Revista Yacht - Saúde

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SAÚDE

Quilos preocupação

POR Murilo Melo > Fotos DIVULGAÇÃO

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Além de afetar a saúde física e emocional, o excesso de estresse também é um vilão para quem deseja manter a boa forma O excesso de estresse tem sido apontado por psiquiatras e médicos endocrinologistas como responsável por boa parte das doenças que afligem milhões de pessoas no mundo inteiro. É o responsável por fazer cair o cabelo, perder o sono, induzir ao abuso do álcool e aumentar o consumo de cigarros, além da perda do controle emocional e, consequentemente, ansiedade e síndrome do pânico. Para piorar, estresse também engorda. “Sempre percebi que ele é um fator muito importante para a maioria dos pacientes que atendo e que diz engordar rapidamente e não conseguir emagrecer”, diz o endocrinologista Osvaldo Macedo de Nadim. O médico conta que existe explicação científica para a vontade incontrolável de comer doces e gorduras durante ou após um dia complicado, principalmente depois de uma longa jornada de trabalho.

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“Existe um mecanismo no organismo que em situação de estresse torna os alimentos gordurosos mais irresistíveis e, de quebra, faz com que a vontade de encher o prato, e até mesmo repetir algumas vezes, fique muito maior”, explica Nadim. Em algumas empresas, onde a demanda é grande e metas precisam ser cumpridas em um curto período, o estresse é um dos mais fortes responsáveis pela subida dos ponteiros da balança, segundo um estudo realizado pela Universidade de Rochester (EUA). De acordo com a pesquisa, 2.782 empregados de uma fábrica de Nova York foram observados e, em pouco tempo, foi notado que o estresse vivenciado em uma fase de demissões aumentou muito a procura por comidas ricas em gorduras e calorias – elas desapareciam rapidamente das


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máquinas onde eram vendidas. Os trabalhadores disseram não terem tempo para comer bem ou fazer atividade física na hora do almoço, porque tinham medo de sair de suas mesas de trabalho por muito tempo. Cansados física e emocionalmente, a maioria se dedicava a ver televisão e comia mais alimentos com alto teor de gordura e calorias à noite, e, consequentemente, engordavam muito. O consumo de vários pacotes de salgadinhos, frituras, pizza e de biscoitos recheados, sem contar as refeições básicas, resultou em 32 kg a mais para o gerente de loja Thiago Duarte, 29, nos últimos dois anos e meio. O estresse e as metas excessivas o fazem descontar a ansiedade na comida, revela. As consequências puderam ser vistas nas roupas, que passaram para o tamanho grande, e nos exames de sangue – os níveis de colesterol e triglicérides estão acima do normal. “Minha autoestima não existe mais. É da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Não saio mais com os amigos”, confessa. Mas os problemas de saúde não foram suficientes para que ele trocasse o emprego em que está há cinco anos. “Tenho bom retorno financeiro e quero mudar a forma de enfrentar os problemas, ter acompanhamento de um profissional e reeducar minha alimentação. Mudar de emprego não é a solução”, acredita. Ter a rotina alimentar afetada pelo estresse da vida profissional é algo comum e por isso pode passar despercebido pelas pessoas. “Elas acreditam que comem demais pela energia gasta devido às enormes responsabilidades e compromissos”, avalia Saulo Magalhães, psiquiatra especialista em Transtornos Alimentares. “Então comem porque fazem da comida um canal para despejar a angústia”. Negligenciar o tempo destinado à refeição é o primeiro erro. “Comer compulsivamente ou não sentir fome pode resultar em transtorno sério”, adverte o psiquiatra.

Boca fechada > O estresse não

o paciente pode engordar mesmo com a boca fechada. E isso ocorre inconscientemente, porque a tensão contínua faz o organismo liberar, em maior quantidade, dois hormônios responsáveis pela obesidade: adrenalina e cortisona. “Tudo isso aumenta o risco de infarto e desequilibra o sistema nervoso, controlador de mais de 90% das funções do organismo, como digestão, batimentos cardíacos, sistemas imunológicos e endocrinológicos e controle de pressão arterial, entre outros”, explica Fábio Gabas, médico especialista no gerenciamento de estresse.

Saiba como o

estresse faz você engordar

>> O que acontece O cérebro não consegue distinguir ameaças reais ou imaginárias e reage da mesma forma: como autodefesa, manda aumentar a produção de hormônios, como cortisol, adrenalina, noradrenalina e GH (de crescimento);

>>O que fazem os hormônios

Quanto mais tensão, maior o risco de engordar. “Esse tipo de obesidade invariavelmente desencadeia doenças, como diabetes, hipertensão arterial, infarto e derrame”, alerta Viviane Medeiros, endocrinologista especialista em obesidade.

Essas substâncias agem sobre o hipotálamo, estrutura no cérebro envolvida no controle do apetite. Ativam enzimas que aceleram a multiplicação das células de gordura. Incentivam o depósito de gordura na região abdominal;

Ganhar peso é consequência conhecida por quem toma remédios à base de corticoides, um grupo de hormônios esteroides produzidos pelas glândulas suprarrenais. Mas só recentemente foi estabelecida uma associação direta entre o nível de cortisona, o estresse e a obesidade.

As pessoas estressadas tendem a buscar conforto em alimentos calóricos e saborosos. São alimentos ricos em carboidratos e gorduras, como doces, bolos, massas e biscoitos. Os carboidratos se transformam rapidamente em energia no organismo e elevam a quantidade de serotonina, que dá uma sensação de bem-estar.

>> Como a vítima se comporta

*Fonte: Viviane Medeiros, endocrinologista especialista em obesidade

“Antes de qualquer mudança no corpo, é preciso ter paz de espírito. Se não houver um tratamento adequado, nada funciona”

engorda apenas porque o estressado aumenta o consumo de comidas calóricas. Em um processo perverso,

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Se muito estimuladas pela produção de cortisona, essas glândulas, que ficam acima dos rins, aumentam de tamanho. Por esse motivo, a gordura concentra-se no abdômen. “Em boa parte dos casos, as pessoas que têm esse tipo de obesidade engordaram a partir de choques emocionais, como a perda de um parente querido ou com um fim de relacionamento”, diz a médica. A endocrinologista divide o estresse em dois tipos. No primeiro, a tensão instala-se, mas existe reação para sair de uma situação incômoda. No outro, está o grande perigo: as pessoas simplesmente desistem de lutar. Normalmente, quem reage dessa forma cai em depressão e sofre das mesmas alterações nos níveis de cortisona provocadas pelo estresse, com idênticas consequências: desequilíbrio nas taxas de colesterol e de açúcar e obesidade. Por isso, Viviane considera fundamental que o estresse seja reconhecido como responsável por levar à obesidade. “A reação de muitos profissionais é dizer que o paciente está gordo porque come demais, já as empresas acham que é capricho do paciente para ter dias de descanso”, diz. “O resultado são regimes severos ou cheios de modismos, inventados sem orientação prévia. Mas a verdade é que outros fatores podem estar contribuindo para a gordura”. Todo dia, a analista de mercado financeiro Ernestina Daltro, de 48 anos, segue à risca o cardápio ditado pela sua nutricionista. Doces e gorduras são alimentos que passam longe da dieta dela. Mas Ernestina luta frequentemente para controlar as tensões provocadas pelo sobe e desce da bolsa de valores e evitar engordar. Dos doze quilos que ganhou há quase dois anos, já conseguiu emagrecer oito. O resultado ainda não é motivo para comemoração. “Se eu me estressar, engordo. Não modifico minha alimentação nunca, como pouco, mas o estresse ajuda a ganhar peso”, conta a analista.

Paz de espírito > O tratamento indicado para a obesidade provocada pelo estresse inclui táticas de defesa contra a tensão, como mais tempo para o lazer, relaxamento, terapia e

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até o uso de um antidepressivo moderado. “Antes de qualquer mudança no corpo, é preciso ter paz de espírito. Se não houver um tratamento adequado, nada funciona”, diz o psiquiatra Saulo Magalhães. Quando um paciente chega com um diagnóstico de obesidade provocada por estresse, a nutricionista Luara Batista primeiro tenta ajudá-lo a adotar medidas para regularizar o sono. “A qualidade do sono influencia nos próximos passos”. Nas suas consultas, a especialista faz um levantamento aprofundado de como o paciente dorme antes de estabelecer uma dieta. Também costuma indicar chás de camomila ou erva cidreira e doses de fitoterápicos à base de maracujá para ajudar no relaxamento antes de ir para a cama. “Sinto que em pouco tempo eles voltam bem melhores para o meu consultório”, pontua. Fazer exercícios físicos ou praticar algum esporte, como jogar futebol ou nadar, ajudam a diminuir o estresse. O fisioterapeuta Maurício Guerra acredita que o pilates e a ioga podem ser fortes aliados para combater o problema. “Os dois fazem o corpo tornar-se mais forte, flexível e resistente, além de trazerem sensação de bem-estar. Os exercícios também melhoram concentração e memória. O trabalho com a respiração ajuda no controle das emoções. Daí, a agitação e a ansiedade cedem espaço para o relaxamento”. Luan Campoli, 16, acabou engordando além da conta devido ao estresse. Quando os pais perceberam que o garoto não tirava mais a camisa na praia, decidiram colocá-lo de dieta com acompanhamento médico. “Descobrimos que era estresse. Nunca imaginei que a dificuldade de emagrecer podia estar ligada à rotina agitada, ainda mais que ele é tão novinho”, conta Maria Luísa Campoli, mãe de Luan. Ela acreditava que o transtorno não atingia crianças e adolescentes. Segundo Maria Luísa, a demanda no colégio e as atividades extracurriculares, como cursos de idiomas, deixavam o filho agitado. “Até nos finais de semana ele mal

Conheça os sinais

da obesidade provocada por estresse >> Gordura mais concentrada na região do abdômen, nas costas e nos braços. >> Doenças cardiovasculares, hipertensão arterial e diabetes. >> Falta de ânimo para fazer atividades que antes eram consideradas prazerosas. >> Fome compulsiva à noite ou durante atividades, ao longo do dia, fora do horário estipulado para alimentação. >> Aumento de peso após algum trauma, como separação, morte de pessoas próximas, desemprego. *Fonte: Osvaldo Macedo de Nadim, endocrinologista


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descansava. Eram muitas atividades, cobranças e pouco tempo para o lazer com os amigos”, relata a mãe. Há sete meses, com dieta, esportes, reeducação alimentar e uma rotina mais leve, Luan enxugou 18 quilos. “Melhorei a qualidade do que eu como. Agora são frutas e verduras”.

Outro lado da moeda >

Uma perda de apetite, aparentemente normal, fez com que o publicitário Vinícius Mendes, 34, perdesse seis quilos em um mês. Desenvolveu gastrite, devido à má alimentação, que evoluiu para uma hérnia de hiato (fraqueza do músculo do diafragma). O motivo de esquecer o almoço e passar jornadas inteiras de trabalho sem comer era a quantidade de projetos com prazos estourados. “Eu não dormia, bebia muito café e energético. Sentia tontura o tempo inteiro”, lembra Mendes. Com suspeita de anorexia nervosa, o profissional pediu demissão e recuperou-se. Para o endocrinologista Osvaldo Macedo de Nadim, deixar de comer por causa do estresse, como ocorreu com o publicitário não é a regra entre os brasileiros. “Em geral, as pessoas exageram na comida e engordam muito”, diz.

Estratégias de defesa contra o estresse

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Analise a maneira de reagir às situações que lhe causam estresse. Se estiver fazendo da comida um canal para trazer alívio à ansiedade, procure um nutricionista, endocrinologista e psiquiatra;

Abasteça a geladeira com alimentos com baixas calorias, como legumes, frutas e folhas. Deixe tudo lavado e pronto para o consumo, para evitar recorrer aos doces quando o desespero tomar conta;

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Gente estressada, em geral, come sem se importar com quantidade e qualidade dos alimentos. Procure observar quanta comida coloca no prato para não aumentar demais a ingestão de calorias; Coma devagar. Engolir aos bocados é mais um reflexo da ansiedade e do estresse. Não engula os alimentos aos pedaços, sem mastigar direito. Isso vai evitar problemas de estômago como gastrite.

*Fonte: Luara Batista, nutricionista


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