquivos concelhios regressem às suas origens e que os administradores dos concelhos reassumam funções, retomando-se a normalidade da vida municipal. Em Salvaterra de Magos nada de significativo chegou a alterar-se. Logo a 18 de janeiro de 1868 a vereação anterior à extinção reassumiu funções e apenas se retardou a tomada de posse da vereação eleita para o biénio de 1868-1869, que ocorreu a 18 de março, em vez de 2 de janeiro49. O concelho via, assim, definitivamente afastado o fantasma da dissolução que o assombrara por três vezes, podendo regressar à estabilidade em que vivia desde 1863 e prosseguir a rotina da sua governação.

5 | As elites e a governação do concelho (1864-1875) Tal como fizemos para Benavente, parece-nos interessante analisar a composição dos órgãos de governo do concelho, tentando captar as dinâmicas sociais e políticas que condicionam a sua evolução. O período de doze anos compreendido entre 1864 e 1875 propicia uma observação linear, quer pela estabilidade da vida municipal, quer porque o conjunto normativo regulador da mesma não se alterou, permanecendo vigente o Código Administrativo de 1842, que foi o Código da Regeneração. Comecemos pela participação eleitoral dos cidadãos ativos do concelho de Salvaterra. O Arquivo Municipal não dispõe de cadernos de recenseamento eleitoral deste período, pelo que não é possível apurar o número de cidadãos AHMSM, Correspondência recebida (1865-1868), maço 6, Ofício nº 1047, de 12 de dezembro de 1867. Decreto do Conselho de Ministros de 14 de janeiro de 1868. 49 AHMSM; Livro de actas, cit., Sessão de 18 de março de 1868, fs. 107-107v. 47 48

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Magos com capacidade de voto, que dependia do rendimento anual, como atrás se disse. Mas existem atas das eleições de vereadores e juízes que contabilizam os votos apurados, o que nos permite ter uma noção aproximada do número de participantes em cada ato eleitoral50. O Quadro 4 revela alguma irregularidade na participação eleitoral, com destaque para o ano de 1869, em que terão comparecido na assembleia de voto menos de 20 eleitores, o que, nos termos do Código Administrativo, inviabilizava a eleição51. Assim, a vereação do biénio subsequente foi designada pelo conselho de distrito, nos termos legais previstos. Quadro 4 Votos Apurados na Eleição de Vereadores

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(a) Eleição da câmara temporária. (b) Eleição da câmara definitiva. (c) Eleição determinada pela extinção que não chegou a consumar-se. (d) Número insuficiente de eleitores. Fontes: AHMSM, Actas de Eleição de Câmara e Juízes (1863-1878). AMB, Actas de Eleição de Vereadores (1867).

Dizemos “noção aproximada” porque registamos o número máximo de votos apurados na eleição de vereadores, que pode não corresponder sempre ao número total de votantes. 51 O artigo 91º do Código determina que não há eleição quando não comparecem eleitores em número superior, pelo menos, ao dobro dos necessários para formar as mesas provisória e definitiva. Neste caso, seriam necessários 20 eleitores. 50

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A eleição seguinte, de 1871, continuou a registar uma baixa afluência de eleitores (apenas 71), enquanto a eleição de 1867, realizada no quadro da nova extinção do concelho, que não chegou a consumar-se, mobilizou o maior número de votantes de todo o período em análise. De sublinhar também que a primeira eleição realizada após a restauração do concelho (outubro de 1863) atraiu menos votantes do que a segunda (novembro), o que pode relacionar-se com o curto prazo decorrido entre a nomeação da Comissão Administrativa e a realização do ato eleitoral. Eram variados os fatores que podiam influenciar os níveis de participação nos atos eleitorais, mas a existência de uma só assembleia para todo o concelho e a duração do seu funcionamento, que geralmente não ultrapassava as três horas, dificultavam a afluência dos eleitores, particularmente os residentes nos pontos mais afastados dos Paços do Concelho, onde reunia a assembleia. Analisemos agora o “pessoal político” do concelho, através da composição das vereações eleitas. O Anexo 1 apresenta a listagem completa dos vereadores que governaram o município entre 1864 e 1875 e permite algumas conclusões interessantes. O primeiro aspeto a sublinhar é que os 30 mandatos em causa são desempenhados por 23 indivíduos, o que evidencia um elevado grau de renovação dos eleitos, ao contrário do que se verificara em Benavente. Com efeito, em três dos biénios considerados a renovação é de 60% (3 vereadores novos em 5), em dois deles a renovação atinge os 80% (4 em 5), e no biénio de 1872-1873, a renovação é total. Surpreendente é também o facto de 83% dos vereadores desempenharem apenas um mandato (19 em 23) e de apenas quatro deles repetirem o exercício da vereação: Maximiano Monteiro Grilo acumula quatro mandatos, Vicente Lucas de Aguiar acumula três e José das Neves e José António Fernandes acumulam dois. Quanto às presidências da câmara, evidencia-se o facto de ninguém acumular duas presidências consecutivas, embora Vicente Lucas de Aguiar e Maximiano Monteiro Grilo desempenhem o cargo por duas vezes. Já a vice-presidência é desempenhada duas vezes consecutivas por este último e uma vez pelo primeiro. Maximiano Monteiro Grilo é, portanto, o vereador mais popular entre os seus pares, dado que nos seus quatro mandatos desempenhou sempre os cargos de presidente ou vice-presidente da câmara. Segue-se Vicente Lucas de Aguiar, igualmente eleito presidente ou vice-presidente em todos os mandatos que cumpriu. Curiosamente, António Elizeu da Costa Freire, que no período da anexação a Benavente esteve sempre presente na vereação, desempenha agora apenas um mandato, sendo eleito presidente da câmara. Virá a transitar depois para a Administração do Concelho. Um outro nome merece referência em matéria de governação concelhia: o de Luís Ferreira Roquete, que desempenhou a função de Administrador do Concelho entre 1863 e 1872. O exercício deste cargo, de nomeação governamental, não terá sido estranho à atribuição do título de Barão de Salvaterra, que lhe foi conferido em 29 de agosto de 1870. O Anexo 2 apresenta a composição dos conselhos municipais neste período e permite retirar algumas conclusões relativas à posse de riqueza por parte de algumas famílias, uma vez que os cinco maiores

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Magos contribuintes constituíam o conselho municipal em cada biénio, enquanto os cinco seguintes eram membros substitutos dos primeiros. O que importa salientar é que mais de 50% dos cidadãos eleitos para as vereações integram a lista dos dez maiores contribuintes do concelho, circunstância que reforça o caráter elitista do governo municipal.

Conclusão

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O concelho de Salvaterra de Magos sofreu as vicissitudes da construção do modelo espacial do Liberalismo, sendo extinto nos momentos cruciais desse processo por não reunir, supostamente, os requisitos populacionais e financeiros exigidos para a sua manutenção. Mas o empenho que, por duas vezes, colocou na restauração da sua autonomia permitiu-lhe a sobrevivência política e a afirmação das suas capacidades de existência como município com vida própria. Nos dois momentos em que lutou pela restauração, o concelho, através das suas elites, demonstrou inteligência na definição de estratégias de atuação que lhe garantiram o sucesso das suas pretensões: em 1837, congregando as simpatias do extinto concelho de Muge, que aceitou ser anexado a Salvaterra e subscreveu a petição que o viria a permitir; e em 1862, sabendo demonstrar a injustiça da supressão de 1855 e captando para a sua causa personalidades influentes de Benavente, o que garantiu o regresso à autonomia sem oposição do concelho vizinho. A governação do concelho no período de estabilidade que se seguiu à restauração da autonomia demonstra uma participação eleitoral variável e um elevado padrão de renovação das vereações, contrastando, neste aspeto, com o que se passou em Benavente no período da integração e também, presumivelmente, com os padrões nacionais, embora faltem estudos locais que permitam certezas relativamente a esta matéria. O que parece transparecer da ampla renovação das vereações é a ausência de um caciquismo local suficientemente forte para garantir a eleição sucessiva de um ou mais indivíduos, apesar de o período estudado ser relativamente curto. A documentação arquivística disponível não evidencia conflitos internos no seio das vereações, donde se infere que as elites salvaterrenses souberam conciliar esforços na defesa dos interesses do concelho e, particularmente, na garantia da sua existência como comunidade municipal autónoma.

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Anexo 1 Vereações do Concelho de Salvaterra de Magos (1864-1875)

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(a) Substituiu José Maria Sabino Lucas de Vasconcelos, inicialmente eleito, mas que renunciou ao cargo por ser diretor do Correio da vila. (b) Esta vereação foi nomeada pelo Conselho de Distrito, em virtude de não ter havido eleição popular. Fonte: AHMSM, Livro de actas das sessões da Câmara Municipal (1863-1875).

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Magos Anexo 2 Composição dos Conselhos Municipais de Salvaterra de Magos (1864-1875)

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Fonte: AHMSM, Livro de actas das sessões da Câmara Municipal (1863-1875).

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Fontes e Bibliografia

Fontes manuscritas Arquivo Histórico Parlamentar (Assembleia da República), Secções I/II Representações das Câmaras Municipais à Câmara dos Deputados (1834-1867), Caixas 295 a 312 Arquivo Distrital de Santarém Portarias e Ofícios dos Ministérios (1835-1836) Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos Fundo Administração do Concelho: Correspondência recebida (1866-1867) Fundo Câmara Municipal: Actas de eleição de vereadores (1836-1838) Actas da eleição da Câmara, juízes e afins (1863-1878) Correspondência recebida (1865-1868) Livro de actas das sessões da Câmara Municipal (1863-1875) Livro de Registo de correspondência expedida (1854-1868) Livro de registo de Editais (1855-1884) Arquivo Municipal de Benavente Fundo Administração do Concelho: Auto de posse da Administração do Concelho de Salvaterra de Magos (1856) Correspondência expedida (1837) Correspondência recebida (1837) Mapas da população do concelho (1855-1881) Registo de correspondência expedida (1855-1863) Fundo Câmara Municipal: Actas das eleições de vereadores (1856-1863) Alvará do Governo Civil mandando repetir eleições (1855) Livros de Actas da Câmara (1821-1860) Livros de registo de correspondência expedida (1836-1866) Livro de registo de correspondência recebida (1855-1867) Relações dos 40 maiores contribuintes do concelho (1855-1863) Fontes Impressas Código Administrativo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1842 Código Administrativo Portuguez, Lisboa, Imprensa Nacional, 1836

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Magos Colecção de Leis e Outros Documentos Oficiais, Lisboa, Imprensa Nacional, 1836-1838 Colecção Oficial de Legislação Portuguesa, Lisboa, Imprensa Nacional, vários anos Consultas das Juntas Gerais dos Distritos Administrativos do Reino e Ilhas Adjacentes (1841-1860), Lisboa, Imprensa Nacional, 1841-1860 Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, Lisboa, I. N., 1862-1863 Diário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, Lisboa, I. N., 1837 Diário de Lisboa, 1862-1863 Diário do Governo, Lisboa, I. N., 1855 Documentos para a História das Cortes Gerais da Nação Portuguesa, (Org. de Clemente José dos Santos), Lisboa, Imprensa Nacional, 1883-1884 Mappa Alfabético das Povoações de Portugal que tem Juiz de Primeira Intrância, Lisboa, Impressão Régia, 1811

Bibliografia

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MANIQUE, António Pedro - Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração Pública, Lisboa, Livros Horizonte, 1989 MANIQUE, António Pedro - Processo Legislativo e Conflitualidade Política na Primeira Fase da Regeneração (1851-1865), Santarém, ESES, 1992 (Policopiado) MANIQUE, António Pedro - “Processos Eleitorais e Oligarquias Municipais nos fins do Antigo Regime”. In Arqueologia do Estado. Comunicações, Lisboa, História e Crítica, 1988 MANIQUE, António Pedro - “O Setembrismo e a Administração Pública”. In Atas do Colóquio Passos Manuel e o Liberalismo. Santarém e o Pronunciamento Nacional de 1846, Santarém, ESES, 1996 MIRANDA, Jorge - As Constituições Portuguesas, Lisboa, Livraria Petrony, 1981 MÓNICA, Maria Filomena (Dir.), Dicionário Biográfico Parlamentar, Lisboa, A. R., 2004-2006 MONTEIRO, Nuno Gonçalo - “Poder Local e Corpos Intermédios: especificidades do Portugal moderno numa perspectiva histórica comparada”. In SILVEIRA, Luís Espinha da (Coord.) - Poder Central, Poder regional, Poder Local. Uma perspectiva histórica, Lisboa, Cosmos, 1997 NAZARETH, J. Manuel e SOUSA, Fernando de - “Aspectos Sociodemográficos de Salvaterra de Magos nos fins do Século XVIII”. In Análise Social, nº 66, Lisboa, GIS, 1981 OLIVEIRA, César (Dir.) - História dos Municípios e do Poder Local (Dos finais da Idade Média à União Europeia), Lisboa, Círculo de Leitores, 1996 SANTOS, José António - Regionalização, Processo Histórico, Lisboa, Livros Horizonte, 1985 SERRA, João B. - “As reformas da administração local de 1872 a 1910”. In Análise Social, nº 103-104, Lisboa, ICS, 1988 SILVA, Ana Cristina Nogueira da - O Modelo Espacial do Estado Moderno. Reorganização Territorial em Portugal nos Finais do Antigo Regime, Lisboa, Estampa, 1998 SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da - Território e poder. Nas Origens do Estado Contemporâneo em Portugal, Cascais, Patrimonia, 1997 SILVEIRA, Luís Nuno Espinha da (Coord) - Poder Central, Poder Regional, Poder Local. Uma Perspectiva Histórica, Lisboa, Cosmos, 1997 SUBTIL, José - “Governo e Administração”. In MATTOSO, José (Dir.) - História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1993. Vol. IV.

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O Poder Local e os Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos - 1910 a 2017

Roberto Caneira

Técnico Superior de História patrimoniocultural@cm-salvaterrademagos.pt

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1 | O poder local e municipal, sua evolução ao longo da História O estudo sobre a história do municipalismo em Portugal teve como pioneiro Alexandre Herculano, que fez um paralelismo entre o municipalismo medieval português e o municipalismo romano, outros autores defendem que a sua origem é posterior ao período romano, e que está intimamente associada aos visigodos1. O assunto não é consensual, contudo vários autores têm encontrado ligações aos concelhos e a à sua forma de os gerir ao início da reconquista cristã. O termo “concelho” aparece em diplomas e documentos a partir do Séc. XIII, a origem etimológica da palavra advém do latim “concilium”, e exprime: «a comunidade vicinal constituída em território de extensão muito variável, cujos moradores e os vizinhos do concelho - são dotados de maior ou menor autonomia administrativa.» 2 Com a reconquista cristã, surge a necessidade de manter os territórios conquistados, locais considerados “zonas de ninguém”, dado ao avanço e recuo das tropas cristãs e mouras eram constantemente pilhadas e devastadas. Uma vez conquistadas era necessário dotá-las com a presença humana, que contribuísse para a sua defesa e também para o aproveitamento económico através do arroteamento de terra e cultivo das mesmas. As cartas de forais foram um instrumento fundamental, para assegurar a presença humana nestes territórios. É usual associar a outorga de foral à criação dos concelhos, o que historicamente não é correto, dado que já havia um pré-povoamento e a função do foral não é criar o concelho, mas sim regulamentá-lo, definir direitos, deveres, aplicar justiça e acima de tudo consolidar a presença humana. A formação de novos concelhos, implicava uma forma de os controlar administrativamente, tarefa que estava entregue aos juízes de fora, eram pessoas destacadas pelo rei para um determinado concelho e eram letradas, ao contrário dos juízes da terra (também designados por ordinários), que normalmente eram iletradas e nem sempre imparciais no que respeita à aplicação da justiça concelhia: «As funções administrativas dos juízes de fora exerciam-se ao nível de Câmaras Municipais, de que eram por inerência, Presidentes. Todavia, apenas um reduzido número de concelhos, os considerados mais importantes, possuíam um Juiz de Fora, sendo os outros presididos por juízes ordinários [Juízes da Terra] eleitos localmente.»3 Durante o período medieval e moderno, não há grandes alterações de registo na forma de gerir os concelhos, cujo a função estava entregue aos juízes de fora ou juízes ordinários. Com o triunfo das ideias liberais assiste-se a um virar de página no poder local no País, tarefa que nem sempre foi conseguida: «O fracasso da primeira reforma liberal da Administração abriu caminho a uma interminável querela administrativa que atravessa todo o período da monarquia constitucional. De 1836 a 1910 sucederam-se nove códigos administrativos, alguns dos quais mal chegaram a entrar em vigor, ou tiveram vida efémera». 4 Cf. Aires de Jesus Ferreira Pinto, O Município Português (séc. XIX e XX), Coimbra, Centro de Estudo e Formação Autárquica, 1996, p. 17 Dicionário de História de Portugal [Coord: Joel Serrão], vol. II, Porto, Livraria Figueirinhas, s.d., p. 137 3 António Pedro Manique, Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração pública, Lisboa, Livros Horizonte, 1989, p. 24 4 António Pedro Manique, Liberalismo e instituições administrativas (1822 - 1910), Separata da Revista Portucalense n.º 3, Instituto Superior Politécnico, 1996, p. 29 1 2

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O Código Administrativo de 18 março de 1842, esteve em vigor durante 36 anos e trouxe alterações às eleições dos órgãos camarários: «As Câmaras Municipais são constituídas por 5 vereadores nos concelhos com menos de três mil fogos e sete nos de povoação superior (….). Os vereadores são eleitos de 2 em 2 anos, assumindo sempre a presidência o que obteve maior número de votos. Para o exercício do cargo de vereador é necessário um rendimento mínimo correspondente a de 100$000 reis anuais nos concelhos com menos de dois mil fogos; 300$000 reis anuais nos que possuem dois mil e seis mil fogos; e 400$000 réis anuais nos concelhos com mais de seis mil fogos.»5 Esta última disposição contribuiu para a nomeação das elites locais que recai nos grandes proprietários agrícolas, comerciantes ou membros de profissões liberais, que afirmam o seu poder e mantém o poder nas autarquias durante a segunda metade do Séc. XIX. O Código Administrativo de 1878, fixou o número de 7 vereadores para todos os concelhos, com exceção a Lisboa e Porto. Este Código foi revogado pelo Código de 1886, e um facto curioso é que após a proclamação da República (1910), os republicanos repuseram o Código de 1878. Com a implantação da República, o poder local estrutura-se em órgãos administrativos e órgãos executivos. Com a ditadura militar de 1926 e o consequente Estado Novo, os Municípios tornam-se em administrações indiretas do Estado Central, controlados por um estado autoritário: «A Constituição de 1933 é a tradução de um regime político autocrático, que se reflete indelevelmente na vida das autarquias locais. Apesar de manterem um estatuto de elemento estruturante da Nação, de poderem participar na política e na administração geral e local, de possuírem uma certa autonomia financeira, reflexo de um limitado poder tributário, as atividades das autarquias locais passam a estar de novo coartada pois passou a estar sujeita à inspecção dos agentes do Governo, podendo as deliberações dos seus órgãos administrativos depender da autorização superior (…).»6 Com a Revolução de Abril e a queda da ditadura, a constituição de 1976 dá um novo alento ao poder local. Define as autarquias como «pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas»7, a escolha do Presidente é feita por eleições e não por escolha como anteriormente acontecia: «A Câmara Municipal é o órgão executivo colegial do Município, eleito pelos cidadãos eleitores residentes na sua área, tendo por Presidente o primeiro candidato da lista mais votada.» 8 Em traços gerais o caminho da afirmação do poder local foi longo e sinuoso, desde as origens medievais, com a eleição dos homens livres a definir o futuro da comunidade, à nomeação de juízes de fora, passando pelas elites locais que eram escolhidos para Presidentes de Câmara, às ações dos liberais com Idem, pp. 30 - 31 Nuno Marques Pereira, Organização Municipal e Autonomia em Portugal, disponível em: http://www.usc.es/revistas/index.php/dereito/article/viewFile/3345/3489 (consultado a 29 maio 2018) 7 Constituição Portuguesa, Artigo 237, ponto 2 8 Idem, artigo 252 5 6

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atitudes descentralizadas, percorrendo os tempos da 1.º República ao Estado Novo e até à Constituição de 1976, foi um grande caminho percorrido pelo poder local.

2 | A evolução do concelho de Salvaterra de Magos Salvaterra de Magos foi escolhido pela família real, devido a uma conjugação de fatores que contribuíram para a presença da corte nesta localidade: a facilidade de transporte, que era feito por via fluvial, numa viagem aprazível, segura e rápida, a existência de um Paço, residência oficial dos séquitos reais e a diversidade cinegética, devido às reais coutadas que circundavam Salvaterra de Magos e nas quais se criavam diversas espécies de caça. A outorga do foral pelo rei D. Dinis a 1 de junho de 1295 a Salvaterra de Magos estabelece as bases de organização administrativa do concelho, através da nomeação de um alcaide e a eleição de dois juízes: «O monarca nomearia um alcaide entre os vizinhos do concelho. Este funcionário régio além de representar o monarca era responsável ainda pela segurança e ordem pública. Os vizinhos deveriam reunir-se em “concilium” e elegeriam anualmente entre si dois juízes, que o rei confirmaria. Estes dois juízes iriam aplicar uma justiça popular baseada no bom senso e nos costumes locais.»9 A localidade sempre teve proteção real e foi da Coroa, ao contrário dos concelhos vizinhos que pertenceram a Ordens Militares e Religiosas. Nas memórias paroquias de 1758, sabemos que o concelho era constituído por 6 lugares: Culmieiro, Misericórdia, Coelho, Cabides, Figueiras, Bilrete. Afastado há ainda a considerar o lugar do Escaroupim. Na leitura do mesmo documento percebemos que um Juiz de Fora administra os concelhos de Salvaterra de Magos e de Benavente, e que no mesmo parágrafo há uma referência à existência da Câmara Municipal. O atual Edifício da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos é de finais do séc. XVIII e está intimamente ligado a D. Maria I, como se pode ver pelo brasão de armas desta monarca que ainda hoje se mantém na fachada do edifício. (fig. 1) O concelho de Salvaterra de Magos tal como hoje o conhecemos tem a sua origem na reorganização administrativa do território desenvolvida por Mouzinho da Silveira, no século XIX, que ditou a extinção de vários concelhos. O concelho de Muge é extinto em 1837 e incorporado no concelho de Salvaterra de Magos. A carta de lei de 28 de Abril de 1837, determina a organização de um novo concelho composto «das villas de Salvaterra de Magos, e de Muge, e deste Concelho será cabeça a villa de Salvaterra de Magos.» 10

João Neves, «Salvaterra na Idade Média (Reflexões sobre alguns documentos medievais) In Magos. Revista Cultural do concelho de Salvaterra de Magos, n.º1, Salvaterra de Magos, Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, 2014, p. 91 10 Carta de Lei de 28 de Abril de 1837, disponível em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/p283, consultado a 17-07-2018 9

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Figura 2 - Fachada da Câmara Municipal – ano 1903

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Anos mais tarde com o novo decreto de 24 de Outubro de 1855, procedeu-se a uma nova divisão judicial e administrativa, e é extinto o concelho de Salvaterra de Magos, que passa administrativamenFigura 1 - Brasão de armas de D. Maria I - Edifício da Câmara te para o concelho de Benavente, sendo restaurado Municipal mais tarde com a lei de 10 de Julho de 1863.11 O concelho de Salvaterra de Magos durante o século XIX era composto pelas Juntas de Paróquias de Salvaterra de Magos e de Muge. É a partir destas Juntas de Paróquias que vão surgir as restantes freguesias que integram o município de Salvaterra de Magos. A partir de Muge criaram-se três novas freguesias, Marinhais em 192812; Glória do Ribatejo em 196613 e o Granho em 198814. Finalmente da freguesia de Salvaterra de Magos surgiu, em 1984, a freguesia dos Foros de Salvaterra15. Atualmente com a reorganização administrativa do território, a lei n. 11 A/ 201316, de 28 de janeiro de 2013, determinou a divisão do concelho nas seguintes freguesias: União de Freguesias de Glória do Ribatejo e Granho, Freguesia de Marinhais, Freguesia de Muge e União de Freguesias de Salvaterra de Magos e Foros de Salvaterra. Lei 10 de Julho de 1863, disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/38/91/p320, consultado a 17-07-2018 Diário do Governo, I Série, n. 68 - Decreto-lei n.º 15221 de 23 de Março de 1928 13 Diário do Governo, I Série, n.º 200 - Decreto-lei n.º 41/170 de 29 de Agosto de 1966 14 Diário da República, I Série, n.º 119 - Lei n.º 70/88 de 23 de Maio de 1988 15 Diário da República, I Série, n. 301 - Decreto-lei n.º 73/84 de 31 de Dezembro de 1984 16 Lei n.º 11 A / 2013, disponível em: https://dre.pt/application/dir/pdf1s/2013/01/01901/0000200147.pdf 11 12

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3 | Os Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos: 1910 - 2017

A leitura dos livros de atas foi um documento fundamental para perceber a evolução dos Presidentes da Câmara Municipal. No período anterior à implantação da República, o cargo do Presidente de Câmara foi ocupado por Porfírio Neves da Silva, um grande proprietário agrícola, que mais tarde ocupará o cargo de Presidente da Comissão Executiva Municipal entre 1919 e 1921. Na primeira ata da Comissão Municipal Republicana, surgiram nomes associadas à causa republicana no concelho, nomeadamente: «Os cidadãos António Jorge de carvalho, José de Vasconcelos, João Ferreira Vasco, Victal Justino Ferreira e João Pereira Rodrigues, os quaes constituem a Comissão Administrativa.» 17 Nesta ata foi eleito por escrutínio secreto o Presidente, cuja escolha recaiu em António Jorge de Carvalho e como Vice-Presidente José d’Vasconcelos. Na sessão ordinária de 1 de junho de 1911, verifica-se incompatibilidade entre o Presidente da Câmara António Jorge de Carvalho e os restantes membros da Comissão Administrativa, devido a uma deliberação que não queria assinar, e foi motivo para a sua demissão do cargo da presidência da Câmara: «E tendo a Commissão extranhando o recuso do Presidente à execução d’umma deliberação que a mesma Commissão tomou, no uso pleno das suas atribuições, constando da acta que o próprio Presidente acabava d’assignar, sem demarcação n’em discussão, o mesmo Presidente, insistindo em dizer que lhe não dava execução, retirou-se da sala, depois de declarar que não voltava mais a desempenhar aquelle logar e que pedia a sua demissão.» 18 O cargo de Presidente de Câmara vai ser ocupado pelo Vice-Presidente José de Vasconcelos, que se mantém neste cargo de 8 de junho 1911 a 7 de novembro de 1912: «O Presidente comunica à Câmara que tendo sido nomeado pelo Governo da República para desempenhar uma Commissão de serviço público, vai ausentar-se da Presidência da Commissão Administrativa, por cujo motivo se despede dos seus colegas, a quem agradece.» 19 A 14 de novembro, José Eugénio de Menezes lidera a autarquia como Vice-Presidente, e a 2 de janeiro de 1913 é formalmente eleito Presidente de Câmara: «Seguidamente procedeu-se por escrutínio secreto a eleição do Presidente, obtendo o vogal José Eugénio de Menezes quatro votos e um o vogal João Ferreira Vasco, pelo que ficou eleito Presidente o mencionado José Eugénio de Menezes.» 20 A lei n.º 88 de 7 de agosto de 1913, determina que as Câmaras Municipais se dividiam em dois órgãos: deliberativo e executivo. O deliberativo era o Senado Municipal, para o qual era eleito o Presidente da Câmara Municipal, enquanto para o executivo era eleita uma Comissão Executiva Municipal, cujo o cargo designado era Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal. Até 1926, vigora esta lei e por isso nos livros de atas encontramos referência ao Presidente de Câmara A.H.M.S.M. - Livro de Atas 25 outubro 1904 a 15 fevereiro 1912 - Primeira ata da Comissão Republicana - 7 outubro 1910, fl. 126v A.H.M.S.M. - Livro de Atas 25 outubro 1904 a 15 fevereiro 1912 - Sessão Ordinária de 1 junho 1911, fl. 165v 19 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - Acta da Sessão Ordinária do dia 7 novembro 1912, fl. 32 20 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - Acta da Sessão ordinária do dia 3 de janeiro 1913, fl. 37 17 18

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cujas ações são meramente deliberativas, e referências ao Presidente da Comissão Executiva Municipal, que é quem efetivamente gera a Câmara Municipal e as diversas funções associadas aos Municípios. José Eugénio de Menezes ocupa o cargo da Presidência até 11 de dezembro de 1913, contudo no início do ano de 1914, tendo em consideração a lei n.º 88, é eleito para Presidente da Câmara Municipal António Marcos da Silva: «Para Presidente foram votados os Vereadores António Marcos da Silva com treze votos, Francisco d’Almeida Henriques com um voto e Manuel Augusto com um voto.» 21 A 5 de janeiro de 1914 é eleito o Presidente da Comissão Executiva Municipal, cargo ocupado por José Eugénio de Menezes, que anteriormente fora Presidente de Câmara: «Para Presidente foram votados os cidadãos José Eugénio de Menezes com quatro votos e Victal Justino Ferreira com um; para Vice-Presidente foram votados os cidadãos João Ferreira Vasco com trez votos (…).» 22 Em 1917 é eleito para o cargo de Presidente da Câmara Municipal Joaquim Pedro Cardoso: «Seguidamente a Presidência anunciou-se que se ia proceder à eleição do Presidente, Vice-Presidente e Secretários d’esta Câmara nos termos da lei, finda a qual se verificou o seguinte resultado: para Presidente foram votados os Vereadores Joaquim Pedro Cardoso com treze votos, para Vice-Presidente foram votados os Vereadores João Augusto da Silva com onze votos e José da Silva Antunes com dois votos (…).» 23 Para ocupar o cargo da Presidência da Comissão Municipal Executivo, é eleito Manuel Apollinário Ribeiro: «Para Presidente foi eleito o vogal Manoel Apolinário Ribeiro, para Vice-Presidente o vogal José da Silva Antunes e para Secretário o vogal Manoel Lopes Gonçalves.»24 Novas eleições realizaram-se para o triénio: 1918-1920, cujo cargo do Presidente de Câmara foi ocupado por João Roberto da Fonseca: «Por este resultado se constata que foram eleitos os cidadãos João Roberto da Fonseca para Presidente; João Maria d’Almeida para Vice-Presidente; António de Sousa Vinagre para Secretário e Manoel Martins Pinto para Vice-Secretário (…).» 25 No que respeita à Comissão Executiva Municipal foi eleito Ezequiel Augusto Gonçalves: «Para Presidente foi eleito o cidadão Ezequiel Augusto Gonçalves, para Vice-Presidente o cidadão Carlos Avelar Costa Freire.» 26 A 12 de agosto de 1919 é reconduzido no cargo de Presidente da Câmara Municipal João Roberto da Fonseca: «Por este resultado se constata que foram eleitos os cidadãos João Roberto da Fonseca para Presidente, João José da Silva para Vice-Presidente, José Manuel Rebelo d’Andrade para Secretário e João Maria A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 de Janeiro de 1914, fl. 69v A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - Acta da Sessão Ordinária do dia 5 de Janeiro de 1914, fl. 79v 23 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 de Janeiro de 1917, fl. 177 24 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 de Janeiro de 1917, fl. 178 25 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 de janeiro 1918, fl. 1v - 2 26 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 de janeiro 1918, fl. 3 21 22

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d’Almeida para Vice-Secretário.» 27 Na Comissão Executiva Municipal no cargo de Presidente é eleito Porfírio Neves da Silva: «Para Presidente foi eleito o cidadão Porfírio Neves da Silva, para Vice-Presidente o cidadão Carlos Avelar da Costa Freire.» 28 A 3 de janeiro de 1921 há novas eleições para a Comissão Executiva Municipal cuja eleição recai em José Manuel Rebelo d’Andrade, contudo este abdica do cargo a 8 de setembro de 1921, e foi substituído por Alfredo de Sena Azevedo: «Procedeu-se em seguida à eleição da mesa que deu o seguinte resultado: Presidente Alfredo de Sena Azevedo, Vice- Presidente João José da Silva (…).» 29 Nas eleições para o triénio 1923 - 1925, há mudanças no Senado Municipal e na Comissão Executiva Municipal, no primeiro foi eleito Sílvio Augusto Figueiredo: «finda a mesma eleição foi verificado o seguinte resultado: para Presidente da Câmara o Vereador Sílvio Augusto Figueiredo obteve seis resultados; o Vereador Henrique Avelar da Costa Freire obteve dois votos e o Vereador Alfredo de Sena Azevedo obteve um voto.» 30 Enquanto na Comissão Executiva Municipal o cargo de Presidente foi ocupado por João Nunes Vasco: «Para Presidente da Comissão Executiva João Nunes Vasco, para Vice-Presidente Justino Victal Ferreira e para Secretário Francisco Lopes Rosa.» 31 Em 1926 há novas eleições, o cargo do Presidente da Câmara Municipal recai em Francisco Almeida Henriques: «verificou-se que foram eleitos para Presidente o Vereador Francisco Almeida Henriques e para Vice-Presidente o Vereador João dos Santos Maquilão.» 32 Como Presidente da Comissão Executiva Municipal João Nunes Vasco é reconduzido no cargo: «Em virtude da deliberação do Senado em sessão plenária de hoje que rectificou a sua confiança a esta mesma Comissão Executiva (…).» 33 Em 1926 com a nova legislação, foram instituídas as comissões administrativas que passaram a deter todo o poder municipal. Com a nova lei vigente são nomeadas para constituir a Comissão Administrativa: «Os cidadãos Henrique João Ferreira Martins, Vicente Roberto Ferreira da Fonseca e António de Sousa Vinagre, nomeados vogaes efetivos da Comissão Administrativa d’esta mesma Câmara por Alvará do Excelentíssimo Senhor Governador Civil d’este Distrito.» 34 Foi eleito nesta sessão para Presidente da Comissão Administrativa Henrique José Ferreira Martins: «Para Presidente foi eleito o cidadão Henrique José Ferreira Martins, para Vice-Presidente o cidadão Vicente Roberto Ferreira da Fonseca e para Secretário António de Sousa Vinagre.» 35 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 12 agosto de 1919, fl. 53 - 53v A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 12 de agosto de 1919, fl. 54 29 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 10 setembro 1921, fl. 105 30 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 janeiro 1923, fl. 134 31 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 janeiro 1923, fl. 134v-135 32 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 janeiro de 1926, fl. 3v 33 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão Ordinária do dia 2 janeiro de 1926, fl. 4 34 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão Ordinária do dia 1 Outubro 1926, fl. 12v 35 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão Ordinária do dia 1 Outubro 1926, fl. 13 27 28

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Novas eleições realizam-se em janeiro de 1927, onde foi eleito Presidente da Comissão Administrativa, António de Sousa Vinagre: «Para Presidente foi eleito o vogal António de Sousa Vinagre, para Vice-Presidente o vogal Alfredo Rodrigues da Piedade e para Secretário o vogal João Pinto de Figueiredo.» 36 Passado dois meses há nova eleição na Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, e tomou posse José Eugénio de Menezes: «Procedeu-se à eleição da mesa finda a qual se verificou o seguinte resultado: para Presidente José Eugénio de Menezes, para Vice-Presidente foi eleito o vogal João Ferreira Estudante e para Secretário foi eleito o vogal Armindo Filipe Biscaia de Jesus». 37 José Eugénio de Menezes vai manter este cargo até 1933. A partir de 1933 e nos anos seguintes os destinos da edilidade Salvaterrense ficaram associados à Família Roquette. Em 1933 a presidência do Município é ocupada por Luiz Ferreira Roquette: «Sendo onze horas, depois de prestado pelos novos vogaes o respetivo compromisso de honra, foi feito pelo Presidente cessante conferido a posse à mencionada nova Comissão Administrativa (…) o qual se verificou o seguinte resultado: Presidente Luíz Ferreira Roquette; Vice-Presidente Henrique José Ferreira Martins.» 38 Em 1935 é eleito para o cargo de Presidente José Luís Brito Seabra Roquette: «a seguinte Comissão composta de Presidente José Luíz de Seabra Ferreira Roquette» 39, que vai manter o cargo até 1938. A 16 de novembro de 1938 toma posse o Presidente António Vianna Ferreira Roquette: «Presentes os Vereadores efectivos, Senhores Armindo Filipe de Biscaia Jesus e Joaquim Pereira Marques e o Senhor Doutor António Viana Ferreira Roquette que foi nomeado Presidente efectivo desta Câmara Municipal por portaria do Diário do Governo.» 40 O cargo de António Vianna Ferreira Roquette como Presidente de Câmara é ocupado durante 6 anos. A 26 de julho de 1944 os destinos da autarquia Salvaterrense ficam entregues ao Dr. Roberto Ferreira da Fonseca: «Pelo Excelentíssimo Senhor Dr. Roberto Ferreira da Fonseca como Presidente da Câmara foi feita a comunicação à Câmara de ter sido nomeado Presidente efectivo desta Câmara Municipal por portaria publicada no Diário do Governo, segundo série, numero cento e sessenta e cinco, do dia dezoito do corrente mês, tendo também sido nomeado Vice-Presidente da mesma Câmara, o Excelentíssimo Senhor Vicente da Costa Ramalho.» 41 Roberto Ferreira da Fonseca mantém este cargo até 195442, a partir desta data regressa José Luís de A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão Extraordinária de 10 janeiro 1927, fl. 28 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão Ordinária do dia 15 de março 1927, fl. 33 38 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão da Posse da nova Comissão Administrativa do dia 3 de Março de 1933, fl. 139 39 A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - Acta da Sessão de posse da Nova Comissão Administrativa d’esta Câmara em 21 janeiro 1935, fl. 189 40 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 24 maio 1935 a 20 dezembro 1940 - Acta da Sessão Extraordinária do dia 16 Novembro 1928, fl. 102 41 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 3 janeiro de 1941 a 18 julho 1946 - Acta da Sessão Ordinária da Câmara Municipal do dia 26 de julho de 1944, fl. 112v 42 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 8 setembro 1953 a 4 de abril 1956 - Acta da Constituição da Câmara para o quadriénio de 1954 - 1958, fl. 49 36 37

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Seabra Ferreira Roquette, que já tinha ocupado o cargo de Presidente de Câmara entre 1935 e 1938. Em 1961 um trágico acontecimento, José Luís de Seabra Ferreira Roquette faleceu e verifica-se a substituição de um novo Presidente na Edil Municipal: «Voto de sentimento: após ter declarado aberta a reunião o Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente referiu-se ao falecimento do Excelentíssimo Senhor José Luíz de Seabra Ferreira Roquette, manifestando o seu profundo pesar pela perda de tão ilustre Presidente e propôs que ficasse exarada na acta um voto de sentimento, tendo a vereação aprovado por unanimidade a referida proposta.» 43 O cargo da presidência do Município é ocupado por Lúcio Martins de Souza, uma personalidade ligada à Casa Cadaval onde desempenhou a função do Administrador desta Casa Agrícola: «Pelo Senhor Lúcio Martins de Souza foi feita uma larga exposição acerca dos motivos porque se encontrava presidindo a sessão e que o levaram a aceitar o encargo de desempenhar as funções de Presidente substituto: o fim de não criar dificuldades ao Excelentíssimo Governador Civil que lhe solicitava que aceitasse o cargo enquanto o Vice-Presidente se encontrava de licença. Pela vereação foi manifestado o desejo de que a intensidade se viesse converter em afectividade dado que considerava o Sr. Lúcio Martins de Sousa a pessoa que mais condições reunia para presidir aos destinos do concelho no momento actual.» 44 Uma doença impedirá que Lúcio Martins de Souza se mantivesse na cadeira da presidência da autarquia, sendo o cargo ocupado pelo Vice-Presidente Isaías Matias Madeira, que tomou a presidência do Município: «Pelo Senhor Vice-Presidente foi declarada aberta a reunião, eram quinze horas e logo propôs que fosse exarado na acta um voto que exprimisse o desejo de todos que tivesse bom êxito a intervenção cirúrgica a que se submeteu o Excelentíssimo Presidente da Câmara, o que por todos foi aprovado.» 45 A 4 de fevereiro de 1965 tomou posse José Matias Pinto Figueiredo, cargo que vai manter até 18 de janeiro de 1973: «O Senhor Presidente disse ser esta a última reunião a que presidia, pois o seu mandato termina no fim do corrente mês. Por isso, apresentava aos Senhores Vereadores os seus cumprimentos de despedida e os seus agradecimentos pela colaboração que sempre lhe dispensaram. Agradeceu também o interesse demostrado por todos para que continuasse no exercício do cargo, mas os seus afazeres profissionais não lhe permitem aceder aos seus desejos.» 46 Em 1973 toma posse o Eng. António Filipe Pombeiro Fevereiro, que desempenhava funções na RARET na Glória do Ribatejo. Vai manter o cargo durante o período conturbado da revolução de abril de 1974, mas em julho desse ano é criada uma Comissão Administrativa, sendo substituído por Leonardo Ramalho Cardoso: A.H.M.S.M. - Livro de Atas 15 abril 1959 a 8 novembro 1962 - Acta da Sessão Ordinária da Câmara 28 Agosto de 1961, fl. 39 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 15 abril 1959 a 8 novembro 1962 - Acta da Sessão Ordinária de 19 de Setembro 1961, fl. 42 45 A.H.M.S.M. - Livro de Atas 8 novembro 1962 a 5 novembro 1965 - Acta da reunião ordinária da Câmara 20 fevereiro de 1964, fl. 102v - 103 46 A.H.M.S.M. - Livro de Actas 2 novembro 1972 a 19 março 1975 - Acta da reunião ordinária realizada no dia 18 de janeiro 1973, fl. 22v 43 44

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«Aos dezoito dias do mês de Julho de mil novecentos e setenta e quatro, nesta vila de Salvaterra de Magos, edifício dos Paços do Concelho e na sala de Sessões, realizou-se a reunião ordinária deste corpo administrativo sob a presidência do Senhor Leonardo Ramalho Cardoso, Presidente da Comissão Administrativa.» 47 Leonardo Ramalho Cardoso ocupa o cargo até às eleições autárquicas, que vão ocorrer a 12 de dezembro de 1976. São as primeiras eleições autárquicas democráticas, e o eleitorado do concelho de Salvaterra de Magos, volta a escolher o Leonardo Ramalho Cardoso, que é eleito nas listas do PS com 48.19% 48, e vai manter o cargo até 1979. Nas eleições de 1979 é eleito Rafael João Alcântara Ferreira da Silva, eleito pelo PS com 46.09% 49, vai ocupar o cargo até 1982. Seguem-se as eleições de 1982 a 1985, cujo vencedor foi António da Silva Ferreira Moreira, eleito nas listas do PS com 43.08% 50. Nas eleições seguintes: 1985 a 1989, volta a ser candidato pelo PS António da Silva Ferreira Moreira, que foi eleito com maioria absoluta: 55.33% 51. Em 1989 a 1993 é reeleito António da Silva Ferreira Moreira, novamente com maioria absoluta 50,23% 52. Nas eleições seguintes 1993 a 1997 volta a ser eleito António Moreira, com 48,73% 53, contudo em 1995 António Moreira, abdica do lugar de Presidente de Câmara que é ocupado pelo Dr. José Manuel de Oliveira Gameiro dos Santos, que ocupa o lugar de Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, durante dois anos: 1995 a 1997. De 1997 a 2001 é eleita pela CDU, Ana Cristina Pardal Ribeira, é a primeira mulher a ocupar o cargo de Presidente da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, obtém maioria absoluta com 50,36% 54 nas eleições. Nas eleições de 2001 a 2005, Ana Ribeiro é reeleita agora por uma nova força política - BE, e obteve 47,02% 55. Nas eleições seguintes 2005 a 2009 volta a ser reeleita pela mesma força política BE e conseguiu nas eleições 49,61% 56, finalmente nas eleições de 2009 a 2013, é o último mandato de Ana Ribeiro que conseguiu mais uma vitória pelo BE com 46,08 57.

A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 16 novembro 1972 a 19 março 1975, Acta de 18 Julho de 1974, fl. 153 Roberto Caneira, 40 anos de poder local no concelho de Salvaterra de Magos, disponível em: https://issuu.com/municipiosalvaterrademagos/docs/40_anos_de_poder_local_no_concelho_, consultado a 01 de junho 2018 49 Idem 50 Idem 51 Idem 52 Idem 53 Idem 54 Idem 55 Idem 56 Idem 57 Idem

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Nas eleições de 2013 a 2017 o PS, volta a reconquistar a Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, é eleito o Eng. Hélder Manuel Esménio com 32,75% 58, e nas eleições de 2017, o Eng. Hélder Esménio assegura para o PS a maioria no Município de Salvaterra de Magos com 52.53%. 59 A evolução dos Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, segue de certa forma o padrão dos concelhos vizinhos, numa primeira fase após a implantação da República são nomeados nomes associados à República, e com o Estado Novo regressam as oligarquias locais: os grandes proprietários agrícolas, médicos, comerciantes, alguns com ligações ao Estado Novo, com o triunfo da revolução de abril, o poder local fica sujeito ao sufrágio do voto, e são os eleitores que escolhem os Presidentes de Câmara, suportados por forças políticas.

Anexo 1

Presidentes de Câmara Municipal: 1910 a 2017 - António Jorge de Carvalho - Presidente da Comissão Administrativa: 7 outubro 1910 a 1 junho 1911

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- José Vasconcelos - Vice-Presidente que ocupa o lugar de Presidente da Comissão Administrativa de 8 junho de 1911 a 7 novembro 1912

Idem Eleições Autárquicas 2017 - concelho de Salvaterra de Magos, disponível em: https://www.eleicoes.mai.gov.pt/autarquicas2017/#%00, (consultado a 01 de junho 2018) 58 59

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Magos - José Eugénio de Menezes - Vice-Presidente que ocupa o lugar da Presidente da Comissão Administrativa 14 novembro 1912 a 2 janeiro 1913. A partir desta data é eleito formalmente Presidente da Câmara Municipal: 2 janeiro 1913 a 11 dezembro 1913

- António Marcos da Silva: 2 janeiro 1914 a 2 janeiro 1917

- Joaquim Pedro Cardoso: 2 janeiro 1917 a 2 janeiro 1918

117 - João Roberto da Fonseca: 2 janeiro 1918 a 2 janeiro 1923

- Sílvio Augusto Figueiredo: 2 janeiro 1923 a 2 janeiro 1926

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O Poder Local e os Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos - 1910 a 2017

- Francisco Almeida Henriques: 2 janeiro 1926 a 1 outubro 1926

- Henrique José Ferreira Martins: 1 outubro 1926 a 11 janeiro 1927

- António de Sousa Vinagre: 11 janeiro 1927 a 15 março 1927

118 - José Eugénio de Menezes: 15 março 1927 a 3 março 1933

- Luís Ferreira Roquette: 3 março 1933 a 21 janeiro 1935

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Magos - José Luiz de Seabra Ferreira Roquette: 21 janeiro 1935 a 16 novembro 1938

- António Vianna Ferreira Roquette: 16 novembro 1938 a 26 julho 1944

- Roberto Ferreira da Fonseca: 26 junho 1944 a 5 dezembro 1954

119 - José Luís de Seabra Ferreira Roquette: 5 dezembro 1954 a 28 agosto 1961

- Lúcio Martins de Sousa: 19 setembro 1961 a 20 fevereiro 1964

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O Poder Local e os Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos - 1910 a 2017

- José Matias Pinto Figueiredo: Vice-Presidente que ocupa o lugar de Presidente da Câmara Municipal 20 fevereiro 1964 a 4 fevereiro 1965. A partir desta data ocupará o cargo até 18 janeiro 1973

- António Filipe Pombeiro Fevereiro: 18 fevereiro 1973 a 18 julho 1974

- Leonardo Ramalho Cardoso: Presidente da Comissão Administrativa: 18 julho 1974 a 12 dezembro 1976, sendo eleito depois nas autárquicas de 1976 Presidente da Câmara Municipal de 12 dezembro 1976 a 8 janeiro 1980

- Rafael João Alcântara Ferreira da Silva - 8 janeiro 1980 a 6 janeiro 1983

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Magos - António da Silva Ferreira Moreira - 6 de janeiro 1983 a 3 de janeiro 1996

- José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos - 3 de janeiro 1996 a 8 de janeiro 1998

- Ana Cristina Pardal Ribeiro - 8 de janeiro 1998 a 18 outubro 2013

121 - Hélder Manuel Esménio - 18 outubro 2013, reeleito no mandato 2017 - 2021.

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O Poder Local e os Presidentes da Câmara Municipal de Salvaterra de Magos - 1910 a 2017

Bibliografia

- Dicionário de História de Portugal [Coord: Joel Serrão], vol. II, Porto, Livraria Figueirinhas - MANIQUE, António Pedro, Liberalismo e instituições administrativas (1822 - 1910), Separata da Revista Portucalense n.º 3, Instituto Superior Politécnico, 1996 - MANIQUE, António Pedro, Mouzinho da Silveira. Liberalismo e Administração pública, Lisboa, Livros Horizonte, 1989 - NEVES, João, «Salvaterra na Idade Média (Reflexões sobre alguns documentos medievais) In Magos. Revista Cultural do concelho de Salvaterra de Magos, n.º1, Salvaterra de Magos, Câmara Municipal de Salvaterra de Magos, 2014 - PINTO, Aires de Jesus Ferreira, O Município Português (séc. XIX e XX), Coimbra, Centro de Estudo e Formação Autárquica, 1996

Legislação

Diário do Governo, I Série, n. 68 - Decreto-lei n.º 15221 de 23 de Março de 1928 Diário do Governo, I Série, n.º 200 - Decreto-lei n.º 41/170 de 29 de Agosto de 1966 Diário da República, I Série, n.º 119 - Lei n.º 70/88 de 23 de Maio de 1988 Diário da República, I Série, n. 301 - Decreto-lei n.º 73/84 de 31 de Dezembro de 1984

A.H.M.S.M. - Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos: - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 25 outubro 1904 a 15 fevereiro 1912 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 22 fevereiro 1912 a 11 dezembro 1917 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 2 janeiro de 1918 a 28 novembro 1925 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 4 dezembro 1925 a 26 abril 1935 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 24 maio 1935 a 20 dezembro 1940 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 3 janeiro de 1941 a 18 julho 1946 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 8 setembro 1953 a 4 de abril 1956 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 15 abril 1959 a 8 novembro 1962 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 8 novembro 1962 a 5 novembro 1965 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas 2 novembro 1972 a 19 março 1975 - A.H.M.S.M. - Livro de Atas de 16 novembro 1972 a 19 março 1975

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Magos Internet:

- Nuno Marques Pereira, Organização Municipal e Autonomia em Portugal, disponível em: http://www. usc.es/revistas/index.php/dereito/article/viewFile/3345/3489 (consultado a 29 maio 2018) - Carta de Lei de 28 de Abril de 1837, disponível em http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/18/15/ p283, consultado a 17-07-2018 - Lei 10 de Julho de 1863, disponível em: http://legislacaoregia.parlamento.pt/V/1/38/91/p320, consultado a 17-07-2018 - Constituição Portuguesa, Artigo 237, ponto 2 - Lei n.º 11 A / 2013, disponível em: https://dre.pt/application/dir/pdf1s/2013/01/01901/0000200147.pdf - Roberto Caneira, 40 anos de poder local no concelho de Salvaterra de Magos, disponível em: https:// issuu.com/municipiosalvaterrademagos/docs/40_anos_de_poder_local_no_concelho_, consultado a 01 de junho 2018 Eleições Autárquicas 2017 – concelho de Salvaterra de Magos, disponível em: https://www.eleicoes.mai. gov.pt/autarquicas2017/#%00, (consultado a 01 de junho 2018) http://recil.grupolusofona.pt/xmlui/bitstream/handle/10437/3891/Reformas%20administrativas%20 em%20Portugal%20desde%20o%20século%20XIX.pdf?sequence=1

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Granho e Marinhais: Breve nota toponímica

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Durante séculos, o concelho de Muge manteve grande parte do seu termo despovoado, contribuindo para isso factores de diversa ordem, não necessariamente relacionados com índices demográficos. Olhando para a geografia do antigo termo municipal, rapidamente verificamos que as terras aráveis de primeira ordem se localizam no vale das ribeira de Muge, terço inferior da ribeira da Lamarosa ou nas lezírias adjacentes ao Tejo e, se recuarmos à Idade Média, os únicos focos de povoamento estão nas franjas destas “entidades geográficas”. Começando pela própria sede municipal, esta ficava na extremidade noroeste do termo, relativamente distante da zona central toda ela terra erma de gentes e coberta de matos que permaneceram em maninho mais de 500 anos. Fugia à regra o lugar de Stª. Maria da Glória, de fundação trecentista, que aparece pela necessidade de criar um ponto intermédio na estrada do Tejo para Coruche. De resto, apenas se registava a pequena aldeia de Vialonga, os moinhos da ribeira de Muge, casal de João Boieiro ou alguns casais no vale da ribeira da Lamarosa que estavam arruinados no século XV. A partir do início do século XVII, temos conhecimento de novos focos de povoamento, como o Casal do Junco, Cocharrinho, Arneiro da Amoreira, sempre próximos dos solos com boa aptidão agrícola e às linhas de água. As charnecas e matos do termo, não obstante serem terra comum do Concelho com algum aproveitamento para pasto e actividade silvícola/cinegética, permanecerão mesmo assim desabitadas. Para isto contribuiu a criação das Montarias de Santarém, no tempo de D. João I e, consequentemente, a Coutada de Muge com regimento definitivo homologado por D. Sebastião que cerceou qualquer intenção de aproveitamento agrícola. Só a partir de 1834, com a extinção definitiva dos ofícios da Montaria-Mor do Reino e das coutadas régias, começam a surgir os primeiros núcleos de povoamento na parte central do termo. Sem o espartilho da coutada a Junta de Paróquia de Muge, herdeira do antigo município (extinto em 1836), vê-se livre para aforar os terrenos da chamada “Charneca do Concelho” e, em 1844, já havia loteado algumas parcelas para cultivo, surgindo assim a povoação de Marinhais, elevada a sede de freguesia em 1927. No caso do Granho, os aforamentos são bastante mais tardios, não havendo qualquer referência antes dos últimos anos do séc. XIX, concorrendo para isso a fraca qualidade dos solos, na sua maioria pedregosos e pouco atractivos. Porém, o facto de não existir povoamento não significa que os sítios fossem vedados à passagem de pessoas e bens e que não houvesse necessidade de lhes dar nome. E a realidade foi essa mesmo, tanto o Granho como Marinhais não obstante terem sido, de facto, só terras de charneca, os topónimos pelos quais hoje as conhecemos são bastante mais antigos do que as próprias localidades.

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Magos Granho

Localizado numa área de plateau, próximo da confluência da ribeira da Lamarosa com a ribeira de Muge, surge enquanto lugar habitado no final do século XIX. O topónimo não apresenta grandes dúvidas quanto à sua origem na palavra Graínho, que significa “terra pedregosa e inculta”. M. J. Guerra, no mapa das áreas adjacentes ao Tejo, publicado em 1861, regista o topónimo Vaes do Graínho, que é uma interpretação errada de Varge ou Várzea do Graínho, localizando-o no vale da ribeira da Lamarosa abaixo da actual povoação do Granho (Guerra, 1861). Como veremos, M. Guerra opta pela versão usual da palavra, ignorando que o “i” médio já havia caído da fonética local há bastante tempo. A notícia mais remota que foi possível apurar em relação a este topónimo data de 1717, no registo de trespasse de uma sesmaria em Muge que confrontava a nascente com a “estrada para o Grenho”1. A forma Grenho é apenas uma variante gráfica, sem qualquer significado etimológico, para além do que já foi enunciado.

Marinhais

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Segundo uma tradição de origem não confirmada, ainda hoje tida como válida, aceita-se que Marinhais deriva de Camarinhais, ou seja, lugar onde abundam camarinhas, arbusto da família das Ericaceae cujo nome binomial é Corema album L. No entanto, esta explicação esbarra logo à partida com as condições ecológicas de onde aquela planta é nativa - dunas costeiras atlânticas - que se saiba, para além dos solos arenosos não há aqui mais nada em comum com este ecossistema. Além disso não Fig. 1 - Mapa das margens do Tejo de M. Guerra (1861). há registo de alguma vez as camarinhas serem uma Localização dos Vaes do Graínho (Granho). espécie endémica desta parte do Vale do Tejo. Na breve resenha de Sérgio Filipe a propósito do tema é apresentada uma hipótese que, apesar do mérito de trazer alguma novidade, parte de um pressuposto erróneo. Com base no vocábulo Marmellaaes, citado no tombo dos bens de D. Afonso V na Comarca de Santarém, assume que esta poderá ser uma possível origem toponímica para Marinhais (Filipe, 2015, p. 215 - 216). Porém, conforme o próprio documento regista, os Marmelaes ficavam dentro do paul de Muge e não no lugar onde se encontra a freguesia.

1

A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1716 - 1717, fl. 63.

Salvaterra de Magos | n.º 5 | Ano: 2018


Granho e Marinhais: Breve nota toponímica

Magos

Em 1442, procedeu-se à demarcação entre os termos de Muge e Santarém a nascente do Escaroupim, cujo instrumento de acordo entre os dois concelhos diz o seguinte: “(…) e acharom hum marco a par do dito valado no direito do Paço do Telheiro, e dicerão que por aly partia o termo de Muja com o de Santarem e dahi se forão direitos a fonte dos Marninhães, e acharom hum marco a par de hũa alagoa, que tinha hũas mortinheiras (…) 2. Por aqui ficamos a saber duas coisas determinantes para a questão: A primeira, é que a nascente do Escaroupim, para lá do Paço do Telheiro, algures onde começa a freguesia de Marinhais havia um sítio junto a uma lagoa que se chamava Fonte dos Marninhaes (actualizando a grafia, Marninhais); segunda, a flora característica do lugar era a murta e não a camarinha. Marninhais será o plural de Marninhal que é, provavelmente, um regionalismo do vocábulo Marnel, que significa lagoa, terreno pantanoso ou sistema lagunar onde podem navegar barcos de pequeno calado (Viterbo, 1865, p. 82). Exactamente as mesmas características que podemos encontrar na descrição do auto de demarcação de 1442. Depois disso só voltamos a encontrar notícias em 1684, já sob a forma Marinhais, no contrato de venda de um cerrado na Rua da Glória, em Muge: (...) hum serado tera de arnejro que esta iunto desta dita uilla (…) da banda do poente parte com huma estrada que saie da Rua da Gloria e uaj para os Marinhais (…) 3. No século XVIII o topónimo já está perfeitamente definido e é o mesmo que chega à actualidade, não havendo quaisquer alterações posteriores. Voltamos a encontrar referências em 1751, na divisão das patrulhas de Coutada de Muge, cabendo esta aos couteiros Francisco Rodrigues Moreira e Francisco Suter Barbosa: Deuedio se esta em três partes a primeira é pela estrada dos Marinhais que vaj desta villa para Magos dereito a malhada da couve vale de Zebro e Vale Fernando (…) 4. Fig. 1 - Carta geografica das Montarias da Villa de Santarem (1777). Coutada de Muge com a rede viária assinalada - ao centro a estrada de Marinhais. A.H.M.S.M., Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 59. A.D.S., Registos Notariais, Muge, 1680 - 1684, fl. 159. 4 A.H.M.O.P., Montaria-Mor do Reino, 23, fl. 2. 2 3

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Magos Fontes Manuscritas

Arquivo Distrital de Santarém, Registos Notariais, Muge, 1680 - 1684. Arquivo Histórico do Ministério das Obras Públicas., Montaria-Mor do Reino, 23, fl. 2. Arquivo Histórico Municipal de Salvaterra de Magos, Câmara de Muge, Tombo da vila de Muge, fl. 59.

Bibliografia

FILIPE, Sérgio (2015) - “Marinhais - apontamentos à toponímia” Magos: Revista cultural do Concelho de Salvaterra de Magos. Salvaterra de Magos, vol. II, p. 130 - 135. GUERRA, M. J. (1861) - Estudos chorographicos, physicos e Hydrographicos da bacia do rio Tejo. Lisboa: Imprensa Nacional. VITERBO, Fr. Joaquim de Stª. Rosa de (1865) - Elucidario das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram e que regularmente se ignoram. Lisboa: A. J. Fernandes Lopes, 2ª Ed., Tom. 2.

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