COLEÇÃO
Paulo Humberto de Almeida museu de arte de goiânia, 50 anos novas aquisições
A estaca zero Construída nos anos 30, do século vinte, pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, Goiânia é vista por muitos como o ponto zero da modernidade do Estado de Goiás. Aqui teria sido, inclusive, berço do nascimento de uma arte moderna alavancada por dois grandes artistas europeus – Gustav Ritter e Frei Confaloni. No entanto, ainda hoje, quase 100 anos depois da sua fundação, Goiânia apresenta um dos maiores índices de desigualdade social do país. Portanto, sua construção não só não proporcionou nenhum avanço na forma de vida do povo goiano, como sua própria criação é resultado de lutas de várias gerações de artistas e intelectuais que antecederam, em muito, os anos da sua construção, como provam, a Revista Oeste e A Informação Goyana. Ou seja, a própria ideia de uma arte moderna vinculada ao surgimento da nova capital é falaciosa. Muito longe de ser uma cidade moderna, com os problemas comuns, próprios de toda grande cidade moderna, como querem alguns, Goiânia, na verdade, serve ao mesmo propósito que, no passado, serviu a Cidade de Goiás ao ser construída no século XVIII para dar suporte à exploração do ouro no local. Goiânia, por sua vez, foi construída para dar sustentação ao projeto dos grandes proprietários de terras que buscavam implementar a produção agropecuária da região. Isso por um lado, por outro, foi para incrementar a indústria imobiliária, uma vez que, o espaço urbano estava cada vez mais inflacionado devido ao êxodo rural. Em ambos os casos, o objetivo era dar continuidade a um processo de exploração do hinterland nacional, abrindo suas portas ao mercado capitalista, fomentando o agronegócio. Nesse sentido, a "estaca zero" de Attilio Corrêa Lima, antes de representar o começo de uma nova era em Goiás, marcada pela urbanização e pela criação de um campo artístico moderno; sinaliza o início de um novo período histórico em que conflitos urbanos de toda espécie são uma consequência direta da revolução verde e da indústria agropecuária.
Essas são as causas de uma das mais exorbitantes diferenças sociais do país. Essas diferenças são tão marcantes que aparecem representadas nas obras de diversos artistas e escritores. Bem como, nas obras de dois importantes artistas contemporâneos: Paulo Fogaça e Paulo Humberto Almeida. Enquanto o primeiro busca ressignificar alguns símbolos do ruralismo, transformando-os em signos de uma linguagem simbólica, extremamente crítica à divisão e à fragmentação social; o segundo busca transformar a ausência de elementos, não só a falta de uma identidade, mas de uma forma qualquer de organização social, em sinais de um espaço vazio a ser ocupado. Ao romper as cercas que limitam o sertão, Paulo Fogaça, antropofagicamente buscou beber em outras fontes, incorporando em sua própria coleção, obras e artistas significativos, como a emblemática "Bela Lindonéia", de Rubens Gerchman – obra ícone do POP brasileiro –, além de Anna Maria Maiolino, Artur Barrio, Jorge Duarte e Ana Letícia, dentre outros. Tornando-se um dos primeiros artistas goianos a exibir seu trabalho nas mostras coletivas da Arte Brasileira fora do Estado e um dos pioneiros, no Brasil, a produzir audiovisuais. Ligando-se, desse modo, à vanguarda da arte nacional, como provam as mostras realizadas pela crítica de arte Aracy Amaral: Expoprojeção 73 e Expoprojeção 1973 - 2013. O que aproxima o trabalho desses dois artistas aparentemente tão distantes é justamente o caráter crítico de suas obras, enquanto Paulo Humberto distorce o olhar do espectador induzindo-o a perceber através do branco do tecido que envolve a superfície do quadro, um abismo virtual que embaralha a visão a ponto de causar vertigem. O outro chama a atenção para o simbólico, aquilo que marca e identifica uma forma de vida e a singulariza. De um lado, a extensão infinita dos espaços vazios, e, do outro, a marca da posse, o limite.
Enauro de Castro Goiânia, outubro de 2020.
(...) O que aproxima o artista goiano Paulo Humberto de Almeida dos primeiros abstratos italianos—Fontana, Soldati e Radice, entre outros—não é apenas a maneira crítica como o primeiro vê as relações entre arte e ambiente. Esses italianos, garantem os historiadores, queriam alcançar uma funcionalidade poética, mas não sucumbiram à facilidade da arte metafísica.(…) os Pequenos Esforços traduzem uma aproximação por contraste com Fontana. Enquanto o artista italiano fazia distinção entre espaço criado pela arte e espaço reconhecido pela ciência, o brasileiro não considera que a primeira realidade espacial tenha lá tanta autonomia. A obra se forma pela tensão entre o papel japonês e pequenas chapas de cobre. Aprisionados em caixas de acrílico que não permitem a entrada de ar, esses materiais interagem e o resultado não é mais o voluntarismo artístico, mas o meio como eles se expressam, o esforço fisico nesse suporte. (…) As “línguas” saem perpendicularmente das paredes. Uma longa tira de papel tensionada por um arame descreve uma curva ambígua que não aponta um novo horizonte, mas faz o olho voltar ao ponto de partida dentro da caixa de acrílico. O espaço oclusivo é, por analogia, igual ao da boca, que limita ou torna o verbo expansivo (no caso, o verbo é trocado pelo silêncio visual, a pausa sufocante do acrílico). (…) Como resultado, o esforço fisico nesse suporte acaba provocando um incômodo desequilíbrio. O papel se dobra e desafia o espectador acostumado à ordem simétrica. Antônio Gonçalves Filho (O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 21 de março de 1996 e O Estado de S. Paulo, Caderno 2, 10 de dezembro de 1996)
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Pequenos Esforços, 1996, cobre e papel japonês, 18 x 13 x 3cm (cada)
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Absent horizon, 1995, papel e arame, 40 x 40 cm (cada)
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Semivertebrado, 1996, papel japonĂŞs e arame, 25 x 35 cm
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem título, 2005, nanquim sobre papel japonês, 45 x 75 cm
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem título, 2005, nanquim sobre papel japonês, 82 x 102 cm
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Outros, 1996, papel artesanal, 30 x 40 cm (cada)
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem tÃtulo, 2003, papel artesanal e pigmento, 90 x 120 cm
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Da Galé, 1995, tríptico, impressão fotográfica de imagem digital, 50 x70m Sem título
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Da Galé, 1995, tríptico, impressão fotográfica de imagem digital, 50 x70m Sem título
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Da Galé, 1995, tríptico, impressão fotográfica de imagem digital, 50 x70m Sem título
(…) É ainda a pintura, não enquanto prática, mas como investigação. Desaparece a tela e a camada pictórica, resta o chassis envolto por pano fino e transparente. No interior, massas de estopa se aglutinam criando um jogo de densidades e vazios. O olhar perscruta as entranhas do quadro, percebe grumos entre os tecidos e áreas desobstruídas. Não mais o quadro como ilusão do mundo, nem o plano como suporte da pintura, talvez uma metáfora de tudo isso. Maria Alice Milliet, São Paulo, 2002 Catálogo O Orgânico em Colapso, Galeria Valu Oria
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem tÃtulo, 2000, organza e canudinhos sobre tela, 30 x 30 cm (cada)
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Se tÃtulo, 2003, organza e estopa sobre tela, 90 x 90 cm
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem tÃtulo, 2003, organza e estopa sobre tela, 90 x 90 cm
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem título, 2003, organza e cartão sobre tela, 41 x 21 cm (esquerda) PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Sem título, 2003, organza sobre tela, 41 x 21 cm (direita)
(…) É no terreno acidentado desta representação da “não-figuração arquetípica” que se inserem as pinturas recentes de Paulo Humberto Ludovico de Almeida e, assim sendo sua produção pode ser tomada como sítio exemplar de tal tendência. (…) Porém, é justamente quando o espectador irresistivelmente se aproxima das pinturas de Paulo Humberto que ela se revela em suas diferenças. A expressividade gestual é pura aparência, pois apresenta uma ordem interna visível sobretudo no caráter quase linear assumido pelas cores no espaço da pintura. Espaço por sua vez, sempre centralizado na tela, conferindo à composição uma forma total fechada, contida no espaço ideal da arte, não se derramando jamais no espaço real da vida. (…) Contra – ou em paralelo – à poética emocionada registrada pela ação dos informais, dos expressionistas abstratos e seus continuadores, Paulo Humberto propõe uma representação dessa mesma poética, entendida agora como procedimento já consagrado. Representação esta que ordena a sensibilidade gotejante de seus antecessores a favor de uma sensibilidade outra. Uma sensibilidade mais seca e crítica que parece não mais entender ingenuamente a arte apenas como terreno de exteriorização de individualidades originais, mas também como território ocupado, cuja reconquista passa pelo reconhecimento crítico, pela introjeção em chave sutilmente irônica dessa primeira ocupação. Tadeu Chiarelli , in Catálogo da Exposição na Galeria Candido Mendes, Rio de Janeiro, 1990
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Nº 4, 1990, técnica mista sobre tela, 135 x 135 cm
Desconfie da aparente singeleza da obra de Paulo Humberto. Desacelere o olhar. Examine com cuidado. São sutilezas. Forma e conteúdo ancorados por escolhas essenciais, exatas. Equilíbrio no fio da navalha. Apesar da sedução das formas e materiais, os trabalhos não se completam mediante mero passeio de reconhecimento retiniano. É preciso examinar sob a epiderme das relações formais. Afinal, elas tratam precisamente disso: das relações afetivas e das aparências que as contaminam. (…) A série Portas atua no mesmo diapasão metafórico, desta vez pousado sobre o cotidiano ato de abrir e fechar portas. Convívio e recusa. O puxador de metal, traço de união entre dois compartimentos, é também a restrição à entrada do outro. Bastam-se. Relações perfeitas ou sufocantes? Outras portas estão com a abertura solidamente fixada em pequeno ângulo, mínima fresta. O convívio possível ou consentido. Não se movem dessa disposição oblíqua. Existe, porém, a única porta que se abre livremente, sem reservas. É preciso procurá-la. Necessário acreditar que existe. (…) Angélica de Moraes, in Catálogo Exposição Valu Oria Galeria de Arte, S. Paulo, 2003
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Portas, 2003, madeira, laminado e aรงo, 90 x 35 x 11 cm (cada)
PAULO HUMBERTO DE ALMEIDA, Pequenos esforços, galeria (detalhe), 2003, molduras em caixa de acrílico, formato variável
Agradecimentos ClĂĄudia Lobo
Obras doadas por Rafael Ludovico Gomes ao acervo do Museu de Arte de Goiânia
FICHA TÉCNICA Acervo/Reserva Técnica: Maria de Pádua
Concepção, Idealização e Pesquisa: Doris Dey de Castro Pereira Enauro de Castro Maria de Pádua Yara de Pina Mendonça
Curadoria: Enauro de Castro Maria de Pádua Yara de Pina Mendonça
Texto da Exposição Enauro de Castro
Restauração e Conservação Lorrane Deus Filemon Luciane Ucella Reis Ribeiro Neri
Recepção Alberto Jorge Barroso Araújo Antônia Marsônia de Lima Fábio dos Santos Souza Hélios de Macedo e Silva Filho José Maurício Martins Mustafé Miguelina Pereira de Souza Franca
Paulo Victor Fernandes de Assis Wellington Domingos Soares Montagem da Exposição: Alberto Jorge Barroso Araújo José Maurício Martins Mustafé Paulo Victor Fernandes de Assis Wellington Domingos Soares
Apoio Administrativo Ana Lídia Rodrigues Dias Luzia Faria Rocha Maria da Conceição Campos Araújo Santos
Direção Antônio da Mata
museu de arte de goiânia 50 anos