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Recordando Zé Pracana ----

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2015 2016

2015 2016

Nuno De Siqueira

Circunstâncias familiares fizeram com que, na última década, eu tivesse viajado com frequência para São Miguel. Mal aterrado em Ponta Delgada, logo eu pegava no telefone e falava ao Zé Pracana, para combinarmos um encontro na sua bela casa da Rua de Lisboa. Naquelas salas que ele afectara à sua extraordinária colecção fadista, passámos tardes de tranquila cavaqueira, falando disto e daquilo, recordando com saudade o fado antigo e divagando com algum cepticismo sobre o fado novo.

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Nessas salas, estava, em fotografias e em objectos, toda a vida fadista do Zé Pracana. Numa parede, com Amália Rodrigues; noutra, com Alfredo Marceneiro; noutra ainda, com Maria Teresa de Noronha e José António Sabrosa; e nas demais, com inúmeros fadistas, guitarristas e violistas com quem o Zé Pracana se cruzara ao longo de décadas de fado. Parafraseando uma letra popular, ele tinha mais anos de fado que propriamente de vida!

Todas aquelas peças tinham uma história que o Zé Pracana – bom cicerone e bom comunicador – ia contando. Lembro-me de certa tarde lhe ter perguntado que fotografia era aquela, em que as cabeças de um grupo fadista estavam praticamente cortadas. “Isso foi uma vez com os Sabrosas”, respondeu-me ele, “a seguir ao almoço, numa altura em que o fotógrafo já não estava grande coisa. Eu ainda lhe recomendei que apanhasse o grupo todo”. “Está descansado”, retorquira-lhe o fotógrafo, “todo o grupo ficou”. De facto, todo o grupo ficara, mas… quase sem cabeças! O que não impediu o Zé Pracana de, com o seu apuradíssimo sentido do humor, ter colocado a fotografia em local destacado, certo de que ela afinal retratava da melhor maneira o ambiente daquela tarde de fados em S. Pedro de Sintra.

As histórias do Zé Pracana eram inesgotáveis. Um dia, contou-me como, desejoso de vir a ter aulas com o grande guitarrista José Nunes, resolvera fazer-lhe uma “espera” à saída do seu local de trabalho, nas Companhias Reunidas de Gás e Electricidade (empresa antecessora da EDP), na Rua da Boavista, em Lisboa. Arvorando o seu melhor sorriso, o Zé Pracana apresentouse ao José Nunes, manifestando-lhe a enorme admiração que tinha por ele. O José Nunes, fazendo jus ao seu conhecido mau feitio, respondeu-lhe: “Mais um com mau gosto!”. Ficaram amigos.

Hoje, continuo a viajar com frequência para São Miguel, ilha lindíssima de que tanto gosto, mas sei bem que nela houve uma luz que se apagou.

Obrigado ao Museu do Fado por, com esta magnífica exposição, nos trazer à memória as recordações e as saudades que temos do Zé Pracana.

De cima para baixo: José Fontes Rocha, José Pracana, Joel Pina, Amália Rodrigues, s/d. Colecção José Pracana

José Fontes Rocha, José Pracana, Senhor Vinho, 1993. Colecção José Pracana

José Fontes Rocha, José Pracana, Ponta Delgada, 1993. Colecção José Pracana

José Pracana com

José Fontes Rocha, s/d.

Colecção José Pracana

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