Revista NB - Comportamento

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Comportamento

Por Murilo Melo Fotos Divulgação

O amor nos tempos

do Face

NÃO BASTA MAIS ESTAR ENVOLVIDO COM ALGUÉM. NA ERA DA SUPEREXPOSIÇÃO, MUDAR O STATUS DE RELACIONAMENTO DO FACEBOOK É QUE DÁ VALIDADE AO NOVO AFFAIR

S

e antes era necessário primeiramente apresentar aos amigos e familiares seu atual namorado ou namorada em um almoço de domingo, nos tempos de agora basta uma atualização no status do Facebook para “em um relacionamento sério com...” e todos (incluindo quem não é tão seu amigo assim) vão saber quem é o seu novo amor, onde trabalha e estuda, além dos lugares que frequenta. “É a forma moderna de assumir publicamente de quem se está gostando e dividindo os momentos do dia a dia”, diz o historiador e antropólogo Francisco Duarte. “Tal qual andar de mãos dadas na rua, marcar alguém em um status de relacionamento na rede social agora é considerado um passo importante”, completa. A modalidade pode realmente facilitar aos mais atarefados e dispensar apresentações um a um, além de ajudar a dar ideia do tipo físico, por meio de fotografias; ou resumir de forma prática a pessoa que você está se relacionando, coisas que poderiam levar muito tempo para que seus amigos soubessem. “Só depois que as pessoas descobrem o romance através da internet é

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que começam as saidinhas em grupos para bares e restaurantes ou reuniões, é quando finalmente conhecem o pretendente pessoalmente e, na maioria das vezes, já sabem muito sobre ele”, enumera a psicóloga e terapeuta de casal, Clara Gonçalves. Para a publicitária Ana Luíza Moura, de 28 anos, marcar a pessoa que está namorando é sinônimo de sinceridade também na vida online. Ela, que namora há pouco mais de um ano com o designer Gustavo Pontes, 29, diz que sua vida é um livro aberto e, para tanto, decidiu em comum acordo assumir o romance publicamente para evitar disse-me-disse de amigos. “Todo mundo já estava notando nosso envolvimento. Eu aparecia com Gustavo em fotos na praia, no Réveillon, no Carnaval, nas minhas viagens curtas de finais de semana. Eu comento tudo o que ele posta com emoticons de coraçõezinhos e com apelidos fofos. Esconder e dizer que a gente não tem nada não

faz sentido, seria uma piada”, conta. Se para Ana Luíza assumir o relacionamento no Facebook é normal, para a jornalista Carla Cavalcante, de 35 anos, o universo virtual não precisa andar de mãos dadas com a realidade neste aspecto. “No Facebook tem ex-namorados, tem aquela menina fofoqueira e invejosa em quem você não confia, mas tem que manter ali por causa do trabalho. Não quero que ninguém fiscalize a minha vida e muito menos revire a página da rede social do meu namorado. Prefiro ser discreta”, argumenta. A jornalista diz que assim que inicia um relacionamento costuma fazer apresentações ao modo antigo, ainda que isso dure meses para acontecer. “Conto sempre para minha melhor amiga e para minha mãe com quem estou saindo. Depois, adoro marcar para comer pizza e, enfim, apresentá-lo. A coisa soa mais verdadeira, sem marketing, sem alarde”, diz.


Segundo a psicóloga e terapeuta de casal, Clara Gonçalves, a decisão de assumir o relacionamento na rede social não deve incomodar a um dos parceiros. “Se um dos dois não quer expor, o outro precisa compreender, sem birra, sem discussão. Talvez uma conversa possa resolver, mas, em momento algum, caso a opinião de um dos dois permaneça inalterada, isso não deve ser interpretado como falta de interesse, falta de comprometimento e até mesmo infidelidade”, afirma. A psicóloga também explica que se a ideia de assumir o namoro na internet for adiante, é necessário aderir a uma espécie de “Netiqueta” (etiqueta na internet) para casais. Postar fotos dos dois juntos em série, por segundo, principalmente se beijando, trocar milhares de declarações e até mesmo revelar intimidades na rede, como publicar fotos abraçados debaixo do edredom devem ser evitadas. “Quando isso acontece, os amigos e familiares se sentem incomodados. Você não pode esquecer que seu chefe está ali, por exemplo. É preciso ter bom senso. Se você está na dúvida sobre o que pode ser postado, uma boa dica é se perguntar se aquilo realmente tem importância para ser publicado, se vai agradar, se não vai soar chato”, orienta.

Agora todo mundo sabe

O estudante de bacharelado interdisciplinar em humanidades, Paulo Justiniano, de 19 anos, começou a namorar há quatro meses o estudante de biologia, Michel Pestana, de 20. A princípio, eles não assumiram o caso publicamente, mas, pouco tempo depois, resolveram trazer o namoro à tona. “Fiquei constrangido porque, como algumas pessoas não sabiam da gente, elas nos procuravam para desenrolar alguma coisa. Depois que todos ficaram sabendo de nós dois pelo Facebook, o assédio deixou de existir”, relata. “Não temos ciúmes e não trocamos senhas, acho isso falta de privacidade”. Em sua página do Facebook, o jovem preserva o relacionamento sem exagerar, se mostra cauteloso em fotos de pôr do sol e em abraços delicados com o namorado. Para ele, assumir publicamente um relacionamento homoafetivo é um modo de dar um grito contra o preconceito. “É muito feio ouvir dos outros que gays não conseguem ter um relacionamento sério. Expor é uma forma de dizer que você se aceita como é, além de mostrar seu lado sentimental”, enfatiza.

Não temos ciúmes e não trocamos senhas, acho isso falta de privacidade

Em comum acordo

Facebook? Não, obrigado!

A arquiteta Luana Almeida, de 26 anos e o tradutor Maurício Silva, de 33, estão juntos há dois anos, mas, de um ano para cá, resolveram se abster de qualquer rede social, principalmente do Facebook – e até mesmo do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp. A decisão foi tomada em conjunto, após o casal perceber que a vida digital de cada um estava comprometendo a relação. “Quando tínhamos Facebook, todo dia a gente brigava muito por causa de ciúmes e desconfiança. Ela ficava monitorando as meninas que curtiam e comentavam o que eu publicava. Às vezes, eu estava ocupado e recebia ligação dela me perguntando: ‘Quem é essa menina?’. Se ela comentava o status de algum cara que eu não conhecia, minha orelha ficava em pé”, lembra Maurício. Como nenhum dos dois podia acessar a rede social no trabalho, os dias pareciam mais longos e ansiosos do que o normal. “Você passa a viver em função daquilo, só esperando o momento de fuçar na vida da pessoa. Isso estava incomodando”, afirma ela.

Maurício, que é paulista e mora há alguns meses em Salvador, precisou encontrar outra maneira de manter contato com amigos e familiares. “Quando saí do Facebook, acabei perdendo contato com várias pessoas, naturalmente. Mas quem realmente se importa arranja uma maneira de me encontrar”, conta ele. Luana acredita no mesmo. “Quem é amigo de verdade tem o meu telefone, meu e-mail e o meu endereço, é só me procurar”, diz. Para ambos, o relacionamento ficou muito mais sereno e feliz depois do isolamento digital, sem tanta cobrança e a necessidade de conhecer todas as pessoas adicionadas no perfil do outro. “No começo, até deu um pouquinho de saudade, mas acessar as redes sociais é só um hábito. Quando você se acostuma a ficar sem, percebe que a única função delas é para fiscalizar a vida dos outros, e ninguém precisa disso. Meus relacionamentos hoje têm mais qualidade”, reforça Luana.

Como um só

Uma opção para quem não quer se livrar de uma vez por todas das redes sociais são as páginas duplas. Apesar de parecer uma boa ideia, a criação de perfis únicos para os casais acaba sendo um desconforto para os amigos, que precisam adivinhar quem está logado a cada vez, para evitar gafes ou comentários errados. A psicóloga Clara Gonçalves acredita que criar página em dupla ou forçar isso faz perder a identidade. “A partir do momento que você precisa proibir o outro de fazer alguma coisa, já é um sinal de que as coisas não vão bem, ou seja, de que a cumplicidade que deveria existir não está sendo colocada em prática. Excluir o Facebook é uma solução temporária, porque você não exclui a dúvida ou a desconfiança”. l

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