Comportamento
Por Murilo Melo Fotos Divulgação
Ninho de um só Morar sozinho perde o status de abandono e ganha o de pausa nas relações. Mas é preciso organizar a rotina para dar certo
Q
uando tranca a porta do seu apartamento, a engenheira Manuela Garcia entra em uma espécie de lugar sagrado. Coloca Vanessa da Mata para tocar, acende apenas o abajur próximo à cabeceira da cama, deita-se para ler e, só assim, diz amenizar o estresse do dia a dia. Ela recém completou 31 anos e decidiu morar sozinha desde que deixou a família em Santo Amaro, no interior da Bahia, para estudar em uma universidade em Salvador, dez anos atrás. Por dois anos, chegou a dividir um apartamento com um grupo de amigas da faculdade, depois, conheceu um rapaz e decidiu se mudar. Durou pouco. Hoje, está solteira, atua em um dos cargos mais importantes de uma construtora e diz que, morando sozinha, aprendeu a ser independente, além de olhar para dentro e entender seus sentimentos, necessidades e propósitos. “Entendi que, se eu acordar com preguiça para ir trabalhar, ninguém vai pagar minhas contas além de mim. Minha geladeira vai ficar vazia, minha energia vai ser cortada”, reflete. Essa pausa solitária – uma forma de contraponto à rotina agitada da vida urbana – é uma das razões que têm levado milhares de pessoas, no mundo inteiro e principalmente aquelas que moram em grandes metrópoles, a optar por viverem sozinhas. Ao contrário do estigma do passado, quando o morar só era inevitavelmente relacionado a ser solitário, e essas pessoas – geralmente com problemas de relacionamento, personalidade ou idosos – carregavam a alcunha de isoladas e abandonadas; agora, o que se vê nesses lares nem de longe lembra a imagem estereotipada da excêntrica solteirona, sem amigos e cheia de gatos, que reclama de tudo. “Hoje em dia, se trata de uma escolha soberana. Quem mora só é bem visto socialmente por passar a imagem de liberdade e maturidade”, explica o psicólogo Matheus Cabral. “Ter um canto, sem a pre-
42
n
NB Plus
agosto’2014
sença dos outros, converteu-se em uma espécie de prêmio à individualidade que apenas alguns podem se dar, mas muitos almejam”, completa. A arquiteta Carolina Coelho está acostumada a atender clientes em busca de soluções para casas com poucos metros quadrados. Os pedidos mais feitos são móveis flexíveis, como por exemplo, uma mesa de jantar com rodinhas que pode virar um bufê encostado à parede, um sofá que pode virar cama para visitas. “As pessoas que moram sozinhas adoram receber amigos em casa e têm uma vida social mais ativa para contrabalançar a casa vazia. Elas querem ter tudo, mas têm pouco espaço”, afirma a arquiteta. Ela acredita que o mercado imobiliário deveria ser mais agressivo para acompanhar essas mudanças. “A vida independente tem tido mais sentido para as pessoas atualmente, mas ainda assim o mercado favorece a casa para a família cheia e feliz”, diz.
Livres, leves e soltos
Com independência financeira, as mulheres passaram a dedicar mais tempo aos estudos e ao trabalho. Adiaram o casamento e a maternidade – ou até desistiram de ambos. De 1960 até os dias de hoje, cresceu o número de divórcios e caiu a taxa de natalidade. A pílula anticoncepcional também deu mais liberdade às mulheres jovens. Os homens, segundo o antropólogo Miguel Menezes, estão trabalhando mais e se dedicando a outras atividades e projetos para aumentar a renda. Isso tudo se reflete na escolha cada vez mais comum de morar sozinho. Menezes diz que os jovens ganha-
ram impulso para sair da casa dos pais com a onda libertária dos anos 70. “A opção de viver sob as asas dos pais ou em clima de república universitária depois de certa idade começa a ser malvista”, explica. A cabeleireira Vanúbia Carvalho, de 47 anos, não quer saber de companhia em sua casa. Três vezes divorciada e com filhos casados, ela poderia ser uma daquelas sogras que após a separação decide se mudar para a casa dos filhos. Em vez disso, Vanúbia mora sozinha, resolveu passar mais tempo em seu salão de beleza, que fica a menos de dois quarteirões do seu condomínio, inscreveu-se em um curso de artesanato, matriculou-se no pilates e viaja ao menos duas vezes no ano para o exterior. O último namorado, diz ela, forçou a barra para morarem juntos e a fila andou. “Nem pensar. Eu toparia, se ele ficasse no canto dele e eu no meu. Já gastei meu saldo de paciência para conviver. Agora está zerado”, fala aos risos. “É legal ter um companheiro, mas agora decidi que é mais bacana não abrir mão da minha independência”. O psicólogo Matheus Cabral acredita que é o excesso de relações pessoais que temos no dia a dia que exige um tempo para reavaliações. “Desde que acordamos, nos relacionamos com muita gente por obrigação, seja no elevador do prédio, seja na academia, no trabalho ou na faculdade”, analisa. “São todos contatos muito fluídos, que exigem de nós um tempo para digerir e assimilar até mesmo para nos reconhecer como indivíduos”. Segundo ele, o momento solitário funciona como um mecanismo de defesa da pessoa, para que ela não se sinta diluída em meio a tanta informação e influência externa.
Sair da casa dos pais ou abdicar de ter companhia para ter seu próprio cantinho pode ser gratificante, mas é importante lembrar que essa decisão é um grande passo e exige inúmeras responsabilidades. De acordo com o economista José Roberto Cardoso, controlar gastos e contas não é tarefa das mais fáceis, ainda mais para aqueles que nunca tiveram que se preocupar com isso. “É fundamental fazer uma lista de todos os custos fixos que o novo lar terá, como luz, aluguel, condomínio e telefone, por exemplo. E lembrar que, infelizmente, alguns caprichos não podem mais existir. Se tiver a ajuda de uma planilha eletrônica, melhor ainda”, orienta. Dessa forma, você terá uma noção exata de todos os gastos e assim encaixá-los no seu orçamento. “É importante ainda anotar os vencimentos das faturas para no caso de um atraso na entrega dos boletos, poder efetuar o pagamento em dia por outro meio, sem incidência de juros e multas”, lembra o economista. Comprar o que vê pela frente não é aconselhável. “Procure pensar racionalmente se você precisa daquilo ou se a compra não pode esperar por uma promoção”, ensina. Por mais que seja tentador parcelar as compras em inúmeras prestações, é necessário entender que dívidas longas podem fazer perder o controle das finanças. “Use o cartão de crédito com sabedoria, ou seja, compre somente o que pode pagar. E, se puder, nem use. Pague a vista”, recomenda. Situações inesperadas acontecem, seja um chuveiro queimado, uma máquina de lavar que não está funcionando direito ou aquela infiltração surpresa decorrente de um período chuvoso. De acordo com José Roberto, ao menos 10% da renda mensal deve ser poupada para eventuais emergências e o ideal é que esse dinheiro seja
“
Bem lembrado
Hoje em dia, se trata de uma escolha soberana. Quem mora só é bem visto socialmente por passar a imagem de liberdade e maturidade
“
O preço a pagar
depositado em uma conta onde as economias possam render juros. “Guardar dinheiro em casa, além de não render nada, é arriscado”, afirma ele. Para economizar energia é importante comprar eletroeletrônicos com selo Procel A, que apresentam melhores níveis de eficiência energética. Lâmpadas fluorescentes também são mais econômicas e duráveis. É importante ainda não deixar as luzes acesas ao sair e desligar da tomada os aparelhos que ficam em stand-by. A limpeza do novo lar pode até ser feita pelo próprio morador. O ideal, segundo a arquiteta Carolina Coelho, é fazê-la um pouco a cada dia ou usar o final de semana. “Se o tempo não permitir, pode chamar uma diarista para fazer o serviço, a princípio uma vez por semana, mas já é uma parte da renda comprometida para isso”, diz. “Se criar o hábito de lavar o copo quando terminar de beber o suco, de trocar os lençóis quando se levantar, a organização vai ser muito mais fácil”, acredita. l
Dicas para morar sozinho com conforto e sem desperdício 3 Se você faz refeições em casa, será necessário fogão, geladeira e demais utensílios de cozinha, como louças, panelas e talheres. Se você come na rua, pode optar por uma geladeira pequena e até dispensar o fogão. Para quem não cozinha, o micro-ondas pode substituir o fogão. 3 No quarto, não podem faltar a cama e um armário ou arara de roupas. 3 No banheiro, coloque o menor número de objetos em cima da pia. Selecione somente aquilo que é utilizado todos os dias, como escova de dente, creme dental e sabonete. 3 Você pode comprar os demais móveis e utensílios aos poucos, montando a casa de acordo com as suas possibilidades financeiras. Reserve uma parte da sua renda para isso. 3 Máquina de lavar é um item muito importante para quem mora só. Se puder investir em um modelo que lava e seca, melhor ainda. Poupa tempo e deixa as roupas bem lavadas para quem não tem o costume. 3 Coloque as tomadas e saídas de fios de telefone e TV em vários lugares. Dessa forma, se você quiser mudar os móveis no futuro, não terá grandes problemas. 3 Se for receber visitas, é bom ter pelo menos uma mesa e um sofá. Se não tiver como bancar, coloque pufes e almofadas.
agosto’2014
NB Plus
n
43