SAÚDE Por Murilo Melo | Fotos Divulgação
Sono
do barulho
Apneia pode agravar problemas cardíacos e favorecer o diabetes, além de comprometer o repouso Na cama, mais uma noite de orquestra. Em poucos minutos após fechar os olhos, começam os roncos nos mais variados tons. A plateia, seleta, na maioria das vezes, é composta por uma única pessoa: quem divide o espaço com o roncador (a). A respiração barulhenta, porém, não consegue ser o auge do espetáculo. Ela precede um bloqueio na passagem do ar inspirado pelo maestro dessa desafinada orquestra. Incomoda e irrita quem ouve. Na tentativa de recuperar o fôlego, ele tem uma espécie de engasgo, volta a respirar e, em seguida, engata novamente uma série de sons ruidosos. Comparações à parte, essa ópera que persiste a madrugada inteira é coisa séria e atende pelo nome de apneia do sono.
Na faixa etária dos 40, a musculatura da faringe fica mais flácida. Quando a pessoa se deita, então, esse tubo se estreita e, com a ajuda de possíveis amontoados de gordura na região da garganta, interrompe o caminho do ar”. Marco Ruan Lemes, neurologista
A doença é a forma mais comum dos distúrbios respiratórios e tem o ronco como o sinal mais gritante. O problema é geralmente associado à obesidade, diabetes, pressão alta, ataques cardíacos e derrames. No Brasil, 33% da população sofre com apneia, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde. O distúrbio costuma surgir no final dos 30 e início dos 40 anos, principalmente nos homens com uns quilos a mais. “Nessa faixa etária, a musculatura da faringe fica mais flácida. Quando a pessoa se deita, então, esse tubo se estreita e, com a ajuda de possíveis amontoados de gordura na região da garganta, interrompe o caminho do ar. Esse
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estreitamento provoca uma vibração, o ronco, seguida de uma parada silenciosa da respiração”, explica o neurologista Marco Ruan Lemes. Mas não são apenas os adultos que sofrem com o problema. Criança também ronca. Nelas, as causas da barulheira noturna estão relacionadas à rinite alérgica e carne esponjosa nas narinas (adenoide), que dificultam a passagem do ar e obrigam a criança a respirar pela boca. Encrencas nas amígdalas também podem acarretar o ronco nos pequenos. Inchadas, elas reduzem a passagem do ar pela garganta.
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Noite mal dormida Quem ronca não dorme bem, porque o ronco significa que existe alguma resistência para a entrada do ar nas vias respiratórias. Acordar com a sensação de que não dormiu, com a boca seca pela manhã e suor noturno, são sintomas de que alguma coisa anda errada. “Se você acorda com dor de cabeça, mau humor e indisposto, são sinais de que não está tendo uma noite bem dormida”, diz a cirurgiã-dentista com certificação em Odontologia do Sono, Kenya Felicíssimo. “E quem não dorme direito pode desencadear diversos problemas, principalmente cardiovasculares, como infarto, ou sofrer acidentes por falta de atenção devido ao cansaço”, completa o neurologista Marco Ruan Lemes. Nos primeiros minutos de sono, a apneia obriga a faringe a fechar por no mínimo dez segundos e, em casos graves, por um minuto. Essas paradas respiratórias podem levar à morte, afirma Kenya. A doença também leva a vítima a ter micro despertares, uma forma de o cérebro forçar o indivíduo a respirar. Mas, segundo ela, isso pode não funcionar. “A pessoa fica sem respirar e o cérebro pode não conseguir acionar para que ela volte ao estado normal. Essa parada respiratória pode ser tão prolongada a ponto de a pessoa morrer”. Confusão na saúde Quando a pressão já está nas alturas, a apneia pode torná-la incontrolável. Ou seja, mais do que predispor ao problema, ela agrava a situação. Não à toa, os cardiologistas estabeleceram a importância de tratar o distúrbio do sono para quem sofre de hipertensão. Enquanto a apneia não é tratada, a pressão alta também não cede. “A apneia aumenta em cinco vezes o risco de hipertensão resistente. O paciente pode tomar três medicamentos e ainda assim não conseguir reverter o quadro”, diz o cardiologista e especialista em pressão arterial, Paulo César Menezes. Se você acha que o ronco esporádico ou uma apneia leve não oferecem riscos, o neurologista Marco Ruan Leme alerta: a apneia pode evoluir com a idade, ainda mais se a pessoa engordar. O risco maior, conforme diz, está na força silenciosa. “Quanto mais grave ela for, maior seu efeito sobre o corpo”. A parceria entre esse distúrbio do sono e os problemas cardiovasculares culmina em um círculo vicioso: um agrava o outro e vice-versa. Aliás, a apneia afeta até o ritmo cardíaco. E, a exemplo da hipertensão, as arritmias podem perpetuar-se quando a vítima está acordada. Outro problema que agrava a apneia é o diabetes. Quem vive às voltas com os picos de açúcar no sangue torna-se mais facilmente apneico. “E a vítima, por sua vez, está mais suscetível a desenvolver resistência à insulina, ficando a um passo de se tornar diabético. Por isso, a Federação Internacional de Diabetes passou a considerar o ronco um dos fatores decisivos para o desequilíbrio da glicose”, diz o cardiologista Paulo César Menezes.
Formas de tratamento A apneia do sono é um tremendo ruído para a saúde. Por isso, se os roncos ou a sonolência diurna ganharem acordes mais intensos, é hora de procurar um profissional e iniciar o tratamento. Só garantindo uma respiração adequada durante o sono é que se fecha a cortina para um concerto de problemas que não param de fazer barulho pelo corpo. Beber demais, fumar ao extremo e estar cansado pode piorar o ronco, porque há um maior relaxamento dos músculos da garganta. Não há medicamentos para curar apneia e, por conta disso, de acordo com a cirurgiã-dentista Kenya Felicíssimo, foram criadas outras formas de tratamento. Um exame chamado polissonografia, que grava e monitora o sono, é o mais indicado para diagnosticar apneia. Dormir com um oxímetro (aparelho que mede a oxigenação) já ajuda o médico a verificar o estado do paciente. Casos graves podem ser resolvidos com o uso de um aparelho que fornece oxigênio por meio de uma máscara. Mas esse equipamento é de difícil acesso pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e até pelos planos de saúde nos grandes hospitais particulares. As cirurgias de garganta, por sua vez, são eficientes apenas em casos bem específicos e com a técnica adequada. Deitar de lado, em geral, ajuda a melhorar a doença. Já a posição de barriga para cima favorece a obstrução do ar. Uma dica é usar um travesseiro comprido (aquele de abraçar com braços e pernas) e prender uma bolinha de tênis nas costas do pijama, para forçar a pessoa a dormir sempre de lado. Kenya Felicíssimo explica que mudar a rotina pode ajudar no tratamento da apneia do sono. “Existem algumas recomendações, que chamamos de higiene do sono, que devem ser seguidas e trazem grandes benefícios, como adequar o ambiente do quarto, regulando temperatura, luminosidade e ruídos; estabelecer horários regulares para dormir e acordar; evitar ingerir estimulantes (como café e chá preto) e refeições pesadas próximo ao horário de dormir”. Abandonar vícios, como o cigarro e o álcool, também é de suma importância. “O cigarro, por causa da fumaça quente, provoca uma irritação na mucosa, causando um aumento de volume e isso vai ajudar a diminuir o espaço da via aérea para a passagem do ar. Já o álcool causa um relaxamento da musculatura, causando uma obstrução maior das vias aéreas”, acrescenta.
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