O LEGADO ROMITA

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O LEGADO

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SPURGEON

John Romita e John Romita Jr. são dois dos artistas mais influentes na história dos quadrinhos, além de pai e filho. No final dos anos 1960, John Romita foi trazido por Stan Lee para substituir o desenhista original do Homem-Aranha, Steve Ditko, que havia deixado a série. Com Lee no comando dos roteiros, Romita continuou trabalhando na revista do Aranha, numa colaboração que ia definir o visual e a essência do personagem. Uma década depois, John Romita Jr. começaria sua escalada em direção ao topo do negócio. Para a maioria dos filhos, seguir os passos de um pai famoso seria um belo desafio, mas Romita Jr. prosperou e se tornou uma força igualmente poderosa como artista de quadrinhos! Escrito por Tom Spurgeon, um dos maiores especialistas em quadrinhos e sua arte, O Legado Romita é o livro definitivo sobre os desenhistas pai e filho, ricamente ilustrado com artes clássicas e nunca antes vistas, e com biografias e entrevistas aprofundadas. Com uma introdução por Alex Ross, esse livro é perfeito tanto para fãs novos quanto antigos!

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Introdução

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po r Alex Ro ss

or favor, peço desculpas porque vou me debulhar em lágrimas. O legado artístico dos Romitas é muito importante para mim como fã, como profissional e como alguém que teve a honra de conhecer a família. O trabalho combinado de John Romita e John Romita Jr. é uma das maiores realizações no mundo da narrativa gráfica. Cada qual merece seu próprio tributo, mas só a história singular das duas bem-sucedidas carreiras de pai e filho já é uma aventura e tanto. Para mim, como fã, devo ter visto a arte de John Romita na primeira revista em quadrinhos que minha mãe me comprou. Ele desenhava ou arte-finalizava The Amazing Spider-Man quando nasci. Sua maciça presença artística em incontáveis produtos Marvel durante os anos 1970 ajudou a defini-lo como uma força cultural de importância inquestionável. Desde bem jovem, eu já podia identificar as qualidades especiais desse artesão em qualquer capa, história e representação de personagem, particularmente no Homem-Aranha. Para mim, o Aranha de John tem um design de tamanha beleza e perfeição que simplesmente se torna o personagem mais bonito dos quadrinhos. Por extensão, no decorrer dos anos, passei a acreditar cada vez mais que o trabalho dele em qualquer ilustração é incomparável — um equilíbrio perfeito entre todos os elementos gráficos. O histórico de John no desenho de figuras tradicionais e seu cuidadoso uso dos pincéis foi um farol de luz que solidificou o visual da Marvel Comics enquanto a editora assumia o controle do mundo das HQs. Combinando elementos de sensibilidade impecável na maneira com que retratava tanto mulheres quanto homens bonitos, com a mesma qualidade de energia, masculinidade e força que Jack Kirby trouxe para o mercado, John representava o melhor de dois mundos. Suas inovações em design ajudaram a definir a evolução dos personagens e conceitos nas histórias em quadrinhos. As pegadas deixadas por esse artista na História são gigantescas, e somam-se a isso os trabalhos e os triunfos de seu filho, que redefiniu o nome Romita em termos próprios. Um dos dois filhos de John e Virginia Romita, John Romita Jr. é o herdeiro da motivação artística que conduziu seu pai. Hoje, tendo trabalhado para a Marvel há pelo menos tanto tempo quanto o pai e ilustrado uma quantidade enorme de revistas, com muitas mais ainda por vir, Romita Jr. parece prestes a ultrapassar o legado de seu genitor. Dono de um profissionalismo e uma qualidade artística impecáveis, J.R. (como é conhecido) é, com certeza, o mais importante desenhista da segunda Era Marvel ao longo dos últimos trinta anos. Poucos se comparam à energia e ao espantoso volume de produção que ele levou a praticamente todos os grandes personagens Marvel, em especial ao Homem-Aranha. Como fã, eu debateria que o trabalho de nenhum artista no Aranha se compara ao de John, exceto o de J.R. Romita Jr. tem uma capacidade única de crescer e de evoluir seu estilo, que ao longo do tempo apenas aumentou de amplitude. Tendo começado com um traço bem próximo ao do pai, J.R. expandiu a tensão dramática e as poses de seus personagens, exagerando atributos físicos para obter maior impacto sem perder as qualidades atrativas de sua arte. De muitas maneiras, aquela energia de Jack Kirby da qual falei está bastante viva no estilo de J.R., e ele a colocou maravilhosamente em uso nas próprias criações de Kirby, como Eternos, Thor, Hulk, Quarteto Fantástico, Pantera Negra e assim por diante. Pelo talento e esforços de ambos os artistas ao longo de toda uma vida, eles merecem nada menos que ser chamados de titãs. Os Romitas são sinônimo de quadrinhos e de Homem-Aranha, mas, acima de tudo, de qualidade.

Alex Ross Chicago, março de 2010 5

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Americanas

ano de 2010 marcou 45 anos da Marvel Comics, talvez o evento mais

importante do mundo dos quadrinhos na ocasião. A Marvel começou sua revitalização como editora em 1961, com o lançamento de Fantastic Four 1, o notável título de Stan Lee e Jack Kirby no qual super-heróis modernos, transformados pela ciência, dividiam o palco com monstros, romance e até mesmo contrapartes da Era de Ouro. O sucesso da revista fez com que a editora começasse lentamente a redirecionar sua linha de publicações. Em 1966, os fãs já haviam se familiarizado com os acontecimentos especiais na Marvel, enquanto a mídia mainstream, intrigada com a mistura de gêneros e os toques realistas que cada revista imprimia às suas tramas fantásticas, passou a segui-los. Combinando boas vendas, aclamação do público e interesse da crítica, o principal título na nova fase da Marvel era The Amazing Spider-Man, a história de um super-herói adolescente tentando fazer a coisa certa, embora tivesse que suportar nos ombros uma vida inteira de responsabilidades. O ano em que a Marvel despontou para valer também foi o mesmo em que Stan Lee decidiu substituir o artista Steve Ditko, então deixando a revista do Aranha, pelo cartunista veterano John Romita. Nos 40 anos que se seguiram, Romita e seu filho John Jr. foram os principais ilustradores por trás de algumas das melhores e mais importantes fases na história dos quadrinhos, todas da Marvel Comics, enquanto a editora crescia ACIMA: SKETCH DO HOMEM-ARANHA NA PÁGINA AO LADO: AMAZING SPIDER-MAN 119

para se tornar uma presença mundial na literatura, em produtos licenciados e no cinema. De uma forma bastante singular, a Marvel moderna é os Romitas e eles são a Marvel moderna. A carreira de ambos é uma conquista inigualável, superada pelo relacionamento especial entre pai e filho. 6

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John Romita nasceu em 1930, no Brooklyn,

extensão do município que oferecia alternativa para os gigantescos arranha-céus e pungentes excessos culturais de Manhattan. Na juventude de John Romita, o Brooklyn ainda tinha sua própria cultura, sua política e seu time de beisebol. Exceto pela dura realidade da economia marcada por uma depressão mundial — e a família Romita estava ciente dos tempos difíceis —, foi uma boa época para ser criança nos Estados Unidos. E isso era particularmente verdade num lugar como o Brooklyn, ainda mais para um garoto de olho nas artes visuais. Os quinze primeiros anos de John correram lado a lado com os anos dourados de duas narrativas visuais igualmente poderosas. A indústria do cinema, hoje praticamente fora de Nova York e New Jersey, localizada na costa oeste, tinha se estabelecido como opção de entretenimento acessível a todas as classes sociais. Alguns argumentam que, ao lado das missas de domingo, o cinema era tido como a mais importante experiência partilhada pelos norte-americanos. A proliferação dos jornais e o crescimento do sistema de distribuição nacional geraram belos resultados para o desabrochar das tiras de quadrinhos. Romita, como todos os garotos de sua geração, lia HQs e assistia a filmes.

Nova York — o primogênito de cinco irmãos. De acordo com John, ele era um típico garoto durante as décadas de declínio de seu bairro, então uma

ACIMA: SKETCH NA PÁGINA AO LADO: SKETCH DE FIGURA HUMANA 8

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Os cartunistas estavam meio degrau abaixo dos

nal. Sete dias por semana, em cores aos domingos, jovens e adultos se eletrizavam com tiras de jornais seriadas e cômicas de todo tipo imaginável, numa linguagem de imagens e palavras tão convencional que praticamente qualquer um as compreendia. A fotografia ainda não tinha sobrepujado a ilustração como expressão visual nas notícias e o cinema oferecia sua própria forma de desenhos animados, por isso, a familiaridade com tais imagens tornava as tiras de jornal atraentes e onipresentes. Todos podiam ler quadrinhos e a maior parte o fazia. Meninas adolescentes, que, nascidas cinquenta anos depois poderiam estar assistindo a novelas na TV, emocionavam-se com o crescente número de tiras dramáticas; garotos como Romita, que nos dias de hoje costumam passar os dias jogando video game, encontravam consolo na emoção dos quadrinhos de aventura. Romita era fã de artistas virtuosos, como Roy Crane, Noel Sickles e, em especial, Milton Caniff, que deixara sua marca em romance e aventura, primeiro na série Dick Valente e, mais tarde, no enorme sucesso Terry e os Piratas. Romita estudou com devoção a tira tremendamente popular de Caniff. Por mais que gostasse da arte exuberante do cartunista, o jovem, que mais tarde faria parte da fraternidade dos desenhistas de aventura, sempre sentiu que era mais embalado pelos roteiros do que pelo efeito visual. Bastava ler uma pequena parte de Terry para ele mergulhar totalmente na história e ser levado a terras longínquas pelo habilidoso criador.

astros de cinema e dos heróis do esporte na imaginação do público norte-americano, e sua forma de arte representava uma oportunidade de obter recompensas financeiras ao entreter um público de alcance nacio-

ACIMA: MILTON & OS PIRATAS NA PÁGINA AO LADO: DICKIE DARE & TERRY E AS TIRAS DOS PIRATAS 10

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John Romita veio

de uma família que valorizava a música como principal expressão de arte. Seu herói continua sendo o popular compositor do século 1920, Irving Berlin, e ele é inabalável na crença de que teria desistido da ilustração se tivesse percebido qualquer talento especial para a música. Como em muitos lares da época pré-TV, parte do entretenimento noturno da semana consistia em reunir pessoas para tocar e cantar. O jovem Romita carecia da destreza musical de seus irmãos, mas demonstrou, desde cedo, inclinação para a arte. Ele desenhava o tempo todo e, tão logo descobriu que a ilustração — embora feita nas ruas com um giz presenteado por fãs da vizinhança — lhe conferia popularidade e um mínimo de prestígio, nada era capaz de segurá-

lo na busca de sua vocação. Para sorte de Romita, Nova York era uma das poucas cidades do país que oferecia oportunidades educacionais específicas para quem quisesse alcançar determinado objetivo. Ele desenhou para seus professores na Escola Fundamental e, no Ensino Médio, ingressou na Escola de Artes Industriais da cidade. Entre aquela instituição e a Escola de Música e Arte, o sistema educacional de Nova York ofereceria grandes contribuições aos aspirantes a desenhista e se tornaria a espinha dorsal na geração de talentos para a emergente indústria dos quadrinhos.

NA PÁGINA AO LADO: MARY JANE ACIMA: PUPPY DOG ESQUERDA: CAPTAIN AMERICA 1954 13

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John Romita já conhecia

as revistas em quadrinhos na época em que começou a desenhar e sua paixão por elas precedia o interesse pelas tiras de jornal. A maior parte das pessoas considerava revistas em quadrinhos como lixo deplorável, primas pobres ou até sem relação alguma com as tiras, para as quais serviam, no início, como oportunidade de republicação. Assim, as revistas nos primeiros meses da chamada Era de Ouro, 1938 a 1955, eram quase sempre mais simplórias do que as tiras de jornal mais malsucedidas, publicadas para obter o máximo de lucro por gráficas e cartunistas ambiciosos. Os quadrinhos eram uma mania que tinha pegado, mas, em seus primórdios, chegaram ao mercado de periódicos como hóspedes indesejáveis. Sua emoção podia ser bem limitada ao olhar treinado, mas Romita conseguia extrair deles até a última gota de utilidade. O artista tornou-se um verdadeiro connoisseur das HQs pulp de dez centavos. Ele reconhecia a força da criação de Jerry Siegel e Joe Shuster na National Periodicals, o Superman, a ponto de comprar vários exemplares da Superman 1, e, assim como os jovens fariam depois com seu trabalho, tentar guardar para a posteridade (mais tarde, a mãe jogaria fora todos os seus quadrinhos). Posteriormente, ele viu o que Jack Kirby e Joe Simon estavam fazendo com o Capitão América na Timely, utilizando

ACIMA: ACTION COMICS 1 DIREITA, ACIMA: DAREDEVIL 1 DIREITA: DAREDEVIL - ARTE PROMOCIONAL DIREITA, ABAIXO: CAPTAIN AMERICA 10 ARTE-FINAL DE ROMITA SOBRE LÁPIS DE KIRBY 14

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páginas inteiras para criar ação e efeitos dramáticos, superando as restrições impostas pelas tiras de jornal. Kirby quebrava a fronteira dos quadros, fazendo com que seu herói patriótico saltasse, chutasse e golpeasse com tanta energia que mal podia ser contida dentro da página. Romita reparou até mesmo em trabalhos e quadrinhos que deixaram de ser admirados com o passar do tempo — desenhos de George Tuska, como Shark Brodie, para a Fiction House e os super-heróis de Lev Gleason, incluindo um intitulado Demolidor. No alvorecer de uma nova e inesperada linguagem para aquela forma de arte já estabelecida, Romita lia as revistas de uma forma que já preconizava o sábio diretor de arte que ele se tornaria trinta anos depois. 15

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Uma carreira como diretor

de arte, mesmo nos quadrinhos, não parecia provável quando Romita completou a educação formal. Na hora de escolher uma especialização, ao término da 2ª Guerra Mundial, o jovem artista acabou numa aula de ilustração para livros. Não havia alunos suficientes para compor um curso de cartunista na Escola de Artes Industriais. Naquela turma, o respeito de Romita por grandes ilustradores de revistas da época foi se transformando em profundo amor, particularmente por artistas notáveis como Robert Fawcett e Al Parker, e logo ele trocou sua especialização para ilustração para “revistas”. Os heróis ilustradores de Romita viviam vidas profissionais duplas, produzindo arte para revistas como a Saturday Evening Post e também para os anúncios que as bancavam. Um mundo visual rico e suntuoso nascia daquelas imagens. O nível de habilidade que elas requeriam atraía o lado de Romita que desejava maestria, mesmo quando as ilustrações para revista começaram lentamente a decair e deixar o mainstream. Cumpre notar que seu primeiro grande trabalho após a escola foi em uma casa de litografia, onde produziu artes para a Coca-Cola no estilo do popular Haddon Sunblom.

DIREITA: AMOSTRA DE PORTFÓLIO AOS 17 ANOS 16

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