Óscar Cardoso - Guitarreiro

Page 1





índice/index a Guitarra / the Portuguese Guitar

2 3 4 5

6 7

o Caminho / the Journey

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

a Oficina / the Workshop

os seus Instrumentos / his Instruments

os Músicos / the Musicians

Bibliografia / Bibliography


6


7

Guitarra Portuguesa | Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Detalhe | Detail) (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa



1

o _ st

a Guitarra /the Portuguese Guitar

A Guitarra “Portuguesa” é um cordofone de corpo piriforme, com fundo e tampo harmónico em abatidas calotes esféricas, parcialmente equidistantes, ilhargas altas e tampo paralelo, armado com seis ordens de cordas duplas afinadas em uníssono (12 cordas no total) metálicas (em aço e aço coberto de cobre ou bronze nos bordões) que, juntamente com a viola — cordofone com corpo em forma “de oito” —, constituem a mais básica formação instrumental de acompanhamento do fado. Tal como é possível

The “Portuguese” Guitar is a pear-shaped chordophone with arched partially-equidistant back and soundboard, high ribs and parallel soundboard. The instrument has six pairs of double metallic strings (in steel and copper- or bronze-coated steel in the low strings) tuned in unison (12 strings in all). Together the Portuguese and the Spanish guitar — chordophone with an 8-shaped body — form the most basic set of instruments for accompanying Fado. Both instruments can none the less be used alone to


FUNDO | BACK

ILHARGA | SIDE

CORPO | BODY

BRAÇO | NECK

VOLUTA | TIP OF THE HEAD

CABEÇA | HEAD

a Guitarra / the Portuguese Guitar

10


a Guitarra / the Portuguese Guitar

CRAVELHAS | TUNING PEGS LEQUE | FAN PESTANA | NUT ESCALA | FINGERBOARD

TRASTOS | FRETS

BOCA | SOUND HOLE GUARDA-UNHAS | PICK-GUARD 11

TAMPO | SOUNDBOARD

CAVALETE | BRIDGE

ATADILHO | TAILPIECE

Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


a Guitarra / the Portuguese Guitar

cada um destes instrumentos suportar sozinho o canto, também a formação instrumental “no fado” se pode alargar a uma segunda guitarra (para acompanhamento como “segunda voz”) e a uma viola-baixo que, recentemente, tem sido substituída por um contrabaixo dedilhado. Independentemente da tipologia do grupo, a guitarra portuguesa é um elemento central, diria icónico, da prática do fado. Existem actualmente dois tipos significativos de “guitarras portuguesas”: o modelo “de Lisboa”, um instrumento de corpo mais arredondado e de maior dimensão transversal, de timbre mais metálico e “brilhante”, mais ressoante (facilitando o “gemido”); e o modelo “de Coimbra”, um instrumento maior por ter instalada uma escala mais comprida, com um corpo mais alongado, e um timbre mais grave1, produzindo um som mais “toeiro” (a guitarra “de Coimbra” é, ou era, um instrumento transpositor da guitarra portuguesa modelo “de Lisboa”)2. A guitarra portuguesa “de Lisboa” é encimada por uma voluta em forma de caracol e a “de Coimbra” por uma voluta em forma de “lágrima”. Qualquer dos instrumentos, dependendo da intenção de quem encomenda, pode ter uma decoração mínima ou exuberante feita com variados embutidos de madeira ou madrepérola, executados em filetes nas sanefas na ligação do tampo harmónico e das ilhargas, no fundo (muito raro e exclusivamente em instrumentos de grande “luxo”), no “guarda-unhas”, adornando a “boca”, ou com tarrachas em marfim ou madeiras nobres e com “cabeça” ricamente entalhada em voluta simples ou com temas florais ou com filetes de madeiras nobres emoldurando o escudete. Qualquer dos modelos é hoje significativamente maior do que as guitarras anteriores ao século XX. Uma guitarra tem hoje

accompany fado singers. Also the set of instruments “in fado” may be extended to include a second guitar (for accompaniment, as “second voice”) and a bass guitar, which has lately been replaced by a plucked double bass. Regardless the model type, Portuguese guitars have been the central (I’d say iconic) instrument of the Fado practice. Today there are two significant types of Portuguese guitars. The “Lisbon” model has rounder body, longer crossways, and a “brighter” more metallic timbre, also more resonant (allowing for an easier vibrato). The “Coimbra” model is the largest; it has a longer fingerboard, a body longer lengthways and a lower-pitched timbre1, producing a more “toeiro” (i.e. “sweeter”) tone (the “Coimbra” model guitar is, or was, a transposing instrument of the “Lisbon” model Portuguese guitar)2. As regards the head design the Lisbon model has the shape of a snail or scroll, while the Coimbra model is crowned by a teardrop scroll. Decoration in both models, depending on the customer who orders the instrument, may vary from minimal to exuberant. In this case it includes varied purfling in wood or mother-of-pearl inlaid on the binding that links the soundboard to the ribs, on the back (very rarely, only in the most luxurious instruments), on the pick-guard adorning the sound hole (“boca”), or studs in ivory or precious woods, and the “head” richly carved in plain scrolls or flower themes, or with purfling in precious woods framing the shield. Today guitars of both models are significantly larger than those made prior to the twentieth century. Portuguese guitars currently have a total length of approximately 87 cm. The body is 38 to 41 cm across and 44 cm long and the ribs are 8 to 10 cm high. By the mid-twentieth century the work of Álvaro da Silveira and João Pedro Grácio contributed

1

Algo que decorre também de uma afinação um tom mais baixo da do modelo “de Lisboa”.

2

Alguns autores referem um terceiro modelo, “do Porto”, muito semelhante ao modelo “de Coimbra” mas dos três o mais pequeno, decorado com uma voluta representado uma cabeça humana, animal ou elemento floral.

1

A feature due to the fact that the Coimbra model is tuned lower than the Lisbon model.

2

A few authors make reference to a third model, the “Porto” model, quite similar to the “Coimbra” model but smaller, whose head design consists of a human or animal head, or a flower motif.

12


a Guitarra / the Portuguese Guitar

cerca de 87 cm de comprimento total, 38 a 41 cm de largura por 44 cm de comprimento do corpo, e 8 a 10 cm de ilharga. Ambos os modelos ficaram organologicamente estabilizados em meados do século XX, o “de Lisboa” por acção de Álvaro da Silveira e o “de Coimbra” por acção de João Pedro Grácio. A Guitarra portuguesa tem duas partes estruturais essenciais: o “corpo” e o “braço”. Peças como o “cravelhal”, o “atadilho”, o “cavalete” e a “pestana” conduzem e regulam o funcionamento mecânico do instrumento.

13

O “corpo” é uma caixa de ressonância composta por um tampo harmónico, um fundo e ilhargas. O tampo é feito de duas placas com até 3 mm de espessura, simétricas, de espruce3, actualmente com veios finos e regulares — uma madeira menos densa e mais flexível para melhor vibrar, excitada pelas cordas, e produzir o som —, no qual é feito uma abertura (“boca”), ornamentada com embutidos (em madrepérola ou madeiras duras nobres). Junto à “boca” pode ser colocado um “guarda-unhas” que toma a forma de “lágrima” (esta protecção pode ser feita em madeira escura como o ébano ou em madrepérola nos instrumentos mais luxuosos). Este tampo é colado sobre travessas em espruce, normalmente três, instaladas perpendicularmente aos veios do tampo que reforçam estruturalmente o instrumento suportando a tensão das cordas (devendo por isso ser cortadas da peça radial e colocadas com o veio perpendicular ao tampo, como se usa na tradição da construção do violino desde meados do século XVII ou da guitarra “clássica” desde meados do século XIX). As travessas são particularmente determinantes para o som do instrumento sendo que a sua colocação, arqueamento, espessura, rigidez e localização definem o timbre da guitarra portuguesa. O fundo é também construído

to the stabilization of both models, Lisbon and Coimbra respectively. Portuguese guitars consist of two essential parts, i.e. “body” and “neck”. Parts such as the tuning pegs (“cravelhal”), the tailpiece, the movable bridge and the nut govern and regulate the mechanical functioning of the instrument. The “body” is a resonance case composed of soundboard, back and ribs. The soundboard on the top consists of two up-to-3-mm-thick symmetrical plates in spruce3, currently with thin regular rings — less dense more flexible kind of wood in order to vibrate better, stimulated by the strings, producing the sound —, on which is cut an opening (“sound hole”) adorned with mother-of-pearl or noble hardwood inlays. A “pick-guard” in the form of a “teardrop” (in dark wood, e.g. ebony, or mother-ofpearl in luxury instruments) may be placed around the “sound hole”. The soundboard is glued over spruce harmonic bars, usually three, placed perpendicularly to the soundboard grain. These bars structurally strengthen the instrument, supporting the tension of the strings (and should therefore be cut from the radial part to be placed with the grain perpendicular to the soundboard, as used in violin manufacturing tradition since the mid-seventeenth century, or in Spanish guitars since the mid-nineteenth century). Harmonic bars are paramount to the instrument’s sound and their placement, arching, thickness, rigidity and location define the timbre of Portuguese guitars. The back is also made of two symmetrical plates in dense wood such as rosewood4, walnut, jacaranda, or maple to better reflect the sound. These plates are reinforced with a central stripe made of spruce and harmonic bars across. Ribs are made of two (up to 2-mm thick) blades of the same wood used for the

3 3

Pinho-Abeto, it. Picea abies. Há uma preferência pela madeira italiana, mas também é usada madeira de origem canadiana.

Spruce-pine-fir it. Picea abies, of Italian (preferably) or Canadian origin.

4

It. Dalbergia nigra. It may come from Bahia, Brazil, India or Africa.


a Guitarra / the Portuguese Guitar

com duas placas simétricas de madeira densa como é o pau-santo4, nogueira, jacarandá, ou ácer, para melhor reflectir o som, reforçadas por uma tira central de espruce e travessas transversais. As ilhargas são feitas com duas lâminas da mesma madeira do fundo, com até 2 mm de espessura, que são juntas pelo taco da base do instrumento e pelo “braço”. O tampo e as ilhargas são unidas aplicando cola sobre “cerquilhos”, tiras de madeira leve (normalmente espruce) que aumentam a superfície de colagem. O “braço” da guitarra é construído numa só peça de madeira de mogno ou cedro colocada com o veio perpendicular ao plano do tampo e da escala — o que o torna mais resistente à tensão constante das cordas —, terminando numa “cabeça” decorada. A base do braço é emalhetada ou colada directamente no “corpo” da guitarra e o extremo (do “cravelhal”, a “cabeça”) é entalhado em forma que pode ir da simples “lágrima” (ou “escudete”) no modelo “de Coimbra” a muito elaborados trabalhos em talha no modelo “de Lisboa”. Sobre o braço é colocada a “escala” (ou “ponto”) feita em ébano (madeira africana preta e densa), com secção calote cónica, onde estão 22 trastes de metal (em prata, casquinha ou latão) cravados, que marcam os pontos a “pisar” com os dedos para alterar o comprimento vibrante das cordas. O “cravelhal” é, certamente, a par da forma piriforme do corpo, o elemento mais identificativo da guitarra portuguesa. Em “chapa de leque”, feita em metal fundido e cromado, é um sistema que permite a afinação das cordas empregando um sistema de tarrachas aparafusadas a parafusos de cabeça decorada em metal, marfim ou ébano que serve para tensionar as cordas de forma variável para obter a frequência de vibração (“nota”) pretendida. Em metal é também o “atadilho”, uma peça colocada na ilharga, na base do instrumento, fixada por um parafuso

4

It. Dalbergia nigra. Tem várias proveniências: da Baía, do Brasil, da Índia, ou África.

back, united by the tail block and the “neck”. The soundboard and the ribs are joined by spreading glue on “cerquilhos”, stripes of light wood (usually spruce) used for enlarging the gluing surface. The “neck” of the guitar is made of a single piece of mahogany or cedar with the rings perpendicular to the soundboard and fingerboard plan — thus made more resistant to the constant tension of the strings — ending up at a decorated “head”. The base of the neck is fitted by means of a “malhete” to the guitar “body”, or directly glued to it, and its top (the “head”, with the tuning pegs) is carved in a shape that may vary from a plain “teardrop” (or “shield”) in the “Coimbra” model to very elaborate carvings in the “Lisbon” model. Over the neck is placed the “fingerboard” (or “point”) made in ebony (a dense African black wood), with a cone-cap section, on which 22 frets (in silver, silver plated metal or brass) are inlaid, indicating the points that must be pressed (“fretted”) with the fingers to change the vibrating length of the strings. Together with the pear-shaped body, the tuning peg mechanism is definitely the most characteristic element of the Portuguese guitar. In the form of a “fan plate”, made of cast chromed metal, it is a system of tuners (decorated in metal, ivory or ebony) with worm drives for tuning the strings by tending them, thus varying their tension so as to produce the desired frequency of vibration (“note”). The tailpiece, also made of metal, at the base of the instrument, is adjusted to the rib by means of a head screw called “botão”, to which the strings are attached (with a reinforcement bar being placed inside the case, for strengthening the structure). Today special reference should be made to Fernando Silva, the very important maker of fan plates branded “Passarinho” which equip the Portuguese guitars of best make. Fundamental for the sound of Portuguese guitars, as in violins, is the movable bridge (“cavalete”) made of

14


a Guitarra / the Portuguese Guitar

de cabeça trabalhada chamado de “botão”, em que são presas as cordas (no interior da caixa, para um reforço estrutural, é colocada uma barra de reforço). Destaca-se actualmente, como muito importante construtor de leques de cravelhas, o mestre Fernando Silva, da marca de leques “Passarinho”, que equipam as guitarras portuguesas de mais cuidada construção.

15

Muito importante para a sonoridade da guitarra portuguesa, à semelhança dos violinos, sobre o tampo, é colocado um “cavalete”, móvel, feito em osso, assente sobre a “pataleta”, fina placa também em osso. O “cavalete” permite o funcionamento mecânico da guitarra: assegura o ângulo de quebra das cordas, que nos instrumentos de cavalete móvel “carregam o tampo” tornando-o reactivo, respondendo às vibrações transmitidas pelas cordas. O tampo harmónico, ao vibrar excitado pelas cordas comprime e deprime o ar criando as ondas sonoras, o som. No início da “escala”, junto ao cravelhal, é colocada uma peça semelhante, designada de “pestana”. Estes dois pontos - “cavalete” e “pestana” - são os pontos fixos que limitam o comprimento da corda vibrante, daí o grande cuidado exigido na sua fabricação. A tensão das cordas da guitarra portuguesa é garantida pelo funcionamento conjunto do “atadilho”, “cavalete”, “pestana”, e “cravelhal”. Hoje, tendencialmente, a guitarra portuguesa caminha para um único comprimento de corda (os modelos “de Lisboa” e “de Coimbra” convergem para os 467 mm) característica que distingue este instrumento musical de qualquer outro cordofone. O timbre do instrumento pode variar conforme a espessura, forma, orientação do veio e qualidade da madeira (do tampo e das travessas), conforme o cavalete, os vernizes utilizados, a colagem, a forma do instrumento, e aberturas nas ilhargas e fundo, entre muitos outros factores. Estas variações na construção constituem “segredos” dos mestres construtores, circulando dentro das suas oficinas e transmitidas aos seus aprendizes.

bone placed on the soundboard over a thin plate also in bone, called base plate – “pataleta”. The movable bridge allows for the mechanical functioning of the guitar by creating the string break angle; this, in instruments with movable bridges, “presses the soundboard” and renders it reactive, responding to the vibrations conveyed by the strings. The soundboard, while vibrating excited by the strings, compresses and depresses the air, producing the sound waves — i.e. the sound. A similar piece called nut is placed at the beginning of the fingerboard, near the fan plate. These two points – movable bridge and nut – are the fixed points that restrict the length of the vibrating string, hence the need for making them very carefully. The joint functioning of the tailpiece, the movable bridge, the nut and the tuning pegs ensures the string tension in Portuguese guitars. The design of Portuguese guitars is currently evolving towards a single-length string (both models, “Lisboa” and “Coimbra”, are converging towards 467 mm), a unique feature of this music instrument among other chordophones. Instrument timbre may vary according to thickness, form, grain direction and quality of the wood (used in the making of the soundboard and the harmonic bars), the movable bridge, the finishes employed, the gluing, the form of the instrument’s body and openings on the ribs and back, among many other factors. These variations in the make are “secrets” owned by master craftsmen, exclusive of their workshops and passed on to their apprentices. Portuguese guitar tuning varied in the last 150 years5.

5

César das Neves makes reference to a G3, E3, C3, G2, E2, C2 tuning, initially changed to G3, E3, C3, G2-3, F2-3, C2-3 and then to G3, F3, C3, G2-3, F2-3, B flat2-3 (Ribeiro 1936:43). Mário Sampayo Ribeiro 1936, should be consulted to re-create the different tunings of the instrument, but also other learning methods such as Ferro 1895, Neves n.d., Varela 1925, Carmo 1929, João Vitória n.d. Tuning is critical to the study of this instrument and its history. Ernesto Veiga de Oliveira stated, straightforwardly: “In fact the Portuguese guitar is linked to Fado only by the special tuning it had to adopt for accompanying its singing, which to some extent distorted the original sound structure of the instrument.” (2000 [1964]: 192).


a Guitarra / the Portuguese Guitar

A afinação da guitarra foi variando ao longo dos últimos 150 anos5. Manuel Morais (2000: 112) e Pedro Caldeira Cabral (1999: 313 - 317) propuseram histórias da afinação da guitarra portuguesa. Actualmente, com pontuais excepções, a afinação da guitarra portuguesa é, da corda mais aguda para a mais grave: si3, lá3, mi3, si2, lá2, ré2.

Manuel Morais (2000: 112) and Pedro Caldeira Cabral (1999: 313 - 317) have proposed different backgrounds to the evolution of the Portuguese guitar tuning. Today, with rare exceptions, Portuguese guitars are tuned from the higher- to the lower-pitched string: B3, A3, E3, B2, A2, D2.

5

César das Neves refere uma afinação sol3, mi3, dó3, sol2, mi2, dó2 que se modificou, primeiro para sol3, mi3, dó3, sol2-3, fá23, dó2-3, depois para sol3, fá3, dó3, sol2-3, fá2-3, si bemol2-3 (Ribeiro 1936:43). Para reconstituir as várias afinações do instrumento convêm percorrer o citado Mário Sampayo Ribeiro 1936, mas também os métodos de Ferro 1895, Neves s.d, Varella 1925, Carmo 1929, João Vitória s.d.. A questão da afinação é fulcral no estudo deste instrumento e da sua história, Ernesto Veiga de Oliveira afirmou, peremptório, “De facto, a guitarra está unida ao fado apenas pela afinação especial que teve de adoptar para o acompanhar, e que de certo modo desnaturou a primitiva estrutura sonora do instrumento.” (2000 [1964]: 192).

16

Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Guitarra Portuguesa sem fundo | Backless Portuguese guitar (Modelo de Coimbra | Coimbra model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2006 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


a Guitarra / the Portuguese Guitar

17

A guitarra portuguesa é tocada com a unha e a polpa dos dedos polegar e indicador da mão direita que beliscam as cordas para as fazer vibrar, utilizando para tal unhas postiças (em tartaruga e mais recentemente em plástico) que asseguram um maior volume sonoro e maior rapidez do arpejo. Os dedos da mão esquerda “pisam” as cordas com a polpa verticalmente, com um dedo por traste. O instrumento é apoiado nas pernas com o fundo ligeiramente afastado do corpo do músico e com a ilharga superior encostada ao peito de forma a que a voluta esteja ao nível do ombro esquerdo do músico6.

Portuguese guitars players use the nail and tip of the thumb and index fingers of their right hand to pluck the strings and make them vibrate. They use fingerpricks (in tortoiseshell and more recently in plastic), which allow for enhanced sound volume and swifter arpeggios. The left-hand fingers “press” the strings with their tips vertically, one finger per fret. The instrument rests on the legs, slightly distanced from the player’s body, and the higher section of the side leans against the player’s chest, which leaves the tip of the head (of the Portuguese guitar’s neck) at the same level of the musician’s left shoulder6.

No universo do fado, um guitarrista é avaliado pela sua técnica de dedilhação, a capacidade e características de execução do “gemido” (vibrato), a forma como ataca as cordas, a ornamentação, o tremolo, e o tipo de sonoridade obtida com a sua guitarra (Castelo-Branco 1994: 128), e na capacidade de reduzir os ruídos mecânicos inerentes à utilização do instrumento. Por tudo isso, entre os profissionais, uma guitarra portuguesa de grande qualidade de construção é fundamental. Além disso, as guitarras que produzam com facilidade um grande volume sonoro são preferidas pois libertam o músico da preocupação física de compensar através da sua execução as limitações no volume produzido pelo instrumento. Também se prefere um instrumento ressoante por facilitar os efeitos característicos e apreciados no fado.

In the Fado universe guitar players are appraised by their fingering technique, their ability to perform the vibrato (“gemido”) and its characteristics, the way in which they pluck the strings, the adornment, the tremolo, the quality of sound they get from their guitar (Castelo-Branco 1994: 128) and their ability to disguise the mechanical sounds originated by the handling of the instrument. For all this, among professional musicians, having a Portuguese guitar of high-quality make is critically important. In addition, guitars capable of easily producing a larger volume of sound are preferred by musicians since they relieve them from the physical strain to offset the sound volume limitations of a common instrument. Musicians also prefer resonant instruments, which can produce the characteristic effects valued in Fado.

Do guitarrista (no papel de “primeiro guitarrista” em grupos maiores ou como solista em formações mais restritas) espera-se que crie um contracanto melódico e forneça o suporte harmónico da melodia cantada. Os “segundos guitarristas”, a haver, têm uma função de acompanhamento do primeiro guitarrista com um contraponto melódico que se integre o mais possível

Portuguese guitar players (either in the role of “lead guitar”, in larger groups, or as soloists in smaller formations) are expected to create a melodic counterpart that provides the harmonic back-up for the chanted melody. The “second guitar”, if present, is expected to accompany the lead guitar, producing a melodic counterpoint as much as possible integrated with the lead guitar “part”. The “Spanish guitars”

6

6

Técnicas especificas empregues por instrumentistas estão a ser objecto de uma pesquisa etnográfica a decorrer actualmente e no âmbito do programa de actividades da candidatura do Fado a património da humanidade da UNESCO.

Specific techniques employed by players are currently the object of ethnographic research developed in the framework of the application filed to include Fado in UNESCO’s list of the world’s intangible heritage.


a Guitarra / the Portuguese Guitar

com a “parte” da “primeira” guitarra. A “viola”, em grupos com guitarras, fornece a base harmónica e rítmica do fado, criando espaço para a improvisação dos solistas (cantor e guitarra); há, no entanto, ocasiões em que a viola é o único instrumento presente para acompanhar o cantor (nomeadamente em contextos informais onde a presença de uma viola e seu intérprete é mais comum do que uma guitarra portuguesa, instrumento mais caro e de utilização mais específica) e aí desempenha a mesma função da guitarra nos grupos maiores, fornecendo o suporte harmónico da melodia cantada. A “viola baixo” (ou mais recentemente o contrabaixo dedilhado) são menos comuns em contextos informais, mas são recorrentemente usados em espectáculos e gravações, cumprindo-lhes executar a progressão do baixo, marcando o ritmo.

(“viola”) provide the harmonic and rhythmical baseline for Fado, making room for soloists (singer and Portuguese guitar) to improvise. In many occasions however Spanish guitars are the only instrument available for accompanying singers (namely in informal contexts, in which the Spanish guitar – and Spanish guitar players – are more commonly present than Portuguese guitars – and their players – as the latter are more expensive and require a more specific technique). In such cases Spanish guitars replace the role of Portuguese guitars in larger groups and provide the harmonic back-up for the chanted melody. The “bass guitar”, or, more recently, the plucked double bass, are less frequent in informal settings, but their use is recurrent at concerts and studio recordings. They are expected to execute the progression of the bass, setting the pace.

A guitarra portuguesa disputa o protagonismo com o cantor. É certo que a guitarra funcionalmente “dobra” o canto executando um padrão simples composto pelo bordão e três acordes (tónica localmente chamada de “primeira posição”, dominante ou “segunda posição”, e subdominante ou “terceira posição”), mas com o desenvolvimento da técnica interpretativa, em muito devido aos guitarristas que se destacaram nas décadas de 20 e 30 do século XX, as suas intervenções musicais surgem cada vez mais elaboradas e virtuosas. Nos fados, além de introduções instrumentais, os guitarristas passaram a executar figuras melódicas cada vez mais complexas, os “contracantos”7, nos momentos em que o fadista está em silêncio. Mas é nas “variações” e nas “guitarradas” que a guitarra e o guitarrista foram conquistando um espaço de demonstração da sua capacidade técnica e mestria

Portuguese guitars rival with singers for the leading role. Although the Portuguese guitar functionally “doubles” the singing, performing a simple pattern composed of the “bordão” (drone) plus three chords (tonic, locally called “first position”, dominant, or “second position”, and subdominant or “third position”), its musical performance became increasingly more elaborate and virtuosistic with the improvement of interpreting skills of guitar players who outstood in the 1920’s and 1930’s. When interpreting fado, guitar players, in addition to their instrumental introductions, began to perform increasingly complex melodic figures, the “counterparts”7, during those moments in which singers remain silent. But it was in “variations” and “guitarradas” that the Portuguese guitar and its players gradually made room for demonstrating their technical skills and interpreting mastery. In these

7

Que tomam a forma de figuras e padrões melódicos, acordes e arpejos, progressões harmónicas, citações de outros fados do repertório de base, passagens com intenso vibrato, ou “duplicações” da melodia cantada (Castelo-Branco 1994: 138). A interpretação rasgada — tão comum nas gravações do início do século XX — deu lugar a uma interpretação dedilhada. A interpretação dos acordes em rasgado ainda hoje se mantêm como característica da Canção de Coimbra.

7

Taking the form of melodic figures and patterns, chords and arpeggios, harmonic progressions, quotes from other fado songs of the base repertoire, excerpts with intense vibrato, or “doubling” the chanted melody (Castelo-Branco 1994: 138). The production of chords “in strumming interpretation” (“rasgado”) – common in the sound recordings from the beginning of the twentieth century – is still a characteristic of Canção de Coimbra.

18


a Guitarra / the Portuguese Guitar

19

interpretativa. Nessas peças instrumentais, de forma muito exuberante, o músico trabalha sobre um ou mais temas musicais8, improvisando variações durante significativos períodos de tempo9. Ao longo do século XX sucederam-se os guitarristas que se revelaram exímios na utilização da guitarra acabando, não só por se destacar no meio do fado, mas também em todo o meio musical local: “Petrolino”, “Armandinho”, “Piscalarete”, “Carvalhinho”, Domingos Camarinha, Jaime Santos, Casimiro Ramos, José Nunes, Raul Nery, Fontes Rocha, até aos recentes Mário Pacheco, Custódio Castelo, Paulo Parreira, Ricardo Rocha, José Manuel Neto ou Pedro de Castro. Na “Canção de Coimbra” pode-se destacar os guitarristas Antero da Veiga, Artur Paredes, Carlos Paredes, António Brojo, José Tuna ou Paulo Soares. Se Armandinho alargou o espaço e a relevância do “guitarrista” no meio do fado, foi com Raul Nery que assumiu definitivamente um carácter de protagonista (nomeadamente através do seu “Conjunto de Guitarras” que, entre 1959 e 1971, se apresentou quizenalmente em programas de rádio na Emissora Nacional onde era executado um repertório exclusivamente instrumental) e a guitarra portuguesa legitimada como instrumento de concerto. Esses mais de 10 anos de emissões tiveram um papel determinante para a difusão do instrumento e desenvolvimento da sua prática. No domínio da “Canção de Coimbra” esse papel foi desempenhado por Artur Paredes. Mais recentemente, na década de 70, muito devido a Carlos do Carmo, a guitarra portuguesa começou a surgir como elemento tímbrico “fadista” em elaborados arranjos para orquestra, um processo que grupos no início do século XXI — grupos que se inscrevem em outros domínios musicais — prosseguem, explorando no seu repertório próprio o tímbre identificativo

instrumental pieces, musicians very exuberantly work on one or more musical themes8, improvising variations for significant periods of time9. Throughout the twentieth century there was a series of guitar players who excelled in their instrument, becoming famous not only in the Fado milieu but also in the whole musical scene, i.e. “Petrolino”, “Armandinho”, “Piscalarete”, “Carvalhinho”, Domingos Camarinha, Jaime Santos, Casimiro Ramos, José Nunes, Raul Nery, Fontes Rocha, to the most recent Mário Pacheco, Custódio Castelo, Paulo Parreira, Ricardo Rocha, José Manuel Neto or Pedro de Castro. In the “Canção de Coimbra” genre, special reference should be made to guitar players Antero da Veiga, Artur Paredes, Carlos Paredes, António Brojo, José Tuna or Paulo Soares. Armandinho enlarged the scope and relevance of “guitar players” in the Fado universe, but it was Raul Nery who definitely rose to stardom, namely with his “Guitar Ensemble”, which played every fortnight from 1959 to 1971 in radio programmes at Emissora Nacional, presenting an exclusively instrumental repertoire and legitimizing Portuguese guitar as a concert instrument. This period of over 10 years of radio broadcasts played a key role in disseminating the instrument and developing its practice. In the “Canção de Coimbra” genre such role was played by Artur Paredes. More recently, in the 1970’s, largely due to Carlos do Carmo, Portuguese guitars began to emerge as a “fadista” timbre element in elaborate arrangements for orchestra. Groups from other musical domains continued this process in the early twenty-first century, exploring only the typical timbre of Portuguese guitar in their repertoire, namely the cases of bands and singers such as Anamar, A Naifa or Oquestrada. The virtuosity of guitarists is

8

Esses temas podem ser de fados conhecidos, rapsódias de fados, ou temas associados ao repertório rural tido por “tradicional”.

8

9

9

Não é de menosprezar uma recorrente prática de adaptar repertório de outros géneros, mais valorizados culturalmente, à execução na guitarra. Esta prática corresponde a uma estratégia da afirmação do instrumento e a valorização do seu utilizador como alguém possuidor de maior capacidade interpretativa.

These may be themes from well-known “fados”, fado rhapsodies, or themes from the rural repertoire considered “traditional”. One should never underrate the recurrent practice of adapting to Portuguese guitar repertoire from other musical genres, more valued in cultural terms. This practice represents a strategy aimed at imposing the instrument and valuing its user, as someone in possession of superior interpreting skills.


a Guitarra / the Portuguese Guitar

da guitarra portuguesa, como é o caso dos grupos e cantores Anamar, A Naifa ou Oquestrada. No entanto, o virtuosismo do guitarrista ainda hoje é procurado por um público mobilizado.

still valued today by a public of connoisseurs.

20 Conjunto de Guitarras de Raul Nery | Raul Nery Guitar Ensemble Raul Nery, José Fontes Rocha, Júlio Gomes, Joel Pina, s/d | undated Colecção |Collection Museu do Fado


a Guitarra / the Portuguese Guitar

Como nos informa Manuel Morais (2002), a guitarra era um instrumento muito popular por toda a Europa do século XVIII e XIX, difundida por todo o centro do continente e mesmo nas colónias europeias no continente americano, sendo a sua popularidade atestada pela quantidade de instrumentos que nos chegaram até hoje e pela quantidade de “métodos” e colectâneas de repertório a ela especificamente dirigidos. Para Pedro Caldeira Cabral (1999), a “guitarra portuguesa” é o produto da evolução que decorre da contínua presença da cítara medieval. A “guitarra inglesa”, para este autor, não é o antecedente histórico da “guitarra portuguesa” na medida em que ambos os instrumentos são desenvolvimentos da cítara (Cabral 2000: 199). Já Manuel Morais (2002) defende a directa associação da “guitarra inglesa”, cuja entrada em Portugal ocorre através da muito significativa presença de uma comunidade inglesa nas principais cidades do país. Para Morais, as modificações operadas na “guitarra inglesa” viriam a originar um outro modelo conhecido hoje por “guitarra portuguesa”.

21

Organologicamente, a cítara, a “guitarra inglesa”, e mais recentemente, a guitarra portuguesa, partilham muitas características: a forma do corpo (ainda que com medidas substancialmente diferentes), o comprimento do braço (que varia entre os 12 e os 17 trastes), o número de cordas (entre 10 e 12), o sistema de afinação (com cravelhas laterais ou frontais, com sistema de chapa quadrada com carrilhão e chave de relojoeiro, ou com chapa de leque), profusamente decoradas nos exemplares mais luxuosos (na boca, na voluta, nos rebordos, e por vezes no tampo, em madrepérola e madeiras raras, utilização de talha), nas madeiras utilizadas (espruce, pau-santo, ébano). Qualquer destes instrumentos eram usados na execução de repertório não-religioso, de salão, cantado ou em acompanhamento à dança, como as sonatas, minuetos, contradanças, prelúdios e modinhas.

Manuel Morais tells us (2002) that the guitar was a very popular instrument in Europe in the eighteenth and nineteenth centuries, from Central Europe to the European colonies in America. Its popularity can be confirmed by the number of instruments of that time still extant and the amount of “learning methods” and repertoire compilations exclusively made for guitar. In the view of Pedro Caldeira Cabral (1999), the “Portuguese guitar” is the result of an evolution stemming from the continued use of the medieval zither. According to this author, the “English guitar” is not the historical predecessor of the “Portuguese guitar”, as both instruments evolved from the zither (Cabral 2000: 199). On the contrary Manuel Morais (2002) suggests a close connection with the “English guitar”, which arrived to Portugal due to the presence of a significant English community in the main Portuguese cities. According to Morais changes made to the “English guitar” eventually gave rise to another model currently known as “Portuguese guitar”. Organologically the zither, the English guitar and, more recently, the Portuguese guitar share many common characteristics, i.e. body shape (albeit with widely different sizes), neck length (varying from 12 to 17 frets), number of strings (from 10 to 12), tuning system (side and front pegs, square plate system with carillon and clockmaker’s key, or fan plate), rich decoration mostly in luxury instruments (on the sound hole, scroll, rims and, sometimes, the soundboard, in mother-of-pearl and precious woods, with carvings) and employed woods (spruce, rosewood, ebony). All these instruments were used for playing nonreligious salon repertoire, for accompanying singing or dancing, namely sonatas, minuets, contra-dances, preludes and “modinhas”. Although I do not intend to discuss the descent of “Portuguese guitar”, one of the most intensely debated controversies in the history of Portuguese organology, it is possible to stress key stages in


a Guitarra / the Portuguese Guitar

Não cabe aqui discutir a linhagem ascendente da “guitarra portuguesa”, uma das controvérsias mais intensamente vividas da organologia portuguesa; no entanto, é possível apontar para momentos chave na história deste instrumento10: no final do século XVIII ficaram estabelecidas as características organológicas essenciais do cordofone o que não é independente das primeiras tentativas de produção em quantidade, nomeadamente na oficina de Domingos José de Araújo, em Braga11; no início do século XIX a afinação da Guitarra ficou estabelecida ainda que tenham posteriormente surgido pequenas variações que ficaram conhecidas por “afinação do fado corrido”, “afinação de fado”, ou “afinação moderna de Lisboa” (Morais e Nery 2010: 594); no último quartel do século XIX o sistema de afinação das cordas em “chapa de leque” tornou-se dominante (ainda que coexistissem instrumentos com cravelhal em pá — comum em outros instrumentos como violas ou cavaquinhos — ou carrilhão) como se pode verificar no trabalho de construtores como António José de Sousa “o Mudo”, António Duarte ou Manuel Pereira dos Santos12; em meados do século XX o instrumento já apresentava as características que se mantiveram até hoje, muito devido ao trabalho do construtor Álvaro da Silveira.

the evolution of this instrument10: by the end of the eighteenth century the essential features of this chordophone had been established, possibly in connection with the first attempts of mass production, namely at the workshop of Domingos José de Araújo, in Braga11; at the beginning of the nineteenth century the Portuguese guitar tuning was established, although minor variations emerged later on, known as “fado corrido tuning” , “fado tuning”, or “modern Lisbon tuning” (Morais e Nery 2010: 594); in the last quarter of the nineteenth century the “fan-shaped plate” system for string tuning became dominant (albeit in co-existence with other systems, i.e. the shovel-shaped plate – common to other guitars or “cavaquinhos” — or the carillon), as evidenced by the work of makers like António José de Sousa “o Mudo”, António Duarte or Manuel Pereira dos Santos12; in the mid-twentieth century the instrument already presented characteristics that still remain today, largely due to the work of maker Álvaro da Silveira.

10 O texto fundacional para proceder a uma história da guitarra portuguesa é Leite (1796), um estudo que deverá incluir também as obras Ribeiro 1936, Simões 1974, Cabral 1999, Oliveira 2000 [1964], Morais 2002.

The base text for any history of Portuguese guitar is Leite (1796). Such study should also include the works of Ribeiro 1936, Simões 1974, Cabral 1999, Oliveira 2001, Morais 2002.

11 Deste construtor chegaram até hoje um grande número de instrumentos cujas características são padronizadas (a única variante em cada instrumento limita-se à sua decoração).

11 Many instruments produced by this maker are still existent, showing standardized characteristics (the only variation is the instruments’ decoration).

12 Segundo Ernesto Veiga de Oliveira 2000 [1964]: 187 terá sido adoptado o sistema de leque pelo construtor “Sevilhano” do Porto, que foi seguido por João José de Sousa em Lisboa e Domingos José de Araújo de Braga. Conhecemos hoje alguns instrumentos com estas características construídos por Henrique Rufino Ferro. Ficamos a saber que por esta altura o instrumento está estabelecido como uma entidade autónoma e claramente identificável, pois Ernesto Vieira (1899 [1890]: 210) já a ele se refere especificamente no seu Dicionário Musical.

12 According to Ernesto Veiga de Oliveira 2000 [1964]: 187 the fan plate system may have been adopted by “Sevelhano” a maker working in Porto, followed by João José de Sousa in Lisbon and Domingos José de Araújo in Braga. Today we know a few instruments with these characteristics made by Henrique Rufino Ferro. We also know that, at that time, the instrument was wellestablished as an independent clearly identifiable entity, since Ernesto Vieira (1890: 210) already makes specific reference to it in his Dicionário Musical.

10

22


a Guitarra / the Portuguese Guitar

Tendo-se implantado como instrumento preferencial para a prática musical não religiosa e não erudita durante todo o século XVIII e XIX, a difusão de instrumentos de tecla vieram contrariar momentaneamente o domínio destes cordofones durante algumas décadas do final do século XIX. Nesse período a guitarra passou a ser associada às classes sociais mais “populares”, eventualmente marginais, dos grandes centros urbanos. Essa mudança de contexto social em que se inscrevia o instrumento foi o principal fundamento para todo o discurso moral associado à sua utilização, tendo passado a ser visto como desprestigiante a sua execução. Naturalmente, vozes levantaram-se produzindo um discurso oposto que posicionava a guitarra junto das elites, até mesmo do próprio rei D. Carlos que terá aprendido a tocar com José Maria dos Anjos.

23

Widely used as preferred instruments for the practice of non-religious non-erudite music in the eighteenth and nineteenth centuries, the hegemony of these chordophones was momentarily countered in the last decades of the nineteenth century by the dissemination of keyboard instruments. In that period guitars became related with the more “popular”, possibly marginal, social classes in major urban centers. This change in the social context of the instrument’s use was the starting point for a moral discourse on its practice, henceforth considered not recommended. Of course many people gave voice to the opposite discourse, placing the Portuguese guitar among the elites, and even King Carlos learned to play it with José Maria dos Anjos.

Que existia uma apetência por parte das classes letradas (necessariamente ligadas ao que podemos chamar de “elites”) para a execução da guitarra portuguesa parece ser claro, pois na segunda metade do século XIX foram publicados diversos métodos para o instrumento, alguns deles até reeditados mais de uma vez: o método de Maia e Vieira e um de autoria anónima publicados em 1875, o método de José Maria dos Anjos editado originalmente em 1877 e reeditado em 1889, o método de Ferro datado de 1895, um novo método de Maia publicado em 1877 e com reedições em 1890, 1897 e 190013. As elites culturais da época, formatadas pelo movimento cultural “romântico”, começaram a demonstrar especial interesse pelo chamado “espírito do povo” que procuravam documentar tendo em vista proceder ao registo da “essência da nação” e das suas “gentes”. Assim sendo, os documentos produzidos referem profusamente o quotidiano dos habitantes dos bairros populares de Lisboa em que a presença da guitarra portuguesa parecia ser recorrente. Nesses documentos a figura do “fadista” assumia um papel central de síntese.

Clearly literate social classes (necessarily ranked among what one may call “elite”) had a taste for playing the Portuguese guitar, as in the second half of the nineteenth century several Portuguese guitar learning methods were published, some of which even re-published; two in 1875 (Maia e Vieira and one anonymous), the José Maria dos Anjos method, published in 1877 and re-published in 1889, the Ferro method in 1895 and a new Maia method, published in 1877 and re-published in 1890, 1897 and 190013. The cultural elites of that time, shaped by the “Romantic” cultural movement, began to show their particular care for the “national spirit” (volkgeist) which they tried to document in order to register the “essence of the nation” and their “folk”. Texts then published lavishly depict the daily life of the inhabitants of Lisbon’s popular districts, in which Portuguese guitars were seemingly omnipresent. In those documents the “fadista” played a role of synthesis. Likewise “fado” discursively consolidated itself in the second half of the nineteenth century as a genre of urban musical practice. Today there is very little we can (or will ever) know about that “fado”, about the way it sounded. As there was no way of recording

13

13

Ver bibliografia

see bibliography



Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


a Guitarra / the Portuguese Guitar

Da mesma forma, o “fado”, por essa altura — segunda metade do século XIX —, consolidou-se discursivamente como género de prática musical urbana. Hoje, sobre esse “fado”, sobre como soava o “fado”, muito pouco podemos saber ou viremos a saber. Sem uma forma de registar o próprio som, limitado que estava o registo à escrita musical, veículo que permitia fixar só parte da informação do que era interpretado, torna impossível o resgate do “som” do fado. O mesmo se passa relativamente ao repertório interpretado. Por estar ligado aos circuitos populares, quase todo o repertório que era tocado na guitarra não foi registado. O que hoje conhecemos corresponde, ou a arranjos de repertório celebrizado e valorizado por ser passível de se inscrever noutros contextos (nomeadamente o “erudito”), ou, decorrendo de um interesse erudito por práticas vistas como ligadas às “camadas populares”, transcrições de “melodias populares” ou tradicionais — muitas vezes arranjadas — cuja informação musical está condicionada à forma de notação. Utilizar essas transcrições é somente um processo intelectual de perspectivação do repertório e da prática musical e não uma via para o conhecimento da prática musical do fim do século XIX. Qualquer esforço de, arqueologicamente, encontrar “fados” na sua versão mais arcaica — as tão desejadas “origens” — não passa de um esforço de reconstituição, uma leitura contemporânea. Destas fontes (métodos para guitarra e cancioneiros) conseguimos recolher alguma informação relativamente à abordagem técnica do executante ao instrumento, a sua conceptualização, as afinações, e algum do repertório que mais circulava: valsas, polkas, modinhas, “canções tradicionais”… e algumas canções que eram sucintamente descritas como “fados”. Mas o esforço de alguns eruditos românticos do século XIX em registar, legitimando, o meio do “fado”, habilita-nos hoje a conhecer alguns dos mais reputados intérpretes seus contemporâneos, por vezes conhecendo-lhes longas e detalhadas biografias. José Maria dos Anjos merece naturalmente destaque, mas

sound itself and the register was limited to musical writing, a vehicle that only contained part of the information of what was actually interpreted, it is impossible to re-create the “sound” of fado. The same applies to the interpreted repertoire. Being played in popular circuits, most of the repertoire performed at that time by a Portuguese guitar was never registered. What is left today consists of either arrangements of repertoire adaptable to other contexts (namely the “erudite” milieu), or the transcription of “popular” or traditional melodies collected by scholars interested in practices deemed to be associated with the “popular classes”, documents limited by the form in which they were noted down. Using such transcripts is merely an intellectual process of putting the repertoire and the musical practice into perspective, not a means to actually know the musical practice of the late nineteenth century. Any effort to archaeologically finding “fado” in its oldest version – the so desired “origins” – should simply be viewed as a re-creation effort, a modern reading. From these sources (Portuguese guitar methods and songbooks) we managed to obtain data concerning the technical approach to guitar execution, the instrument itself, its conceptualization, tuning practices and most popular repertoire, e.g. waltzes, polkas, “modinhas”, “traditional folk songs” and other songs briefly labeled as “fado”. But the effort made by a few nineteenth-century Romantic erudite researchers to record, thus legitimizing, the “fado” milieu, helps us to know some of the most famous musicians of their time, sometimes providing extensive detailed biographies. Special reference is naturally made to José Maria dos Anjos, but also to Sousa “Casacão” or João Pedro Quaresma. These musicians performed solo, but also joined groups of up to six musicians such as the renowned Troupe Gounot – which temporarily included interpreters such as the said José Maria dos Anjos, but also Luís Carlos da Silva Petrolino, or Reynaldo Varella, among others. Relevant interpreters of

26


a Guitarra / the Portuguese Guitar

também Sousa “Casacão” ou João Pedro Quaresma. Estes músicos apresentavam-se individualmente, como solistas, ou integrados em grupos que podiam ir até aos seis instrumentistas, como é o caso da famosa Troupe Gounot por onde passaram músicos como o referido José Maria dos Anjos, mas também Luís Carlos da Silva Petrolino, ou Reynaldo Varella, entre outros. Em Coimbra surgiram também figuras relevantes na interpretação da guitarra portuguesa como são os casos de Augusto Hilário e Alte da Veiga.

27

Parece ser certo o desenvolvimento do género e o crescimento da comunidade de praticantes do fado na viragem do Século XIX para o XX. Com o crescente número de intérpretes da guitarra portuguesa, com um interesse cada vez maior pela apresentação destes músicos nos mais diversos espaços de sociabilidade, dos cafés aos teatros, passando por retiros, hortas, ou casinos, uma grande quantidade de construtores surgiram motivados pela procura de instrumentos. Em 1914 Michel’Angelo Labertini procedeu, numa pequena edição de 20 páginas, ao inventário dos construtores de instrumentos. Com esse inventário ficamos a perceber que a indústria de instrumentos musicais abrange todas as principais cidades do país, ainda que na sua maioria construindo instrumentos de “pouca qualidade”, quer nos materiais, quer nos processos de construção pouco sofisticados, mas que por terem um mais baixo preço, foram agentes fundamentais para a difusão da prática instrumental popular (entenda-se, não académica e não erudita)14. Construtores hoje menos lembrados, mas com impacte para a imposição da guitarra portuguesa como instrumento central no panorama musical local

14 Guitarras construídas em pinho nas oficinas dos construtores Domingos José Rodrigues, Manuel Pereira, Manuel Teixeira, entre outros. Um menor cuidado na construção e na selecção dos materiais não é sinónimo de menor importância para o estudo do instrumento e a sua utilização; bem pelo contrário, por serem instrumentos mais acessíveis ao público, alcançaram maior difusão, afectando muito mais pessoas que os modelos mais cuidados, mais caros, só ao alcance de profissionais.

Portuguese guitar also appeared in Coimbra, namely Augusto Hilário and Alte da Veiga. At the turn of the nineteenth to the twentieth century, Fado was undoubtedly expanding and so was the number of musicians involved in its practice. Due to the growing number of Portuguese guitar players, whose presence was increasingly requested at public social venues, cafés and theatres, gardens at the city’s outskirts (“hortas”) and restaurants (“retiros”), or casinos, a significant number of instrument makers cropped up motivated by guitar demand. In 1914 Michel’Angelo Labertini published, in a small 20page brochure, an inventory of musical instruments makers. This inventory shows that the musical instrument industry was present in all main cities of Portugal, although most makers produced “lowquality” instruments, in terms of their materials and the unsophisticated construction methods. Being less expensive those Portuguese guitars were key agents in the dissemination of the instrument practice (i.e. neither academic nor erudite)14. Among those makers who are seldom remembered today, but decisively contributed to develop Portuguese guitar as a key instrument in the local musical scene, special reference should be made to Augusto and António Vieira15, Armando Neves, Avelino Coutinho and Domingos Cerqueira da Silva. Although at that time a growing market for Portuguese guitars can be easily inferred, workshops could not devote themselves exclusively to this instrument. Together with Portuguese guitars, they also made cheaper string instruments easier and

14 Namely the Portuguese guitars made of pinewood produced at the workshops of Domingos José Rodrigues, Manuel Pereira and Manuel Teixeira, among others. Poorer make and material selection does not mean less important to the study of the instrument and its use; on the contrary, these instruments were more affordable to the general public and achieved a more widespread dissemination, being used by more people than the more carefully made, more expensive, models which only professionals could buy. 15 These makers actually had more than one workshop working simultaneously and were the only, at that time, to number and date the instruments they made, keeping a strict control of the instruments they produced.


a Guitarra / the Portuguese Guitar

são Augusto e António Vieira15, Armando Neves, Avelino Coutinho, ou Domingos Cerqueira da Silva. Apesar de ser fácil de inferir um crescimento do mercado para as guitarras portuguesas, as oficinas não se podiam dedicar exclusivamente a esse instrumento. Ao mesmo tempo que construíam guitarras portuguesas, produziam instrumentos de corda dedilhada mais baratos, mais rápidos e fáceis de construir — rebecas “chuleiras”, violas “braguesas”, bandolins, destinados a grandes agrupamentos de cordofones dedilhados, como as Tunas — que compensavam economicamente o investimento de tempo necessário na construção de uma guitarra portuguesa. Além disso, ainda que alguns construtores se tenham notabilizado na construção de um tipo de modelo de guitarra, qualquer construtor fazia (e faz) qualquer dos modelos de guitarra, “de Lisboa” e “de Coimbra”, dependendo da escolha das características sonoras que o músico, numa dada altura, pretenda retirar do instrumento que encomendou. Através do inventário publicado por Pedro Caldeira Cabral (1999: 186-199) é reforçada esta leitura pois, ainda que descontando uma menor densidade de informação sobre os construtores activos anteriores a 1850, nas últimas décadas do século XIX até meados do século seguinte é claro o aumento do número de oficinas em funcionamento. Das 65 oficinas activas no século XIX (e 35 pontos de colocação no mercado), passou-se para 104 na primeira metade do século seguinte (contanto com oficinas no Brasil, na Índia, em Angola e nos Estados Unidos da América). As histórias individuais destas pequenas estruturas de produção estão intimamente ligadas à dimensão do mercado que absorve os instrumentos produzidos e as exigências técnicas requeridas pelos músicos seus clientes. Esta fase de grande desenvolvimento na indústria

15 Estes construtores chegaram a ter várias oficinas a laborar ao mesmo tempo, sendo os únicos, na altura, a numerar e a datar os instrumentos que faziam mantendo um controlo rigoroso dos instrumentos produzidos.

quicker to manufacture — fiddles (“rebeca chuleira”), “braguesa” guitars (“viola braguesa”, a popular chordophone with metal strings) and mandolins for large groups of picked chordophones, namely Tunas — that economically offset the time invested in making a single Portuguese guitar. In addition all master craftsmen can (and do) make any Portuguese guitar (“Lisbon” or “Coimbra”) model, depending on the characteristics selected by the musicians who ordered the instrument at any given time, although a few makers became renowned for crafting a Portuguese guitar model. The inventory published by Pedro Caldeira Cabral (1999: 186-199) underscores this assertion as, even if we take into account the poor data available on makers active prior to 1850, the number of operating workshops clearly increased from the last decades of the nineteenth century till the mid-twentieth century. While in the nineteenth century there were 65 active workshops (and 35 points of sale) in the first half of the twentieth century this number grew to 104 (including workshops in Brazil, India, Angola and the United States of America). The individual history of these small production units are closely related with the dimension of the market that requested the produced instruments and the technical requirements demanded by musicians. This phase of significant development of the instrument-making industry was marked by a close relationship between some makers and specific customers. Thanks to this co-operation, Portuguese guitars were rapidly improved as they had to meet the requirements of musicians confronted with new venues for performing (larger theatres, wider audiences, sometimes on stage, thus with more noise and resonance) and the sound recording technologies (initially of acoustic functioning) that required instruments with enhanced capacity of sound projection and larger volume and improved quality of the guitar timbre. The relationship between guitar player Armandinho and maker João Pedro Grácio was one of the most productive and that which,

28


a Guitarra / the Portuguese Guitar

de construção dos instrumentos ficou marcada por uma intensa ligação entre alguns guitarreiros e determinados clientes, uma colaboração que permitiu um rápido aperfeiçoamento da guitarra, conforme as pretensões dos músicos confrontados cada vez mais com novos espaços de performação (de maior dimensão, perante públicos mais numerosos, muitas vezes com palcos, logo com mais ruído e ressonância) e com tecnologias de registo de som (inicialmente acústicas) que levavam a procurar guitarras com maior capacidade de projecção e volume e maior qualidade tímbrica. A relação entre o guitarrista Armandinho e o construtor João Pedro Grácio terá sido das mais intensas relações que, juntamente com o trabalho de Álvaro da Silveira, mais contribuiu para o refinamento das técnicas de construção e o desenvolvimento do conhecimento prático dos mestres desta arte16.

29

Entre 1920 e 1950 estabeleceram-se aquelas que podem ser consideradas as duas principais escolas de construção de guitarra portuguesa, qualquer delas reflectindo as novas exigências como são a qualidade tímbrica, a precisão mecânica e o volume exigidos pelos novos contextos de execução (integração da guitarra portuguesa em grupos com vários cordofones a tocar ao mesmo tempo, em auditórios e palcos de grande dimensão e em situações de registo do som) correspondendo cada uma a instrumentos de grande qualidade de construção, mas com algumas diferenças organológicas. Trata-se de duas escolas distintas e claramente identificáveis, uma iniciada por João Pedro Grácio e outra por Álvaro Marceano da Silveira, madeirense conhecido por Álvaro “Ilhéu”17. Entre

together with the work of Álvaro da Silveira, more significantly contributed to the refinement of the making techniques and to the development of the master craftsmen practical knowledge16. The two most important manufacturing schools of Portuguese guitars established themselves between 1920 and 1950. Each of them produced high-quality instruments, though with different characteristics; one started by João Pedro Grácio and the other by Álvaro da Silveira, born in Madeira and know as Álvaro da Silveira (“Ilhéu”, i.e. Islander) 17, each one clearly demonstrating the new demands of timbre quality, mechanical precision and volume needed for the new performance venues (bigger musical ensembles with simultaneous chordophones playing, big stages, and sound recording conditions). One could say that, together, these two traditions established the characteristics of the instrument and its manufacturing procedures, in spite of particular attributes developed by each maker and his followers. Up to the 1920’s differences between instruments of the same model could amount to 4 centimeters in length, 5 centimeters in body width and 3 cm in rib. From the mid-twentieth century onwards such differences became smaller and the characteristics were standardized in larger instruments (so as to ensure larger volume and better sound projection, attributes naturally valued by the musicians, who performed in increasingly larger venues, for larger usually noisier audiences). Wood choice also became more particular and make procedures more carefully thought over.

16 Da mesma forma, o guitarrista Artur Paredes e o construtor Joaquim Grácio (e mais tarde o seu irmão, João Pedro Grácio Júnior) contribuíram para a estabilização do modelo “de Coimbra”.

16 Likewise Portuguese guitar player Artur Paredes and maker Joaquim Grácio (and later his brother João Pedro Grácio Júnior) contributed to stabilize the “Coimbra” model.

17 Desde o princípio do século que existe uma preocupação em reconstituir (publicitando) a pertença a tradições e escolas de construção como podemos ver na forma como se procedeu à transferência de propriedade de algumas oficinas após morte do mestre, e na recorrência de relações familiares próximas entre construtores.

17 From the beginning of the twentieth century, there was a concern to publicly acknowledge the tradition or school the maker belonged to. This can be perceived both from the way in which the ownership of certain workshops was transferred after the death of the master and the close family bonds created among instrument makers.


a Guitarra / the Portuguese Guitar

essas duas tradições, pode dizer-se que ficaram fixadas as características do instrumento e os processos de construção ainda que com derivações ideosincráticas de cada um dos construtores e seus seguidores. Se até à década de 1920 as diferenças entre os instrumentos de um mesmo modelo podiam chegar aos 4 centímetros no comprimento do instrumento, 5 cm de variação na largura do corpo, 3 cm de variação na ilharga, agora as diferenças atenuaram-se e as características padronizaram-se em instrumentos globalmente de maior dimensão (por forma a garantir maior volume e projecção do som, naturalmente apreciado pelos intérpretes que cada vez mais actuavam em recintos de maior dimensão, perante grandes plateias, habitualmente mais ruidosas). A escolha das madeiras utilizadas passou também a ser mais rigorosa e os processos de construção mais ponderados. João Pedro Grácio (1872-1962) iniciou uma das mais importantes famílias de construção pela qual circulam conhecimentos próprios que individualizam o instrumento mesmo entre outros seus semelhantes. Com a oficina em Lisboa, João Pedro Grácio constituiu uma marca própria (“A Lusitânia”) de guitarras, bandolins, violas-francesas, violões, e cavaquinhos entre variadíssimos outros instrumentos de corda dedilhada. A quando da Iª Guerra Mundial o construtor regressou à sua terra natal (Coimbrão, próximo de Leiria) onde continuou a fazer instrumentos tendo por clientes orquestras populares de cordofones dedilhados e estudantes de Coimbra. Passada a guerra, regressou a Lisboa (1922) abrindo a oficina “Guitarraria Leiriense”, oficina aonde se dirigiam os principais guitarristas da época e local de aprendizagem dos seus filhos João Pedro, Joaquim, José Pedro, Manuel, Ulisses e Victor. João Pedro Grácio Júnior (1903-1967) manteve a tradição familiar e muito contribuiu para o desenvolvimento do modelo de guitarra “de Coimbra”, através da colaboração próxima com Artur Paredes. Joaquim Grácio (1912 - 1994) desenvolveu uma actividade eminentemente experimental tendo-se afastado

João Pedro Grácio (1872-1962) started one of the most important families of makers, whose members circulated particular know-how that individualized the instruments they made even among others of similar construction. After opening his Lisbon workshop, João Pedro Grácio created his own brand (“A Lusitânia”) of guitars, mandolins, French guitars, bass guitars and “cavaquinhos” among other plucked string instruments. With World War I the maker returned to his hometown (Coimbrão, near Leiria) and continued to make instruments for customers such as popular orchestras of plucked chordophones and Coimbra students. At the end of the war he came back to Lisbon (1922) and opened “Guitarraria Leiriense”, a workshop preferred by the main guitar players of that time, where his sons João Pedro, Joaquim, José Pedro, Manuel, Ulisses and Victor learned his craft. João Pedro Grácio Júnior (19031967) kept the family tradition and gave a major contribution to develop the “Coimbra” guitar model through a close co-operation with Artur Paredes. Joaquim Grácio (1912 - 1994) developed a highly experimental activity and moved away from the family workshop to pursue a career on his own. Maker Gilberto Grácio (1936) is currently responsible for keeping the construction model of the Grácio family; his career began in 1967, after the death of his father, whom he assisted. The tradition of Álvaro da Silveira was followed by Manuel Cardoso and his son, Óscar Cardoso, who I shall refer to in the next section. Historically the manufacture of Portuguese guitars in the second half of the twentieth century is marked by contraction in the Fado milieu; only 49 makers are listed (Cabral 1999: 198-199). After a brilliant development in the beginning of the century, the Portuguese guitar, chiefly restricted to the national market, can hardly keep a larger network of makers of more sophisticated instruments. At the end of the twentieth century the following makers were active, i.e. Gilberto Grácio, Álvaro Ferreira, Manuel Mendes, Domingos Martins Machado, Alfredo

30


a Guitarra / the Portuguese Guitar

31

Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Detalhe | Detail) (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Guitarra Portuguesa sem fundo | Backless Portuguese guitar (Detalhe | Detail) (Modelo de Coimbra | Coimbra model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2006 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


a Guitarra / the Portuguese Guitar

da oficina familiar para prosseguir uma carreira autónoma. Gilberto Grácio (1936) é o actual construtor a manter o modelo de construção da família Grácio, numa carreira que teve início a quando da morte do seu pai, em 1967, de quem era assistente. A tradição de Álvaro da Silveira teve seguimento em Manuel Cardoso e no filho deste, Óscar Cardoso, como referirei no ponto seguinte.

Machado, Horácio Pereira, Fernando Meireles, José da Costa Santos, José Manuel da Rocha Amorim, Luís Filipe, José Maria Miranda, Lourenço Alves de Sousa, Alberto Moreira, António Pinto de Carvalho, António Guerra and Óscar Cardoso. This is by no means an exhaustive list, merely an enumeration of the most renowned Portuguese guitar makers.

A história da construção da guitarra portuguesa na segunda metade do Século XX demonstra haver uma contracção no meio do fado, sendo que já só se listam 49 construtores (Cabral 1999: 198-199) activos nesse período. Depois de um início de século que pode ser descrito como fulgurante, a Guitarra Portuguesa, por estar confinada ao mercado local, muito dificilmente consegue sustentar uma maior rede de construtores de instrumentos mais sofisticados. No final do século XX estavam activos os construtores Gilberto Grácio, Álvaro Ferreira, Manuel Mendes, Domingos Martins Machado, Alfredo Machado, Horácio Pereira, Fernando Meireles, José da Costa Santos, José Manuel da Rocha Amorim, Luís Filipe, José Maria Miranda, Lourenço Alves de Sousa, Alberto Moreira, António Pinto de Carvalho, António Guerra, e Óscar Cardoso. Está longe de ser exaustiva esta lista, trata-se tão só de uma enumeração dos construtores de guitarras mais reconhecidos pelo meio.

Note Institutions holding important instruments for studying the evolution of Portuguese guitars: in Lisbon - Museu do Fado, Museu de Etnologia, Museu da Música, Museu da Cidade; in Cascais; Museu da Música Portuguesa. Special reference should also be made to a few private collectors, namely guitar players Pedro Caldeira Cabral and José Lúcio, as well as the very important collection of José Paulo Maia Costa. They include instruments by the main makers known today.

Nota: Instituições que detêm instrumentos importantes para o estudo do desenvolvimento organológico da guitarra portuguesa: em Lisboa, Museu do Fado, Museu de Etnologia, Museu da Música, Museu da Cidade; em Cascais, Museu da Música Portuguesa. Algumas colecções particulares devem ser destacadas: dos guitarristas Pedro Caldeira Cabral e José Lúcio e especialmente a colecção de José Paulo Maia Costa, qualquer delas possuindo instrumentos dos principais construtores hoje conhecidos.

32

Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Detalhe | Detail) (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Guitarra Portuguesa sem fundo | Backless Portuguese guitar (Detalhe | Detail) (Modelo de Coimbra | Coimbra model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2006 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


a Guitarra / the Portuguese Guitar

33

Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Fotografia de | Photo by Rolando Oliveira, 2010 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


Manuel Cardoso Revista | Magazine “Sphere”, Maio| May 1988 Colecção | Colection Óscar Cardoso


2

o _ nd

o Caminho/the Journey É certo que a maior parte das guitarras portuguesas surgiram à margem das grandes tradições da construção, de outras mãos que não dos principais mestres na fabricação destes instrumentos musicais, à margem das oficinas que produzem instrumentos reconhecidamente de grande qualidade, seja pelos processos de construção, seja pela selecção dos materiais, seja pela sua mecânica. Mas é através destes instrumentos extraordinariamente construídos que podemos observar o nível de apuramento desta arte e até obter pistas que nos ajudem a melhor perceber a música que fazem e a técnica de quem os usa.

It is a fact that most part of Portuguese guitars appeared offside the major manufacturing traditions, from other hands that did not belong to the major craftsmen, offside the well-known workshops manufacturing top quality instruments – either by their manufacturing processes or by their material selection or mechanics. But with these amazingly manufactured instruments one may confirm the level of perfection of this art, and even find the clues that will help us to better understanding the music we listen to and the technique of those who use them.


2

o Caminho / the Journey

Como já referi, uma das tradições mais consistentes no modo de construir guitarras é a que hoje está representada por Óscar Cardoso.

As I have mentioned before, one of the most consistent guitar manufacturing traditions is nowadays represented by Óscar Cardoso.

Para traçar a história da construção de cordofones que nos trará à oficina de Óscar Cardoso devo começar na figura de Arthur de Albuquerque, cuja oficina esteve activa entre 1898 e 1907, em Lisboa, na R. da Boavista. Este construtor foi contemporâneo de fabricantes como António Duarte (no Porto), Octaviano João Nunes (Funchal), António Duarte Mentes (Figueira da Foz), José e António da Cruz Abrantes (Vila Nova de Tazém), João Pedro Grácio (Coimbrão), Augusto e António Vieira, Manuel Teixeira, e António Duarte (todos de Lisboa), entre tantos outros. Poucos instrumentos deste construtor chegaram até hoje. Conhecemos uma guitarra — próxima do modelo que viria a ser conhecido como sendo “de Lisboa” — por ele fabricada, e na posse de Pedro Caldeira Cabral, que demonstra um especial cuidado na escolha dos materiais (empregando madeiras pouco usuais como o ácer olho-de-perdiz e a tília) e requintada decoração, nomeadamente com uma voluta representando um dragão. Ricamente decorada, nos rebordos e numa dupla cercadura da boca e embutidos de madrepérola na escala, contrasta com a simplicidade da chapa de leque num equilíbrio estético rapidamente perceptível. Conhecemos também uma guitarra com um corpo mais estreito, menos decorada na posse de José Paulo Maia Costa. No entanto, Arthur de Albuquerque fez essencialmente instrumentos de construção menos cuidada, acessíveis a um público mais vasto e amador.

In order to trace back the history of chordophones’ manufacturing that will lead us to Óscar Cardoso’s workshop, I must begin with Arthur de Albuquerque, whose workshop operated in Rua da Boavista, in Lisbon, from 1898 to 1907. This luthier was coeval to many other manufacturers, namely António Duarte (in Oporto), Octaviano João Nunes (Funchal), António Duarte Mentes (Figueira da Foz), José and António da Cruz Abrantes (Vila Nova de Tazém), João Pedro Grácio (Coimbrão), Augusto and António Vieira, Manuel Teixeira, and António Duarte (all from Lisbon), among many more. Little of Arthur de Albuquerque’s instruments still exist today. We know of a guitar – similar to the model that would be known as “Lisbon’s” – manufactured by him and that belongs to Pedro Caldeira Cabral. This guitar shows his utmost care for the choice of materials (using unusual woods as partridge-eye maple and linden) and exquisite decoration, namely with a scroll depicting a dragon. Its richly decorated rim and double rosette inlay and mother-of-pearl intarsia on the scale contrast with the simplicity of the fan plate in a easily perceptible aesthetic balance. We also know of a guitar – with a narrower body and less decorated that belongs to José Paulo Maia da Costa. Arthur de Albuquerque however manufactured instruments that were less exquisite and more affordable for a wider target of amateurs.

Foi na oficina de Arthur de Albuquerque que, entre 1903 e 1907, Álvaro Marciano da Silveira, o Álvaro “Ilhéu”, aprendeu o mister de construtor de guitarras portuguesas. Álvaro da Silveira nasceu no Funchal, em 1883, tendo vindo para Lisboa em 1903. Ainda na Madeira havia sido iniciado, com 11 anos de idade, na fabricação de instrumentos de corda, junto ao construtor de violinos Augusto Costa. Já em Lisboa,

Between 1903 and 1907 Álvaro Marciano da Silveira, aka Álvaro “Ilhéu”, learned the Portuguese guitar manufacturing craftsmanship at the workshop of Arthur de Albuquerque. Álvaro da Silveira was born in Funchal in 1883, and moved to Lisbon in 1903. In Madeira, at age 11, he had learned to manufacture string instruments with the luthier Augusto Costa. In Lisbon, following his apprenticeship at the workshop of Arthur de Albuquerque, where he

36


o Caminho / the Journey

depois da passagem formativa pela oficina de Arthur de Albuquerque, de que chegou a ser encarregado1, abriu a sua própria oficina, ao Conde Barão, em 1907. Desde essa data até meados da década de 702, altura da sua morte, a sua oficina mudou várias vezes de local: esteve na Travessa dos Inglesinhos (nº 35, 2º andar) no Bairro Alto primeiro, e depois, já na década de 60, no Beco de São Lázaro (nº 20, 2º andar), morada onde viria a falecer. Durante esses 65 anos, Álvaro da Silveira esteve sempre em actividade.

37

Especialmente importante para o desenvolvimento da sua arte foi a sua passagem pelas escolas de construção de instrumentos de Cremona, a Scuola Internationale de Liuteria de Cremona, onde esteve na década de 30 através de uma bolsa de estudo do Instituto para a Alta Cultura. Nessa escola, Álvaro da Silveira refinou os seus processos de fabrico e desenvolveu o rigor na escolha dos materiais, tendo, a partir daí, atingido uma qualidade de fabricação que claramente se destacava3. As suas guitarras distinguem-se das demais, além das características acústicas e o som produzido — que muito se deve às técnicas usadas na construção de violinos que transpôs para a construção da caixa de ressonância da guitarra portuguesa, nomeadamente a colocação precisa das travessas sob o tampo harmónico, mas também o diâmetro da “boca”, a maior dimensão geral do instrumento, espessura das madeiras e a goma-laca utilizada no envernizamento —, pela junção oblíqua curva do braço com o corpo da guitarra, em vez da habitual junção oblíqua recta, uma tradição que Manuel Cardoso continuou e que o seu filho Óscar hoje mantêm. Na prática, é possível dizer que Álvaro da Silveira, em meados do Século XX, estabilizou as características da guitarra portuguesa

worked as foreman for some time1, he opened his own workshop in Conde Barão, in 1907. And from those days until the mid-seventies, when he passed away2, his workshop relocated several times: at Travessa dos Inglesinhos (number 35, 2nd floor), in Bairro Alto, and then – in the 1960’s – at Beco de São Lázaro (number 20, 2nd floor), where he would die. Álvaro da Silveira was active professionally during those 65 years. Particularly important for his craftsmanship was his training at Cremona’s school for instrument manufacturing, the Scuola Internationale de Liuteria de Cremona, which he attended in the 1930’s with a scholarship granted by the Instituto para a Alta Cultura. In this school Álvaro da Silveira refined his manufacturing processes and increased his accuracy in material selection, and achieved an outstanding manufacturing quality3. His guitars stand out from the others due to various reasons. Apart from their acoustic features and the sound they produced – mainly due to the violin manufacturing techniques he used in manufacturing the body of the Portuguese guitar, namely the accurate bar assemblage under the soundboard, but also due to the diameter of the “sound hole”, the wider dimension of the instrument itself, the thickness of the wood and the shellac used to varnish it – for the neck’s curved oblique joint with the body of the guitar, instead of the usual straight oblique joint, a tradition followed by Manuel Cardoso that is still used by his son Óscar nowadays. As a matter of fact, it is possible to state that in the beginning of the 20th century Álvaro da Silveira set the features of the Portuguese guitar as far as various points are concerned: dimensions, types of woods (the

1 1

Hoje essa oficina chama-se Santos & Silva Vieira Lda.

2

São apontados os anos de 1972 e 1975.

3

Logo após essa passagem pela Itália, construiu, além de guitarras portuguesas, outros instrumentos necessários à prática de “música antiga” — repertório erudito, secular e religioso, anterior ao século XVII —, nomeadamente alaúdes. No final da sua carreira, voltou a construir violinos.

2

That workshop is now called Santos & Silva Vieira Lda.

2

The year of his death is uncertain – it was either in 1972 or in 1975.

3

Following this stay in Italy, apart from Portuguese guitars, he also manufactured other instruments necessary for the “ancient music” practice – erudite, secular and religious repertoire prior to the 17th century – namely lutes. At the end of his career he – once again – manufactured violins.


2

o Caminho / the Journey

38


o Caminho / the Journey

39 Manuel Cardoso, s/d | Undated Oficina de Construção | Workshop Casal do Privilégio, Odivelas Colecção | Colection Óscar Cardoso

2


2

o Caminho / the Journey

no que concerne às dimensões, madeiras (a utilização de espruce italiano no tampo, as ilhargas e o fundo em pau-santo do Brasil, o braço em cedro), espessura das madeiras, opções que denotam, claro está, a passagem pela escola de Cremona. A nível pessoal, temos hoje a imagem de um artesão excêntrico que não deixava de inovar os próprios processos de fabrico sempre na procura de desenvolver a sua arte. As suas guitarras foram tocadas por Armandinho, José Nunes, Fontes Rocha, e Carlos Gonçalves, entre tantos outros, e as suas violas foram utilizadas por músicos espanhóis como Cano, Rabel e Sainz. Hoje as suas guitarras estão ao cuidado de algumas instituições museológicas como é o caso do Museu do Fado que possui no seu acervo uma guitarra portuguesa de 1957, uma outra guitarra datável do início da década de 60 que pertenceu de Domingos Camarinha e uma viola que foi propriedade de Amadeu Ramin datada de 1966. Algumas colecções particulares têm também cordofones seus. Álvaro da Silveira teve vários discípulos além do reconhecido Manuel Cardoso. Desses discípulos é de destacar Francisco Januário da Silva, conhecido por “Chico Ilhéu”, conterrâneo de Álvaro da Silveira, e que com este trabalhou até cerca de 1920, ano em

use of the Italian spruce wood for the soundboard, both the ribs and the body in Brazilian holy wood, the neck in cedar wood), and thickness of woods, whose options clearly show his stay at Cremona’s school. At a personal level, we currently have the image of an eccentric craftsman who would always innovate his own manufacturing processes and pursue the development of his craftsmanship. Armandinho, José Nunes, Fontes Rocha, and Carlos Gonçalves, among many others, played his Portuguese guitars and his Spanish guitars were also used by Spanish musicians such as Cano, Rabel and Sainz. Nowadays his guitars belong to some museums, as Museu do Fado that owns a Portuguese guitar dated from 1957, another one which can be dated from the beginning of the 1960’s that belonged to Domingos Camarinha, and a Spanish guitar dated from 1966 that belonged to Amadeu Ramin. Some of his chordophones also belong to some private collections. Apart from the celebrated Manuel Cardoso, Álvaro da Silveira had several other apprentices. One must point out Francisco Januário da Silva, aka “Chico Ilhéu”, a fellow countryman of Álvaro da Silveira, with whom he worked until the 1920’s, when he established his own business in Lisbon until 1955. His

40

Selo do Construtor | Manufacturer Seal Manuel Cardoso e|and Óscar Cardoso s/d | Undated Colecção | Colection Óscar Cardoso


o Caminho / the Journey

que se estabeleceu por conta própria, tendo estado activo até 1955 na cidade de Lisboa. Tinha oficina na R. Do Diário de Notícias (nº 60), sendo que, a partir dos instrumentos que se conhecem hoje, construía seguindo o modelo do construtor Júlio Silva. Deste guitarreiro temos hoje a indicação de que fabricava guitarras com duas “bocas”, semelhante ao que o Museu do Fado exibe na sua exposição permanente4.

2

workshop was located at Rua Do Diário de Notícias (number 60). From his instruments we know today, one may say he manufactured them according to the model of Júlio Silva. Records mention that this luthier used to manufacture guitars with two sound holes, similar to the one on display at the permanent exhibition of Museu do Fado4.

Manuel Cardoso foi o responsável pela continuação da tradição de Álvaro da Silveira. Nasceu na aldeia de Montão, próximo de Cinfães do Douro, em 1933, onde se iniciou na actividade de carpinteiro. A sua especial habilidade na manipulação da madeira levou-o à actividade de marceneiro e à construção de instrumentos musicais de forma auto-didacta. Em 1960, veio para Lisboa à procura de melhor tratamento para os seus problemas de saúde (espondilite aquilosante, doença reumática causadora de inflamação das articulações) e graças ao reconhecimento da sua capacidade no trabalho com madeiras e o seu proverbial ímpeto para “fazer coisas” e para “saber fazer”, começou a trabalhar na empresa

Manuel Cardoso was the number one responsible for maintaining Álvaro da Silveira’s tradition. He was born in the village of Montão close to Cinfães do Douro, in 1933, where he worked as a carpenter. His wood manipulation outstanding skills led him to work as self-made cabinet-maker and luthier. He moved to Lisbon in 1960 in search for a better treatment for his health problems (espodilitis anquilosante, a rheumatologic condition that causes joint inflammation). Thanks to his wooden work skills and his famous drive to “do things” and to “know-how to do it”, he began to work as wind instruments’ cases manufacturer at the Salão Musical de Lisboa. He then revealed his outstanding skills and techniques in wooden works and his boss encouraged him to make

4

4

Existe uma outra guitarra com esta característica na colecção da Fundação Calouste Gulbenkian em depósito no Museu Nacional de Etnologia construída por Augusto Vieira em 1921.

41

Selo do Construtor | Manufacturer Seal Óscar Cardoso, 2011 Colecção | Colection Óscar Cardoso

There is another guitar with this feature, manufactured by Augusto Vieira in 1921, in the collection of Fundação Calouste Gulbenkian deposited at Museu Nacional de Etnologia.


2

o Caminho / the Journey

Salão Musical de Lisboa onde fabricava estojos para instrumentos de sopro. Nessa actividade demonstrou um grande domínio das técnicas de construção com madeiras tendo o seu patrão na altura incentivado-o a construir guitarras portuguesas. Desse modo, num contacto estabelecido pelo seu patrão, passou a trabalhar na oficina de Álvaro da Silveira tendo em vista a aprendizagem da construção de instrumentos de corda e em especial das guitarras portuguesas. Rapidamente começou a produzir estes instrumentos para o Salão Musical de Lisboa, o que fez até 1961, ano em que o seu mestre Álvaro da Silveira tomou contacto com essas guitarras. Reconhecendo a qualidade de construção recebeu, de novo, Manuel Cardoso como aprendiz. Com a morte de Álvaro da Silveira, Manuel Cardoso tomou em mãos a continuidade da linha de construção do seu mestre. No início da década de 70 criou a sua própria oficina em Odivelas de onde saíram centenas de guitarras portuguesas, violas, banjos e bandolins. O seu cuidado de construção fez dele um muito procurado artífice para o restauro e construção de instrumentos, por músicos como Edgar Nogueira, Arménio de Melo, Custódio Castelo ou Carlos Gonçalves que se tornaram seus clientes. Manuel Cardoso vivia intensamente a sua arte, demonstrando uma permanente inquietação relativamente aos materiais, aos processos de fabricação, às ferramentas e aos instrumentos construídos, que acabava num esforço de inovação. “Ele queria saber tudo, sobre tudo” lembra o filho. Nenhuma técnica lhe parecia inútil, nenhuma experiência o demovia. Além de construtor, sabemos que Manuel Cardoso tocava violino. Do seu casamento com Maria Isabel Barbedo teve dois filhos, Maria Helena e Óscar. O seu filho viria a assumir a continuidade da actividade do pai. Faleceu em 1991 deixando com a oficina no Casal do Privilégio, em Odivelas, um saber, uma tradição que o seu filho Óscar mantêm, sendo hoje o depositário e actualizador dessa tradição na construção de guitarras portuguesas.

Portuguese guitars. He introduced him to Álvaro da Silveira, and Manuel Cardoso thus started working at his workshop to learn how to manufacture string instruments and, in particular, Portuguese guitars. He soon started to produce these instruments for the Salão Musical de Lisboa, which he did until 1961, when his master, Álvaro da Silveira, saw these guitars. Acknowledging their top quality, he took Manuel Cardoso back as his apprentice. Following the death of Álvaro da Silveira, Manuel Cardoso took into his hands the maintenance of his master’s techniques. In the beginning of the 1970’s he established his own workshop in Odivelas, where hundreds of Portuguese guitars, guitars, banjos and mandolins were manufactured. His concern for a perfect manufacturing made him a highly required craftsman to instrument restoring and making, by musicians, such as Edgar Nogueira, Arménio de Melo, Custódio Castelo or Carlos Gonçalves, who became regular customers. Manuel Cardoso lived his craftsmanship to the full, and always showed a permanent concern for materials, manufacturing processes, tools, and instruments that led him to major innovation efforts. “He wanted to know everything there was to know about every subject”, recalls his son. No technique was ever useless, and no experience would ever demote him. Apart from being an instrument manufacturer, we know that Manuel Cardoso also played the violin. He was married to Maria Isabel Barbedo and had two children with her - Maria Helena and Óscar. His son would follow his father’s professional footsteps. He died in 1991 and left behind a heritage of know-how for his workshop at Casal do Privilégio, in Odivelas. His son Óscar is still today the bearer of this knowhow, and constantly updates that tradition in the manufacturing of Portuguese guitars.

42


o Caminho / the Journey

43

Manuel Cardoso Parede da Oficina de Construção | Workshop Wall Casal do Privilégio, Odivelas, 2011 Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

2


Óscar Cardoso, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal


3

o _ rd

Óscar Cardoso,

a biografia de um artesão /a craftsman biography O artesão é aquele que domina uma arte, que a pratica, que tem um saber, um conhecimento, uma experiência que adquiriu num período de tempo, mais ou menos longo, de aprendizagem, através de um processo, mais ou menos complexo, de transmissão entre um mestre e o seu aprendiz, entre quem sabe para o neófito que aprende.

A craftsman is someone who masters his trade, who works that craft, who has the know-how, who has the training acquired through a more or less long period of time, who has learned it through a more or less complex process of conveyance between a master and his apprentice, between the one who teaches and the one who learns.


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

O desenvolvimento da tecnologia de base industrial tem secundarizado, no Ocidente, o trabalho destes mestres, primeiro relativamente a uma “arte cultivada” que se investiu ela própria de uma noção de prestígio; segundo, face a um princípio dominante da eficácia, da rapidez, e da maximização do trabalho próprio de modelos industriais do capitalismo moderno. O “artesão” ficou algures entre o homem dos sete ofícios que “desenrasca” com artifício uma solução para um qualquer problema (ou avaria) e uma curiosidade folclórica que o representa como uma “imagem de um tempo antigo, de um ritmo mais humano”. Aqui interessa considerar o artesão como “artista” que é.

In the Western world the development of industrial technology has underplayed the role of these masters, first by benefiting “cultivated art” that gave itself a notion of prestige is concerned, and secondly before a dominant principle of effectiveness, of rapidity, and of the modern capitalism industrial models’ work maximization. The “craftsman” stands somewhere between a shrewd and ingenious jack-of-all-trades who can “fix” and solve any kind of problem (or damage) and has a somewhat folkloristic curiosity that depicts him as “a person from the old days who has a more human pace”. But here a craftsman should be considered an “artist”.

Para mim, falar de Óscar Cardoso é falar de um artesão. E é possível verificar isso assim que o começamos a ouvir. Logo no primeiro encontro para falar sobre a exposição que este catálogo documenta, declarou que o que era importante mostrar eram os produtos da sua mão, do seu conhecimento e imaginação: os instrumentos musicais. Para os dar a conhecer queria mostrar tudo: os instrumentos, claro, mas também as ferramentas, as fotografias, queria uma forma específica de exibir os materiais, queria trazer os seus “clientes”, envolvendo-os na exposição. Queria especialmente contrariar a rigidez que decorre do acto de mostrar, contrariar a passividade de algo que se expõe, que é dado “a ver”… “As vitrinas têm de ser abertas para que os músicos vão lá e utilizem os instrumentos, que os toquem!” dizia.

As far as I am concerned, to talk about Óscar Cardoso is to talk about a craftsman. And this is easily confirmed as soon as one hears him talking. During our first meeting to discuss the exhibition and this catalogue, he stated that what was really important for him was to show his own products, the products of his know-how and imagination: musical instruments. And he wanted to show everything: the instruments themselves, obviously, but the tools and the pictures as well. He wanted a particular way of displaying those items he wanted his “customers” to get involved in the whole exhibition. He specifically wanted to fight the usual stiffness that usually occurs when something is shown, to fight the passiveness of an item on display that is “shown” to us… “Windows must be open so that the musicians may be able to grab the instruments and play them!” said Óscar.

Para produzir a investigação de suporte à exposição, para domesticar um conhecimento que imprecisamente acumulava, falámos durante vários dias. Especialmente importante foi a minha visita à sua oficina numa manhã de Abril. Nesse espaço contou-me cuidadosamente a sua história como um artesão do seu próprio discurso: reunindo os materiais disponíveis, à primeira vista desconexos, para tecer uma rede de sentidos que ia da figura do seu pai à recente paixão pelo paddle surf, das guitarras portuguesas sem fundo ao “som” que aspira obter com

In order for me to produce the exhibition’s background research and to tame his chaotic knowledge, we talked for many days. My visit to his workshop on an April morning was particularly important. He told me in great detail his story as craftsman of his own speech – collecting the available material, at first sight apparently unrelated, to weave a sense’s net ranging from his father’s personality to his recent passion for paddle surf, and from the backless Portuguese guitars to the “sound” he wishes to attain with his

46


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

os seus instrumentos. Ao fim de algumas conversas tudo afinal fazia sentido e cada pormenor ajudava a compreender todos os outros, da guitarra à metafísica, passando — claro — pelo mar e pelo surf.

3

instruments. After some talks everything made sense and each small detail helped me to understanding the others, from the guitar to metaphysics to – of course – sea and surf.

47

Óscar Cardoso, 2011 Ericeira Fotografias de | Photos by Luís Carvalhal


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

Óscar Cardoso, 2011 Ericeira Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

48


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

Óscar Manuel Barbedo Cardoso é muito jovem. Nasceu em 1960 e tem trabalhado no restauro e construção de instrumentos de corda desde há 35 anos. Em 1990 começou a construir instrumentos. É “Guitarreiro”. Chegou a esta actividade por influência do pai, o construtor Manuel Cardoso, cuja oficina; no Casal do Privilégio em Odivelas; hoje ocupa. Teria cerca de oito anos quando começou a procurar na oficina do pai os brinquedos que desejava: ferramentas.

49

No final da década de 60 não era fácil viver da construção de instrumentos musicais, muito menos do fabrico de guitarras portuguesas “de luxo”. Os anos de expansão do fado haviam acontecido há algumas décadas e o número de instrumentistas e cantores diminuía. O país começava a ver no fado a saturada face do regime, o desejo de mudança que crescia com a “primavera marcelista” não tinha no fado o seu fundo sonoro. Estando o fado circunscrito às emissões de rádio com intérpretes como Maria Teresa de Noronha e o Conjunto de Guitarras de Raul Nery, e com uma fonografia do fado, ainda que numerosa, dominada por Amália Rodrigues, pouca motivação havia para a renovação da prática do fado para além da levada a cabo pelo eixo “Amália - Oulman - Mourão-Ferreira - Hugo Ribeiro”. A rede de “casas de fado” assegurava uma actividade regular aos principais intérpretes, mas contribuía para a tipificação da prática musical, tornando-a pouco apelativa, dificultando a conquista de novos públicos. Os espaços onde se apresentavam os cantores e os guitarristas estavam vocacionados para o crescente número de turistas estrangeiros que assistiam a espectáculos folclorizados em que os músicos se representavam a si próprios, muito longe das dinâmicas mais criativas próprias do domínio. Os instrumentistas que se apresentavam em contextos mais informais — as associações de bairro, os pequenos restaurantes — não conseguiam profissionalizar a sua carreira a ponto de terem disponibilidade financeira para adquirir instrumentos musicais caros. Ao nível profissional, o grande contingente de cantores e instrumentistas activos no final da década de 60 já o

3

Óscar Manuel Barbedo Cardoso is still young. He was born in 1960 and has been working in string instrument’s restoring and manufacturing for 35 years. He began making instruments in 1990. He is a “Guitarreiro” (luthier). He learned his craft with his father, the luthier Manuel Cardoso, whose workshop at Casal do Privilégio, in Odivelas, he still runs today. He was approximately 8 years old when he started to look for the toys he wanted to play with at his father’s workshop: tools. In the end of the 1960’s it was not easy to make ends meet by manufacturing musical instruments, let alone “luxury” Portuguese guitars. Fado’s golden years were long gone and the number of guitar players and Fado singers was scarce. The country was beginning to match Fado with the political status quo and the desire for change that was growing alongside with the “primavera marcelista” did not include Fado as its soundtrack. Fado was limited to radio broadcasts featuring some artists as Maria Teresa de Noronha and Conjunto de Guitarras de Raul Nery, and to a wide phonography dominated by Amália Rodrigues. Apart from the Fado of the “Amália - Oulman Mourão-Ferreira - Hugo Ribeiro” axis there was little motivation to renew it. The “casas de fado” network ensured its major artists had a regular practice but also contributed to its typification, thus making it unattractive for new audiences. The venues were focused upon the growing number of foreign tourists who would watch a sort of folk shows in which the musicians would themselves perform their own image, quite far from their own creative dynamics. Instrument players who appeared in less formal contexts – local clubs and small restaurants – were not able to professionalize themselves and thus make enough money to buy expensive musical instruments. Except for some major new names: Carlos do Carmo, Maria da Fé, António Rocha, Rodrigo or João Braga, at a professional level, both singers and guitar players active in the 1960’s had been performing for some decades (some of them even prior to the War). As


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

eram em décadas anteriores, alguns mesmo antes da Guerra, a que se juntaram poucos (mas importantes) nomes novos: Carlos do Carmo, Maria da Fé, António Rocha, Rodrigo ou João Braga. Como lembra Óscar Cardoso, “na altura não era fácil fazer a vida com a construção de instrumentos. Havia muitos construtores e poucos músicos”. Rapidamente o mercado para os instrumentos ficava saturado e a concorrência era grande. Uma concorrência que dificultava o início de carreiras naquela arte, “ou era genial ou era complicado”, conclui. Mas a capacidade de Manuel Cardoso impôs-se construindo uma fiel clientela que viria a transitar para o filho Óscar. Carlos Gonçalves, Custódio Castelo, Arménio de Melo, Edgar Nogueira eram alguns dos músicos que encomendavam instrumentos a Manuel Cardoso e que hoje permanecem clientes da oficina do Casal do Privilégio. Da oficina, uma garagem na moradia onde viveu a família Cardoso, todos os familiares participavam dessa pequena indústria. O pai construía instrumentos musicais, a mãe, costureira hábil, fazia as caixas para os instrumentos vergando as madeiras laterais e forrando-as, e o filho auxiliava em tarefas mais fisicamente exigentes e que dispensavam maior treino manual, conhecimento técnico e experiência. Manuel Cardoso, confrontado com a crescente necessidade de ajuda e com o desinteresse do filho em continuar na escola, associada à familiaridade com a oficina, com as madeiras, e com as ferramentas que Óscar sempre demonstrou, fez com que, a contragosto, assumisse o filho como aprendiz. A mãe teve um papel central ao dar o impulso determinante para o início da carreira de Óscar Cardoso, quando, perante as reticências do pai que projectava um futuro idealizado e “normalizado” para o seu filho, patrocinou a sua “entrada” na oficina como aprendiz. “Faz-se aí uma bancada…”, terá dito.

Óscar Cardoso recalls, “back then it was not easy to live of instrument’s manufacturing. There were many manufacturers and not that many musicians”. The musical instrument market would soon get saturated and the competition was fierce. A competitiveness that would make it very hard for someone to start a career, “either you were outstanding or it was really difficult”, states Óscar. But Manuel Cardoso’s ability imposed itself and he was able to build a clientele of faithful customers that would be inherited by Óscar. Carlos Gonçalves, Custódio Castelo, Arménio de Melo, Edgar Nogueira were some of the musicians who ordered musical instruments from Manuel Cardoso and are still today faithful customers at Casal do Privilégio workshop. Every family member worked in this small industry located at the Cardoso’s family garage. The father made musical instruments, the mother – a skilled seamstress – made the lined cases, and the son helped with the more physically demanding tasks and the ones that required less expertise, technical knowhow and experience. Facing his growing need for help and his son’s desire to drop out of school and interest for the workshop, the woodworks, and the tools, Manuel Cardoso unwillingly took his son as his apprentice. The mother played an important part fostering her son’s new career – while the father hoped for a better and “common” future for his son, the mother sponsored and encouraged Óscar to join the workshop’s team as an apprentice. “Just make another workbench…”, she would have said.

50


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

51

Óscar Cardoso, s/d | Undated Oficina de Construção | Workshop Casal do Privilégio, Odivelas Colecção | Colection Óscar Cardoso

3



Óscar Cardoso, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografias de | Photos by Luís Carvalhal


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

Óscar Cardoso começou por desempenhar pequenas tarefas, as que exigiam menos precisão, mais força, menos experiência e conhecimentos específicos como era o corte da madeira. Mas, tal como o pai, vivia num constante estado de inquietação. Tal como o pai, nada parecia ser inútil, todas as técnicas, todas as experiências, todos os materiais, todas as tentativas, todos os erros eram determinantes para a aprendizagem e para melhorar a sua prática. Desde cedo, o guitarreiro “tinha coisas malucas na cabeça para fazer!” e o pai ria-se perante as propostas que pareciam delirantes. “Mas foi com essa maluqueira que aprendi”. Com o tempo a perspectiva do mestre mudou, perante a notória habilidade do filho, ao verificar a sua capacidade criativa, a sua apetência para inventar instrumentos, imaginar processos de construção inusitados, empregar novos materiais, sempre com resultados surpreendentes, Manuel Cardoso passou a dar todo o apoio a estas experiências. Mas durante muitos anos Óscar Cardoso limitou-se a serrar, aplainar, afinar ferramentas. Depois passou a fazer reparações e reconstruções de todo o tipo de instrumentos, de violinos a guitarras portuguesas passando por alaúdes. Passou anos a fazer reparações. Só quando os seus gestos ganharam consistência e consequência passou a fazer violas, um instrumento mais fácil de construir, cuja técnica de fabrico é menos complexa e exigente do que a necessária à construção de guitarras portuguesas. Uma guitarra portuguesa é um instrumento complexo, que exige muita experiência, que exige a melhor arte do fabricante. Todas as partes do instrumentos estão em tensão, apoiando a sua mecânica geral na articulação de cada uma das partes, o tampo é preciso dobrar sem partir, o braço tem de ser cuidadosamente construído para resistir à força exercida pelas cordas, o tão famoso encaixe em curva oblíqua do “taco”, tão aparentemente fácil, que resulta de um segredo transmitido entre mestres-aprendizes e depois de pai para filho. Quando já tinha a mão adaptada aos materiais e aos processos, começou a fazer guitarras,

Óscar Cardoso started by performing small tasks – the ones that required less precision, more strength, and less experience and specific know-how, as woodcutting works. But, just as his father, he lived in a permanent state of restlessness. Just like his father, he believed nothing was useless, and that every technique, every experiment, every material, every trial and every error were determinant to learning and to improving his practice. From a young age this luthier “had crazy plans in his mind!” and his father would laugh at his delirious projects. “But it was this craziness that taught me”. The master’s point of view shifted before his son’s obvious skills. Confirming Óscar’s creative ability and that he was really gifted to invent instruments and imagine uncommon manufacturing processes, use new materials, and always achieving outstanding results, Manuel Cardoso from then on supported all his experiments. For many years Óscar Cardoso just sawed, trimmed, and repaired tools. He then moved to repairing and manufacturing all sorts of musical instruments, from violins to Portuguese guitars and lutes. He spent many years doing these repairing works. And only when his gestures achieved the required consistency he was allowed to manufacture guitars, an easier instrument to make whose manufacturing technique is less complex and demanding than the one required to make Portuguese guitars. A Portuguese guitar is a complex instrument that requires plenty of knowhow and great craftsmanship. Every part of the instrument is in tension and its general mechanics is supported by each part’s articulation – the soundboard should be bended without being broken, the arm must be carefully made to resist the strength of the strings, and the ever so famous oblique inset of the heel block, apparently so easy to make, that was passed on from master to apprentice and from father to son. When his hands were ready for both materials and processes he began making guitars, but just their bodies because the necks were still made by his father. As far as a luthier is concerned the guitar’s “neck” is

54


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

mas só construindo a sua caixa de ressonância pois os braços eram ainda feitos pelo seu pai. O “braço” de uma guitarra é, para o construtor, uma das partes mais complexas e exigentes na construção de instrumentos: a sua inclinação, os ângulos do braço, a forma como afectam a tensão das cordas, a sua relação com o cavalete, até a orientação do veio da madeira usada na sua construção. Um “braço” “bem feito” facilita a afinação e a sua manutenção, resiste à mais exigente utilização. O último passo no processo de aprendizagem começou quando Óscar passou a colocar braços.

55

Para reforçar a sua formação e correspondendo a um “desejo de ver o mundo”, em 1986, com uma bolsa da Secretaria de Estado da Cultura, ingressou na Scuola Internationale de Liuteria de Cremona, e sem o saber, começou a percorrer os mesmos passos que o mestre do seu pai, 60 anos antes, havia dado. Naquela prestigiada instituição, famosa pela mitificação do nome dos construtores de violinos provenientes dessa cidade italiana, aprendeu “bastante teoria”, mas na prática… “não aprendeu nada”. Descobriu que o método que utilizava, essa tradição de Álvaro da Silveira, era a tradição italiana, descobriu que aquilo que sabia por experiência e que havia aprendido com o seu pai era o que aquela escola ensinava, aprendeu que havia nomes para aquilo que fazia todos os dias, que tinha feito toda a vida: aprendeu teoria sobre vernizes, sobre as madeiras, aprendeu botânica, aprendeu elementos de física dos materiais (a “resistência à torção, a elasticidade das madeiras”, exemplifica), tudo coisas que o pai lhe havia transmitido e que o próprio Óscar já havia interiorizado através da sua prática quotidiana na oficina e através da sua invulgar capacidade de ouvir o mundo. Em Cremona ficou a saber porque é que determinada madeira é, de facto, a melhor; que secção das árvores deve ser utilizada; percebeu em que medida o terreno em que está implantada a árvore afecta a qualidade estrutural da madeira; como se deve cortar a árvore e serrar a madeira, que idade tem de ter a árvore para ser cortada,

3

one of the most complex and demanding step in the making of an instrument: its inclination, the neck’s angle, the way they affect the string’s tension, its relationship with the movable bridge, and even the type of wood’s vein orientation. A “properly made” neck makes it easier to tuning and maintaining the guitar, and to resist to the most demanding use. The last step of his learning process began when Óscar went on to assembling the necks. To reinforce his professional training and respond to a “desire to see the world”, in 1986 he was awarded a scholarship from Secretaria de Estado da Cultura to study at the Scuola Internationale de Liuteria de Cremona. Without even being aware of it he was walking the same path his father’s master had walked 60 years before him. In that celebrated school, renown for the mythic violin manufacturers from that famous Italian town, he learned “plenty of theory”, but in fact… “he learned nothing”. He found out that the method he was using, Álvaro da Silveira’s tradition, was indeed the Italian tradition. He found out that what he already knew by experience and that he had learned from his father was indeed what the school was teaching. He learned that there were names for the works he was doing on a daily basis all his life: he learned theory on varnishes, on woods, he learned botany, he learned physics of materials (“endurance to torsion, wood elasticity”, for example); all things his father had taught him and that Óscar himself had interiorized through his daily work at the workshop and due to his outstanding ability to listen to the world. In Cremona he learned why a specific wood is in fact better, which part of the tree should be used, he understood how much the type of soil affects the structural quality of the tree, how to cut the tree and saw the wood, how old should a tree be to be cut, how to tell if the wood is good from the tree’s leaf; he learned the names of trees’ morphology. He had always been aware that it was important, but he knew it by experience. In Cremona he learned it theoretically, and learned to conceptualize his own knowledge:


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

como distinguir pela folha se a madeira da árvore é boa; ficou a conhecer os nomes da morfologia das árvores. Sempre soube que isso era importante, mas sabia-o pela experiência, em Cremona passou a saber teoricamente, a conceptualizar o seu conhecimento: “por exemplo, o espruce, o «pinho», tu olhas para uma árvore e outra ao lado, parecem ser o mesmo tipo de árvore, mas uma tem substâncias químicas que a outra não tem e então é preciso saber qual deve dar a madeira… pois uma é boa e outra não. Uma das melhores substâncias para o som é uma que oxida com o tempo e que faz com que as vibrações em alta velocidade no tampo acústico, no tampo harmónico e manter [essas] vibrações… a tilose”. “No fundo, através da prática que tinha com o meu pai, que no fundo me ensinou a estudar a madeira de outra forma, a olhar a madeira e a ver o escurecimento da madeira, e mexer na madeira e a sentir o som da madeira (…)”, já sabia tudo o que era ensinado na escola italiana. Apesar de redundante, esta experiência deu a Óscar Cardoso a confiança necessária para a sua arte e, pelo seu arrojo, permitir-se a inovações. Hoje baseia a sua prática naquilo que aprendeu com o pai, sabe que há uma razão que foi conceptualizada por alguém, mas quase não a usa. Hoje Óscar Cardoso olha para uma madeira e sabe qual é a melhor, se lhe tocar facilmente percebe “se a madeira canta, se irá dar som ou não”, diz. Olhar para a madeira e perceber que som ajudará a produzir quando usada numa guitarra, sentir a madeira a dobrar atendendo à sua elasticidade. Sabe que este conhecimento não é fácil de transmitir e muito menos de aprender, que exige muitos anos de experiência e de uma intensa relação de aprendizagem. Sabe, acima de tudo, que um leigo não nota qualquer diferença e que é impossível emular este conhecimento. Esse conhecimento é o factor mais importante neste mister, um conhecimento que nunca será útil se for exclusivamente teórico: “o mais importante não é saber tudo sobre a árvore e não ter sensibilidade do toque, do ouvido, do olhar. Isso é que é mais importante…. É saber olhar para uma madeira

“the spruce, the «pine tree», for instance, when they are side by side they seem to be the same type of tree. But one has some chemical substances and the other does not; and one has to know which of them must give the wood … because one is good and other is not. One of the most adequate substances for sound is the one that oxidizes with time and that makes high speed vibrations on the acoustic soundboard, on the harmonic soundboard and keeps [those] vibrations… tylosis”. “After all it was my work with my father that taught me how to analyze the wood differently, to look at the wood and see its darkening tone, to touch the wood and feel its sound (…)”; I already knew all they were teaching at the Italian school. Although redundant, this experience gave Óscar the necessary confidence to pursue his art and to innovate thanks to his boldness. His current practice is based upon his father’s teachings. He knows there is a reason that was conceptualized by someone else, but he seldom uses it. Nowadays Óscar Cardoso looks at a wood and knows exactly which one is best, and when he touches it he will easily know “if the wood sings, if it will give a good sound or not”, says he. To look at a wood and understand which sound it will produce when used on a guitar, to feel the wood bending according to its elasticity. He is well aware that this knowledge is not easy to convey and to learn, and that it requires many years of experience and of a deep learning relationship. And – above all – he knows that an outsider will not be able to tell the difference and that it is impossible to emulate this know-how. As far as a craft is concerned this know-how is the most important factor. A merely theoretical knowledge will never be useful: “It is less important to know all there is to know about the tree and fail in what concerns the sensibility of touch, of hearing, of seeing. That is what really matters… It is knowing what to do with a piece of wood just by looking at it”. Particularly because every bit of sensorial information one gets from the materials themselves will be relevant. The better

56


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

e saber o que se irá fazer com aquela madeira”, até porque tudo, toda a informação sensorial que se conseguir retirar dos materiais é relevante. Os melhores materiais, as medidas rigorosamente estabelecidas, as espessuras dos materiais, o seu corte, os vernizes, o processo de construção, a relação entre as partes do instrumento, garantirão um instrumento musical de excepção, um som único. Por sentir a completa redundância da informação ministrada no curso, passado três anos, numa altura em que o estado de saúde do seu pai se agravava, regressou a Portugal para assumir a responsabilidade pela produção da oficina ao mesmo tempo que o pai reduzia a sua actividade. As responsabilidades acrescidas não lhe reduziram o ímpeto criativo e o arrojo na construção. A sua abordagem ao fabrico dos instrumentos só respeitava dois princípios: facilitar o processo de construção e obter o melhor som.

57

3

materials, the accurate measurements, the material’s thickness, its cut, varnishes, manufacturing processes, and the relationship between the instrument’s parts will ensure an outstanding musical instrument and an unique sound. Three years later his father’s health was getting worse, he felt that the course was redundant and decided to return to Portugal to be responsible for the workshop’s production and allow his father to reduce his activity. The growing management responsibility would not decrease his creative impulse and his manufacturing audacity. His approach to instrument manufacturing would only obey to two principles – facilitate the manufacturing process and achieve the best sound.


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

É o “som” que orienta todas as acções de Óscar Cardoso. É a procura de um “som” desejado que faz fazer aqueles instrumentos e levar a cabo as suas experiências com os materiais, com a estrutura dos instrumentos e com os processos de construção. Sobre esse “som”, ouçamo-lo: “eu tenho um som em vista, um som grande, que chamo «do outro mundo». Que por [eu] ser deste mundo, todos me dizem que não vou conseguir… só um ser do outro mundo, só Deus, um ser fabuloso que nós nem temos capacidade de compreender, mas é um som… [silêncio]. Cada instrumento é uma desilusão que me leva a ter vontade de o destruir… eu sei que quando acabo um instrumento ele não tem ainda som, porque está ainda a ajustar-se, as cordas a ajustar-se à tensão, não pode ter um grande som. Eu tenho um som tão grande aqui [aponta para a cabeça]…. Depois passado uns dias volto a tocar e vejo que o som do instrumento já está melhor… que vai melhorando e que até nem é assim tão mau, que até gosto, mas não é ainda o «som». Acho que vou morrer sem conseguir fazer esse som….[…] olha lá, já ouviste o som daquele passarinho [chama à atenção para um pássaro que se ouve ao longe], já viste a potência daquilo, um passarinho tão pequenito que está ali mas que a 100 metros ainda ouves o mesmo som!!!! É este som que eu quero, não precisa de amplificação, não precisa de nada, eu quero o som como o dos passarinhos, como o dos grilos que estão debaixo da terra. [Um som] perfeito! Tu ouves aquilo a 50 metros e ouves aquilo perfeito, sem distorção, porquê? Porque está em equilíbrio com a natureza. Aquilo é a natureza. [….] é isso que eu quero, um som que esteja em articulação com tudo, com os átomos… que se propaga com o vento, com tudo… isso é que me dá cabo da cabeça, [silêncio] fazer um som que esteja em equilíbrio com tudo, com tudo que está à nossa volta… e aí acaba a amplificação, acaba tudo. Como vou fazer isso? Isso é o que quero, como vou conseguir? Só Deus… que fez os pássaros…”. Segundo Óscar Cardoso, para obter esse “som”, mais do que conseguir um “equilíbrio”, é preciso contrariar o “desequilíbrio”. Mas também reconhece que é um projecto de difícil

“Sound” is what guides Óscar’s every action. It is the pursuit of a desired “sound” that leads him through every step in instrument manufacturing and material experimenting, in instrument’s own structuring and manufacturing processes. Let’s hear what he has to say about that “sound”: “I dream of a sound, a huge sound that I call “from the other world”. And because I belong to this world, everyone tells me I will not be able to achieve it… only someone from the other world, only God, an outstanding being that we don’t even have the ability to understand, but it is a sound… [silence]. Every instrument is such a disappointment that makes me want to destroy it… I know that when I finish an instrument it still has no sound because it is still adjusting, the strings are adjusting to their tension and no major sound can come out of it. I have such a huge sound here [pointing to his head]…. Some days later I play that guitar again and I realize the sound has improved … that it gets better, and that it is not that bad. I may even like that sound but it is still not the “sound”. I think I will die before I can achieve that sound… […] Have you listen to that bird’s sound [he calls upon my attention to a bird singing in the distance], have you ever noticed its power? Such a small bird and you can listen to its same sound at 100 meters!!!! This is the sound I want – it needs no amplification, it needs nothing at all. I want a sound like the one of the little birds and of the underground crickets… A perfect [sound]! You can hear it from 50 meters away and you can listen to a perfect undistorted sound. And why is that? It is because it is balanced with nature. It is nature itself [….] and that is exactly want I want, a sound that matches everything, the atoms … that disseminates with the wind, with everything … that is what makes my mind go crazy [silence] to make a sound that is in balance with all that surrounds us … and that is where amplification ends, where everything ends. How am I going to do that? That is what I want. How am I going to be able to do it? Only God … who created the birds…” According to Óscar Cardoso, in order to achieve that “sound”, the aim is to fight the “unbalance” instead of

58


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

59

Óscar Cardoso, s/d | Undated Oficina de Construção | Workshop Casal do Privilégio, Odivelas Colecção | Colection Óscar Cardoso

Óscar Cardoso, s/d | Undated Scuola Internationale de Liuteria de Cremona Itália | Italy Colecção | Colection Óscar Cardoso

3


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

concretização, que pode até ser entendido como um projecto arrogante: o de reproduzir a “natureza”. Para o construtor este projecto pode ser visto como um acto de soberba, mas é na impossibilidade de absoluta satisfação que também alimenta a sua acção.

trying to achieve a “balance”. But he also recognizes that this project is hard to substantiate and that it may even be seen as an arrogant project: to reproduce “nature”. The manufacturer may see this project as an act of presumption, but he feeds his action from the impossibility of total satisfaction as well.

O que considera ser o seu permanente falhanço é o factor fundamental para retirar a informação necessária para que “falhe melhor” das próximas vezes, criando-se assim um espaço praticamente ilimitado para a inovação.

As far as he is concerned his permanent failure is the main factor to withdraw the necessary information to make it “fail better” the next time, and thus create an almost unlimited space for innovation.

Por vezes, as suas “experiências” não passam disso mesmo, mas quase todas se tornaram inovações aplicadas aos seus instrumentos musicais e que nos ajudam a perceber melhor este guitarreiro, que se tornam indissociáveis da sua personalidade. A mais radical e estabilizada de todas as inovações decorre de um processo que teve início em 1995 com os primeiros instrumentos sem fundo. Esses instrumentos deram ao construtor uma visão diferente, provocaram uma nova abordagem à construção de cordofones e uma nova compreensão do funcionamento acústico dos instrumentos musicais que veio a afectar todo o trabalho de Óscar Cardoso, mesmo quando se trata de instrumentos “mais convencionais”. Esta ideia surgiu do próprio processo de construção e de um acaso. Perante uma viola à qual tinha caído acidentalmente o fundo, apercebeu-se do maior volume de som produzido por aquele instrumento estragado. Anteriormente já tinha reparado que, ainda antes de colocar o fundo aos instrumentos que fazia, batia nos tampos para, com um diapasão, aferir o som da madeira, acabando por constatar a sua inesperada potência. Do acaso de um instrumento estragado e da contínua percepção de um facto, a sua intuição indicava que, ainda incompleto, o instrumento já possuía um som “diferente”, um som que era “melhor”. Ao mesmo tempo, a experiência quotidiana, quando percorria as auto-estradas com painéis acústicos laterais, levou-o a notar que as ondas sonoras atingiam primeiro os painéis e depois

His “experiments” are just that sometimes; but they all became innovations applied to his musical instruments and helped us understand this luthier and realize why they are part of his personality. The most radical and most stabilized of them all derive from a process that begun in 1995 with the first backless instruments. These instruments gave the manufacturer a whole new vision and triggered a new approach to chordophone manufacturing and a new understanding of musical instruments’ acoustic functioning that affected Óscar Cardoso’s work from then on – even as far as “more conventional” instruments are concerned. This idea appeared from the manufacturing process itself and by mere chance. He once received in his workshop a guitar that had accidently lost its back and he realized that the damaged instrument produced a higher sound volume. He had also noticed that prior to assembling the back on his instruments, he used to touch the soundboards with a diapason to check the sound of the wood, and realized its unexpected power. From a mere damaged instrument waiting to be repaired and from a continuous perception of a fact, his intuition told him that although incomplete that instrument produced a “different” yet “better” sound. Simultaneously his daily rides on the highways with acoustic side panels made him realize that the sound waves would start by hitting the panels, then the tar and finally the vehicle. He matched this fact with what occurred with the chordophones he was

60


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

eram reflectidas para o alcatrão e finalmente para o automóvel. Esta experiência levou-o a considerar, por analogia, que com os cordofones em construção, ainda sem fundo, se passava um processo semelhante: primeiro as ondas sonoras atingem as ilhargas e depois são reflectidas para o fundo e para o meio da caixa de ressonância, saindo pela pequena “boca” aberta no tampo. Concluiu então que o fundo não era importante. Perante esta hipótese feita de acasos, experiências e práticas habituais, decidiu construir um primeiro instrumento especificamente sem fundo, uma viola (agora exposta) e confirmou a clareza do som e o volume que produzia. Desde então adoptou esse elemento na construção dos seus instrumentos musicais. Este foi o principal passo que deu no sentido de criar um instrumento capaz de produzir esse “som” desejado. Até hoje foram construídas cerca de 25 guitarras portuguesas e cerca de 10 violas com esta característica, uma produção que não está condicionada pelo mercado pois resulta maioritariamente de encomendas ou por decisão própria do construtor. A entrega do instrumento ao comprador está sempre condicionada à aprovação deste. Caso o instrumento construído não tenha o som esperado, o guitarreiro faz outro em substituição.

61

Os seus clientes, quando confrontados com aqueles instrumentos de aspecto inusitado, após vencerem a inicial resistência perante a novidade, acabaram por integrá-los e hoje, segundo Óscar Cardoso, “metade utiliza guitarras sem fundo, seja em concerto seja em gravações”. É certo que cada instrumento tem pequenas diferenças no som que produz, mas comum a todos eles, e característica mais evidente, é o “poder do som”, ou seja, o volume sonoro que é muito maior do que nos instrumentos convencionais de outros construtores e mesmo maior do que nos seus instrumentos com fundo. Acusticamente, o som produzido pelos instrumentos sem fundo é mais equilibrado pois favorece as frequências agudas e tem uma pequena perda nas frequências médias e graves — “os [sons] graves são menos exuberantes

3

making. While they had no backs a similar process occurred: the sound waves would start by hitting the ribs and then be reflected towards the back and the middle of the body, exiting from the small sound hole on the soundboard. He concluded the back was not important. Facing this hypothesis made of mere chances, experiments and common practices, he decided to manufacture a first backless instrument – a guitar now on display – and confirmed the sound’s purity and volume. Ever since that moment he adopted this element in his musical instruments. This was the first step he took towards creating instruments that could be able to produced the desired “sound”. So far some 25 Portuguese guitar and 10 guitars with this feature were made, a production that is not ruled by the market because Óscar Cardoso works mostly by direct orders or personal decision. Only if he likes its sound the instrument will then be delivered to the buyer. If the instrument does not have the expected sound, the luthier will replace it. When confronted with the instrument’s unexpected look his customers – after overcoming the initial conservativeness before the novelty – eventually use them. According to Óscar Cardoso, currently “half of his customers play backless guitars, in both concerts and recordings”. Each instrument produces different sounds but their most common feature is indeed its “sound power”, i.e., the sound volume is much stronger than in the conventional instruments made by other manufacturers and even stronger than in his backless instruments. In acoustic terms, the sound produced by those backless instruments is much more balanced because it fosters high pitch frequencies and has a small loss on medium and low frequencies -- “the low [sounds] are less exuberant on backless instruments” --, thus apparently bestowing a more limpid sound with more harmonics. The back opening allows a faster sound propagation and a better definition (the destructive effect of the different frequencies sounding inside the body does not occur) and extension (fostering “weeping”).


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

Óscar Cardoso, s/d | Undated Oficina de Construção | Workshop Casal do Privilégio, Odivelas Colecção | Colection Óscar Cardoso

62


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

nos instrumentos sem fundo” — o que lhe dá, aparentemente, um som mais cristalino, com mais harmónicos. A abertura posterior permite que o som se propague a maior velocidade e assim tenha mais definição (não há o efeito destrutivo das várias frequências a ressoar dentro de uma caixa) e maior extensão (facilitando os “gemidos”).

63

Em rigor, nenhum dos instrumentos de Óscar Cardoso é totalmente sem fundo. Existe sempre, em todos eles, uma parte “do fundo” que é mais ou menos igual à parte que está aberta. Esse facto é determinante porque mantém uma parte do volume de ar confinado e assim permite que o cordofone mantenha algumas das características acústicas dos instrumentos convencionais. O que a abertura provoca é um equilíbrio maior nas frequências produzidas, todas as notas têm o mesmo som, a mesma intensidade (ao contrário dos instrumentos com fundo em que os graves têm grande predominância e os médios desaparecem totalmente). Ou seja, com a saída do ar permitida pela ausência de uma parte do fundo, há uma saída mais franca de ar, o som produzido pelas cordas e pelo tampo harmónico são menos marcados pela caixa de ressonância. Ao deixar de confinar todo o ar à caixa de ressonância, o cordofone torna-se mais ressoante e é percebido como “mais forte” e com “mais volume”, com menos distorção. Timbricamente, esse som produzido soa menos “a aço”, ouve-se menos o som das cordas e da dedilhação. Genericamente, é possível notar que o som destes instrumentos beneficia com um certo afastamento (de quem ouve ou do microfone na captação) pois ganha com as reflexões das ondas sonoras em todo o espaço onde decorre a performação. Sem o constrangimento de um fundo, o ar em movimento desloca-se contra todos os corpos exteriores ao próprio instrumento (o corpo do músico, as paredes, o chão) que acabam por afectar as características do som como este é percebido (quando nos instrumentos de corpo fechado, o ar só sai pela boca no tampo harmónico e o espaço circundante tem pouca influência nas

3

As a matter of fact, no Óscar Cardoso’s instrument is fully backless. They all have a portion of “the bottom” that is more or less the same as the open portion. This is important because it confines part of the volume of air and allows the chordophone to maintain some acoustic features similar to the ones of the conventional instruments. This gap allows a wider frequency balance, the notes all have the same sound and the same intensity (in opposition to what occurs with common instruments with backs in which the lower frequencies predominate and the medium disappear). In short, this lack of part of the back allows a clearer air exiting, and the sound produced by the strings and the soundboard are less marked by the body. Since the air is not all confined to the body, the chordophone becomes more resonant and is perceived as “stronger”, with “higher volume”, and less distortion. In terms of tone this sound sounds less “steely”, and the mechanic sound of the strings and of the fingers are less audible. In generic terms, it is possible to see that the sound of these instruments benefits from a certain distance (from the listener or from the microphone) because it takes advantage from the sound wave reflection in the performing venue. Without the constraints of a back, the air in motion hits against the instrument’s external bodies (the musician’s own body, the walls, and the floor) and ultimately affect the features of the sound as one hears it (as far as closed body instruments are concerned the air can only be expelled by the sound hole on the harmonic soundboard and the environment has little influence upon the sound features). It is precisely this undistorted “sound” without any sort of mechanic noise, this string “direct” sound – with volume and projection – that is sought by my customers1. As far as the conventional instruments are concerned the sound “of most guitars with back is somewhat like wires or cans, it does not have a limpid sound […] when one stands 50 meters away one cannot hear

1

Customers who listen to that sound respond physically and say that it is “more aggressive”, “violent”, “powerful”, and that they are not “used to those frequencies”.


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

características do som). É precisamente esse “som”, sem distorção, sem ruído mecânico, um som “directo” das cordas, com volume, com projecção que é procurado pelos seus clientes1. Relativamente aos instrumentos de construção convencional, o som “[d]a maior parte das guitarras com fundo têm um som a arames, alatado, não é um som cristalino […] deslocas-te a 50 metros e já não se ouve a guitarra, ouve-se um whooooo [exemplifica um som muito grave e abafado], ouves um barulho. As guitarras sem fundo [produzem] o som cristalino, nítido, puro. Aquilo não é só uma corda, é como se fosse o tal pássaro a cantar, o som é puríssimo, não ouves o barulho do aço, aquele som arrastado, mecânico, […] é potente o som, não embrulha o som, não mistura os [sons] agudos com os graves, é completamente definido, cada nota é definida, tem uns harmónicos fabulosos. Muito melhor do que as guitarras com fundo… e depois têm aquela característica que […] vivem muito da acústica da sala… o músico aproveita a acústica da sala para as pessoas ouvirem. Quanto maior for a sala mais som as pessoas ouvem, mais som têm os instrumentos”. É necessário sublinhar que a especificidade acústica dos instrumentos feitos por Óscar Cardoso não decorre unicamente da abertura posterior, mas antes de uma quantidade espantosa de outras soluções de construção, e da mútua afectação de cada uma delas, dos processos de construção aos pormenores estruturais e acabamentos da construção que criam o som distintivo dos seus instrumentos2.

the guitar, one can only listen to a whooooo sound [he makes a deeply low and sultry sound], one hears noise. Backless guitars [produce] a limpid, clear and pure sound. It is not just a string, it is like a bird’s chanting. The sound is so pure. The steel mechanic noise is not heard […] it is a powerful sound, it does not entangle the sound, it does not mix high and low sounds. It is absolutely defined, each note is fully defined, it has some outstanding harmonics. Much better than the guitars with backs… and then they have that feature that […] they rely upon the hall’s acoustics… the musician takes advantage of the hall’s acoustics to make people listen. The bigger the hall is the more sound is heard by the people and the more sound the instruments produce”. It is important to point out that the acoustic specificity of Óscar Cardoso’s instruments does not derive solely from their back opening, but mainly from an astonishing range of different manufacturing solutions and their co-relation, from the manufacturing processes to the structural details and manufacturing finishing that create the unique sound his instruments produce2.

64

1

Os clientes que contactam com esse som reagem fisicamente dizendo que é “mais agressivo”, “violento”, “potente”, e que não estão “habituados àquelas frequências”.

2

Essas características serão objecto de estudo monográfico já iniciado no âmbito do programa do Fado - Património imaterial da humanidade, promovido pelo Museu do Fado.

2

Those features will be the object of an undergoing monographic study within the scope of the Museu do Fado project - Fado – Intangible Heritage of Mankind.


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

65

A abordagem de Óscar Cardoso ao processo de construção é própria de um bricoleur. É uma abordagem que lança mão a todo o que está disponível, sejam madeiras, sejam ideias, sejam ferramentas. Tal qual um bricoleur, Óscar Cardoso escuta as madeiras, mas não deixa de prestar atenção às auto-estradas. Aprende com os pássaros a elaborar verbalmente, a conceptualizar, sobre aquilo a que aspira. Tudo o que ouve, tudo o que vê, tudo o que sente é fundamental para fornecer pistas para inovar, para romper, para revolucionar, para alterar, para provocar a mudança. Tudo no mundo é instrumental para os mestres desta tradição de guitarreiros. Permanentemente inquieto, aprende com tudo e usa sem preocupação o que lhe parece ser útil. Não se preocupa em ter um pensamento organizado, domesticado. A sua experiência de vida já provou que é no caos, nas ideias “selvagens” — que por vezes até o próprio apanham de surpresa — que retira elementos para desenvolver aquilo que faz. O seu pensamento é como o seu discurso, funciona constantemente entre vários planos, são pensamentos em paralelo que buscam um sentido que só pode ser reconstruído na sua totalidade quando percebidos nos seus diferentes universos. Pensa por analogia constantemente, ligando pássaros, asfalto, pranchas de surf, sonhos, madeiras. De um leme para uma prancha de surf pode surgir o necessário impulso para a construção de uma guitarra, o fundo ou um aro de reforço da caixa de ressonância podem resultar de uma imagem que lhe surge durante o sono ou de uma frase dita por um guitarrista… Esta abordagem é claramente herdada do seu pai, eventualmente até do mestre deste, o construtor Álvaro da Silveira, todos excêntricos artesãos! Que por serem excêntricos conseguiram ultrapassar-se e ultrapassar o saber normalizado da sua arte. Na prática, Óscar Cardoso é o bricoleur de que teoricamente falou Lévi-Strauss (1962): alguém que trabalha com as mãos e usa modos não-lineares, paralelos, não convencionais, próprios do “artesão”, para concretizar as suas pretensões; o “bricoleur” tem por característica operar com um repertório

3

Óscar Cardoso’s approach to the manufacturing process is the one of a handyman. It is an approach that takes advantage of every available thing woods, ideas or tools. Just like a handyman, Óscar Cardoso listens to the woods but pays attention to the highways as well. From the birds he learns how to elaborate verbally and to conceptualize on what he desires. Everything he hears, everything he sees, and everything he feels is fundamental to provide new clues to innovate, to clash, to revolutionize, to alter, and to trigger changes. For a master luthier all there is in the world is instrumental. His permanent restlessness pushes him to learn from everything and use all he believes is useful without further concerns. He does not care having an organized and tamed reasoning. His life experience has proved that chaos and “wild” ideas – that sometimes he is also surprised by – provide him with the elements he needs to develop his projects. His thoughts are like his speech. They operate in different plans and they are parallel thoughts in search of a sense that may only be fully reconstructed when understood within their different universes. His reasoning operates by constant analogies linking birds, asphalt, surfboards, dreams, and woods. From a surfboard rudder he may withdraw the necessary impulse to design a back or a reinforcement rim of the body of a guitar, from an image that comes to him in his dreams, or from something a guitar player said he can trigger the necessary drive to make a guitar… This type of approach is clearly inherited from his father, and even maybe from his father’s master, Álvaro da Silveira, all of them eccentric craftsmen! And due to their eccentricity they were able to reach beyond and overcome the common know-how of their craft. As a matter of fact, Óscar Cardoso is the handyman LéviStrauss (1962) talked about theoretically: someone who works with his hands and uses non-linear, parallel and unconventional ways to substantiate his concepts; a handyman’s main feature is the way he operates with an unlimited and heterogeneous repertoire of ideas and gestures. And due to being so


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

heterogénio de ideias e gestos nunca limitado. Por serem fundamentalmente inesperados, os resultados são surpreendentes a todos os níveis. Para o bricoleur a palavra determinante é “fazer”, fazer o que é preciso com o que tem à mão, ou seja, com um conjunto de ferramentas e materiais finitos e heterogénios que podem nada ter que ver com o projecto inicial. Por isto tudo é guardado: matérias-primas, ferramentas, ideias, processos, experiências; simplesmente porque podem vir a ser (e a maior parte das vezes são) úteis. A abordagem que este tipo de artesãos faz ao mundo é dominada por acções espontâneas, decorrentes de experiências ocasionais, muitas vezes desarticuladas, inesperadas, pertencentes a universos de significados que para a maioria das pessoas não são passíveis de interagir. Por isso, só alguns conseguem provocar a acção a partir de materiais heteróclitos. É um conhecimento tudo menos “rude”, tudo menos “naïve”. O primeiro passo do “bricoleur” é retrospectivo, procura ferramentas e materiais (matéria-primas, ideias, experiências) que conhece e julga poderem ajudar no projecto, enceta um diálogo com esses materiais heterogéneos e procura perceber em que medida pode utilizar o que tem à sua disposição. Esta é a vantagem desta abordagem ao mundo e ao “fazer”. Na Itália, Óscar Cardoso confrontou-se com o pensamento domesticado, sentiu o desconforto do bricoleur, e rapidamente ultrapassou o que lhe estava a ser veiculado. O que o levou a Itália — conhecer o mundo, procurar “coisas” novas, ver como “se faz” noutras áreas, aprender “novas” técnicas que facilitassem o seu método — trouxe-o de regresso à sua oficina confiante do caminho que tinha aprendido com o seu mestre Manuel Cardoso. Naturalmente que hoje em dia “ainda falha”, mas agora tem a certeza que é “com eles [os erros] que aprend[e]”. Desse modo vai introduzindo novas técnicas, novos materiais, novos processos. Entre “erros” e pequenos dados observados no mundo, como bricoleur levi-strausseano que é, junta os

unexpected the outcome is really surprising at every level. For a handyman the main word is “to do”, to do what needs to be done with the available materials – a set of tools and some heterogeneous materials that may have nothing to do with the original project. That is why nothing is wasted: raw materials, tools, ideas, processes, experiments - simply because they may be useful some day (and most of the times they are indeed). The approach to the world these craftsmen have is ruled by spontaneous actions deriving from occasional experiences, and quite often unarticulated, unexpected and belonging to universes of meanings that most people keep apart from one another. That is the reason why only some of them are able to trigger an action from heteroclitical materials. It is all but rough and naïf know-how. A handyman’s first step is a retrospective step. He looks for tools and materials (raw materials, ideas, experiences) he believes might help the whole process, engages in a dialogue with those heterogeneous materials and tries to understand what he can do with those available items. And this is the advantage of this approach to the world and to the “do it”. In Italy Óscar Cardoso confronted the tamed reasoning, felt the handyman’s discomfort and soon overcame what was being conveyed. The goal of his journey in Italy — to see the world, to search for new “things”, to see how “it is done” in other fields, and to learn “new” techniques that could facilitate his method — brought him back to the workshop feeling a stronger confidence for all he had learned from his master Manuel Cardoso. Of course he “still fails” sometimes, but he now knows for sure that “I learn from them [the errors]”. Thus he keeps on introducing new techniques, new materials, and new processes. In between “errors” and small data, as a “levi-straussean” handyman, he gathers the small inputs necessary for the action. As he is always mobilized for musical instrument making, every little gesture is inevitably essential to clarify an

66


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

pequenos estímulos necessários para a sua acção. Por estar constantemente mobilizado para a construção de instrumentos musicais, é inevitável que qualquer pequeno gesto possa ser determinante na clarificação de uma ideia que andava a “remoer”, ou a tomar consciência de uma resposta que intuía para um problema que o andasse a desinquietar. Não deita fora nenhuma ideia, como não deita fora nenhum “erro”, não abandona nenhum falhanço porque sabe por experiência que desses materiais — que para tantos são “lixo” de que se envergonham — podem não surgir respostas a problemas do momento, mas vir a provar-se fulcrais na resposta a novos e futuros problemas, antes inimaginados e agora prementes.

67

“Por exemplo, há dias, estava a deitar uns pingos [de água] num tanque, molhava a mão e deixava cair uns pingos, estive para ali… assim…, … uma hora, para aí uma hora e então, o sol estava a pôr[-se], reparei numa coisa… reparei que aquilo faz uns círculos que são as ondas ao cair o pingo, mas nunca ninguém reparou que além das ondas, faz uns traços, uns riscos a cortar as ondas, como as teias de aranha, começa pequenina, começa a desenrolar e depois tem aquelas rectas a atravessar os círculos… e eu também vi isso na água, mal vi aquilo veio logo uma ideia para a construção de um tampo acústico de uma guitarra e então ando para aqui a magicar a forma de fazer uma teia de aranha que vai ser uma estrutura acústica de um tampo de uma guitarra… e de certeza que vai dar som”. Independentemente do grau de inovação de qualquer dos seus instrumentos, o “perfil” das suas guitarras — “convencionais” ou não — são diferentes do das guitarras de outros construtores: o fundo é bastante abaulado, tal como o tampo. O taco do braço é completamente curvo, “parece a quilha de um barco aquela parte do taco”, criando uma ligação mais fluída entre o braço e a caixa de ressonância. O abaulado é o aspecto visível da tensão em que se encontra o tampo, tensão essencial para o som (quanto mais sob tensão das cordas estiverem os materiais, maior é a velocidade

3

idea he had been “cooking” or for the awareness of a solution for an issue that was bothering him. Neither ideas nor “errors” are ever put aside, and he does not abandon any failure either. Because he knows by experience that those materials – that many people would consider “garbage” and be ashamed of – may not bring the answers to current issues but may prove to be crucial for solving new and future problems that no one had ever think about and that are now urgent. “Let me give you an example. Some days ago I was pouring some drops [of water] into a washtub. I would soak my hand and pour some drops. I was there … doing that … for an hour or so. The sun was setting and I noticed something … I noticed the circles on the water when the drop falls, but no one else ever realized that apart from those waves it also produces some lines, lines that cut the waves just live spiderwebs. It begins really small but then it starts to open and those straight lines cut the circles … And I saw it on the water, and as soon as I saw it I had an idea to make a guitar’s acoustic soundboard. That is why I am now thinking of a way to making a spider web that will be the acoustic structure of a guitar’s soundboard… and I’m absolutely sure it will produce a sound”. Independently from the innovation level of any of his instruments, his guitar’s profiles – conventional models or non-conventional ones - are different from the ones manufactured by other luthiers: both the back and the soundboard are rather arched. The heel block is totally curved, “that part of the heel block looks like a boat’s keel”, and creates a more fluid relationship between the neck and the body. This arched feature shows the tension of the soundboard, and this tension is essential for sound producing (the more tension the strings produce over the materials the faster those materials will vibrate – particularly on the soundboard – and the better the guitar will work). On the other hand, the look of a guitar is also a way of displaying his art. His guitars are very similar to the ones made by Álvaro da Silveira – he uses the


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

das vibrações nesses materiais, especialmente no tampo e melhor é o funcionamento da guitarra). Por outro lado, o aspecto da guitarra é também uma forma de expor a sua arte. As suas guitarras são muito semelhantes às de Álvaro da Silveira, até porque utiliza os mesmos moldes, mas a sua construção acentua as linhas arredondadas: “(…) uma guitarra tem de ter qualquer coisa de beleza, tem de ter um certo encanto, não é que as linhas rectas não sejam bonitas, mas não são tão bonitas como as linhas curvas (…) tudo o que é redondo é um fascínio para o ser humano. (…) Dá mais trabalho, mas é mais interessante.” Claro que a forma afecta directamente o som, permite uma maior extensão do som, “é um gemido que nunca mais acaba nas minhas guitarras”. As inovações que introduz, com o propósito imediato de chocar as pessoas, de provocar reacções subvertendo as “ideias feitas” — como a obrigatoriedade de uma caixa de ressonância com fundo num cordofone — consolidaram-se como ideosincráticas da sua prática enquanto guitarreiro ao ponto de as ver hoje como banalidades, algo que o põe “numa aflição, a pensar noutras coisas, a cabeça já anda a começar a partir para outras coisas… depois logo se vê…. [Silêncio longo]”. Agora diz-se absolutamente confiante na sua capacidade de construção, sente-se “mais à vontade” por conhecer melhor a mecânica de produção de som e o funcionamento dos cordofones: “Há partes que ainda eram complexas, que ainda não as percebia muito bem… [mas depois dos instrumentos sem fundo] há uma parte da construção de guitarras de que já não tenho dúvidas — há outra que ainda tenho muitas dúvidas —… foi um alívio”. Esta confiança habilita-o a experimentar tudo. Recentemente decidiu experimentar um novo material, a fibra de carbono. Em princípio, esta experiência visava tornar os instrumentos mais leves. Servia também para perceber como funciona esse material, a sua elasticidade, as vibrações. As primeiras experiências indicaram que o material “tinha som”, certo que o propagava de uma forma peculiar, mas com uma

same moulds – but the way they are made highlights their curved lines: “(…) a guitar has to possess some beauty, some charm. Straight lines are fine but they are not as beautiful as curved lines (…) every round thing is fascinating for a human being. (…) It is more work but it is much more interesting.” And – of course – shape has a direct effect upon sound itself for it allows a wider sound extension, “my guitars weep endlessly”. But the innovations he introduces, with the aim of shocking people, of provoking reactions, and of subverting the “clichés” — as the compulsory body with back in a chordophone — are then consolidated as idiosyncratic of his guitar maker practice and considered as trivial elements. This is something that “bothers me and makes me think of new things, restlessly inventing new projects… we shall see…. [Long silence]”. He is now absolutely confident of his manufacturing skills. He is at ease with that because he knows a lot about sound production mechanics and chordophone functioning: “Some fields were still complex for me and difficult to fully understand … [but after the backless instruments] I have no more doubts about some part of guitar making – I still have some doubts in other parts - … it was indeed a relief ”. This confidence pushes him to try everything. He recently decided to try a new material – carbon fiber. This experiment’s main goal was to make lighter instruments, and to understand how this material behaves, its elasticity and vibrations. His firsts experiments indicated the material “had sound”. It is a fact that it had a peculiar propagation, but with an adequate thickness it could produce a “great sound”. And so in order to ensure the structural rigidity of the body and the inside of the soundboard he decided to use carbon for the guitar’s structural rim (using a 1mm thick canvas). He made a Portuguese guitar (model “Coimbra”) for the exhibition with carbon fiber back. He has also tried to make instruments carved in the wood blocks, like the Portuguese guitar (model “Coimbra”) and the guitar on display.

68


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

espessura adequada, poderia mesmo produzir um “grande som”. Passou a usar carbono no aro estrutural das guitarras para garantir rigidez estrutural na caixa de ressonância e no interior do tampo harmónico (sob a forma de uma tela com um milímetro de espessura). Para a exposição construiu uma guitarra portuguesa (modelo “de Coimbra”) com fundo em fibra de carbono. Tem também experimentado construir instrumentos escavando os blocos de madeira de que são feitos e que agora são expostas uma guitarra portuguesa (modelo “de Coimbra”) e uma viola. Hoje as suas guitarras e violas são tocadas por José Manuel Neto, Carlos Manuel Proença, Custódio Castelo, Mário Pacheco, Filipe Lucas, Edgar Nogueira, João Alvarez, Pedro Jóia, José Peixoto, Arménio de Melo, Ângelo Freire, Diogo Clemente, Jaime Santos Júnior, César Silva, Bernardo Couto, numa lista imensa e sempre em crescimento.

69

3

Nowadays his Portuguese guitars and his guitars are played by José Manuel Neto, Carlos Manuel Proença, Custódio Castelo, Mário Pacheco, Filipe Lucas, Edgar Nogueira, João Alvarez, Pedro Jóia, José Peixoto, Arménio de Melo, Ângelo Freire, Diogo Clemente, Jaime Santos Júnior, César Silva, Bernardo Couto, and a wide and ever growing list of other artists.


3

Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

Não teve até agora aprendizes. “O tempo agora é de aprender, ainda não é de ensinar” disse a uma publicação especializada em Abril de 2011. Mas prepara-se para acolher o seu filho na sua oficina. Na biografia do filho podemos rever a história do pai. Aos 17 anos, pouco motivado para um percurso escolar, mostrou vontade em seguir a profissão do pai. “Mas queria que ele fosse melhor do que eu, queria acreditar nisso [risos]… ele [o filho] diz que sim… ainda vai ter muito que arranhar. Vai começar como eu, a serrar, a fazer umas reparações… mas terá de ter paciência, para ser bom tem de fazer um percurso como eu fiz […] se não tiver paciência nunca vai ser bom! Se gostar mesmo vai ter paciência, se não… vai desistir… mas depois vai ter de aturar um patrão e depois vai ser um escravo, não vai ser livre… Ser mandado fazer é trabalhar, o que é diferente de fazer, fazer é criar. A [sua] decisão não passa por nenhuma influência, quem é influenciado acaba por desistir porque não é ele que decide.”

He had no apprentices so far. “The time now is a time for learning, and not yet a time for teaching” said he to a specialized publication in April 2011. But he is now getting ready to welcome his son at his workshop. His son’s biography follows his father’s footsteps. At age 17, unwilling to stay in school, he wanted to embrace his father’s profession. “But I wanted him to be better than I am, I want to believe in it [laughter]… he [his son] says yes… but he still has a long way to go. He will start the same way I did - sawing and making some repairs… he will have to be patient. To be good he has to walk the same path I walked […] if he has no patience he will never be good! If he really enjoys it he will have to be patient, if not… he will give up… but then he will have to put up with a boss, he will be a slave and will never be free … To be instructed is to work, which is different from making, making is creating. He will have to make his own decision. No one can tell him what to do. Those who are told what to do eventually give up because it was not their decision.”

70


Óscar Cardoso, a biografia de um artesão / a craftsman biography

71

Viola “gótica” | “Gothic” Spanish Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2009 Colecção | Colection Óscar Cardoso

3


Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal


4

o _ th

a Oficina /the Workshop

É na oficina que se “faz”. É na oficina que se transmite o saber fazer. É na oficina que os aprendizes se tornam mestres e os mestres aprendem com os outros artesãos, de outros misteres, neste caso, os músicos. A oficina é o espaço físico onde se move o construtor, o artesão. Nesse espaço depositam-se as matérias-primas e as ferramentas necessárias ao trabalho. Nesse espaço deposita-se muito desperdício,

The workshop is the place where the work is “done”. The workshop is the place where knowhow is conveyed. The workshop is the place where apprentices become masters, and the masters learn from other craftsmen, in this case the musicians. The workshop is the physical venue where the craftsman works. This venue lodges the necessary raw materials and tools to get the work done. This venue


4

a Oficina / the Workshop

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

marca provisória do que acaba construído. Serve também para guardar o produto do trabalho, uma vez acabado, a aguardar finalização, ou à espera de uma intervenção (que pode ou não ser a última). A oficina é o eixo central da biografia desta família de construtores, por isso as fotografias que conhecemos de Álvaro da Silveira, de Manuel Cardoso e grande parte das que mostram Óscar Cardoso, foram tiradas na oficina, seja a trabalhar na construção de um instrumento, seja na companhia de amigos e clientes que experimentam uma guitarra ou uma viola da sua autoria, seja simplesmente acolhendo com o olhar quem vê a fotografia…

lodges plenty of waste, a provisional mark of what has just been made. It also serves as a place to keep the work product – either finished, or waiting to be finished or worked upon (for the last time or not). The workshop is the central axis of the biography of this family of luthiers. That is why the pictures we know of Álvaro da Silveira, of Manuel Cardoso and most of the ones depicting Óscar Cardoso were all taken at the workshop, either working on a instrument or with friends and customers who test one of his Portuguese or Spanish guitars, or simply welcoming the one who looks at the picture…

74


a Oficina / the Workshop

4

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

75

A primeira impressão que temos quando entramos na oficina é a confusão. Pelo chão estão depositadas aparas de madeira, nas paredes bocados de vernizes, ao fundo ferramentas antigas que o pó acumulado denuncia o esquecimento (ou desactualização). Até alguns instrumentos musicais parecem abandonados. Depois do caos aparente passamos a reparar no cheiro da madeira, do verniz e da cola. É certo que é um espaço acolhedor, mas não se consegue descrever a familiaridade cega com que se move Óscar Cardoso na sua oficina. Outra imagem forte que me ficou da primeira visita à oficina foi o repouso imaculado, com uma luminosidade quase transcendente — obviamente, fruto de uma madeira clara de espruce ainda por envernizar — de uma guitarra portuguesa sobre uma bancada. Se não fosse aquela a bancada em que o guitarreiro trabalha, quase diria que a guitarra havia sido cenograficamente colocada naquela posição.

Once we enter the workshop our first impression is a feeling of confusion. The floor is filled with wooden shavings, the walls are covered with bits of varnish, and dusty ancient tools lying around reveal their oblivion (or obsolete condition). Even some instruments seemed abandoned. After the apparent chaos, the next feeling is the smell, the scent of wood, varnish, and glue. It is indeed a cozy place, but one cannot easily describe how at ease Óscar Cardoso moves around in his workshop. Yet another strong image that lingers from my first visit to his workshop is the almost transcending pristine brightness serenity — obviously due to a light spruce wood yet to be varnished — of a Portuguese guitar on a workbench. If it wasn’t for the guitar-maker working on that workbench, one could almost say that this guitar had been put there for set decoration purposes.



A bancada, a mesma bancada onde trabalhou Manuel Cardoso, é o centro de toda a acção, é uma mesa de operações, sobre a qual todos os gestos são feitos: as madeiras vergadas, as ilhargas e as travessas coladas, a madeira serrada, a escala marcada, as cordas colocadas. Tudo se passa na bancada… tudo passa pela bancada. Mas o espaço da oficina é também o espaço de aprendizagem. Tendo sido a oficina de Manuel Cardoso, foi nela que o filho Óscar começou a brincar, mas também a oficina onde começou o percurso que o iria levar à construção de instrumentos musicais. Foi àquela oficina que regressou depois da experiência italiana. Se a oficina enquanto núcleo de formação for bem sucedida, se contribuir para a transformação de

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

The workbench - the same workbench where Manuel Cardoso used to work – is the center of all the action, the table of operations upon which every gesture is done: the woods are bended, the ribs and the bars are glued, the wood is sawed, the scale is marked, and the strings are placed. Everything happens on this workbench… and everything goes through this workbench. But this workshop is also a learning venue. Being Manuel Cardoso’s workshop, it was the place where his son Óscar played, but also the place where he began the journey that would lead him to making musical instruments. That workshop was the place he returned to after his Italian experience. If a workshop is successful in terms of training venue,


4

a Oficina / the Workshop

um aprendiz em mestre, se o novo mestre continuar a actualizar um modo de fazer reconhecidamente descendente do do seu formador, se tudo isto se consolidar com o tempo, forma-se uma “tradição”, uma “escola”, ou seja, uma forma de fazer alguma coisa de um modo que se torna fortemente identificativo. O símbolo de uma “escola” é o “selo” colocado no interior de cada instrumento musical. Manuel Cardoso utilizava o selo de Álvaro da Silveira alterando somente o nome do mestre pelo seu. Inicialmente, também Óscar Cardoso começou por usar o selo do seu pai escrevendo “Óscar” antes do “Manuel Cardoso” impresso. Mais tarde, “quando acabaram os selos do meu pai” (cerca de 2005), criou o seu próprio selo onde continua a utilizar o mesmo arranjo gráfico dos selos anteriores, com um “C” de Cardoso acrescentado ao desenho que já vinha de Álvaro da Silveira, claramente afirmando a continuidade da tradição1. Hoje já não sente essa necessidade e utiliza o seu próprio selo até porque sabe que o meio já lhe conhece as guitarras, se não pelo som, pelos pormenores da construção. Por isso não numera e em muitos casos — quando não tem mais selos disponíveis — nem identifica os instrumentos: “Há por aí guitarras que andam sem rótulos, porque se me acabaram os rótulos naquele momento, … quando elas voltarem lá [à oficina], se eu tiver selos, coloco-os”!

if it contributes to transforming an apprentice into a master, if this new master keeps on updating his master’s know-how, and if time helps consolidate it, a “tradition” will be created; in other words, an easily identifiable know-how and way of having things done. The symbol of a school is the “seal” stamped inside each musical instrument. Manuel Cardoso used Álvaro da Silveira’s seal but replacing his master’s name by his own name. Initially Óscar Cardoso also used his father’s seal writing “Óscar” before the printed “Manuel Cardoso”. Later on, “when we ran out of my father’s seals” (circa 2005), he created his own seal using the same type of graphic design, with a “C” from Cardoso added to the symbol from Álvaro da Silveira, clearly stating the tradition’s continuity1. Nowadays he doesn’t feel the need to do so and uses his own seal because he knows that the musicians’ community recognizes his guitars by their sound and by their manufacturing details. That is why he doesn’t neither gives them numbers nor – quite often when he has no seals available — identifies the instruments: “There are some guitars without label because I had run out of labels … when they return (to the workshop) I’ll put them labels if they’re available”!

Sendo uma escola, nesse espaço circulam conhecimentos delicados, específicos, distintos, mantidos muitas vezes, durante muito tempo, em segredo. O segredo é o coração de uma “escola”, tal

As the school it is, this venue encompasses a wide range of delicate, specific, and different know-how that is often kept secret for a long time. The secret is the “heart” of a school, just like the “workbench” is the physical core of the workshop. When a master conveys his know-how to the apprentice, and the apprentice-turned-into-master reaches his

1

1

Um dos primeiros exemplos que pode ilustrar a importância do nome de uma oficina na identificação de um tipo de instrumento com uma série de características específicas são as etiquetas do construtor João Rodrigues da Rosa onde se declarava “João Rosa, único discípulo de Manuel Pereira”. Estávamos no início do século XX e a oficina situava-se no Largo de S. Martinho em Lisboa. Após a morte do mestre Manuel Pereira, o aprendiz-agora-mestre João Rosa inscrevia nas suas guitarras a descendência para assim se demarcar de um outro construtor, M. C. Teixeira da empresa Rosa & Caldeira, que legalmente herdara a oficina do mestre (v. Cabral 1999: 202).

One of the earlier examples illustrating the importance of the name of a workshop in identifying an instrument with specific features were the labels by João Rodrigues da Rosa that stated “João Rosa, sole apprentice of Manuel Pereira”. This was at the beginning of the 20th century and the workshop was located at Largo de S. Martinho in Lisbon. After the death of master Manuel Pereira, the apprentice-now-master João Rosa would label his guitars to differentiate them from the others made by another luthier, M. C. Teixeira from the company Rosa & Caldeira, that inherited the master’s workshop from a legal point of view (Cabral 1999:202).

78


a Oficina / the Workshop

79

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

4


4

a Oficina / the Workshop

80

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografias de | Photos by Luís Carvalhal


a Oficina / the Workshop

81

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografias de | Photos by Luís Carvalhal

4


4

a Oficina / the Workshop

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal

82


a Oficina / the Workshop

83

como a “bancada” é o centro físico do espaço da oficina. Na passagem do mestre para o aprendiz, na autonomização do aprendiz-tornado-mestre, este último assume a direcção da oficina e a responsabilidade pelo nome, pela “escola”. Com a transmissão do espaço físico são também transmitidos os conhecimentos adquiridos, os segredos, as ferramentas, os moldes, até mesmo as peças feitas por outros artesãos de outras artes, dos entalhadores as volutas (mestre Joaquim Silva de Gondomar) e dos torneiros mecânicos de precisão as chapas de leque, cravelhas e atadilhos (mestre Fernando Silva “Fanan”, de Lisboa, cuja marca “Passarinho” representa o desenvolvimento do moderno leque da guitarra portuguesa que é da sua autoria). Além de tudo isso, a oficina é um espaço de experimentação. Um artesão aprende na oficina do mestre e com o tempo, torna-se também ele mestre e assume a linhagem. Mas para manter viva a oficina e a “tradição” é necessário renovar, responder à mudança e ao tempo. Para isso, mais uma vez a oficina é um espaço central. Nela são recebidos os clientes, constituindo-se verdadeiras tertúlias sobre o fado e sobre as guitarras. Os guitarristas habituaram-se a conviver nestes espaços com os responsáveis pela fabricação e manutenção da sua principal ferramenta de trabalho. Os pretextos para as visitas são vários, pode ser um novo modelo de guitarra ou uma guitarra que Óscar julga ser “perfeita” para um músico seu cliente (por corresponder ao som que normalmente esse músico aprecia ou por estar especialmente adequada à sua forma de tocar), pode também ser uma reparação de um fundo estalado (acidente muito comum nas viagens intercontinentais que esses instrumentistas fazem), uma simples mudança de corda, ou ainda, uma mera visita de cortesia. Assim se formam convívios e sedimentam relações e redes de contactos. Com tudo isto, o construtor vai conhecendo profundamente os seus clientes,

4

autonomy he also takes into his hands the workshop’s management and the responsibility for the name and the “school”. When the venue is passed along it brings with it the know-how, the secrets, the tools, the moulds, and even the items made by other craftsmen from different crafts: the carvers who decorate the scrolls (master Joaquim Silva from Gondomar) and the precision lathe operators who make fan plates, tuning pegs and tailpieces (master Fernando Silva “Fanan”, from Lisbon, whose trademark “Passarinho” stands for the development of his Portuguese guitar’s modern fan). Apart from all that, a workshop is also a place for experimentation. A craftsman learns his job at his master’s workshop and – as time goes by – he also becomes a master and inherits the lineage. But in order to keep both the workshop and the “tradition” alive it is absolutely necessary to renovate and to adjust to changes and to times. And once more the workshop shall be the core of those changes. It is there that customers are welcomed and it is there that happen the talks about Fado and guitars. Guitar players are used to socialize in these venues with the ones that are responsible for the manufacturing and maintenance of their main work tool. Pretexts may vary – a guitar’s new model or a guitar that Óscar believes is “perfect” for one of his customer/musician (because it matches the sound this musician prefers or because it is adequate for his way of playing). It may also happen when the body is cracked and needs to be repaired (a very common accident that often occurs during intercontinental travels), a simple string replacement, or a mere visit. And this is how these gatherings occur and how relationships and networks grow stronger. The luthier eventually gets to know his customers well. He listens to what they desire, and tries to understand the kind of sound they want for the instruments they play and for the ones they order him. A hard to verbalize know-how is thus built up.


4

a Oficina / the Workshop

ouve-os nas suas pretensões, procura perceber que som pretendem para os instrumentos que usam ou que encomendam. Acumula-se assim um conhecimento dificilmente verbalizável, mas que Óscar Cardoso reconhece ser determinante para que as suas guitarras não desiludam quem as encomenda ou que as que produz tendo em vista determinado músico sejam, de facto, do seu agrado. Muitas vezes, cruzam-se nestas oficinas várias gerações de instrumentistas o que tem como consequência acrescida a densificação das relações também entre estes profissionais. Nesses encontros, ajudado pelos seis anos em que aprendeu a tocar viola na escola Vitorino Matono, e depois de muitas horas na oficina com o seu pai, aprendeu a perceber os músicos, a forma como eles falam do som que pretendem, a forma como utilizam o instrumento musical, tudo isso deu-lhe a facilidade de compreender a linguagem dos instrumentistas e a capacidade de materializar esse discurso num instrumento: “só se consegue fazer um instrumento minimamente bom quando percebemos perfeitamente a linguagem do músico!” e, com o tempo e com o arrojo, inovar. Muitas vezes o espaço da oficina esvazia-se do som das vozes dando lugar ao som das madeiras e das ferramentas. O artesão está sozinho, trabalha afincadamente na construção de uma guitarra portuguesa…

Óscar Cardoso however acknowledges this knowhow to be determinant for the customer’s satisfaction. These workshops quite often accommodate different generations of players, and this also fosters a stronger professional and personal networking. Together with the six years of guitar playing classes at Escola Vitorino Matono, and the many hours he spent at his father’s workshop, these gatherings helped him to understanding the musicians, the way they talk about the sound they want, the way they use their musical instruments. All this promoted his good skills to understanding the language of the musicians and the ability to materialize that particular speech into a musical instrument: “one can only produce a decent instrument when one fully understands the language of the musician!” and – with time and audacity – being able to innovate. Voices fade away quite often in the workshop and give way to the sound of woods and tools. The craftsman is alone and is working hard making a Portuguese guitar…

84

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal


a Oficina / the Workshop

85

4


4

a Oficina / the Workshop


a Oficina / the Workshop

Óscar Cardoso, s/d | Undated Oficina de Construção | Workshop Casal do Privilégio, Odivelas Colecção | Colection Óscar Cardoso

4


4

a Oficina / the Workshop

88

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografias de | Photos by Luís Carvalhal


a Oficina / the Workshop

89

Oficina de Construção | Workshop, 2011 Casal do Privilégio, Odivelas Fotografias de | Photos by Luís Carvalhal

4


Óscar Cardoso, 2011 Ericeira Fotografia de | Photo by Luís Carvalhal


5

o _ th

os seus Instrumentos /his Instruments Os instrumentos incluídos nesta exposição foram escolhidos por Óscar Cardoso. O seu objectivo pessoal era o de dar a conhecer o seu trabalho de guitarreiro, a sua arte, permitindo que os visitantes entrassem em contacto com os instrumentos musicais que fabrica. Para o Museu interessava mostrar uma arte fundamental para a prática do fado, destacando a especial apetência deste construtor para a inovação e a sua capacidade de recriação de formas tradicionais daqueles cordofones usados, quer na prática do fado, quer na da Canção de Coimbra. O discurso museológico tratou de organizar esses instrumentos

Óscar Cardoso selected the instruments for this exhibition. His personal objective was to let us know his work, his art as guitar maker, enabling visitors to get in touch with the musical instruments he manufactures. The Museum was interested in approaching an art that is fundamental to the fado practice, putting special emphasis on this maker’s taste for innovation and his ability to re-create traditional forms of those used chordophones, in both practices of fado and Coimbra song. The museological discourse for organizing the selected instruments aimed to represent the maker’s tradition founded


5

os seus Instrumentos / his Instruments

92


os seus Instrumentos / his Instruments

seleccionados no sentido de representar a tradição de construção que foi fundada por Álvaro da Silveira e que hoje se materializa nos instrumentos de Óscar Cardoso, sem esquecer o mestre que transferiu o conhecimento, Manuel Cardoso. A quase totalidade dos instrumentos expostos são propriedade do Engenheiro José Paulo Maia Costa. O contributo deste coleccionador foi determinante para a realização desta exposição. Como espero ter mostrado anteriormente, o traço da personalidade de Óscar Cardoso que mais imediatamente salta à vista (e que com o tempo se consolida como a sua característica central) é a sua inquietação, a sua atracção pelo caos criativo, pela renovação, pela inovação, pela surpresa e pelo confronto permanente com as ideias feitas e os saberes consolidados. Esta foi outra das preocupações da exposição, transmitir o carácter do guitarreiro. Por isso, sugeri ao Óscar que me falasse dos instrumentos que havia seleccionado. Ninguém melhor do que ele para indicar os pormenores que distinguem cada um destes instrumentos, possibilitando-me traçar pequenas biografias de cada um deles. O que agora se segue são sínteses do que Óscar Cardoso me disse ao longo de várias conversas gravadas que tiveram lugar entre Abril e Maio de 2011.

93

5

by Álvaro da Silveira and currently materialized in the instruments manufactured by Óscar Cardoso, always bearing in mind Manuel Cardoso, the master who transferred the know-how from the former to the latter. Virtually all exhibited instruments belong to the collection of engineer José Paulo Maia Costa. This collector’s contribution was decisive to organize this exhibition. I believe that I already managed to emphasize that the most conspicuous trait of Óscar Cardoso’s personality (and time has helped consolidate it as his key attribute) is restlessness, his appetite for creative chaos, renewal, innovation, surprise and permanent confrontation of pre-established ideas and consolidated knowledge. This is another concern of this exhibition, i.e. to convey the character of the luthier. I therefore invited Óscar to talk to me about the instruments he selected. He is the best placed person to comment on the details that differentiate each of these instruments, enabling me to write short biographies on each of them. The following are syntheses of Óscar Cardoso’s own words to me, collected throughout several talks we had between April and May 2011.


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Coimbra sem fundo / Backless Portuguese Guitar (Coimbra model) Esta Guitarra no modelo “de Coimbra” foi feita para o [guitarrista] Mário Pacheco, por volta de 2006. As ilhargas são em pau-santo do Brasil, o tampo é em espruce italiano, a escala é feita em ébano, e o braço em cedro do Brasil. Coloquei um aro em cedro brasileiro no fundo da guitarra para lhe dar rigidez estrutural. Quer as ilhargas, quer esse aro estrutural, são forrados a carbono para dar ainda maior rigidez. Esta guitarra de Coimbra tem um timbre diferente do habitual porque não tem a caixa acústica, logo não anula as frequências das diferentes notas que o músico dá. O Mário Pacheco não ficou com esta guitarra para si porque ele já tinha uma outra guitarra portuguesa que eu lhe havia feito em 2005, uma guitarra também sem fundo. Porque toca sempre com essa primeira guitarra, ela já tem um som bastante evoluído, mais “maduro” … e assim, nunca irá gostar do som de uma guitarra nova como gosta da primeira porque as guitarras para dar som têm de “amadurecer”, ou seja, a madeira tem de estabilizar, tem de secar, e as substâncias químicas da madeira devem ir oxidando — a mais importante de todas é a tilose — para que as vibrações percorram muito mais rapidamente a madeira. Já lhe fiz várias guitarras mas o Mário diz “que não está como a primeira….” Nem nunca vai estar! [Risos] ele nunca vai encontrar nenhuma como a primeira porque estão “verdes”, o verniz ainda não está seco, as madeiras ainda não estão conforme a tensão necessária das cordas, de maneira que continua a tocar na primeira guitarra recusando as novas. Não porque estas tenham menos som, mas porque não têm aquele tímbre, aquele som,… e quando uma pessoa tem uma guitarra muito antiga, com excelente som, é muito difícil mudar, …. [Silêncio] só se for uma coisa, assim, “fora do comum”. [Silêncio] Mas vai ser muito difícil.

I made this guitar of the “Coimbra” model for [guitar player] Mário Pacheco around 2006. It has ribs in Brazilian rosewood, soundboard in Italian spruce, fingerboard in ebony and the neck in Brazilian cedar. I placed a rim in Brazilian cedar at the back of the guitar to make it structurally more rigid. Both the ribs and this structural frame are coated in carbon, to further the said rigidity. The timbre of this Coimbra guitar is different from the usual because the instrument has no resonance case and therefore does not eliminate the frequencies of the different notes played by the musician. Mário Pacheco did not keep this guitar because he already owned another Portuguese guitar I made for him in 2005, also without back. As he always uses that first guitar, the instrument has a much more evolved, more “mature”, sound… and so he will never love the sound of a new guitar as much as he loves the first. You see, in order to produce sound guitars have to “mature”, that is to say, the wood must stabilize, must dry up and the chemical substances in the wood (the most important of which is tylosis) must gradually oxidize so that vibrations can pass across the wood more rapidly. I made several guitars for Mário, but he always says “it is not like the first…” Nor will it ever be! [Laughter] He will never find any guitar like the first because the others are “green”, the finish has not dried, the woods do not yet match the tension required by the strings and, so, he continues to play the first guitar, refusing the new ones. Not because these have a poorer sound, but because they do not have that timbre, that sound… and when someone plays a very old guitar with an excellent sound it is very difficult to change, …. [Silence] only if it is something, how can I put it, “uncommon”. [Silence] But it is going to be very difficult.

94


Guitarra Portuguesa sem fundo | Backless Portuguese Guitar (Modelo de Coimbra | Coimbra model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2006 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Lisboa “Pedro Lafões” / Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Lisbon model) O guitarrista Pedro de Lafões queria uma guitarra tradicional, com fundo, mas que fosse diferente em termos de embelezamento, diferente do que anda para aí. Era para ser uma guitarra muito decorada, e com bom som, um som tradicional. Acabou por ser uma síntese de tudo o que há de melhor na guitarra, na construção, nas suas características estruturais, nas madeiras e na decoração. As madeiras são, no tampo espruce italiano, as ilhargas e o fundo são em pau-santo e jacarandá do Brasil, madeiras que já não existem com facilidade, que são muito raras hoje em dia. O braço é feito em cedro do Brasil. A voluta é muito bonita em talha, as madrepérolas são únicas, feitas por mim e decoram toda a guitarra, rebordos, escala, boca, guarda-unhas, o leque é cinzelado à mão…. Até as cravelhas são em marfim. A boca está cheia de pormenores de madrepérola segundo um desenho original. Relativamente a esses desenhos nunca tenho uma ideia pré-definida; olho e quando tenho de meter a madrepérola, coloco! Nunca fiz uma boca igual e às vezes aparecem instrumentos que foram feitos há dois ou três anos e fico surpreendido com a boca que fiz, como consegui imaginar uma decoração daquelas. Também o trabalho do braço, a forma como se dá o desenrolamento para a voluta, ninguém faz assim. Esta guitarra é uma coisa personalizada e tem um excelente som. Acabou por vendê-la porque tinha outra também com um excelente som e como não tocava nas duas optou por vender uma delas, foi esta…. E o José Paulo ficou com a guitarra. Sendo tradicional, incorpora também alguns pormenores não tão tradicionais, é uma mistura de alguns aspectos diferentes mas na generalidade é tradicional. Fi-la em 2001.

Guitar player Pedro de Lafões wanted a traditional guitar, with back, but different in terms of ornamentation – different from the usual. The plan was to make an extensively decorated guitar with a fine sound – a traditional sound. I ended up making a synthesis of all best features of a guitar, in terms of construction, structural attributes, woods and decoration. I used the following woods (quite rare these days and difficult to get); Italian spruce for the soundboard, rosewood and jacaranda from Brazil for the ribs and back. The neck is made of Brazilian cedar. The scroll is beautifully carved and the mother-of-pearl inlays are unique and I made them myself. They decorate the entire guitar – i.e. rims, fingerboard, sound hole, pick-guard. The fan has been manually chased…. Even the tuning pegs are in ivory. The sound hole is filled with mother-ofpearl details, following an original design. I never have a pre-defined concept when I am designing; I just look and when I have to use mother-of-pearl I place it and that’s it! I never designed two identical sound holes. Sometimes I find instruments I made two or three years ago and I am surprised at their sound hole, wondering how I could have imagined such decoration. Also my way of working the neck, the way in which it extends up to the scroll, nobody does it like me. This is a tailor-made guitar with an excellent sound. Its owner ended up selling it because he had another also with an excellent sound and he could not play both, so he chose to sell one of them – this one… I kept the guitar. It is a traditional instrument, but also includes a number of non-traditional details, it is a mix of different features. But on the whole it is traditional. I made it in 2001.

96


Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Pedro Lafões” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Lisboa sem fundo / Backless Portuguese Guitar (Lisbon model) Esta guitarra é um instrumento bastante original… não só não tem fundo, como tem um buraco na ilharga. Esta guitarra tem um fundo amovível, uma tampa, que quando se põe, o músico consegue perceber o som que as pessoas estão a ouvir pelo som que saí por esse buraco lateral. Às vezes os músicos perdem a noção do som que as pessoas estão a ouvir, estão ali ao pé da guitarra, e o público ouve um som completamente diferente. Esta guitarra foi feita em 2006 para o músico Firmino Nóbrega, da Madeira. Tem um aro posterior em cedro do Brasil colocado para que o som “fique lá dentro” [da caixa de ressonância] e as restantes madeiras são as mesmas: tampo em espruce italiano, ilhargas em pau-santo, escala em ébano e braço em cedro brasileiro. O Firmino Nóbrega devolveu-me esta guitarra e eu fiz-lhe outra em substituição porque achava que o som desta guitarra era muito violento, que lhe dava “cabo da cabeça”. Dizia que tinha muito som. Acabou por ficar com uma guitarra com fundo [fixo] que não tem tanta projecção sonora.

This guitar is a quite original instrument… not only does not it have a back but it also has a hole on the rib. It has a removable back, a lid; when you put it on, the musician is able to understand which sound the people are listening to, judging from the sound that comes from the side hole. Sometimes musicians are unaware of the sound people are hearing, they are just there, close to the guitar, and the audience is listening to an altogether different sound. This guitar was made in 2006 for musician Firmino Nóbrega, from Madeira. I placed a rim in Brazilian cedar on the back to “keep the sound in there” [the resonance case] and the other woods are the same, i.e. soundboard in Italian spruce, ribs in rosewood, fingerboard in ebony and neck in Brazilian cedar. Firmino Nóbrega returned this guitar to me and I made him another for replacement, because he said its sound was too violent for his head. He said it has too much sound. He ended up keeping a guitar with [fixed] back that had a weaker sound projection.

98


Guitarra Portuguesa sem fundo | Backless Portuguese Guitar (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2006 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Viola modelo “Pedro Jóia” / “Pedro Jóia”-model Spanish Guitar O modelo desta viola foi criado por mim e já há vários músicos a tocar com estas violas em França, um outro nos Açores... Esta é um modelo meu, feita originalmente para o Fernando Lobo [professor no conservatório de música de Lisboa] em 2006. Os guitarristas “Zé” Peixoto [do grupo Madredeus] e o Pedro Jóia tocam em guitarras com este modelo. No fundo é uma viola que mistura elementos do alaúde com elementos da guitarra portuguesa e da guitarra “clássica” [ou seja, da viola]. É portanto uma mistura de vários instrumentos. Não tem fundo, mas faço-as com um tampo amovível. No entanto, mesmo com o tampo colocado, permanece uma abertura no verso, na parte superior do tampo, que também pode ser tapada. Eu tive a ideia de fazer esta viola e um amigo que é engenheiro civil [o Eng. João Paulo Maia Costa] fez os desenhos pormenorizados daquilo que eu havia pensado. Um dos elementos mais visíveis é a posição da boca que é lateral no tampo harmónico e a forma lembra a forma em “lágrima” dos alaúdes. Os materiais são os mesmos dos utilizados nos outros instrumentos: tampo em espruce italiano, ilhargas em pau-santo indiano, o fundo amovível é feito em espruce italiano, a escala em ébano e braço em cedro do Brasil. Para reforço tem um aro em carbono. Estas violas sem fundo têm uma propagação do som a uma velocidade impressionante, os agudos são únicos e o timbre característico.

I created the model for this Spanish guitar. Now there are several musicians playing with guitars of this model in France and one in the Azores… This is a model of mine, originally designed for Fernando Lobo [professor at the Lisbon Music Conservatory] in 2006. Guitar players “Zé” Peixoto [of the Madredeus band] and Pedro Jóia use instruments of this model. Actually this is a guitar with mixed components of the Portuguese guitar and the “classic” guitar [i.e. Spanish guitar]. It therefore is a mix of various instruments. It has no back, but I make them with a movable lid. Even when the lid is placed, however, an opening remains on the opposite side, in the upper part of the soundboard, which may also be covered. A friend of mine who is an civil engineer [Eng. João Paulo Maia Costa] gave me the idea for this guitar; he made the detailed drawings of what I had imagined. One of the most conspicuous elements is the position of the sound hole, on the side of the soundboard. Also its shape recalls us the “teardrop” form of lutes. I used the same materials employed in other instruments, i.e. soundboard in Italian spruce, ribs in Indian rosewood, back in Italian spruce, fingerboard in ebony and neck in Brazilian cedar. It is reinforced with a rim in carbon. These backless guitars provide a highly speedy sound dissemination, in addition to its unique high-pitched sounds and typical timbre. 100


Viola Modelo “Pedro Jóia” | “Pedro Jóia” Model Spanish Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2006 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments Viola de “dois tampos” / Spanish Guitar with “two soundboards”

Esta é uma viola “clássica” à primeira vista… na sua forma quando vista de frente. Mas na verdade tem dois tampos harmónicos o que lhe altera o som. Tem um aro interno a toda a volta para reforço estrutural e duas aberturas laterais junto à quilha do braço, próximo do fundo. Por isso esta viola tem uns agudos e um som em geral muito definido, puro, o que lhe dá um timbre especial. As ilhargas são em pau-santo africano e os dois lados (tampo e fundo) são em espruce italiano, por isso deveria ser chamada de viola com dois tampos. O braço é em cedro do Brasil. A ideia surgiu das violas sem fundo, porque fiz algumas sem fundo em que aplicava um fundo que podia retirar e tinham abertura lateral e pensei fazer uma viola com o mesmo esquema mas com fundo fixo. Foi feita em 2007 para um músico que hoje dá aulas no conservatório regional D. Diniz em Odivelas que trocou por outra, feita por mim, que agora usa.

At first sight, from the front, this looks like a Spanish guitar in terms of shape. But in truth it has two soundboards, which modify its sound. It has an internal rim all around for strengthening its structure and two side openings near the keel (?) of the neck, close to the rear soundboard. Therefore this guitar has special high-pitched notes and a well-defined pure sound, in general, which give it a peculiar timbre. It has ribs in African rosewood and both soundboards (top and back) are in Italian spruce and so it should be called two-soundboard Spanish guitar. Its neck is made of Brazilian cedar. The idea emerged from backless Spanish guitars, as I made a few without back to which a removable back was fitted – and they had a side opening. I thought I could make a Spanish guitar following the same design, but with a fixed back. I made it in 2007 for a musician who currently teaches at the D. Dinis regional conservatory, at Odivelas, who swapped it for another one made by me, which he now uses.

102


Viola de “dois tampos” | Spanish Guitar with “two soundboards” Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2007 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments Viola Baixo / Bass Spanish Guitar

Esta é a única viola baixo que fiz, mas já foi tocada por “toda a gente”. Foi tocada por tanta gente que a madeira do tampo começou a ter marcas da utilização e o seu proprietário fez uma protecção em pau-santo para defender a madeira do tampo harmónico. É o que se vê por baixo da boca da viola. O tampo é em cedro vermelho, as ilhargas e o fundo são em pau-santo indiano e o braço em cedro brasileiro. O [violista] Lelo Nogueira encomendou-ma em 1996 para um trabalho como “viola-baixo”, esse trabalho não se concretizou e desistiu desta viola. Vendeu-a ao pai do [violista] Diogo Clemente que a emprestava a quase todos os “violas-baixo” activos até que foi comprado pelo [coleccionador, o Engenheiro] José Paulo Maia Costa. Hoje anda tudo à procura deste baixo. Por isso vou começar agora a fazer um outro modelo, completamente revolucionário para o [guitarrista] Marinho Freitas. Vai ser um instrumento revolucionário, tal como ele o deseja. Quer um baixo “todo futurista”. Já tenho o desenho e vou construí-lo. Vai ter elementos da guitarra portuguesa, da viola e do violino. Vou importar elementos de todos estes instrumentos e assim vai abranger outras áreas de construção. Actualmente este instrumento caiu em desuso, mas quando tenho alguma encomenda… faço.

This is the only bass guitar I ever made, but it has been played by “everyone”. So many people played it that the soundboard wood gained usage marks and its owner commissioned a guard in rosewood for protecting the wood – visible below the instrument’s sound hole. It has the soundboard in Western red cedar, ribs and back in Indian rosewood and the neck in Brazilian cedar. [Player of Spanish guitar] Lelo Nogueira ordered it to me in 1996 for a job as “bass guitar”, which did not materialize. He decided not to keep this guitar and sold it to the father of [the player of Spanish guitar] Diogo Clemente, who lent it to virtually all active “bass guitar players” until it was bought by [collector, engineer] José Paulo Maia Costa. Today everybody wants to own this bass guitar. So I am now going to design a new, totally revolutionary, model for [Portuguese guitar player] Marinho Freitas. It will be a revolutionary instrument, according to his wishes. He wants a “fully futuristic” bass. I already have the design and I am going to make it. It will borrow elements from Portuguese guitar, Spanish guitar and violin. I shall import elements from all these instruments and it will cover other areas of construction. This instrument is not fashionable these days, but whenever I receive an order… I deliver.

104


Viola Baixo | Bass Spanish Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 1996 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Lisboa “Manuel Cardoso” / Portuguese Guitar “Manuel Cardoso” (Lisbon model) É uma guitarra portuguesa, modelo “de Lisboa” feita pelo meu pai [Manuel Cardoso] em 1977 para o guitarrista Hérmes. É muito parecida com as minhas guitarras. É verdade que esta em concreto não tem o taco como eu hoje faço ou mesmo como ele fazia, isto porque o meu pai construía duas versões do taco nas guitarras “de Lisboa”. Fazia um modelo em que o taco, onde emalheta o braço (o malhete do braço) tinha o “design” do Álvaro da Silveira, curvo. E fazia um outro modelo em que o malhete era recto. Esta guitarra “de Lisboa” só se distingue por isso [no taco do braço]. O resto, as madeiras são o mogno africano nas ilhargas e fundo, o tampo é em espruce italiano, o braço em cedro do Brasil e a escala em ébano é de 44 [cm] de comprido. Tem uma voluta simples…. É uma guitarra normal. Na verdade, as pessoas nem reparavam na diferença entre os modelos, porque tudo o resto era igual. O meu pai é que decidia fazer o taco recto ou curvo e o cliente quase que nem reparava. Claro que se o meu pai fizesse curvo, os clientes gostavam mais, a nível do desenho é outra coisa…. Mas como implicava mais tempo de trabalho para fazer com o desenho curvo, por ser mais difícil, ainda que o preço não se alterasse pela diferença na forma do taco, tudo dependia de haver tempo ou não para o fazer. Era mais uma questão de “carolice” do meu pai, porque o meu pai tinha gosto em mostrar um trabalho mais refinado, uma coisa nova, diferente…. Mas se o pedido de uma guitarra era mais urgente… então fazia o taco em linha recta porque o outro exigia mais tempo de trabalho.

This is a Portuguese guitar of the “Lisbon” model made by my father [Manuel Cardoso] in 1977 for guitar player Hérmes. It strongly resembles my own guitars. This one, in concrete, does not have the tail block as I make it today, or as he used to make it – my father actually made two tail-block versions for the “Lisbon model” guitars. In one model the fitting of the tail-block to the neck (malhete of the neck) had the curved “design” of Álvaro da Silveira. He also made a different model with a straight malhete. This is the only difference of this “Lisbon” guitar [the neck tail-block]. As for the rest, the employed woods are African mahogany in the ribs and back, Italian spruce in the soundboard, Brazilian cedar in the neck and a 44 [cm] fingerboard in ebony. It has a plain scroll…. It is a common guitar. Truly people did not even notice the difference between the two models, because all the rest was identical. My father decided to make the tail-block straight or curved and customers almost never noticed. Of course customers preferred when my father made it curved, in terms of design it is a different thing... But the curved design was more time-consuming, more difficult, and although price was not affected by the difference in the shape of the tail-block, all depended on whether there was enough time to make it curved. It was just my father’s perfectionism, because he had a taste for showing a more sophisticated work, a new different thing…. If however the order for a guitar was urgent … then he would make a straight tai-block because the curved tail-block demanded more working hours.

106


Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Manuel Cardoso” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Manuel Cardoso, 1977 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Lisboa “Álvaro da Silveira” / Portuguese Guitar “Álvaro da Silveira” (Lisbon model) É uma guitarra portuguesa, modelo “de Lisboa” feita na década de 70 [1973] por Álvaro da Silveira. As madeiras usadas são o espruce italiano para o tampo e o pau-santo da Baia nas ilhargas e no fundo. O braço é feito em mogno. Está toda decorada com madrepérola e a voluta em caracol é toda trabalhada em talha. Estava toda partida quando chegou até mim, vendi-a depois ao Pedro Lafões, veio a ser comprada pelo guitarrista António Raposo e agora pertence ao José Paulo [Maia Costa]. Fui eu que a restaurei. Levou um braço novo, feito tal como o original e levou um tampo novo, mas ficou tudo como se fosse de origem. Este trabalho de restauro foi importantíssimo para mim para perceber que as minhas guitarras são exactamente iguais às dele. Foi importante porque me permitiu aprender sobre a construção do Álvaro da Silveira. Ao mexer nestas guitarras revejo-me nelas… E deparo-me também com o trabalho do meu pai que aprendeu com ele [Álvaro da Silveira]. É engraçado que uma pessoa que morreu há tantos anos e esteve ali a fazer as guitarras, que fez estas guitarras, e que continua a falar através delas, a ensinar através das guitarras que fez. E que continua o seu processo de fabrico em mim… isso é uma “loucura”. Hoje em dia é raro aparecer uma guitarra de Álvaro da Silveira para reparar. A vender, então, é ainda mais difícil.

This “Lisbon model” Portuguese guitar was made in the 1970’s [1973] by Álvaro da Silveira. The maker used Italian spruce for the soundboard and Bahia rosewood for the ribs and back. The neck is made of mahogany. It is fully decorated in mother-of-pearl and the snail-shaped scroll is entirely carved. It was completely broken when I found it; I sold it to Pedro Lafões and later on it was bought by Portuguese guitar player António Raposo and now it belongs to José Paulo [Maia Costa]. I recovered it. I made a new neck, identical to the original, and a new soundboard; but at the end it was just like the original. Its recovery was critically important to me, as I could find out that my guitars are just like his. It was important because it enabled me to understand the construction technique of Álvaro da Silveira. When I look into these guitars I see myself in them … And I am also faced with the work of my father, who learned from him [Álvaro da Silveira]. It is a funny thing, isn’t it? A person who died so many years ago. He was there, making guitars, he made these guitars and now he continues to talk to us through them, teaching us through the guitars he made. And his manufacturing technique continues in me … it is simply “crazy”. Today we are rarely asked to repair guitars made by Álvaro da Silveira. It is even rarer to find them for sale.

108


Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Álvaro da Silveira” (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Álvaro Marciano da Silveira, 1973 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Coimbra “Manuel Cardoso” / “Manuel Cardoso” Portuguese Guitar (Coimbra model) Esta é uma guitarra “modelo de Coimbra” feita pelo meu pai, Manuel Cardoso. Mas não é bem uma guitarra “de Coimbra” “legítima”… o meu pai fazia os dois modelos. Esta é a única guitarra que tenho para esta exposição. Gostava de ter uma das outras [sem malhete] mas não consegui arranjar. No fabrico deste instrumento foi feita a caixa acústica com dois tacos, um traseiro e um dianteiro, e depois o braço leva um malhete, enquanto as guitarras tradicionais do modelo “de Coimbra”, as laterais, ou seja, as ilhargas, agarram logo no braço. Portanto, quando se está a fazer a guitarra, o braço é a primeira coisa a construir e nele juntamos as ilhargas. Nas guitarras de modelo “de Coimbra” em que é emalhetado o braço, só depois da caixa acústica estar toda fechada é que nós metemos o braço… é essa a diferença. Nesta guitarra, a caixa acústica foi toda feita e depois meteu-se o braço. É uma guitarra antiga, da década de 80. Esta é a atípica… a que falta [na exposição] era a corrente…

This Portuguese guitar (“Coimbra model”) was made by my father, Manuel Cardoso. But it is not exactly a “legitimate” Coimbra guitar… my father made instruments of two types. This is the only guitar of this kind I have for this exhibition. I would like to have one of the other type [without malhete] but I could not find one. This instrument was manufactured with two blocks, one at the front and another at the rear, and the neck has a malhete – whilst in the traditional “Coimbra model” Portuguese guitars the ribs fit directly to the neck. So when you are making a guitar, the neck is the first thing you manufacture and then you add the ribs to it. In the “Coimbra model” guitars with the neck fitting to a malhete, we only place the neck after the resonance case is completely closed… that is the difference. In this guitar the resonance case was entirely made and the neck placed only afterwards. This is an old guitar, made in the 1980’s. This is the atypical type.. the one missing [in the exhibition] was the most common…

110


Guitarra Portuguesa |Portuguese Guitar “Manuel Cardoso” (Modelo de Coimbra|Coimbra Model) Construção de | Build by Manuel Cardoso, déc. 80 | 80’s Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra Portuguesa de dois braços / Double-necked Portuguese Guitar Esta é uma guitarra portuguesa de dois braços…. Na prática são duas guitarras juntas cada uma com a sua afinação, uma “de Coimbra” e outra “de Lisboa”. Foi construída em duas semanas! Isto em 2010. Fui convidado pelo José Paulo [Maia Costa] para participar no Festival da Guitarra Portuguesa no Algarve e decidi que queria levar um instrumento para provocar as pessoas. O José Paulo sugeriu que fizesse uma guitarra portuguesa que fosse ao mesmo tempo “de Coimbra” e “de Lisboa”. Acabei-a dois dias antes do evento!! Há músicos que gostam de tocar uma peça numa guitarra “de Lisboa” e depois outra numa guitarra “de Coimbra”, então porque não ter uma guitarra que “tenha” “Coimbra” e “Lisboa”? A diferença é só na afinação, hoje até se constrói os dois modelos com a mesma escala! Assim tinham no mesmo instrumento as duas afinações, de um lado a guitarra é “de Coimbra”, do outro é “de Lisboa” e tem dois sons completamente distintos… é mais uma “loucura” minha. Na verdade são duas guitarras agarradas uma à outra, através de um sistema de baioneta como nas lentes das máquinas fotográficas, e com um mesmo instrumento acabas por ter quatro sons. É ter várias guitarras numa guitarra. Isto porque podes desarmar as guitarras e tocar separadamente cada uma delas como guitarras sem fundo. Quando as juntas são duas guitarras com fundo. Todas com sons diferentes. E no geral é sempre um som diferente porque as cordas e o tampo da face que não é tocada também vibram por simpatia, dando assim um som com mais harmónicos qualquer que seja o lado usado. Nunca ninguém tinha pensado nisso, acharam sempre que era impossível fazer duas guitarras. Por isso fiz estas guitarras, para haver um confronto, ver a reacção das pessoas. Fiz o lado “de Lisboa” em pau-santo indiano nas ilhargas, o tampo é em espruce italiano e o aro traseiro em cedro brasileiro; o lado “de Coimbra” tem o aro traseiro em cedro canadiano, as ilhargas em wengué e o tampo é em espruce italiano. Os dois braços são em cedro brasileiro e a escala é em ébano. A voluta do braço “de Lisboa” é trabalhado em talha e o braço “de Coimbra” termina em lágrima, como é hábito. É um modelo único, e pertence-me. Ela é tocada de vez em quando, foi tocada por todos os músicos presentes no festival no Algarve [em 2010]… .

This is a Portuguese guitar with two necks …. Really we are talking about two guitars fit together, one in the “Coimbra” tuning and the other in the “Lisbon” tuning. I made it in two weeks! I did it in 2010. José Paulo [Maia Costa] invited me to participate in the Algarve Portuguese Guitar Festival and I decided to bring with me an instrument that provoked people. José Paulo suggested that I should make a Portuguese guitar that was simultaneously of “Coimbra” and “Lisbon”. I finished it two days before the event!! Some musicians like to play a piece in a “Lisbon” guitar and then another in a “Coimbra” guitar. Why not a guitar that “has” “Coimbra” and “Lisbon” in it? The only difference is the tuning; today we even make the two models with the same fingerboard! So I joined both tunings in the same instrument; one on hand it is “Coimbra”, on the other “Lisbon”, and it has two absolutely distinct sounds… it is another “folly” of mine. In truth these are two guitars stuck to each other, by means of a bayonet system, as in the lenses of a camera, and you end up having four sounds with the same instrument. Because you may dismount the guitars and play each of them separately without back. When you join them together, you have two guitars with back. All of them with different sounds. Generally speaking you always have a different sound, because the strings and the soundboard of the face that is not played also vibrate by sympathy, yielding a sound with more harmonic resonances irrespective of the side used. No-one had ever considered that, they always thought it was impossible to make two guitars. So I made these guitars, to create confrontation, to watch people’s reaction. I made the “Lisbon” side with the ribs in Indian rosewood, the soundboard in Italian spruce and the back rim in Brazilian cedar. The “Coimbra” side has the back rim in Canadian cedar, the ribs in wenge and the soundboard in Italian spruce. It has both necks in Brazilian cedar and the fingerboard in ebony. The “Lisbon” neck scroll is carved and the “Coimbra” neck has the scroll in the form of teardrop, as usual. This is a unique model and it belongs to me. It is played every now and then; all musicians present at the Algarve Festival played it…

112


Guitarra Portuguesa de dois braços|Double-necked Portuguese Guitar (Modelo de Lisboa e Coimbra|Lisboa and Coimbra Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2010 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments Viola “escavada”/ “Dugout” Spanish Guitar

As violas “escavadas” são instrumentos que estou a fazer agora [2011] e são bastante interessantes porque são feitos de duas peças de madeira, dois blocos de cedro canadiano, um que é uma metade da ilharga e o tampo, e outro bloco que é a outra metade da ilharga e o fundo. O braço é feito em cedro brasileiro. Esses blocos ficam mais espessos do que os tampos e os fundos de um instrumento convencional, mas o peso acaba por ser mais ou menos igual porque a madeira usada é mais leve e porque a escavar não fica com uma espessura igual em toda a madeira. Cada um dos blocos é uma peça única que é escavada internamente. Assim não há qualquer colagem entre os tampos e as ilhargas, e as ilhargas com os fundos. Só se colam as duas “metades” e depois é colocado o braço, a escala e o instrumento fica pronto. É portanto mais rápido de fazer. Mas não é por ser rápido que o faço… anteriormente quando se faziam instrumentos arranjava-se uma madeira, escavava-se essa madeira e colocava-se uma pele por cima ou um tampo em madeira e fazia-se assim o som. Porque essa forma de construir provocava muito desperdício de madeira e dava muito trabalho a desbastar, evoluiu-se para um sistema de construção baseado em moldes, começaram a meter-se umas ripinhas de madeira à volta que eram dobradas ao calor e todo o processo ficou mais rápido do que escavar à mão. Ao mesmo tempo ficava facilitada a criação de novos desenhos, de desenhos alternativos, era mais fácil. Assim, por todas estas razões, não se desenvolveu esta forma de construir, mas hoje, com as máquinas que há— eu não escavo aquilo à mão! —, é fácil fazer-se assim. Primeiro é preciso fazer um desenho em 3 D[imensões], o que dá trabalho. Mas na verdade estes instrumentos são uma forma de eu mostrar, de chegar às origens da construção e desenvolvê-las. Hoje o guitarrista Pedro Soares toca numa viola destas e o Luís José Martins dos Deolinda também. Esta que está integrada na exposição foi feita agora, em 2011.

“Dugout” Spanish guitars are the instruments I am currently [2011] making. They are quite interesting because they are made of two pieces of wood, two blocks of Canadian cedar – one being half of the rib and the soundboard and the other being the other half of the rib and the back. I make the neck in Brazilian cedar. These blocks eventually become thicker than the soundboards and backs of a conventional instrument, but the weight ends up being virtually the same because we use a lighter wood – and the thickness resulting from the digging process is not identical in all the surface. Each block is a unique piece dug out internally. Thus there is no gluing between soundboard and ribs, nor between ribs and back. You only glue the two “halves”, then you fit the neck and the fingerboard and the instrument is ready. You make it more rapidly. But I do not do this because it is more rapid… in the old days when you made an instrument, you dug out its wood, you placed a skin or a wooden boardo on top and that is how you created the sound. But this manufacturing process generated a lot of wasted wood and thinning was hard, so the old ways changed to a mould-based construction system – they began to place little straps of wood all around, which bent with heat, and the entire process became more rapid than digging by hand. Simultaneously the creation of new alternative designs became easier. For all these reasons this method did not expand. But today, with the machines now available – you don’t imagine I do the digging by hand!!! – dugout guitars are easier to make. Firstly you have to make a 3-D design, which is rather timeconsuming. Truly these instruments are the best way for me to show the origins of construction, to reach them and develop them. Guitar player Pedro Soares currently uses a Spanish guitar and Luís José Martins, of [band] Deolinda as well. This one, selected for this exhibition, has just been made, in 2011.

114


Viola “escavada” | “Dugout” Spanish Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2011 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments Viola-Guitarra / Spanish-Portuguese Guitar

Este instrumento é uma viola que tem uma caixa acústica com a forma de uma guitarra portuguesa… o braço é de viola. Quem olha ao longe pode pensar que é uma guitarra portuguesa diferente, mas não é. É uma viola que se toca como uma viola. E o som é parecido com o de uma viola. A sua aceitação? [Silêncio longo] bom… é assim… a aceitação dessa viola não foi muito grande porque… Eu tive uma ideia: nos instrumentos de corda, na família do violino há o violino, a viola, o violoncelo, o contrabaixo… existe portanto uma família em que todos os instrumentos têm a mesma configuração do corpo, mas muda o tamanho do instrumento e o tamanho da escala… ora eu queria fazer uma família da guitarra portuguesa que era composta pela guitarra portuguesa, pela viola com a forma da guitarra portuguesa e um baixo acústico também com a forma da guitarra portuguesa. Portanto, tinha tudo o mesmo feitio, mas de diferentes tamanhos e com diferentes tamanhos de escalas, mas na prática eram instrumentos completamente diferentes, tal como a família dos violinos… Esta viola foi uma experiência para ver a aceitação das pessoas… Houve uma grande aceitação relativamente ao som que produz, mas as pessoas da guitarra portuguesa não gostam que alguém toque num instrumento com o feitio da guitarra portuguesa…. Tira-lhes um certo protagonismo…. Depois há a confusão, nos turistas e até nos portugueses, que à primeira vista podem não saber distinguir quem é o guitarra, quem é o viola, quem está a tocar a parte da guitarra…. E a maior parte das pessoas que tocam guitarra não gostam que haja confusão. Por isso desisti da ideia… não sei se um dia isto vai vingar e se alguém vai apoiar esta ideia… até agora ficou esta como peça única. Chegou a ser tocada em concerto pelo “Zé” Peixoto nos Madredeus. Fi-la em 2001 e tem um tampo em cedro canadiano, as ilhargas e o fundo são em pau-santo indiano e o braço é em cedro brasileiro.

This instrument actually is a Spanish guitar with the resonance case in the form of a Portuguese guitar… and the neck of a Spanish guitar. Looked from afar, one may think that it is a different Portuguese guitar, but it isn’t. It is a Spanish guitar, to be played like a Spanish guitar. And its sound is similar to that of a Spanish guitar. Is it well accepted? [Long silence] well… let me put it this way… this Spanish guitar has not been well accepted because … I had an idea; string instruments of the violin family include the violin, the viola, the cello and the double bass… we have a family in which all instruments have the same body shape, with different instrument sizes and fingerboard sizes… I wanted to make a family stemming from the Portuguese guitar which included the Portuguese guitar, the Spanish guitar with the form of a Portuguese guitar and an acoustic bass also with the form of the Portuguese guitar. So all of them had the same shape, but different sizes and different fingerboard sizes. In practice however they were entirely different instruments, just like the violin family … I made this Spanish guitar as an experiment, just to test people’s acceptance… The sound it produces was widely accepted, but Portuguese guitar players do not like seeing people playing an instrument with the shape of a Portuguese guitar... In a way they feel upstaged…. And there it creates confusion; both tourists and Portuguese people cannot tell, at first sight, the difference between the Portuguese guitar player and the Spanish guitar player and identify who is playing the Portuguese guitar... And most Portuguese guitar players do not like such confusion. So I gave up on this idea… I do not know if it will thrive some day, or if someone will support it … so far all we have is this unique piece. “Zé” Peixoto, of Madredeus, played it once at a concert. I made it in 1992 or 1993 [or 2001]. It has a soundboard in Canadian cedar, ribs and back in Indian rosewood and the neck in Brazilian cedar.

116


Viola-Guitarra | Spanish-Portuguese Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2001 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments Guitarra “escavada” / “Dugout” Portuguese Guitar

Só fiz uma. É esta que está na exposição. Foi feita agora [2011] para um músico que vive na Alemanha, o Ivo, que toca guitarra portuguesa. E acharam interessante… actualmente estou a fazer mais destas…. Têm saída! Tenho já encomendas…. Por exemplo do [guitarrista] Fernando Silva. Este tipo de construção tem uma grande vantagem sobre os outros: o objectivo destes instrumentos “em bloco”, escavados, é facilitar o meu trabalho de construção e conseguir um preço mais acessível, mantendo o mesmo som das guitarras portuguesas de construção tradicional. Mas têm a vantagem de ser muito mais resistentes às pancadas, às mudanças de temperatura, de humidade, e isso tudo. Para os músicos não terem tantos problemas quando viajam — e alguns viajam muito —, não terem a preocupação de meter as guitarras nas casas-de-banho para apanharem humidade…. E terem sempre um som igualmente bom. O tampo é em espruce italiano, as ilhargas, o fundo e o braço tudo em cedro canadiano que é uma madeira leve.

So far I have only made one – the instrument shown at this exhibition. I have just finished it [2011] for a musician, Ivo, who lives in Germany and plays Portuguese guitar. People found it interesting… I am now making more of these…. They sell! Orders have been placed…. For example by [Portuguese guitar player] Fernando Silva. This type of manufacture has an major edge over the others; the objective of these dugout “in block” instruments is to render my construction work easier and lower the price, keeping the same sound of Portuguese guitars of traditional make. They have the great advantage of being much more resistant to blows, temperature and humidity variations, and all those things. They prevent musicians from having so many troubles when they travel – and some of them travel a lot – and avoid having to place the guitars in bathrooms to capture moisture… And securing a sound that is equally good. It has a soundboard in Italian spruce and the ribs, back and neck, all in Canadian cedar – a light wood.

118


Guitarra “escavada” | “Dugout” Portuguese Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2011 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra Portuguesa (modelo de Coimbra) de Carbono / Portuguese Guitar (Coimbra model) in Carbon Este instrumento tem um tampo harmónico e um braço normal, o fundo é todo feito numa só peça em [fibra de] carbono. É um instrumento mais leve… e é engraçado que os músicos, a sua primeira reacção quando pegam nesta guitarra é como se ela fosse mais frágil por ser mais leve…. Quando é ao contrário. Está agora [Maio de 2011] na forja. Não sou eu que faço o fundo em carbono! Eu fiz o molde e depois tenho uma pessoa que trabalha o carbono — é uma pessoa que faz peças em carbono para automóveis que correm em competições em Espanha, peças para Ferraris e para Prosches. Falei com essa pessoa, disse-lhe o que queria e acho que para a semana já sou capaz de ter a caixa acústica (o fundo e as ilhargas) em carbono para fazer esta experiência. Na verdade, o tampo também não é só em madeira (espruce italiano), tem um reforço colado por dentro em tela de carbono, vai ser uma “sanduíche” de madeira com tela de carbono por baixo para não rachar, não oscilar com as temperaturas. O braço é feito em mogno do Brasil. A finalidade desta guitarra é ser “ultra-leve”, fácil de transportar (tem depois de se fazer um saco ao molde do instrumento para não ter de ir no porão [do avião]) e ser totalmente resistente, resistir às oscilações de temperatura, e manter um som igual ao das guitarras tradicionais… nem que esteja a 60º negativos, ou positivos, esta guitarra nunca vai ter problemas. Mas o meu maior critério, aquele que não abro mão, é o meu padrão de som, se não o tem, então não vale a pena fazer nada!!!!! Claro que é também para mostrar o que se pode fazer… No fundo, todos os instrumentos que eu faço servem para mostrar que é possível fazer instrumentos de várias formas e manter um padrão de som. Porque quando se fala em fazer uma guitarra em bloco, ou em carbono, as pessoas dizem imediatamente que é impossível. Mas tudo é possível!! Que é possível variar a construção e manter o mesmo padrão de som. Na realidade a única diferença no meu padrão de som é entre o som das guitarras com fundo e as guitarras sem fundo. Dentro de cada um desses tipos de instrumento, o padrão mantem-se. Tem de se manter!

This instrument has a standard soundboard and neck, the single-piece back is entirely made in carbon [fiber]. It is a lighter instrument… the funny thing is that the musicians’ first reaction when they find a guitar like this one is to pick it up as if it were fragile, just because it is lighter… It is precisely the other way round! It is now [May 2011] in the forge. I do not make the carbon back myself! I make the mould and then I have someone who works the carbon — it is a person who makes carbon parts for cars that compete in Spain, parts for Ferraris and Porsches. I talked to that person, I explained him what I wanted and I think nexte week I may have the resonance case (back and ribs) in carbon for this experiment. Truly the soundboard is not made only of wood (Italian spruce); it has a carbon screen reinforcement glued inside, it will be a “sandwich” made of wood and carbon fiber underneath to prevent cracks and temperatureinduced sound oscillation. The neck is in Brazilian mahogany. My purpose was to make an “ultra-light” guitar, easy to carry (then we have to make a bag fitting the instrument’s mould, to avoid having to put it in the hull [of the plane]), totally resistant, resistant to temperature oscillations and having a sound identical to traditional guitars… even at 60 negative or positive degrees Celsius, this guitar will never create any problems. My chief standard, however, which I never give up on, is my sound standard; if it does not match it, then you better do nothing!!!!! Of course this is also useful to show what can be done… At the end of the day all the instruments that I make help to show that you can make instruments in many ways and keep a certain sound standard. When you say you’re going to make a dugout guitar, or a guitar in carbon, people immediately say it is impossible. But everything is possible!! You can vary the construction and keep the same sound standard. Really the only difference in my sound standard is difference between guitars with back and guitars without back. Within each type of instrument the standard remains identical. It must remain identical!

120


Guitarra Portuguesa de Carbono |Portuguese Guitar in Carbon (Modelo de Coimbra|Coimbra Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2011 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Lisboa “A Sereia” / “The Mermaid” Portuguese Guitar (Lisbon model) oi uma guitarra tradicional encomendada pelo coleccionador José Paulo Maia [Costa], coleccionador e amigo, em 2009. É uma guitarra “à antiga”, tradicional… mas com um toque de diferença, pormenores modernos [risos]. A quem olha parece “tradicional”, mas coloquei nela muito das experiências mais radicais que já fiz. José Paulo Maia tem todos os modelos e instrumentos que já fiz e está sempre à procura de mais. Para esta guitarra deixou ao meu cuidado toda a decoração. É um instrumento original porque tem uma boca original com madrepérolas que nunca tinha feito naquela forma, todas feitas à mão. É construída em pau-santo da Baía, tampo é em espruce italiano e o braço em cedro do Brasil, sendo muito fácil de tocar e é muito bonita. A talha na voluta representa uma sereia, foi feita por um entalhador com quem trabalho, o mestre entalhador Joaquim Silva, de Gondomar. Para esta voluta tive de falar com ele várias vezes, e ele fez várias versões da voluta, várias “sereias”, até ele conseguir acertar na proporção correcta da voluta — pois a sua dimensão afecta o som —, saíam sempre muito grandes. Mas conseguiu perceber a escala e agora todas as suas volutas vêm conforme o tamanho adequado, continuando a ser talhas espectaculares. Hoje, o mestre Joaquim Silva faz as volutas para mim e já tenho algumas dezenas de volutas deste entalhador…. Muitas delas são feitas por sua auto-recriação, mas são tão bonitas que não resisto e fico com elas todas para colocar nas guitarras que for fazendo. Além disso tem todo o rigor na construção pois é totalmente simétrica, todas as madeiras, os veios, os nós da madeira, são perfeitamente simétricos.

This traditional guitar was ordered by collector José Paulo Maia, collector and friend, in 2009. It is a traditional guitar, in the “old way”… but it has a little touch of difference, a few modern details [laughter]. At first sight it looks “traditional”, but I incorporated in it many of the my most radical experiments ever. José Paulo Maia owns all models and instruments that I made and he is always looking for more. For this guitar he left the entire decoration to my choice. It is an original instrument because its original sound hole in mother-of-pearl, entirely made by hand, looks like nothing I had ever made so far. I made it in Bahia rosewood. It has the soundboard in Italian spruce and the neck in Brazilian cedar. It is very easy to play and very beautiful. The scroll is carved in the form of a mermaid, made by a wood carver who works with me, master carver Joaquim Silva, from Gondomar. This scroll required several talks with him and he made various versions of the scroll, different “mermaids”, until he got the right scroll proportion — scroll size impacts on the sound — mermaids were always too large. But he managed to grasp the scale requirements and now all his scrolls come in the appropriate size, always displaying the most fantastic carvings. Today master Joaquim Silva makes the scrolls for me and I already own a few dozen manufactured by this carver... Many of them are invented by him, but they are so beautiful that I keep them to place them on my guitars, as I go along and make them. In addition his construction is totally and strictly symmetrical, i.e. the woods, the grain, the nodes in the wood are perfectly symmetrical.

122


Guitarra Portuguesa “A Sereia” |”The Mermaid” Portuguese Guitar (Modelo de Lisboa|Lisbon Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2009 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Guitarra de Coimbra com fundo / Portuguese Guitar (Coimbra model) with back É uma guitarra com um modelo tradicional “de Coimbra”, em que a caixa acústica “agarra” directamente num braço, o que é tradicional. Primeiro é feito o braço, depois é que é feito o resto. Tem fundo e ilhargas em pau-santo indiano, o tampo é em espruce italiano e o braço em mogno. Escolhi mostrar este instrumento para que se veja que não faço só guitarras “diferentes” [esta guitarra foi feita em 2000]… há pessoas que já não acreditam que eu consiga fazer guitarras de modelo e características tradicionais… [risos]. Claro que continua a ser feita na minha tradição, com o emalhetamento curvo!

In this Portuguese guitar of the traditional “Coimbra model”, the resonance case directly “fits” a neck that is fully traditional, even in its scroll. First you make the neck and then the rest. It has the back and ribs in Indian rosewood, the soundboard in Italian spruce and the neck in mahogany. I chose this instrument for the exhibition for people to see that I do not only make “different” guitars [this guitar was made in 2000]… some people no longer believe that I can actually make Portuguese guitars with traditional models and characteristics… [laughter]. Of course it is made according to my tradition, with the curved malhete!

124


Guitarra Portuguesa com fundo | Portuguese Guitar with back (Modelo de Coimbra|Coimbra Model) Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2000 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Viola de 8 cordas “Miguel Carvalhinho” / “Miguel Carvalhinho” 8-string Spanish Guitar O que salta à vista é a posição da boca e a forma da caixa acústica na parte superior. Depois com mais cuidado nota-se que a escala é mais larga para ter as oito cordas. Esta viola era do músico Miguel Carvalhinho que acompanhou durante algum tempo a Luísa Amaro. É um modelo único, o formato é meu. Para o seu desenho usei coisas da guitarra portuguesa na estrutura da viola. A quilha é a usada na guitarra portuguesa e as ilhargas são inclinadas. Originalmente era para ser uma guitarra de 6 cordas, mas depois o Miguel Carvalhinho sugeriu acrescentar mais uma corda e comecei a fazer enxertos no braço para o alargar. Então [o músico] decidiu que era para fazer com oito cordas. Então tive de voltar a “enxertar” o braço. Não sei como fiz isso!? [Risos] porque aquilo parece que foi tudo feito de raiz, mas o braço foi todo emendado. É o braço original, mas foi todo alterado para ter mais cordas para fazer os bordões. Usei cedro vermelho para fazer o tampo, as ilhargas e o fundo são em pau-santo da Baía e pau-santo africano e o braço é em cedro do Brasil. Foi feita em 2004.

At first sight the most conspicuous features are the position of the sound hole and the shape of the resonance case’s upper section. Then you take a closer look and you find that the fingerboard is wider to accommodate the eight strings. This Spanish guitar belonged t musician Miguel Carvalhinho, who once accompanied Luísa Amaro for some time. It is a unique model and I designed its format, borrowing elements from Portuguese guitars and incorporating them in the Spanish guitar structure. It has the keel used in Portuguese guitars and the ribs are inclined. Originally intended to be a 6-string guitar, at one point Miguel Carvalhinho asked me if I could add an extra string and I began to graft the neck to widen it. Then he [the musician] decided that he needed eight strings. I had to “graft” the neck again. I have no idea how I managed to do that!? [laughter], because the instrument seems to have been made from scratch, but the neck is filled with rectifications. It is the original neck, but entirely modified to accommodate more (low) strings. I used red cedar for the soundboard. The ribs and back are in Bahia rosewood and African rosewood, the neck in Brazilian cedar. I made it in 2004.

126


Viola de 8 cordas | 8-string Spanish Guitar “Miguel Carvalhinho” Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2004 Colecção | Colection José Paulo Maia Costa


5

os seus Instrumentos / his Instruments Viola de dois braços / Double-neck Spanish Guitar

A primeira ideia era fazer uma viola de dois braços, uma ideia que surgiu porque os músicos, num mesmo concerto, usam duas violas com afinações diferentes. Se usam só uma viola, têm de estar a afina-la durante o espectáculo para tocar certo e determinando repertório. Esta é uma viola de dois braços que construí precisamente porque há músicos que precisam de tocar com tons diferentes… assim conseguem ter num instrumento duas afinações… e até com cordas diferentes, umas de aço e outras de nylon. Colocar os dois braços do mesmo lado obrigava a um instrumento maior e assim, com esta construção, quando estão a tocar, a viola não parece ter dois braços… Esta foi uma carolice minha feita em 2010. Um dos tampos é feito em cedro canadiano, e outro em espruce italiano, as ilhargas são em pau-santo e o braço em cedro brasileiro. O Pedro Jóia já deu um concerto com ela e agora quer fazer outro.

My original idea was to make a double-neck Spanish guitar. It crossed my mind because musicians use two guitars with different tunings in the same concert. If they only have one Spanish guitar, they must tune it during the show to play a given repertoire. I made this double-neck Spanish guitar precisely because there are musicians who need to play in different tones… and this way they can have two tunings in one instrument… even with different strings, some in steel and some in nylon. Placing two necks on the same side would produce a bigger instrument and with this kind of make the Spanish guitar does not seem to have two necks when musicians are playing… This is one of my eccentricities. It has one soundboard in Canadian cedar and the other in Italian spruce, ribs in rosewood and the neck in Brazilian cedar. Pedro Jóia played it at a concert and now he wants to use it again.

128


Viola de dois braços|Double-necked Spanish Guitar Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2010 Colecção | Colection Óscar Cardoso


5

os seus Instrumentos / his Instruments

Viola (1º instrumento sem fundo) / Spanish Guitar (first instrument ever made without back ) Este foi o “primeiro” instrumento! Foi a grande loucura. 2005. Foi aquele que me trouxe coisas completamente novas, perspectivas completamente novas quanto à acústica e o que são os instrumentos musicais…. Foi, sem qualquer dúvida a maior revolução na minha vida. Tudo o que fiz, desde aí, depende do que aprendi com este tipo de instrumentos, com estas características. Estão presentes em tudo o que faço, até mesmo nas guitarras portuguesas mais tradicionais. Transformou completamente tudo o que eu pensava em termos de construção de instrumentos, mesmo o que o meu pai me ensinou e o que ele aprendeu com o Álvaro da Silveira. Com os instrumentos sem fundo, fiquei com ideias que acho que nunca vou conseguir explorar todas. Hoje já há muita gente a tocar instrumentos sem fundo…. Mas ainda é cedo, são instrumentos que ainda estão a evoluir, são muito recentes, e os músicos ainda não exploraram todas as suas potencialidades. Os instrumentos são novos, ainda têm de amadurecer, e são completamente diferentes, na acústica, por isso ainda vai levar uns anos. Têm ainda muito a aprender, seja os ouvidos [dos músicos] seja a sua interpretação. Os ouvidos ainda não estão … habituados… este é um som que “mexe” connosco. Não é um som fácil, é um som novo, é preciso ter o ouvido preparado para aquelas frequências que produz, é preciso ainda educar o ouvido. Desde miúdo andava à procura de uma coisa que fosse só minha, que me identificasse — acho que na diferença é que está o valor do artista —, algo que estivesse em mim… e as guitarras sem fundo deram-me isso…. São minhas!

This was my “first” instrument! A real folly. In 2005. It gave me completely new insights, totally new perspectives as regards resonance and what musical instruments really are…. It most certainly represented the major revolution in my life. All my work since then relies on what I learned from this type of instruments, from these characteristics. They are present in all my instruments, even in the most traditional Portuguese guitars. He completely turned upside down all I my knowledge about instrument make, even what I learned from my father and he had learned from Álvaro da Silveira. Instruments without back gave me many ideas and I will never be able to explore them all. Many people play backless instruments these days…. But it is still too early to tell, instruments are still evolving, they are very recent and musicians have not yet used all their potentialities. These are young instruments, they need to mature and their resonance is completely different so this will take a number of years. They still have a lot to learn, be it the ears [of musicians] be it their interpretation. Ears are not yet… accustomed… this sound “stirs” us. It is not an easy sound, it is a new sound, our ear must be prepared for the frequencies it produces, we need to educate our ear. I had been looking since childhood for something that was only mine, which I could identify as my own — I think the value of an artist lies in difference —, something I had in me… and backless guitars gave me that…. They are mine!

130


Viola | Spanish Guitar Primeiro instrumento sem fundo|First instrument ever made without back Construção de | Build by Óscar Cardoso, 2005 Colecção | Colection Óscar Cardoso



6

o _ th

os MĂşsicos/ the Musicians


6

os Músicos / the Musicians

Mário Pacheco, 2009 Festa do Fado, Castelo de São Jorge Fotografia de | Photo by José Frade

134


6

os Músicos / the Musicians

Mário Pacheco

135

Guitarrista, violista e compositor nascido em 1953. Aprendeu a tocar viola na juventude acompanhando o pai (o guitarrista António Pacheco) que o introduziu ao meio do fado. Em 1969 decidiu assumir profissionalmente uma carreira como instrumentista, primeiro como violista e, desde meados da década de 80 do século passado, como guitarrista. Na primeira função acompanhou os guitarristas António Chaínho, Jorge Fontes, Pedro Caldeira Cabral, José Fontes Rocha, Alcino Frazão, e os cantores António Mourão, Max, Ada de Castro, Hermínia Silva, Maria da Fé, Lenita Gentil, Vasco Rafael, Paulo de Carvalho e Fernando Maurício. Durante dois anos dedicou-se exclusivamente à aprendizagem da guitarra portuguesa tendo em vista o desenvolvimento da prática composicional (influenciado por músicos como Carlos Paredes e Fontes Rocha). Ao longo da sua actividade como guitarrista foi particularmente sensível às características tímbricas da sua execução, tendo optado por usar uma guitarra portuguesa modelo “de Coimbra” que armava com cordas de aço e com afinação “de Lisboa” (um tom a cima da dita “afinação de Coimbra”). Acompanhou cantores como Tony de Matos, Hermínia Silva, Nuno da Câmara Pereira, Paulo Bragança, Mísia, Camané e Mariza, entre muitos outros. A sua interpretação é marcada pela execução clara das notas realçando a exposição da melodia, pela intensidade expressiva (que altera frequentemente durante a execução de uma mesma peça) fortemente ornamentada com arpejos, o que exige um instrumento mecânica e acusticamente muito desenvolvido. Compôs fados para Carlos Zel, Ana Sofia Varela, Joana Amendoeira, Mariza, Rodrigo da Costa Félix entre outros. Gravou em nome próprio vários fonogramas: em 1992 o álbum Um outro olhar e em 2007, A Música e a Guitarra. Recebeu a distinção para melhor compositor atribuído pela Fundação Amália Rodrigues em 2006.

Player of Portuguese and Spanish guitar, composer, he was born in 1953. He learned Spanish guitar by accompanying his father (Portuguese guitar player António Pacheco) who introduced him to the world of fado. In 1969 he embraced a professional career, initially as Spanish guitar player and then, since the mid 1980’s, as Portuguese guitar player. In his first capacity he accompanied Portuguese guitar players António Chaínho, Jorge Fontes, Pedro Caldeira Cabral, José Fontes Rocha and Alcino Frazão and singers António Mourão, Max, Ada de Castro, Hermínia Silva, Maria da Fé, Lenita Gentil, Vasco Rafael, Paulo de Carvalho and Fernando Maurício. For two years he devoted himself exclusively to learning Portuguese guitar with a view to developing his practice as composer (influenced by musicians such as Carlos Paredes and Fontes Rocha). Throughout his activity as Portuguese guitar player he has been particularly sensitive to the timbre characteristics of his performance and chose to play a Portuguese guitar of the “Coimbra” model, equipped with steel strings and opting for the “Lisbon tuning” (one tone above the so-called “Coimbra tuning”). He accompanied singers such as Tony de Matos, Hermínia Silva, Nuno da Câmara Pereira, Paulo Bragança, Mísia, Camané and Mariza, among many others. His interpreting is marked by a sharply distinct execution of the notes, stressing the development of the melody, and an intense expression (frequently changed during the execution of the same music) abundantly adorned with arpeggios. He therefore needs a highly developed instrument, in mechanical and acoustic terms. He composed fado songs for Carlos Zel, Ana Sofia Varela, Joana Amendoeira, Mariza and Rodrigo da Costa Félix, among others. He recorded several phonograms with his own name; in 1992 album Um outro olhar and in 2007 A Música e a Guitarra. He got the 2006 Best Composer Award granted by the Amália Rodrigues Foundation.


6

os Músicos / the Musicians

Actualmente Mário Pacheco contabiliza, divertido, “duas guitarras [portuguesas] e meia” da autoria de Óscar Cardoso na sua posse: uma guitarra portuguesa com fundo (comprada em 2003), outra sem fundo (comprada em 2006), ambas modelo “de Coimbra” com a afinação “de Lisboa”. A “meia” guitarra a que se refere é uma guitarra portuguesa originalmente construída por Gilberto Grácio que Óscar Cardoso restaurou colocando um tampo harmónico novo (substituindo o original que uma estante de música acidentalmente havia destruído) transladando os embutidos originais para o novo tampo. A relação entre o construtor e o músico tem mais de dez anos, e é um prolongamento da estabelecida entre os pais de ambos: Óscar Cardoso disponibiliza em primeiramão a Mário Pacheco as “novidades” que constrói e o guitarrista experimenta e adquire os instrumentos que mais lhe convêm. Foi assim que a primeira guitarra “sem fundo” construída acabou nas mãos de Mário Pacheco. Na opinião do músico, enquanto as guitarras “sem fundo” se destacam pelo volume sonoro, pela forma equilibrada e bem definida com que produzem cada gama de frequências, resultado da inevitável limitação na produção de frequências mais graves; as guitarras “com fundo” destacam-se precisamente pelas frequências graves que produzem, característica que secundariza as limitações que se podem sentir nas frequências de gama média, média-aguda e aguda. Por isso, utiliza os dois tipos de guitarras portuguesas, eventualmente preferindo a “guitarra sem fundo” para tocar no seu “Clube de Fado” por produzir mais volume de som. Por vezes também a utiliza em gravações, a pedido dos técnicos, ou por se adaptar melhor às características da sala de captação onde decorrerá a gravação. Independentemente de uma qualquer idiossincrasia do som, é a própria construção das guitarras portuguesas que Mário Pacheco destaca: o perfeccionismo que rege o trabalho de Óscar Cardoso e a sua habilidade, fazem com que aqueles instrumentos sejam especialmente fiáveis e resistentes sem deixar de ser peças “esteticamente únicas”. Desde que utiliza as guitarras

Today Mário Pacheco merrily states that he owns “two and a half [Portuguese] guitars” made by Óscar Cardoso; one Portuguese guitar with back (bought in 2003) and another without back (bought in 2006), both of the “Coimbra model” with the “Lisbon tuning”. The “half ” guitar he mentions is a Portuguese guitar originally made by Gilberto Grácio recovered by Óscar Cardoso by placing a new soundboard (to replace the original, accidentally destroyed by a music stand) and transferring the original inlays to the new soundboard. Maker and musician have a relationship of more than ten years, actually an extension of the relationship between their fathers; Óscar Cardoso produces “novelties” he makes available to Mário Pacheco in first hand and the guitar player tests and buys the instruments he finds more suitable. That way the first Portuguese guitar “without back” ever made ended up in the hands of Mário Pacheco. In the musician’s opinion guitars “without back” have several advantages, namely the sound volume, the well-balanced well-defined way in which they produce each range of frequencies, an attribute inevitably resulting from their limited ability to produce lower-pitched frequencies. In turn guitars “with back” are precisely sharper in their lower frequencies, thus offsetting their potential limitations in the medium, medium-to-high and high frequency ranges. That is why he uses both types of Portuguese guitars, preferring his “guitar without back” to play at this “Fado club” because it produces more sound volume. He sometimes also uses it for recordings, at the request of the sound experts, or because it is better adapted to the room in which the recording will take place. Irrespective of any sound idiosyncrasy, Mário Pacheco prefers to stress the construction of Portuguese guitars; the perfectionism of Óscar Cardoso’s work and his skills render his instruments more reliable and resilient, remaining as well “aesthetically unique” pieces. Even since he began to use the guitars of Óscar Cardoso, Mário Pacheco never had the need for having them straightened, or to modify them or adapt them to weather conditions

136


6

os Músicos / the Musicians

de Óscar Cardoso, Mário Pacheco nunca teve necessidade de desempená-las ou solicitar qualquer modificação ou adaptação às condições climatéricas conforme o período do ano (estabilizados, de Verão e de Inverno, com ou sem humidade, os instrumentos mantêm as suas características físicas), limitando-se a mudar o que o uso desgasta: “uns trastes e mais nada”. Absolutamente confiante na qualidade dos instrumentos, Mário Pacheco já lhe comprou uma terceira guitarra, tendo experimentado diversos instrumentos que o construtor lhe disponibilizou. No entanto, a constante utilização da guitarra portuguesa de 2003 fez com que este instrumento tenha já um “som” desenvolvido (“amadurecido”) a tal ponto que se tornou muito difícil encontrar a mesma qualidade de “som” numa guitarra acabada de construir. Mário Pacheco usou a sua guitarra portuguesa “com fundo” na gravação do primeiro fonograma de Ana Moura (2003) Guarda-me a vida na mão, ed. Universal e no segundo fonograma de Mariza (2003) Fado Curvo, ed. Valentim de Carvalho, entre outros; e usou a guitarra portuguesa “sem fundo” no terceiro fonograma de Mariza (2005) Transparente, ed. EMIValentim de Carvalho e no fonograma publicado em seu nome (2007) A Música e a Guitarra, ed. World Connection.

137

as a function of the season (stabilized, in summer or winter time, with or without humidity, the instruments keep their physical attributes). He just replaces what usage wears out: “a few frets and that is all”. Entirely trusting the quality of the instruments, has already bought a third guitar from him and tested several instruments made available by the maker. Meanwhile the constant use of his 2003 Portuguese guitar has enabled this instrument to acquire a developed (“matured”) sound, to such extent that it is now very difficult to find the same “sound” quality in a recently made guitar. Mário Pacheco used his Portuguese guitar “with back” for recording the first phonogram of Ana Moura (2003) Guarda-me a vida na mão, ed. Universal, and the second phonogram of Mariza (2003) Fado Curvo, ed.. Valentim de Carvalho, among others. He used his Portuguese guitar “without back” for recording the third phonogram of Mariza (2005) Transparente, ed. EMI-Valentim de Carvalho, and the phonogram published with his name (2007) A Música e a Guitarra, ed. World Connection.


6

os Músicos / the Musicians

José Manuel Neto, 2010 Festa do Fado, Museu do Fado Fotografia de | Photo by José Frade

138


6

os Músicos / the Musicians

José Manuel Neto

139

O guitarrista e compositor José Manuel Neto nasceu em 1972, tendo começado a tocar guitarra em meados da década de 80. É hoje um dos mais solicitados guitarristas, seja para actuações “ao vivo”, seja para gravações. Por ser filho da cantora Deolinda Maria, naturalmente foi introduzido, ainda muito novo, ao meio do fado. A sua aprendizagem da guitarra portuguesa foi autodidacta, baseada na audição de fonogramas de mestres já falecidos (como Jaime Santos, José Nunes, Francisco “Carvalhinho” ou Alcino Frazão), e no convívio com músicos como Manuel Mendes nas casas de fado onde actuava. Hoje destaca o papel que o violista José Inácio — que acompanhou entre 1986 e 1988 — desempenhou nessa formação, tanto mais que este instrumentista havia tocado com os mestres guitarristas de outras gerações. Profissionalizou-se na década de 90 do século passado, passando a integrar o elenco de várias casas de fado, onde desenvolveu a sua prática e o seu estilo. Tem gravado com os cantores que acompanha “ao vivo”. Desde que gravou pela primeira vez a acompanhar Beatriz da Conceição e António Rocha (fonograma Tears of Lisbon: Music of Portugal From the Renaissance Through Today’s Fado de 1996) tem gravado com Argentina Santos, António Zambujo, Ana Moura, Pedro Moutinho, Aldina Duarte, Cristina Branco, mas principalmente com Carlos do Carmo (com quem gravou em 2003 e 2008) e Camané (que acompanha desde 1997 ao vivo e em estúdio na gravação dos quatro últimos fonogramas deste interprete). A sua forma de acompanhamento toma por referência os guitarristas José Nunes, Jaime Santos e Fontes Rocha, além de Francisco “Carvalhinho”, mas resulta também da experiência quotidiana de acompanhamento dos mais diversos cantores e instrumentistas. Procura fazer um acompanhamento “o mais fadista possível”, ou seja, propõe-se sublinhar o diálogo entre a parte cantada e a “resposta” da guitarra portuguesa nos espaços em que o cantor não intervém (os chamados “contracantos”)

Portuguese guitar player and composer José Manuel Neto was born in 1972 and began to play guitar in the mid 1980’s. Today he is one of the most requested Portuguese guitar players, be it for “live” shows, be it for recordings. He is the son of singer Deolinda Maria and therefore he was introduced to the world of fado at a very young age. His learning of Portuguese guitar was self-taught, by listening to phonograms of dead masters (namely Jaime Santos, José Nunes, Francisco “Carvalhinho” and Alcino Frazão) and by talking to musicians such as Manuel Mendes at the fado houses in which he worked. Today he stresses the role played by Spanish guitar player José Inácio — who he accompanied between 1986 and 1988 — in his training, so more so that this musician had played with masters from older generations. He became a professional in the 1990’s and joined the cast of several fado houses, in which he developed his practice and style. He has recorded with singers who he accompanies in “live” concerts; after his first recording, accompanying Beatriz da Conceição and António Rocha (phonogram Tears of Lisbon: Music of Portugal From the Renaissance Through Today’s Fado de 1996), he recorded with Argentina Santos, António Zambujo, Ana Moura, Pedro Moutinho, Aldina Duarte, Cristina Branco, but mainly with Carlos do Carmo (in 2003 and 2008) and Camané (accompanying him live and in studio recordings in the last four phonograms, since 1997). His form of accompaniment uses as reference Portuguese guitar players José Nunes, Jaime Santos and Fontes Rocha, in addition to Francisco “Carvalhinho”, but it also stems from the daily experience of accompanying different singers and instrument players. He tries to render his accompaniment “as fadista as possible”, that is to say, he prefers to underscore the dialogue between the part that is sung and the “response” from the Portuguese guitar in those periods in which the singer remains silent (the so-called “counterparts”) and explore the harmonic potentialities of the Portuguese


6

os Músicos / the Musicians

e explorar as potencialidades harmónicas da guitarra portuguesa. Uma das suas preocupações é que as suas intervenções sejam estruturadas, tenham uma forma com desenvolvimento e conclusão, mantendo um fraseado simples. Foi premiado pela Casa da Imprensa (“Prémio Francisco Carvalhinho” para melhor instrumentista em 2004) e pela Fundação Amália Rodrigues (“prémio melhor instrumentista”, em 2008). De Óscar Cardoso tem actualmente duas guitarras portuguesas modelo “de Coimbra” (ambas com fundo) que usa com a afinação “de Lisboa”, uma construída em 2007 e outra em 2010. Mas ao longo dos últimos 15 anos já teve cerca de duas dezenas de guitarras deste construtor. Das cerca de 20 guitarras que usou, todas tinham um “som” próprio, sempre de “grande qualidade”, o que considera ser um facto óbvio pois “o Óscar é um construtor muito eficaz, 80% das guitarras que faz saem boas e com bom som! — Dantes não era assim — Agora é mais fácil ter uma boa guitarra do Óscar ainda para mais ele está a construir muito…”. Sempre que Óscar Cardoso tem uma guitarra nova ou acaba uma série de guitarras, José Manuel Neto é convidado a ir à sua oficina experimentar os novos instrumentos que acaba por regularmente adquirir. A primeira guitarra portuguesa que teve, comprada em 1984, e que utilizou no processo de aprendizagem, havia sido feita por Manuel Cardoso, deixou-a num taxi... e durante algum tempo utilizou guitarras portuguesas de outros construtores até que, em 1998, encomendou uma primeira guitarra a Óscar Cardoso. As guitarras portuguesas deste guitarreiro são instrumentos que se destacam sempre por terem uma grande qualidade tímbrica (“um som ligeiramente médio, com bons graves, com volume, que sustem bem”), pela qualidade das escalas e dos “pisos”, pela sua leveza, pela facilidade de afinação e pelo equilíbrio geral da guitarra, quer em termos acústicos, quer em termos físicos. Por todas estas razões, considera as guitarras portuguesas de Óscar Cardoso fáceis utilizar, não

guitar. One of his major concerns is to produced wellstructured interventions, in a form that includes a development and a conclusion, keeping a simple phrasing. He received awards from Casa da Imprensa (“Prémio Francisco Carvalhinho” for best instrument player in 2004) and Fundação Amália Rodrigues (best instrument player award in 2008). He currently owns two “Coimbra model” Portuguese guitars made in 2007 and 2010 by Óscar Cardoso (both with back) and he uses the “Lisbon” tuning. But in the last fifteen years he owned two dozen Portuguese guitars of this maker. Of the roughly 20 guitars he used, each had a “sound” of its own, always a “high quality” sound, which is obvious to him, as “Óscar is a very effective maker, 80% of his guitars are good and have a good sound! — In the past this was not common — Now it is much easier to have a good guitar made by Óscar, so more so that he is now working a lot…”. Every time Óscar Cardoso has a new guitar, or finishes a series of guitars, José Manuel Neto is invited to go to his workshop and test the new instruments, which he eventually buys as a rule. His first Portuguese guitar, bought in 1984, which he used through his learning process, had been made by Manuel Cardoso, but he lost it in a taxi-cab... and for some time he used Portuguese guitars by other makers until he ordered a first guitar to Óscar Cardoso in 1998. This maker’s Portuguese guitars always have a high-quality timbre (“a sound slightly on the medium range, with good low tones, sound volume, which is well sustained”), high-quality fingerboards and “frets”, a marked lightness, easy tuning and a generally sound balance of the instrument, in acoustic and physical terms. For all these reasons he considers the Portuguese guitars made by Óscar Cardoso easy to use and finds no need to adapt his manner of playing to the instrument’s characteristics. In his activity he always uses his best available guitar (“that which I love the best, which I better relate with”), whichever the job required – be it a fado house performance, be it a large-scale stage, be it a studio. He therefore

140


6

os Músicos / the Musicians

tendo sentido qualquer necessidade de adaptar a sua forma de tocar às características do instrumento. Na sua actividade, usa sempre a melhor guitarra que tem disponível (“aquela que mais gosto, com que mais me identifico”) qualquer que seja o trabalho, seja para actuar numa casa de fados, seja num palco de grandes dimensões, ou em estúdio. Não faz portanto um uso especializado das guitarras portuguesas construídas por Óscar Cardoso. Fonogramas em que utiliza guitarras portuguesas de Óscar Cardoso: Carlos do Carmo (2007) À Noite, ed. Universal; Camané (2001) Pelo Dia Dentro, ed. EMI; Pedro Moutinho (2006) Encontros, ed. Som Livre.

141

makes no specialized use of the Portuguese guitars made by Óscar Cardoso. He used Portuguese guitars made by Óscar Cardoso for recording the following phonograms, i.e. Carlos do Carmo (2007) À Noite, ed. Universal; Camané (2001) Pelo Dia Dentro, ed. EMI; Pedro Moutinho (2006) Encontros, ed. Som Livre.


6

os Músicos / the Musicians

Carlos Manuel Proença, 2010 Festa do Fado, Museu do Fado Fotografia de | Photo by José Frade

142


6

os Músicos / the Musicians

Carlos Manuel Proença

143

Violista nascido em 1968. Inicialmente, foi de forma autodidacta que aprendeu a tocar viola. Por influência da mãe, a fadista Maria Amélia Proença, começou a frequentar o meio iniciando a sua formação junto de outros instrumentistas que trabalhavam nas casas de fado. De entre os seus mestres, Carlos Manuel Proença destaca o violista Carlos Duarte, músico ao lado de quem iniciou a aprendizagem do acompanhamento de fado. Na sua formação, a audição de fonogramas também se revelou fundamental. Ao mesmo tempo que começou a actuar em casas de fado acompanhando a mãe, frequentou a Academia dos Amadores de Música onde consolidou a sua formação musical e interpretativa. No entanto, é no percurso informal que reconhece a sua preparação. No circuito das casas de fado começou por “fazer substituições”, ou seja, tocar quando o violista do elenco da casa não o podia fazer, tendo assim integrado conjuntos com todos os instrumentistas activos naqueles espaços. Em 1981 foi convidado pelo guitarrista Manuel Mendes para com ele tocar acompanhando-o diariamente na casa de fado Painel do Fado, um período muito relevante no desenvolvimento da sua prática enquanto acompanhador. Com um crescendo de solicitações, assumiu profissionalmente a carreira de músico. À margem da sua actividade como acompanhador, tem desempenhado a função de compositor de fados (gravados em fonogramas de Maria Amélia Proença, Carlos do Carmo, Luísa Rocha, Pedro Moutinho, Mísia, entre outros…), produtor musical (de fonogramas de Pedro Moutinho ou Maria Amélia Proença), arranjador e director musical (nos fonogramas Outro Sentido de António Zambujo, em 2007; e Mulheres ao Espelho de Aldina Duarte, em 2008). Já recebeu diversos prémios atribuídos pelo meio do fado (“Troféu Francisco Carvalhinho”, em 2006, atribuído pela Casa da Imprensa; “melhor instrumentista”, em 2008, na III gala dos Prémios Amália Rodrigues). Acompanhou os cantores Fernanda Maria, Fernando Maurício, António Rocha,

This player of Spanish guitar was born in 1968. At first he was a self-taught musician who learned to play Spanish guitar alone. Influenced by his mother, fado singer Maria Amélia Proença, he was introduced to the fado world, starting his training with other instrumentists who played at fado houses. Among his masters Carlos Manuel Proença makes special reference to Carlos Duarte, a player of Spanish guitar with whom he began learning fado accompaniment. Listening to phonograms was also critically important to his training. As he began to perform at fado houses, accompanying his mother, he also attended classes at the Academia dos Amadores de Música for consolidating his musical and interpreting skills. But he admits that his informal pathway was the key strand in his preparation. In the fado house circuit he began “as substitute”, that is to say, playing when the resident player of Spanish guitar could not. Thus he played in groups that included all instrument players active in those venues. In 1981 guitarist Manuel Mendes invited him to play on everyday basis at his fado house Painel do Fado, a highly relevant period for his practice as accompaniment musician. As requests increased, he embraced a professional career as musician. In addition to his activity as accompanying instrumentist, he has composed fado songs (recorded in phonograms by Maria Amélia Proença, Carlos do Carmo, Luísa Rocha, Pedro Moutinho and Mísia, among others…), musical producer (of phonograms by Pedro Moutinho or Maria Amélia Proença), arranger and musical director (in phonograms Outro Sentido by António Zambujo, in 2007; and Mulheres ao Espelho by Aldina Duarte, in 2008). He has received several awards granted by the fado world (“Troféu Francisco Carvalhinho” in 2006, granted by Casa da Imprensa; “best instrument player” in 2008, at the III Gala of the Amália Rodrigues Awards). He accompanied singers Fernanda Maria, Fernando Maurício, António Rocha, Paulo de Carvalho, Mariza, Mísia and others; more recently he has regularly accompanied Carlos


6

os Músicos / the Musicians

Paulo de Carvalho, Mariza, Mísia, entre outros; mais recentemente acompanha regularmente Carlos do Carmo, Luísa Rocha, Cristina Branco, Aldina Duarte, Pedro Moutinho, e Camané. Com estes cantores tem percorrido todo o mundo sem ter deixado de trabalhar no circuito local de espectáculos e das casas de fado. Desde 1990 tem gravado com os fadistas que regularmente acompanha tendo por “guitarras” Mário Pacheco, Custódio Castelo, Ricardo Rocha, e Bernardo Couto, entre outros, mas é José Manuel Neto o guitarrista com quem tocou mais regularmente nos últimos 15 anos. Utiliza há 10 anos instrumentos feitos por Óscar Cardoso, possuindo três violas (com fundo). Reconhece que cada uma delas possui um som característico (que simplesmente descreve como sendo “mágico e maravilhoso”) e específico a cada um dos seus instrumentos. Nenhum foi encomendado pelo músico, mas resultaram de um contacto feito pelo próprio construtor que lhe deu a experimentar uma viola que cria adequar-se à sua forma de tocar. Mais uma vez, no caso de Carlos Manuel Proença, se verificou essa adequação, mas terá sido o “equilíbrio do timbre” e a sua “doçura” que o levou a adoptar estes instrumentos. O violista descreve o som dos instrumentos que toca como sendo “cheio e ao mesmo tempo misterioso”, ou seja que demonstram ter um maior equilíbrio nas várias frequências e a riqueza dos sons mais graves. Carlos Manuel Proença associa o “timbre especial” destas violas ao facto de serem pensadas para cordas de aço cujo timbre facilita o “emparelhamento de som” com as cordas da guitarra portuguesa. Raramente viaja com estas violas (preferindo utilizar uma viola Takamine genérica por ser mais resistente, e, sendo mais convencional, é de mais fácil reparação quando no estrangeiro). Utiliza-as essencialmente para gravar e quando actua em pequenos recintos, como casas de fado ou pequenos auditórios (espaços sem amplificação sonora através de um sistema de PA). Dadas as características do instrumento, e apesar da perfeita adequação à sua

do Carmo, Luísa Rocha, Cristina Branco, Aldina Duarte, Pedro Moutinho and Camané. He travelled round the world with these singers, but never failed to perform at local show venues and fado houses. Since 1990 he has recorded with the fado singers he regularly accompanies, together with “guitarists” Mário Pacheco, Custódio Castelo, Ricardo Rocha and Bernardo Couto, among others. But José Manuel Neto is the guitarist he more often played with in the last 15 years. He has been using instruments made by Óscar Cardoso in the last 10 years. He owns three Spanish guitars (with back). Each of them, he recognizes, has a typical sound (which he simply describes as “magic and wonderful”) specific to each of his instruments. None was ordered by the musician; it was the maker himself who gave him a Spanish guitar to try, as he thought it would fit his manner of playing. This match once again was fine, in the case of Carlos Manuel Proença, but it was the instrument’s “wellbalanced timbre” and its “sweetness” that led him to adopt these instruments. The musician describes the sound of these instruments as “full and mysterious at the same time”; in other words, they are wellbalanced in all frequencies and richer in lower tones. Carlos Manuel Proença relates the “special timbre” of these Spanish guitars with the fact that they have been designed for steel strings, whose timbre makes it easier to “pair them in terms of sound” with Portuguese guitar strings. He rarely travels with these instruments (he prefers to use a generic Takamine Spanish guitar because it is more resistant and, being more conventional, it is easier to repair when abroad). He uses them essentially to record and when performing in small venues, as namely fado houses or small auditoriums (rooms without sound amplification, based on a PA system). Given the characteristics of the instrument, and although it perfectly matches his way of using it, Carlos Manuel Proença comments that he changed his way of “approaching” strings to respond to the mechanics

144


6

os Músicos / the Musicians

forma de o utilizar, Carlos Manuel Proença nota que modificou as posições de “ataque” das cordas em reacção à mecânica e à acústica das violas de Óscar Cardoso. É possível ouvir estas violas, interpretadas por Carlos Manuel Proença, nos fonogramas de Carlos do Carmo (2002) Nove fados e uma canção de amor, ed. Mercury / Universal Music Portugal; de Maria Amélia Proença (2006) Fados do Meu Fado, ed. Ocarina; de Camané (2008) Sempre de Mim, ed. EMI Portugal; ou de Luísa Rocha (2011) Uma Noite de Amor, ed. David Ferreira Investidas Editoriais.

145

and acoustics of the Óscar Cardoso Spanish guitars. You can listen to these guitars, played by Carlos Manuel Proença, in phonograms by Carlos do Carmo (2002) Nove fados e uma canção de amor, ed. Mercury / Universal Music Portugal, by Maria Amélia Proença (2006) Fados do Meu Fado, ed. Ocarina, by Camané (2008) Sempre de Mim, ed. EMI Portugal, or by Luísa Rocha (2011) Uma Noite de Amor, ed. David Ferreira Investidas Editoriais.


6

os MĂşsicos / the Musicians

146


6

os Músicos / the Musicians

José Paulo Maia Costa

147

Ainda que saiba tocar e dê aulas de guitarra, o papel do Engenheiro José Paulo Maia Costa reparte-se pelo de coleccionador, estudioso e divulgador da guitarra portuguesa. Tudo começou com a frase “Mal’empregada a madeira!” que ouviu a Óscar Cardoso quando lhe mostrou a guitarra que havia construído. O desabafo inesperado de Óscar Cardoso desencadeou uma intensa relação de admiração mútua que se concretiza numa importante colecção de instrumentos e em todo um programa de promoção da guitarra portuguesa.

He can play and is a teacher of Portuguese guitar, but Engineer José Paulo Maia Costa simultaneously plays the role of collector, scholar and disseminator of Portuguese guitar. The story began with the phrase “Poor use of the wood!”, uttered by Óscar Cardoso when he showed him the Portuguese guitar that he had made. This unexpected reaction of Óscar Cardoso triggered an intense relationship of mutual admiration, which materialized into an important instrument collection and an entire programme of Portuguese guitar promotion.

José Paulo Maia Costa, nascido em Lisboa há 44 anos, é hoje engenheiro civil especializado no diagnóstico e reabilitação estrutural das construções (históricas e recentes) de grande dimensão, facto que só aparentemente nada tem a ver com o seu interesse pelos instrumentos musicais. Ao acabar o curso, passou pelo LNEC, leccionou na Universidade do Algarve e é accionista e administrador da STAP S.A. Desde cedo que tocava viola na Orquestra de Câmara de Santa Isabel (em Lisboa), grupo com o qual acompanhava missas, e onde tocava pequenas peças clássicas. Aos 15 anos construiu o primeiro instrumento musical que usou numa actuação da orquestra numa rádio. Hoje ironiza acerca das características estruturais e erros de construção desse instrumento, sem deixar de reconhecer o prazer que lhe dava utilizar uma viola feita por si.

Born in Lisbon 44 years ago, José Paulo Maia Costa is currently a civil engineer specialized in the diagnosis and structural rehabilitation of (large-scale historical and recent) buildings, a fact that only apparently has nothing to do with his interest in musical instruments. Upon finishing his engineering degree, he worked at LNEC, then gave classes at the University of Algarve and is currently a shareholder and manager of STAP S.A. He began to play Spanish guitar very early, at the Chamber Orchestra of Santa Isabel (in Lisbon), a group that played during mass, performing short pieces of the Classic repertoire. At 15 he made his first music instrument and used it at a performance of the orchestra on a radio station. Today he speaks ironically of the structural characteristics and construction errors of that instrument, while recognizing that it was an immense pleasure to use a Spanish guitar he made himself.

Em 2005, na FATACIL (Feira de Artesanato do Algarve), conheceu um construtor de instrumentos a quem comprou, primeiro, um cavaquinho, e no ano seguinte uma guitarra portuguesa, instrumento que desde novo julgava ser especialmente difícil de tocar. Frequentou aulas de guitarra portuguesa com o mestre Victor do Carmo e sentiu a necessidade de adquirir uma melhor guitarra, desta feita, um instrumento encomendado a um construtor local. No seguimento das aulas, por sugestão do seu professor, contactou

In 2005 he met an instrument maker at FATACIL (the Algarve Handicraft Fair) and bought him a “cavaquinho” and, in the following year, a Portuguese guitar – an instrument he thought particularly difficult to play since his youth. He had classes with master Victor do Carmo and felt the need to buy a better guitar, this time ordered to a local maker. After his classes, following his teacher’s suggestion, he contacted Óscar Cardoso to make him a Portuguese


6

os Músicos / the Musicians

com Óscar Cardoso para que este lhe fizesse uma guitarra. Desse contacto fica o referido momento em que, perante a preciosa guitarra construída por José Paulo, o guitarreiro afirmou “mal’empregada a madeira!”. “Então… enquanto não percebi porque é que aquela madeira era mal-empregue, não descansei” lembra José Paulo Costa. Passou então a adquirir sistematicamente instrumentos de Óscar Cardoso com o intuito de os estudar. Hoje possui 14 instrumentos de Óscar Cardoso e 10 instrumentos de diversos mestres da família Grácio — além de dezenas de instrumentos de outros construtores nacionais e estrangeiros —: “primeiro que percebesse, tive de começar a olhar para os instrumentos do Óscar, que falam… os instrumentos dele falam muito”. 14 instrumentos que incluem todos os tipos de guitarras portuguesas que Óscar Cardoso fez, sejam modelos com fundo e sem fundo, de luxo e correntes, “de Coimbra” e “de Lisboa”… Com o desenvolvimento do seu estudo da guitarra portuguesa, sentiu necessidade de adquirir instrumentos de Álvaro da Silveira (na sua “fase evolutiva”, um dos quais expomos1) e de João Pedro Grácio para, dessa forma, compreender a evolução da guitarra portuguesa através do estudo de instrumentos charneira nesse processo. A primeira guitarra portuguesa que adquiriu, logo no primeiro encontro, não tinha fundo. Esse facto despertou-lhe ainda mais curiosidade na medida em que, contrariando o conhecimento tradicional sobre a guitarra portuguesa, este instrumento sem fundo produzia um volume sonoro muito maior do que as versões convencionais do mesmo instrumento. Esta primeira guitarra está também patente nesta exposição.

guitar. Of that occasion he remembers that the guitar maker, when faced with the precious guitar made by José Paulo, commented: “Poor use of the wood!”. “Then… I did not have any rest until I understood whey that wood had been poorly employed” recalls José Paulo Costa. He systematically acquired instruments to Óscar Cardoso from then on, with a view to studying them. Today he owns 14 instruments made by Óscar Cardoso and 10 instruments by several masters of the Grácio family — besides dozens of instruments made by other national and foreign makers —: “in order to be able to understand, I had to look into the instruments made by Óscar, that talk… his instruments talk a lot”. Fourteen instruments including all types of Portuguese guitars made by Óscar Cardoso, with or without back, luxury or common, “Coimbra” and “Lisbon” models… As he developed his study of Portuguese guitar, he felt the need to acquire instruments made by Álvaro da Silveira (at his “evolutionary phase”, one of which at in this exhibition1), and by João Pedro Grácio, so as to understand the evolution of Portuguese guitar by studying transition instruments in this evolving process. The first Portuguese guitar he bought, right on the first meeting, had no back. This fact made him even more curious as this guitar without back, contrary to the standard knowledge on Portuguese guitars, produced a sound volume much larger than the conventional versions of the same instrument. This first guitar is also shown at this exhibition.

O estudo da guitarra portuguesa que tem desenvolvido é sistemático e baseia-se em dois métodos: a observação e análise dos instrumentos, e a sua replicação, métodos que articula com as

His systematic research of Portuguese guitar is based on two methods; i.e. instrument observation and analysis and their replication. He articulates them with long hours of conversation with makers and a vast knowledge of literature concerning the construction of chordophones, their acoustics and makers’ biographies. He asks the following questions to the instruments; “Why do Óscar’s guitars sound

1

1

A outra guitarra que possui, mais antiga, é contemporânea da guitarra construída por João Pedro Grácio.

The other Portuguese guitar, which is older, was made at the same time as the Portuguese guitar made by João Pedro Grácio.

148


6

os Músicos / the Musicians

149

horas de conversa com os construtores e um vasto conhecimento da bibliografia relativa à construção de cordofones, sua acústica e biografias de construtores. As perguntas que coloca aos instrumentos que estuda são: “Porque é que as guitarras do Óscar soam bem? porque é que as guitarras do Álvaro da Silveira soam bem? porque é que existe a «mal’empregada madeira»…?” Hoje, já começa a ter algumas respostas: identificou os padrões de construção (seja os materiais, seja os processos); revê nas experiências intuitivas de Óscar Cardoso as mesmas soluções propostas pela engenharia; sublinha o impacte que a erudição da escola de Cremona teve na arte de Óscar Cardoso, erudição que o construtor recebeu informalmente de Álvaro da Silveira por via do seu pai, Manuel Cardoso e mais tarde, a quando da sua passagem pela própria escola. “Uma guitarra do Óscar é muito difícil que alguém consiga replicar aquilo em alguma parte do mundo pois já é um muito grande conhecimento de engenharia estrutural aplicado intuitivamente aos instrumentos e experimentado na vida quotidiana. Hoje o Óscar Cardoso é o expoente máximo da construção da guitarra portuguesa estabilizada. Além disso, há a polémica do «buraco no fundo», mas isso são experiências. O Óscar atingiu uma perfeição tal na construção que experimenta sobre esse conhecimento de base que é perfeito. Na verdade há três instrumentos estabilizados — o violino, a viola [guitarra “clássica”] e a guitarra portuguesa — e ele está a inovar sobre cada um deles!”. A amizade estabelecida permitiu inclusivamente que o Engenheiro afectasse o guitarreiro, como por exemplo quando confrontado com um braço de uma guitarra empenado, e pela sua experiência enquanto engenheiro de estruturas na reparação de pontes, José Paulo levou Óscar Cardoso a utilizar laminados de fibra de carbono como reforço estrutural do braço. Ao longo desse esforço de produção de conhecimento, constatou quão reduzido é o conhecimento da guitarra portuguesa — seja um conhecimento académico, seja um conhecimento prático —, uma constatação que

well? Why do the guitars of Álvaro da Silveira sound well? Why is there «poor use of wood»…?” Today he begins to have a few answers; he has identified the construction patterns (both materials and procedures); he finds in the intuitive experiments of Óscar Cardoso the same solutions proposed by engineering; he underlines the impact of the Cremona school on the art of Óscar Cardoso, an erudite knowhow informally received from Álvaro da Silveira by way of his father, Manuel Cardoso, and later on when he attended the school itself. “Only very hardly can anyone replicate a guitar made by Óscar, anywhere in the world. Because it represents a large amount of knowledge in structural engineering, intuitively applied to the instruments and tried out in daily life. Today Óscar Cardoso is the finest example of stabilized construction of Portuguese guitars. Apart from that, there is the controversy of the “hole on the back”, but those are experiments. Óscar reached perfection, trying out things as maker based on the said basic knowledge – which is perfect. In truth he has three stabilized instruments — i.e. violin, Spanish guitar and Portuguese guitar — and he is producing innovation in each of them!” Friendship went as far as enabling the engineer to influence the guitar maker. For example, when faced with a bent guitar neck, José Paulo, himself a structural engineer specialized in bridge repairing, convinced Óscar Cardoso to use carbon fiber laminates for structurally reinforcing the neck. In this effort to produce knowledge, he found out how little knowledge is available on Portuguese guitar – be it academic knowledge, be it practical knowledge. This finding further energized him to the point of sponsoring the Algarve Portuguese Guitar Festival, in Faro, in 2010. In this event he gathered many makers, guitarists and Portuguese guitar scholars. Today José Paulo Maia Costa still feels worried with one thing, i.e. recognizing that very little has been done to promote the Portuguese guitar and that “if no-one cares enough for the Portuguese guitar, it


6

os Músicos / the Musicians

ainda mais o mobilizou ao ponto de ter patrocinado a realização do Festival da Guitarra Portuguesa em 2010, em Faro, evento onde reuniu muitos dos construtores, guitarristas e seus estudiosos. Hoje, o que continua a inquietar José Paulo Maia Costa é o reconhecimento de que muito pouco foi feito para promover a guitarra portuguesa e que “se ninguém fizer nada pela guitarra portuguesa, ela não liga nada à gente, e vai-se embora, tranquilamente…”. Esta exposição, feita graças à sua generosidade, deve ser entendida como mais um contributo para que a guitarra portuguesa não “se vá embora”.

will eventually ignore us and calmly go away…”. This exhibition, held due to his generous support, should be viewed rather as a contribution to prevent the Portuguese guitar from “going away”.

150


O presente catálogo foi realizado tendo por base um curto, mas intenso, período de trabalho de campo. Entre Março e Maio de 2011 tiveram lugar várias conversas informais com Óscar Cardoso, José Paulo Maia Costa, bem como vários guitarristas e violistas. As passagens em discurso directo no presente texto resultam dessas conversas e correspondem aos informantes referidos. Para facilitar a leitura não surgem associados a referências bibliográficas.

This catalog was made thanks to a short, but intense, period of fieldwork. From March until May 2011 I conducted several informal conversations with Óscar Cardoso, José Paulo Maia Costa, and various “guitarristas” and “violistas”. The direct discourse was transcribed from those conversations and are referred to the peopled who said it. To help the reading of the text there are no bibliographic citation of those passages.

Pela inestimável colaboração que me foi dada por todos aqueles que se disponibilizaram a falar comigo, deve ficar aqui expresso o meu agradecimento. Um agradecimento especial pela paciência de Óscar Cardoso e à atenção e cuidadosa crítica de José Paulo Maia Costa.

I have to acknowledge and thank the cooperation of all who talked with me. A very special thank for the patience of Óscar Cardoso, and the careful critical help of José Paulo Maia Costa.



7

o _ th

Bibliografia / Bibliography


7

Bibliografia / Bibliography

Anónimo (1875) Méthodo para aprender guitarra sem auxílio de mestre: offerecido à mocidade elegante da capital por um amador. Lisboa: Typ. de Christovão Augusto Rodrigues Anjos, José Maria dos (1889 [1877]) Novo Methodo de Guitarra. Ensinando por um modo muito simples e claro a tocar este instrumento por musica e sem musica. Lisboa: Livraria de Antonio Maria Pereira Cabral, Pedro Caldeira (1999) A guitarra portuguesa. Amadora: Ediclube-Edição e Promoção do Livro, Lda. Cabral, Pedro Caldeira (2000) “A guitarra portuguesa” in Ernesto Veiga de Oliveira, Instrumentos musicais populares portugueses. Lisboa: FCG. pp. 194 - 199 Carmo, J. C. Salgado do (1929) Método elementar teórico e prático de Guitarra Portuguesa, Lisboa: Sassetti Castelo-Branco, Salwa El-Shawan (1994) “Vozes e guitarras na prática interpretativa do fado” in Joaquim Pais de Brito (ed.), Fado: Vozes e sombras Lisboa: L94/Electa [Catálogo de exposição MNE]. pp 125 - 141 Ferro, José (1895) Methodo de guitarra contendo as principaes noções elementares: Composto sobre a sua finação natural, para facilidade das pessoas que desejam aprender este instrumento em pouco tempo. Porto: Typ. Occidental. Lambertini, Michel’angelo (1914) Industria instrumental portuguesa: Apontamentos. Lisboa: Tip. Anuário Commercial Leite, António da Silva (1796) Estudo de guitarra, em que se expoem o meio mais facil para aprender a tocar este instrumento. Porto: Na Officina Typografica de António Alvarez Ribeiro Lévi-Strauss, Claude (1962) La Pensée Sauvage. Paris: Plon Maia, Ambrósio Fernandes (1877) Novo Methodo de Guitarra ensinando por uma maneira muito simples a tocar este instrumento sem música. Lisboa: Minerva Lusitana (reeditado em 1890, 1897, 1900) Maia, Ambrósio Fernandes; Vieira, D.L. (1875) Apontamentos para um methodo de guitarra: acompanhados de littographias… Lisboa: s.n.

154


Bibliografia / Bibliography

7

Morais, Manuel (estudo) (2000) Modinhas, lunduns e cançonetas com acompanhamento de viola e guitarra inglesa (séc. XVIII-XIX). Lisboa: INCM Morais, Manuel (coord.) (2002) A guitarra portuguesa: Actas / Simpósio Internacional. Lisboa: Estar. Morais, Manuel; Nery, Rui Vieira (2010) “Guitarra” in Salwa Castelo-Branco (coord.) Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, Lisboa: Círculo de Leitores / Temas e debates (Vol 2) pp: 591 - 602 Neves, César das (s.d. [c. 189-]) Método Elementar da Guitarra: Contendo os princípios rudimentares de musica e observações indispensáveis às pessoas que se dedicam ao estudo fundamentado das regras e preceitos d’este instrumento. Porto: Custódio Cardoso Pereira Neves, César; Campos, Gualdino de (1898/1895) Cancioneiro de músicas populares. 3 Vols. Porto: Typografia Ocidental/ Imprensa Editora Oliveira, Ernesto Veiga de (2000 [1964]) Instrumentos Musicais Populares Portugueses. Lisboa: FCG Ribeiro, Mário de Sampaio (1936) “As guitarras de Alcácer e a guitarra portuguesa”, Separata do Arquivo Histórico de Portugal 2: 379-415 Simões, Armando (1974) A Guitarra Portuguesa. Évora: Tip. Eborauto

155

Varella, Reynaldo (1925) Methodo para aprender a tocar Guitarra Portugueza. Lisboa, Armazém de instrumentos musicos de Viuva Rangel, Maia, Lda. (2ª ed) Vieira, Ernesto (1899 [1890]) Diccionario musical. Lisboa: J.G.Pacini/Gazeta Musical de Lisboa Vitória, João (s.d) A Guitarra sem mestre - O verdadeiro Método de Guitarra (1ª e 2ª parte), Lisboa: edição de autor



Projecto Museogrรกfico / Exhibition Project: Antรณnio Viana





ficha técnica / credits

Produção | Production: EGEAC EEM/Museu do Fado Conselho de Administração da | Board of EGEAC EEM: Miguel Honrado Lucinda Lopes Francisco Motta Veiga Coordenação | Coordination: Sara Pereira Projecto Museográfico | Exhibition Project: António Viana Assistente de Realização | Assistant: Miguel Costa Produção Executiva | Executive Production: Sofia Bicho, Cristina Almeida, Ana Gonçalves, Susana Costa Textos | Texts: Pedro Félix Construção | Assembly: LAB Oficina de Design Projecto Luminotecnia | Electrical Project: Vítor Vajão Catalogação | Cataloguing: Sofia Bicho, Ana Gonçalves Comunicação | Communication: Rita Oliveira Seguros | Insurance: Corbroker Design Gráfico, Fotografia e Fotografia da Capa do Catálogo | Catalogue Design, Photography and Cover Photo: Luís Carvalhal Retroversão | Translation: Bernardo Sá Nogueira e Luiza Albuquerque Impressão | Print: R.P.O. Depósito Legal | Legal Deposit: ________ ISBN: 978-989-96629-4-0

Agradecimento Especial a | Special Aknowledgment to José Paulo Maia Costa



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.