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Bastante expressiva e calma, a atriz conta que em Propriedade Condenada — texto do norte-americano T ennessee Williams, adaptado pelo diretor baiano Érico José — ela interpreta Willie, uma personagem que discute questões sociais gritantes, como abuso sexual inf antil, o abandono e a desestruturação f amiliar. Mas, antes de dar vida à personagem, Uerla Cardoso, que cursa o quinto período de interpretação teatral na Universidade Federal da Bahia (Uf ba), atuou em várias mostras teatrais de improviso, textos vanguarda, tragédias e comédias. " Quando trabalha o corpo do ator não há empecilho, ele
Única da f amília até então a se dedicar às
se liberta" - Uerla Cardoso, atriz
artes cênicas, ela diz que a vontade de encenar veio desde a adolescência, por volta dos 14 anos, f ase em que já
apresentava pequenas peças no colégio, sem nenhuma timidez. "Uerla tem uma compulsão pelo trabalho de atriz, mergulha no processo de cabeça, se entrega completamente. É muito comprometida, responsável, com sede de conhecimento. Ela está sempre em processo de criação, sempre modif icando uma coisa aqui e outra ali, dando possibilidade ao diretor de ampliar as variações da personagem. Ela é incansável", diz o diretor Érico José sobre o trabalho da atriz.
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modéstia, revela que se surpreendeu com a escolha do diretor. "Eu f azia a f iscalização do vestibular da Uf ba quando ele me chamou em um canto, f alou sobre o projeto e me deu tempo para pensar. Eu não esperava aquilo. Nunca havia f eito nenhum trabalho com ele. Eu achava que tinha pouco tempo de carreira", lembra Uerla. No espetáculo, ela divide o palco com o ator Augusto Nascimento, que vive o menino T om. O tablado se transf orma em uma linha de trem, lugar onde o garoto se sente à vontade para empinar
pipa, mesmo lugar onde Willie brinca com sua boneca suja e velha. É nesse cenário que os dois se conhecem e logo viram amigos. Willie, aos 13 anos, vive em uma casa abandonada e condenada perto da estação de trem. Largou a escola e passou a se alimentar de restos que encontra na rua. Durante a narrativa, ela recorda com saudade de Alva, irmã mais velha com quem teve que morar após a f uga da mãe com um homem, e o sumiço do pai alcoólatra. Willie chega a explicar que Alva era desejada por vários homens, entretanto, ela teria sido abusada sexualmente até morrer de tuberculose. Com a morte da irmã, Willie então assume o lugar de cortesã, o que trouxe para ela consequências irreversíveis. O espetáculo é um misto de drama, poesia e, ao mesmo tempo, um alerta à sociedade, trazendo ao público intensa ref lexão ainda que em momentos cômicos. Para encarnar a personagem, Uerla explica que o processo do espetáculo envolveu técnicas pouco vistas no cenário baiano, já que era esperado na montagem um resultado muito mais simbolista ao invés de naturalista. "Érico começou a trabalhar com a biomecânica teatral de Meierhold, criada nos anos 40; e o butô, uma espécie de dança japonesa conhecida como dança da morte. T rouxe as técnicas de respiração e energia. Eu e o Augusto aparecemos no palco com o corpo todo branco, pintado à tinta", relata a atriz. Embora toda equipe estivesse envolvida no projeto do começo ao f im, num longo processo de ensaios e preparação, como por exemplo f azer leituras de textos de T ennessee para entender o universo do autor, Uerla conta que encontrou dif iculdades para chegar ao tom da personagem. "O ator tem mania de querer impostar a voz, dizer logo o que está no papel. Érico não queria isso. Ele dizia o tempo inteiro que gosta que a voz saia do estado de energia que o corpo se encontra. Ele tem essa coisa de trabalhar com a atmosf era do corpo do ator, aí depois vem o texto", f risa a atriz, que ainda detalha o processo de corpo e voz: "Experimentávamos várias sonoridades, várias vocalidades. Brincávamos com as palavras nos ensaios. Não podíamos trazer a voz antes do corpo. Quando vi, a personagem já estava em mim. Não consigo delimitar quando ela f icou pronta", completa. Ainda assim, até hoje ela enf renta dif iculdades para levar a personagem ao público. Manter a energia do espetáculo a cada apresentação, de acordo com ela, é um exemplo. "T eatro muda a cada apresentação. Nada é repetido. Eu preciso ao mesmo tempo inovar e manter o que acerto", diz. Questionada se encara como um desaf io tirar a roupa em uma das cenas, quase no f inal da montagem, quando tira o vestido para tomar banho em um lago cenográf ico, o que a deixa apenas de calcinha e com os seios à mostra, Uerla garante que não teme f icar despida no palco. "Não tive medo de tirar a roupa. T emos respeito no grupo. O público não enxerga a Uerla, enxerga Willie, uma menina. Acho que isso me motivou a não f icar tímida. T odo ator tem seus medos e pudores, esse não é o meu".
"Não tive medo de tirar a roupa. Temos respeito no grupo "
Uerla Cardoso T odo o período em que passou estudando o texto da peça f ez Uerla ref letir sobre o tema discutido. Segundo ela, o espetáculo trouxe grandes mudanças, principalmente na maneira de enxergar a vida. "A peça ref lete os problemas dos dias de hoje. Só quando eu vi tudo pronto, eu entendi a dimensão do espetáculo. Me sinto preenchida e incomodada ao mesmo tempo, porque são personagens f ortes. Willie é uma das milhares de crianças que se prostituem, sof rem abuso.
Daí sempre me pergunto o que será que sentem as pessoas que f oram abusadas quando assistem ao espetáculo".
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