Revista NB - Comportamento

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Comportamento

Por Murilo Melo Fotos Divulgação

Infidelidade a um clique

do mouse PERFIS FALSOS NAS REDES SOCIAIS E APLICATIVOS ESCONDEM A IDENTIDADE DE QUEM TRAI OS PARCEIROS. A JUSTIFICATIVA VAI DE DESENCANTO AO DESEJO POR AVENTURA

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O mundo virtual ajuda a fantasiar e a descartar com mais agilidade porque ali não se perde tempo. Quem quer, quer

a parte superior esquerda da página azul do Facebook, uma foto com ângulo distorcido, que em nada faz lembrar o rosto dele, acompanhada de um nome que não condiz com o de sua identidade. No boxe para exibir os amigos, habita apenas um perfil feminino com foto e nome tão falsos quanto o dele. Em ambos, não há publicações postadas, nem referências de locais onde trabalham. Quem vê, acredita que os dois perfis estão abandonados. Mas é ali, escondidos do mundo real, que Pedro* e Marcela*, 34, se encontram todos os dias para conversar reservadamente, trocar intimidades e marcar encontros. Tamanha discrição se deve ao fato de ambos serem casados, terem filhos e traírem seus cônjuges. Pedro conta que por estar frustrado com seu relacionamento de oito anos, utiliza a rede para dar escapadas com mulheres que topavam a aventura. No começo, era só sexo virtual. Já Marcela jura que, antes de Pedro, nunca havia feito isso, mas diz que perdeu o encanto pelo casamento. “Não há carinho e romantismo desde que meu primeiro filho nasceu”, justifica. Namorados na época do colégio, o casal se reencontrou 20 anos depois no Carnaval de Salvador, trocou Facebook, mas as conversas pela rede social ficaram quentes e daí eles decidiram criar perfis falsos. “A cantada partiu dele e a ideia de criar outra conta foi minha. Não queria que encrencasse para nenhum dos dois”, explica Marcela. “Criar outro perfil foi melhor porque não há monitoramento [dos parceiros]. Usamos a conta falsa e apagamos o histórico da internet. É tudo feito com o mínimo de cuidado”, diz Pedro. Há oito meses, a reaproximação virtual se transformou em saídas no mundo real, com lugares certos para frequentar, onde conversam sobre tudo, com direito a planos de separação dos atuais cônjuges e projetos de casamento em um futuro próximo. Os dois acreditam que nenhum deles vol-

tará ao computador em busca de um novo caso. “Se estamos decididos a ficar um com o outro, depois de tudo o que fizemos, é porque temos maturidade. Não acho que precisamos repetir essa situação”, acredita Marcela. Pedro e Marcela fazem parte do número incalculável de pessoas no mundo inteiro que usa redes sociais e aplicativos para trair seus parceiros, segundo especialistas. De acordo com a psicóloga Maria Clara Gusmão, a infidelidade sempre permeou os relacionamentos amorosos. “O que muda e agrava são as ferramentas para que isso facilite e ocorra. Se a internet cada vez mais se torna importante, cada vez mais ela vai ser usada para a traição”, diz. “O mundo virtual ajuda a fantasiar e a descartar com mais agilidade porque ali não se perde tempo. Quem quer, quer”, completa.

FACILIDADE DIGITAL Se com o avanço do telefone celular criou-se um canal sem empecilho entre os amantes, evitando os constrangimen-

tos do passado de ter de ligar para o telefone de casa ou do trabalho para marcar os encontros extraconjugais, a internet dá um passo além. Redes sociais como o Facebook e Instagram, permitem garimpar antigos e novos conhecidos. E ainda há os sites e aplicativos especializados. Serviços de troca de mensagem, como WhatsApp, Skype e Hangouts (GTalk) ajudam o contato. “Tudo isso fez mudar drasticamente o modo como nos conectamos com as pessoas. Se alguém nos atrai, dificilmente vamos imaginar como amigo logo de cara”, diz a psicóloga. Segundo ela, ferramentas como o Facebook aumentam as oportunidades para sentir atração e saber mais sobre os outros. “Você passa a enxergar e admirar os lugares que a pessoa frequenta, opiniões e gostos que agradam”, enumera. De acordo com o antropólogo Mauricio Mancini, os casos de traição virtual começaram desde que a internet existiu, com o surgimento das salas de bate-papo, do MSN, Orkut, e da facilidade de integrar dados e vídeos a eles, como é o caso da webcam. O Facebook só foi surgir em 2004 e as redes sociais para casados são ainda mais recentes – os grandes sites de traição, como o SexoComCafé, vieram para o Brasil somente no final de 2010. Para completar, segundo Mancini, o número de adeptos à internet no Brasil, em 2014, chega a 60 milhões, um aumento de 6,5% em comparação ao ano de 2013. “Mais redes sociais surgindo e mais gente na rede, maior é o número de pessoas traindo”.


Quanto mais tempo os casais passam conectados, mais ciumentos ficam, independentemente de terem ou não personalidades ciumentas

NA PALMA DA MÃO Quem não quer ficar preso ao desktop, encontra no smartphone (de tecnologia Android ou IOS) aplicativos para dar escapadas sem barreiras geográficas e longe dos olhos do parceiro. “Não raro, pessoas casadas ou ditas em relacionamento sério estão perambulando por aplicativos. Não exibem fotos rapidamente e dão poucas informações. Só aceitam sair se tiverem total confiança. Na maioria das vezes, não querem construir um relacionamento, só estão em busca de sexo”, afirma o psicanalista Paulo Augusto Cavalcante. “Há casos de homens casados com mulheres que no meu consultório revelam buscar encontros em aplicativos gays, como o Grindr. Tudo de forma sigilosa”. A AppStore e o Google Play estão cheios de aplicativos que facilitam esse tipo de negócio nos smartphones. O Ashley Madison é um deles. O app, logo que é aberto, apresenta o slogan: “A vida é curta. Tenha um caso”. Para ajudar na traição, o Ashley Madison realiza chamadas privadas, impede que qualquer conversa seja rastreada e desloga o usuário remotamente. Já o app Cell and Text Eraser só permite abrir ou ver o próprio app se tiver o código secreto. Ele deixa o usuário se comunicar com privacidade, escondendo chamadas realizadas, apagando mensagens de paquera e permite que o usuário limpe o conteúdo suspeito de seu celular de forma rápida e fácil. Outros aplicativos, como o Snapchat, permite trocar fotos com nudez sem armazená-las no aparelho. E há o Black SMS, que transforma as mensagens de textos em imagens pretas que só podem ser exibidas com uma senha. Para o psicanalista, a busca pela traição virtual pode ser justificada por vários motivos, dentre eles a falta de maturidade para firmar compromisso ou até mesmo a crença de que a infidelidade é algo banal. “Algumas pessoas simplesmente acreditam que um caso rápido serve como uma válvula de escape. Mas elas não costumam trair apenas uma vez, essa aventura vira um hábito”, diz. “É o sinal de que alguma coisa no relacionamento não anda bem. A falta de coragem para colocar um ponto final no que já foi construído é a desculpa mais frequente”.

mão discorda. Para ela, quando se decide levar a sério um relacionamento, os votos de fidelidade emocional estão envolvidos e achar que um simples flerte é coisa passageira pode ser roubada. “É justamente onde mora o perigo. Se a atração for grande, a probabilidade de terminar a história ao vivo e em cores tem a mesma proporção. O novo tira da rotina. O relacionamento desgasta, a confiança vai embora”. DE OLHOS BEM ABERTOS Se por um lado virou tendência circular pelas redes sociais e aplicativos em busca de perfis atrativos para traição, por outro também aumentam a desconfiança e o policiamento dos hábitos da vida do parceiro na internet. Com um agravante: as redes sociais superam em muito a capacidade do mundo real de tornar públicas as intrigas, flertes e afins, potencializando o ciúme e a insegurança. “Quanto mais tempo os casais passam conectados, mais ciumentos ficam, independentemente de terem ou não personalidades ciumentas”, diz o psicanalista Paulo Augusto Cavalcante. “O Facebook nos permite acessar muito mais informações sobre nosso parceiro do que tínhamos anteriormente e isso está criando novos desafios aos relacionamentos”, afirma. Ter equilíbrio nessa nova era tem se tornado um grande dilema nos relacionamentos. Segundo a arquiteta Caroline

Cunha, 28, nenhuma traição passa despercebida por ela. Sua vigilância a fez perder o controle e armar uma enrascada virtual, no final do ano passado, para provar que o seu namorado da época era infiel. “Ele era fissurado por surfe. Então criei um perfil falso de uma surfista sarada e adicionei ele. Poucas conversas foram suficientes para ele cair na tentação. Fui ao encontro e ele ficou vermelho de medo quando percebeu que era uma armadilha. Daí fiz um escândalo e terminei tudo”, lembra. “Só Deus sabe quantas vezes ele já aprontou dessas”. Depois de ter descoberto a infidelidade do ex, Caroline nunca mais conseguiu desgrudar os olhos do Facebook do atual namorado. Obcecada, checa ao menos cinco vezes ao dia ou quando, como ela diz, “uma forte intuição induz”. O hábito incorporado à rotina, de acordo com ela, já atrapalhou no desempenho no trabalho, já causou diversas brigas e mal-entendidos. “Tentei parar de fiscalizar, mas não dá. É melhor bancar a detetive do que a otária. Não quero ninguém rindo da minha cara por trás”. “Rindo da cara por trás”, segundo Caroline, é o fato de saber que não só ela descobriu a infidelidade do companheiro, mas que ela foi compartilhada para amigos e conhecidos pelas redes sociais. O contra-ataque à infidelidade ganha, aos poucos, mais força. Cresce cada vez mais o número de detetives virtuais, contratáveis pela própria internet, que quebram senhas de e-mails e de perfis em redes sociais para registrar movimentações suspeitas pela rede – tudo isso por um preço que pode chegar a R$ 1.000,00. A infidelidade virtual, inclusive, representa um dos motivos de separação judicial como causa culposa, porque infringe o dever conjugal de fidelidade. “Quem é traído desta forma, provando em tribunal, pode até fazer pedido de indenização por danos morais”, diz o advogado Carlos Alberto Lopes. l

É MESMO TRAIÇÃO? Nesse fast-food sentimental, a proposta é oferecer, em pouquíssimo tempo, um vasto cardápio de opções para a traição. Alguns limitam o contato a bate-papos e sexo virtual como forma de manter a consciência limpa. Há quem acredite que se não houver envolvimento fora da internet, não há infidelidade. Mas a psicóloga Maria Clara Gus-

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