Coleção Paulo Fogaça, 50 anos

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COLEÇÃO

Paulo Fogaça museu de arte de goiânia, 50 anos novas aquisições


Coleção Paulo Fogaça Paulo Fogaça (1936-2019) nasceu no interior de Goiás, na cidade de Morrinhos, passou sua infância entre sua cidade natal e a cidade de Goiânia. Mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde concluiu seus estudos ginasiais retornando à Goiânia em 1962 diplomado em Engenharia Elétrica e Econômica. Sua formação superior o levou a assumir uma cadeira de professor convidado na Universidade Federal de Goiás. Mas, com a implantação do regime militar no Brasil, em 1964, foi demitido e retornou ao Rio de Janeiro no ano seguinte. De 1975 a 2019, ano de seu falecimento, Fogaça viveu em Paris (1984-1986), onde realizou parte de seus estudos de doutoramento; em Brasília (1990-1993), onde lecionou na UnB; retornou à Goiânia e, em seguida, mudou-se para Aracaju, tendo falecido em 2019, na cidade de Goiânia. Ainda nos anos 1950 e 1960, Paulo Fogaça fez algumas incursões pela pintura realizando imagens paisagísticas que compõem esta coleção. Mas foi a partir de 1969, com a obra Rosa dos Caminhos que Fogaça iniciou sua pesquisa com imagens e objetos oriundos sobretudo do meio rural, integrando o circuito oficial de arte brasileira com a participação no Salão da Bússola (MAM/RJ). Nessa época estava em sua segunda estada na cidade do Rio de Janeiro (1965-1975) e frequentava os cursos no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM/RJ), convivendo, desse modo, com um ambiente fervilhante em ideias, propostas e ações ao lado de artistas como Anna Maria Maiolino e o professor e crítico-criador Frederico Morais, por exemplo, com quem colaborou na realização dos registros fotográficos de audiovisuais com diapositivos. Nesse universo de possibilidades, Fogaça desenvolveu uma poética que aliou experimentalismo estético e posicionamento político. A Coleção Paulo Fogaça apresenta parte da produção do artista como também algumas obras de outros artistas pertencentes ao seu acervo pessoal, a exemplo de Rubens Gerchman, Anna Maria Maiolino e Artur Barrio. Desse conjunto de obras produzidas por Fogaça, além dos trabalhos em pintura dos anos 1950 e 60, temos as obras realizadas na década de 1970 em serigrafias, pinturas, desenho, carimbo e um audiovisual com diapositivos que constituem uma série intitulada Hieróglifos. Constituem também a coleção o trabalho Campo Cerrado. Sinopse 2: a vida rural da série Campo


Cerrado, em que o artista agrega a crítica social à ambiental, e, ainda, um conjunto serigráfico (Um Dia de Roque I. Um Dia de Roque II. Um Dia de Roque III) no qual a imagem da enxada assume quase a totalidade da superfície do papel. Nos trabalhos da série Hieróglifos a imagem da farpa está presente. Elemento agressivo, fragmento do arame farpado utilizado para cercear passagens, a farpa surge como imagem/signo em placas de trânsito, carta (Carta), partitura musical (Hino), histórias em quadrinhos (Cartum), figuras geométricas e calendários (Quartil), associada a um tipo de escritura; uma escritura a ser decifrada, como assim sugere o título da série. Pensada no contexto de sua produção, os anos 1970 – período de vigência do Estado de exceção (1964-1985) –, a mensagem que a imagem faz circular estaria então relacionada ao tempo e espaço vivido pelo artista, não só como momento presente, mas como memória de um passado que ficou retido e que agora, em exposição, se articula com o momento atual, criando novas significações. Nas palavras do artista, “os meus desenhos, as fotos, as serigrafias [...] deverão ser desvendados no futuro do futuro [...]; são, portanto, desde já, hieróglifos”. No grupo serigráfico Um Dia de Roque I. Um Dia de Roque II. Um Dia de Roque III, a imagem da enxada assume o lugar da farpa. Transforma-se num signo que alude às questões do trabalho na terra, do latifúndio. O artista colocou em diálogo a imagem e o texto/palavra. Fogaça operou com trocadilhos ou homofonias, causando ambiguidade de interpretação, uma vez que a palavra “roque”, em sua concepção original, refere-se a uma peça do jogo de xadrez, a torre, mas também pode significar um movimento de rotação das peças desse jogo. A partir de um jogo de tabuleiro, o artista propõe o seu próprio jogo. Esta é a relação ambígua entre imagem e texto, uma associação entre movimento/roque com o próprio proceder do trabalho com a enxada ao longo do dia, que no grupo serigráfico é revelado pela variação das cores de fundo. Metáfora ou mensagem contestatória ou denunciativa de uma época ou de um estado de coisas, ou seja, uma produção que respondeu às circunstâncias sociais e políticas de seu tempo de produção, responde também ao seu tempo de exibição. Essas características revelam a atualidade da obra de Paulo Fogaça. Rosane Andrade de Carvalho Outubro/2020.


A estaca zero Construída nos anos 30, do século vinte, pelo Estado Novo de Getúlio Vargas, Goiânia é vista por muitos como o ponto zero da modernidade do Estado de Goiás. Aqui teria sido, inclusive, berço do nascimento de uma arte moderna alavancada por dois grandes artistas europeus – Gustav Ritter e Frei Confaloni. No entanto, ainda hoje, quase 100 anos depois da sua fundação, Goiânia apresenta um dos maiores índices de desigualdade social do país. Portanto, sua construção não só não proporcionou nenhum avanço na forma de vida do povo goiano, como sua própria criação é resultado de lutas de várias gerações de artistas e intelectuais que antecederam, em muito, os anos da sua construção, como provam, a Revista Oeste e A Informação Goyana. Ou seja, a própria ideia de uma arte moderna vinculada ao surgimento da nova capital é falaciosa. Muito longe de ser uma cidade moderna, com os problemas comuns, próprios de toda grande cidade moderna, como querem alguns, Goiânia, na verdade, serve ao mesmo propósito que, no passado, serviu a Cidade de Goiás ao ser construída no século XVIII para dar suporte à exploração do ouro no local. Goiânia, por sua vez, foi construída para dar sustentação ao projeto dos grandes proprietários de terras que buscavam implementar a produção agropecuária da região. Isso por um lado, por outro, foi para incrementar a indústria imobiliária, uma vez que, o espaço urbano estava cada vez mais inflacionado devido ao êxodo rural. Em ambos os casos, o objetivo era dar continuidade a um processo de exploração do hinterland nacional, abrindo suas portas ao mercado capitalista, fomentando o agronegócio. Nesse sentido, a "estaca zero" de Attilio Corrêa Lima, antes de representar o começo de uma nova era em Goiás, marcada pela urbanização e pela criação de um campo artístico moderno; sinaliza o início de um novo período histórico em que conflitos urbanos de toda espécie são uma consequência direta da revolução verde e da indústria agropecuária. Essas são as causas de uma das mais exorbitantes diferenças sociais do país. Essas diferenças são tão marcantes que aparecem representadas nas obras de diversos artistas e escritores. Bem como, nas obras de dois


importantes artistas contemporâneos: Paulo Fogaça e Paulo Humberto Almeida. Enquanto o primeiro busca ressignificar alguns símbolos do ruralismo, transformando-os em signos de uma linguagem simbólica, extremamente crítica à divisão e à fragmentação social; o segundo busca transformar a ausência de elementos, não só a falta de uma identidade, mas de uma forma qualquer de organização social, em sinais de um espaço vazio a ser ocupado. Ao romper as cercas que limitam o sertão, Paulo Fogaça, antropofagicamente buscou beber em outras fontes, incorporando em sua própria coleção, obras e artistas significativos, como a emblemática "Bela Lindonéia", de Rubens Gerchman – obra ícone do POP brasileiro –, além de Anna Maria Maiolino, Artur Barrio, Jorge Duarte e Ana Letícia, dentre outros. Tornando-se um dos primeiros artistas goianos a exibir seu trabalho nas mostras coletivas da Arte Brasileira fora do Estado e um dos pioneiros, no Brasil, a produzir audiovisuais. Ligando-se, desse modo, à vanguarda da arte nacional, como provam as mostras realizadas pela crítica de arte Aracy Amaral: Expoprojeção 73 e Expoprojeção 1973 - 2013. O que aproxima o trabalho desses dois artistas aparentemente tão distantes é justamente o caráter crítico de suas obras, enquanto Paulo Humberto distorce o olhar do espectador induzindo-o a perceber através do branco do tecido que envolve a superfície do quadro, um abismo virtual que embaralha a visão a ponto de causar vertigem. O outro chama a atenção para o simbólico, aquilo que marca e identifica uma forma de vida e a singulariza. De um lado, a extensão infinita dos espaços vazios, e, do outro, a marca da posse, o limite.

Enauro de Castro Goiânia, outubro de 2020.


PAULO FOGAÇA, Carta (da série Hieróglifos), 1974, ecoline, papel, 21 x 31 cm PAULO FOGAÇA, Hino (da série Hieróglifos), 1974, impressão, carimbo e desenho, 21 x 31 cm


PAULO FOGAÇA, Cartum (da série Hieróglifos), 1974, ecoline, papel, 25 x 36 cm


PAULO FOGAÇA, Sem título (da série Hieróglifos), 1974, ecoline sobre papel, 27 x 17 cm


PAULO FOGAÇA, Sem título (da série Hieróglifos), 1974, ecoline sobre papel, 27 x 17 cm


PAULO FOGAÇA, Sem título (da série Hieróglifos), 1977, pintura sobre madeira, 30 cm


PAULO FOGAÇA, Sem título (da série Hieróglifos), 1977, pintura sobre madeira, 30 cm


PAULO FOGAร A, Quartil - calendรกrio, 1977, serigrafia, 27 x 42 cm (cada)


PAULO FOGAÇA, Sem título (da série Hieróglifos), 1977, serigrafia, tinta serigráfica, papel, 27 x 43 cm (cada)


PAULO FOGAÇA, Sem título, s.d., pintura, 70 x 62 cm


PAULO FOGAÇA, Sem título, s.d., pintura, 70 x 62 cm


PÁGINAS SEGUINTES PAULO FOGAÇA, Um dia de roque I, 1974, serigrafia, 27 x 43 cm PAULO FOGAÇA, Um dia de roque II, 1974, serigrafia, 27 x 43 cm PAULO FOGAÇA, Um dia de roque III, 1974, serigrafia, 27 x 43 cm





PAULO FOGAÇA, Sem título, 1955, pintura, 40 x 27 cm PAULO FOGAÇA, Sem título, 1966, pintura, 36 x 24 cm


PAULO FOGAÇA, Sem título, 1968, pintura, 17 x 25 cm PAULO FOGAÇA, Sem título, 1967, pintura, 16 x 39 cm


JORGE DUARTE, Olhando Tarsila, 1984, serigrafia, 39 x 29 cm


ANNA LETYCIA, Sem título, 1967, serigrafia, 49 x 35 cm


ANA MARIA MAIOLINO, Escape angle, 1971, gravura em relevo, 50 x 50 cm


ARTUR BARRIO, Sem título, 1972, mista sobre papel, 32 x 24 cm ARTUR BARRIO, Sem título, 1972, mista sobre papel, 32 x 24 cm


ARTUR BARRIO, Sem título, 1973, mista sobre papel, 45 x 35 cm ARTUR BARRIO, Sem título, 1973, mista sobre papel, 34 x 25 cm


ARTUR BARRIO, Sem tĂ­tulo, 1973, mista sobre papel, 33 x 24 cm


FICHA TÉCNICA Acervo/Reserva Técnica: Maria de Pádua

Concepção, Idealização e Pesquisa: Doris Dey de Castro Pereira Enauro de Castro Maria de Pádua Yara de Pina Mendonça

Curadora convidada Rosane Andrade de Carvalho


Equipe curatorial do MAG Enauro de Castro Maria de Pádua Yara de Pina Mendonça

Texto da Exposição Enauro de Castro Rosane Andrade de Carvalho (curadora convidada)

Restauração e Conservação Lorrane Deus Filemon Luciane Ucella Reis Ribeiro Neri


Recepção Alberto Jorge Barroso Araújo Antônia Marsônia de Lima Fábio dos Santos Souza Hélios de Macedo e Silva Filho José Maurício Martins Mustafé Miguelina Pereira de Souza Franca Paulo Victor Fernandes de Assis Wellington Domingos Soares Montagem da Exposição: Alberto Jorge Barroso Araújo José Maurício Martins Mustafé Paulo Victor Fernandes de Assis Wellington Domingos Soares


Apoio Administrativo Ana Lídia Rodrigues Dias Luzia Faria Rocha Maria da Conceição Campos Araújo Santos

Direção Antônio da Mata


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