coletivo testemunho e ação
Zine Clínicas de Borda Coletivo Testemunho e Ação Coletivo Testemunho e Ação, 2023 Editora n-1, 2023 ISBN: 978-65-81097-83-7 Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagem e a especificidade de cada obra publicada. COORDENAÇÃO EDITORIAL Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandes DIREÇÃO DE ARTE Ricardo Muniz Fernandes CAPA E DIAGRAMAÇÃO Thata Oliveros COMITÊ EDITORIAL DA COLEÇÃO CLÍNICA DE BORDAS Andréa M C Guerra Augusto Coaracy Daniel Mondoni Marta Togni Ferreira Pedro O. Obliziner A reprodução parcial deste livro sem fins lucrativos, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio impresso ou eletrônico, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessário a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores. 1° edição | outubro, 2023. n-1edições.org
Zine Clínicas de Borda COLEÇÃO: 1. PsiMaré (Rio de Janeiro/RJ) 2. MOVE: Movimentos Migratórios e Psicologia (Curitiba/PR) 3. ClínicAberta de Psicanálise de Santos (Santos/SP) 4. Falatrans (Juiz de Fora, UFJF/MG) 5. Ocupação Psicanalítica (Belo Horizonte/MG; Rio de Janeir/RJ; Vitória/ES; Santo Antônio de Jesus/BA) 6. Estação Psicanálise (Campinas/SP) 7. Coletivo Margem Psicanálise (Fortaleza/CE) 8. Intervenção Psicanalítica Clínico - Política às demandas da População LGBT (Rio de Janeiro/RJ) 9. Rede Sur (São Paulo/ SP) 10. Roda de escuta/grupos flutuantes LGBTQI+ (Aracajú/SE) 11. Clínica Periférica de Psicanálise (São Paulo/SP) 12. Clínica do Cuidado (Altamira/PA; São Paulo/SP) 13. Coletivo Psicanálise e Política e Cotidiano Refugiado (Rio de Janeiro/RJ) 14. Projeto Gradiva (Porto Alegre/RS) 15. Museu das Memórias (In)Possíveis (Porto Alegre/RS) 16. Psicanálise na Rua (Cuiabá/MT) 17. Coletivo Testemunho e Ação/SIG (Porto Alegre/RS) 18. Margens Clínicas (São Paulo/SP) 19. Psicanálise na Praça Roosevelt (São Paulo/SP) 20. Psicanálise no Jacarezinho (Rio de Janeiro/RJ) 21. Mutabis (São Paulo/SP) 22. Clínica Aberta Casa do Povo (São Paulo/SP)
Histórico Em 2018, um grupo de pessoas que faziam parte do Projeto Clínicas do Testemunho propôs criar um espaço de pertencimento que continuasse a dar voz e fala às suas histórias e projetos. O desafio foi aceito e constituiu-se o Coletivo Testemunho e Ação: verdade, memória e justiça. Partindo da ideia de que todos somos afetados pela violência de Estado, o grupo tem como ação o testemunho, através de escuta e reflexão sobre as várias formas de violência. Propõe atividades e ações que recuperem as memórias dos fatos bem como a história do país, através de projetos e encontros públicos. O Coletivo Testemunho e Ação e SIG Intervenções Psicanalíticas, são coletivos da Sigmund Freud Associação Psicanalítica, instituição psicanalítica de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (www.sig.org).
Prende(dor)es. Autora: Ana Maria Visinteiner
O trabalho do Clínicas do Testemunho, desenvolvido de 2012 a 2017, em dois editais da Comissão de Anistia / Ministério da Justiça, teve como projeto a reparação psíquica dos afetados pela violência de Estado. Um dos eixos foi testemunhar o testemunho das histórias de vida das pessoas que viveram o regime da ditadura civil-militar brasileira de 64 a 85. Desenvolveu-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que sustentou também a expansão para Santa Catarina.
Audiência Pública de Filhos e Netos de afetados e desaparecidos políticos na ditadura civil-militar brasileira. Memorial do Rio Grande do Sul, 24 de abril de 2015.
Exposição no Museu dos Direitos Humanos, que sediou nossas atividades públicas, 2015.
A foto acima refere-se a exposição onde temos a Caixa de Nilce Azevedo Cardoso ofertada pela cunhada Cida, após saída da prisão, com os dizeres: “Nilce, a vida não é contínua. São instantes significativos que vão sendo colocados lado a lado. Alguns encontrarás uma conexão, outros não. Mas cada vez olhares este baú verás algo diferente = e espero que sejam instantes que potencializem sua alegria e firmeza na luta pelos seus ideais”. Nilce esteve conosco ao longo de todo o tempo do projeto, abrindo caminhos e memórias para construir um lugar de recomposição psíquica. Quando iniciamos o desenvolvimento do Projeto Clínicas do Testemunho, no final de 2013, em Santa Catarina, fazíamos a expansão do trabalho desenvolvido pela Sigmund Freud Associação Psicanalítica no Rio Grande do Sul. Nesta oportunidade fizemos o primeiro
contato telefônico com Derlei Catarina de Luca, atingida por prisão e tortura durante a ditadura civilmilitar e representante da luta constante por memória, verdade e justiça. Derlei nos pergunta: “você é daqui?”. Pergunta que, quando bem escutada, guarda outras: - Você é capaz de me reconhecer no que vivi? - Você reconhece a história daqui? - Você reconhece a sua história? No final de 2015, Derlei testemunha: “Que bom que são vocês que vão continuar à frente do Projeto no próximo ano, porque em vocês agora eu confio”. O Clínicas do Testemunho se sustentou no leito da confiança. Só assim, seriam possíveis testemunhos que nos tornariam testemunhas para o te(cer-“ser”) de uma construção histórica. Na medida que essas pessoas puderam perceber e confiar num espaço de escuta ofertada por nós, uma rede de colaboração foi se constituindo. “Confio”, disse Derlei.
Capas dos livros do Clínicas do Testemunho da SIG e Vó Alda
Coletivo Testemunho e Ação - 2018 Hoje como Coletivo Testemunho e Ação amplia suas ações para quem sofre com perdas, lutos não elaborados, desigualdade social, vulnerabilidade, racismo, extermínio das populações indígenas, ou seja, as mais distintas e perversas faces da violência do Estado. O testemunho é sua função principal, de forma individual e coletiva, mas também realiza atividades públicas à comunidade em geral, através da arte, da poesia, de filmes, e registros como o de cartas, construindo narrativas atuais da violência de Estado. Marcamos a potência do testemunho para que “um não dito” seja “dito”, neste dizer se constitua elaboração psíquica. A escuta, além da reparação psíquica individual, é força geradora de testemunho que retira do silenciamento o que se passou na nossa história, pelo que significa em termos de construção de memória histórica individual e coletiva, impedindo o desdobramento e repetição da violência na atualidade. Estes relatos subjetivos, aos poucos, se constituem testemunhos que instalam novas inscrições na história e no social. Além do eixo do testemunho, somos testemunhas dos testemunhos através da escuta e da história do vivido sob a forma de memórias. Memorializar é reparar, construir ações potentes, transformadoras e éticas como possibilidades simbólicas de viver o real que nos convoca a viabilizar projetos coletivos emancipatórios.
Primeira atividade do Coletivo Testemunho e Ação - 2019
Card da atividade do Sarau
O Sarau dos Poetas da Dura Noite com poesias do livro e show de Raul Ellwanger, organizador do livro através do Comitê Carlos de Ré, Porto Alegre/RS
Deixe-se tocar pelas Poesias... Elas falam dos “desaparecidos” políticos, dos exilados, da violência das torturas, morte, da perda dos direitos políticos, mas também, principalmente pela luta, esperança, perseverança na espiral infinita, que não se detém. Tempo Novo 11/06 66 Luiz Eurico Tejera Lisboa (Ico) Sequestrado e desaparecido em São Paulo em 1972 Em 2012 foi atestado o assassinato. Sua esposa Suzana, foi integrante da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos que em 1979 anunciou o achado de seu corpo no Cemitério de Perus SP. Há um Novo Tempo De novas coisas! Todos sabem A mudança é irresistível Mas as velhas formas Não cedem sem um último gesto De desespero O importante é persistir Confiar na vitória do Povo Avancemos Seguros Passo a passo Pois a história não se volta Sobre sí mesma É uma espiral infinita Que nada consegue deter!
Nilton Rosa da Silva Estudante do Colégio Júlio de Castilhos, nascido em Cachoeira do Sul, emigrou para o Chile e foi morto em 1973 por uma milícia fascista. Es noche. Madrugada En la noche de Santiago. Todos duermen Pero yo no duermo El poeta no duerme ... El poeta escribe ... Mi pátria no es sólo mi pátria Es la partria de los humildes, De los explotados de este continente Mi pátria hoy tiene su bandera rota, Hoy tiene su cuerpo sangrando, Mi pátria hoy tiene a su pueblo em duelo .... Hoy tiene su Pueblo em lucha ... Pero los fuziles que empuña Su pueblo en lucha, Serán la alegria y el porvenir del mañana ... Mi pátria será la pátria de todos, Ya no habrá um gigante Que dueme em américa virgen... Porque em el mañana Habrá um américa despierta y única.
Glênio Perez Jornalista, político, poeta e ator. Natural de Porto Alegre, onde foi vereador por três mandatos, com mandato cassado em 1977. No Exílio em Berlim O metrô de Berlim Ocidental há muito tempo serve aos alemães leva crianças aos colégios empregdos às fábricas funcionários para os escritórios e certamente amante e amadas para a hora do amor. Numa tarde de maio de 1976 o metrô de Berlim passou por cima do corpo de Maria Auxiliadora estudante exilada no Chile e na Alemanha Dora Dorinha ou Doralice mineirinha agora no exílio para sempre
QUEM SOMOS
youtu.be/2s6UpsnJPeI Canal de vídeos da Sig: youtube.com/SigPsicanalise]
O Coletivo é aberto e composto por: Alexandre Pandolfo POA (professor universitário) Andreia Daltoé SC (professora universitária) Bárbara de Souza Conte (psicanalista) Elaine Rosner Silveira (psicanalista) Eurema Gallo de Moraes (psicanalista) Flora De Camillis Fraga (psicóloga) Helena Dória L. Oliveira (professora universitária) Liana Dolci (psicóloga) Maira Brum Rieck (psicanalista) Maria Luiza Castilhos Cruz (psicóloga) Mariana Lange SC (psicanalista) Marta Haas (artista) Manuela Matos (psicanalista) Miriam Burguer (psicóloga) Marilena Deschamps Silveira SC (psicanalista) Nilce Azevedo Cardoso (in memória) Pedro Isaias Lucas (cineasta) Sergio Finkler (sociólogo) Thelma Borges Tocantis (professora universitária)
Atividades Propomos discutir com vários segmentos da sociedade as questões atuais da violência de Estado e suas relações com a “herança” da ditadura civil-militar brasileira e seus desdobramentos.
E tu Testemunhas? 07/04/2021
Lançamento do vídeo do Boca de Rua e fala de Rosine e de Jaqueline Mesquita do Coletivo Mães e Pais pela Democracia “Resistir para garantir a livre expressão de diferenças e espaços democráticos em nossa sociedade em todas as instâncias” ou “... a importância que possamos aquilo que de mais humanos temos justamente nossas contradições, dúvidas, nossos afetos, através de construções coletivas ...” Jaqueline Mesquita. Associação de pais e mães pela democracia.
“... aqueles que tem que nos proteger estão abusando da autoridade deles ... atiram pessoas no rio, batem, não queria que acontecesse e presenciei ...” Zé do Boca. 13 anos de estrada do viver na rua. “alice – agência livre para informação da cidadania e da educação – tem a proposta de revelar o que a sociedade não vê, trabalhar com esses grupos que são invisibilisados”. Rosina, jornalista “o afeto é revolucionário ... O Boca de Rua é a minha revolução possível” Rosita, jornalista
Nasci Subversiva 5/5/2021 Testemunhos de Nadejda Marques “A voz da minha mãe ainda ecoa na minha cabeça. Muitas coisas aconteceram e estão acontecendo, mas quanto mais o mundo muda, mais parece permanecer igual”. “Desde criança soube que meu pai foi assassinado defendendo seu ideal de um mundo mais justo para todos”. “Paguei minhas penas antecipadamente desde o momento em que nasci mulher, pobre, filha de dissidentes políticos e taxada de subversiva pelo governo do meu país. Perdão? Para quê? Nasci subversiva!”
Cativeiro Sem Fim – 12 de agosto de 2021 A ninguém é facultado fazer desaparecer pessoas, mudar suas identidades, deixar cadáveres insepultos. Praticou-se “o desaparecimento e o desaparecimento do desaparecimento, o que colocou as vítimas em um cativeiro sem fim” (Eduardo Reina).
Roubo de Crianças pelo Estado: Testemunhos – 23 de março/2022 “Quem são as mulheres que podem e que não podem criar os próprios filhos no Brasil?” Maíra Brum
ISSO NÃO É EXCEÇÃO. SEGUNDO ATO: ROUBO DE CRIANÇAS – 25 de maio /2022 " ... essas mães (negras) são boas para cuidarem dos filhos dos outros e por que não são boas para cuidarem de seus próprios filhos?"( Jeanyce Araújo pesquisadora) " ... a estratégia do Estado sempre é a mesma desde o século XV, Brasil colonia, século XIX aí temos uma mãe, mulher negra e que teve hanseníase, era escrava, ela tinha duas categorias que foram trabalhadas ao longo do projeto" " ... era um desafio conseguir acompanhar essa mulher em situação de rua e que em qualquer momento poderia ter o bebe e esse bebe poderia ser retirado, desaparecido" (Adriana Carajá - pesquisadora)
Testemunhos Fragmentos antigos e recentes do meu testemunho: Helena Dória Lucas de Oliveira, filha de Antônio Lucas de Oliveira e Ruth Dória Lucas
Sou filha de uma família que viveu 10 anos em exílio. Foram pedaços de vida em 3 países diferentes: Chile, Cuba e Guiné-Bissau. Foram anos da infância e da juventude esforçando-me a aprender e a ser aprovada em 3 sistemas escolares distintos; em 3 mais 1, pois retornar ao meu país foi como aterrissar em mais um solo estrangeiro. Fazer parte do Projeto Clínicas do Testemunho ajudoume a identificar quais marcas ficaram da prisão de meu pai, da vigilância ostensiva de nossa casa, das situações de perigo vividas no Chile, da perda de meu irmão – Eduardo, 4 anos, que caiu e afogou-se em uma piscina –, do afastamento do local onde ele foi sepultado, das inúmeras interrupções escolares e de recomeços de vida. O que vivi no Projeto Clínicas do Testemunho e o que experiencio no Coletivo Testemunho e Ação incita-me a questionar minha história familiar, conectando-a com as violências ditatoriais latino-americanas. Os flashes esparsos das memórias e os episódios avulsos contados em família não me bastam. Busco pessoas, procuro relatos, revisito lugares. Vou compreendendo com mais consistência que minha história familiar não é exceção. O trabalho no Coletivo dá força, ajuda a suportar, dá sentido social à busca dos vazios daquela história familiar contada para a então menina de 7 anos. Muito recentemente, depois de quase 50 anos, retornei ao Chile. Estive no lugar onde permanecemos refugiados. Estive na beirada da piscina. Andei pelos corredores onde brincava com Eduardo. Sentei-me na sepultura onde ele está enterrado. Encontrei a pessoa que
disponibilizou o jazido familiar para o enterro. Estive no bairro e em frente ao terreno onde moramos antes do Golpe de Estado ao governo Salvador Allende. Ainda estou lidando com todo esse material de vida revisitado. Reviver, retornar, recontar é ação, é memória coletiva, é história, é testemunho.
Maria Luiza Castilhos Cruz Filha de Artigas Castilhos Eu tinha 9 anos. Ele era vereador do PDT e havia sido mais votado da cidade – Rosário do Sul (ainda hoje ninguém alcançou a votação que ele teve). Esta foi sua primeira prisão. Lembro até hoje de sentir meu coração batendo, sem saber o que fazer. Sentia um misto de vergonha, medo e raiva. O susto só não foi maior porque ele havia me prevenido de que isto aconteceria e havia explicado as razões. O tempo ficou congelado. Enxergo meu uniforme do colégio sobre a cadeira e mais nada. Não sei o que fiz e ninguém da minha família lembra o que foi feito, neste e nos próximos dias, a partir daí. Uma espécie de acordo familiar em fazer silêncios se estabeleceu.
MEMÓRIAS No segundo eixo de nosso trabalho do Coletivo Testemunho e Ação temos desenvolvido o tema Memórias, com performances, ações públicas, e vídeos dirigidos a tornar conhecido Histórias da ditadura.
DOPINHO: um lugar de memórias sensíveis A palestra-performance DOPINHO: um lugar de memórias sensíveis surgiu da necessidade de falar sobre este lugar pouco conhecido na cidade de Porto Alegre, cuja memória segue em disputa. O casarão na Rua Santo Antônio, nº 600, abrigou nada menos que o primeiro centro clandestino de detenção e tortura do Cone Sul. Fora da estrutura oficial do aparato militar, a alcunha DOPINHO consiste no diminutivo de DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Só se tornou conhecido depois que o corpo do sargento Manoel Raymundo Soares, com as mãos atadas e nítidos sinais de tortura, foi encontrado por pescadores no Rio Jacuí em agosto de 1966. Uma investigação apontou o major Luiz Carlos Menna Barreto como responsável e revelou a existência do centro clandestino.
Ficha técnica Atuação e roteiro: Marta Haas Vídeo-performances: fotografia e montagem de Pedro Isaias Lucas. Criada no laboratório criativo "Museu, teatro e história", com Daniele Avila Small.
Ilha das Pedras-Brancas (Ilha Presídio), Porto Alegre, 10 de julho de 1966. Minha querida Betinha: Ainda estou vivo. Espero de todo o coração que você tenha recebido as cartas que remeti anteriormente. Esta é a oitava. Nunca pensei que o sentimento que me une a você chegasse aos limites de uma necessidade. Nestes últimos dias, tenho sido torturado pela ideia de que estou impedido de ver teu rosto ou de beijar teus lábios. Todas as torturas físicas a que foi submetido na P.E e na D.O.P.S. não me abateram. No entanto, como verdadeiras punhaladas, tortura-me, machuca, amarga, este impedimento ilegal de receber uma carta, da mulher, que hoje, mais do que nunca, é a única razão de minha vida.
* Manoel Raymundo Soares (trecho inicial da última carta, que foi enviada de forma clandestina, recebida por sua esposa)
Nilce Azevedo Cardoso Participante do Clínicas do Testemunho e nossa companheira no Coletivo Testemunho e Ação desde seu início com sua força pela vida e luta pela justiça. Nilce ingressou na USP na faculdade de Física em 1964, “junto com os tanques” como dizia. Engajou-se na Juc – Juventude Operária Católica e depois na Ação Popular. Passou para clandestinidade quando foi incluída na listados procurados pela repressão indo trabalhar em fábricas do ABC paulista. Tornar-se clandestino significa tornar-se invisível. E assim, chega à Porto Alegre em 1969, trabalhando em fábricas junto aos operários. Em 1972, “volta a ser Nilce e professora. Em Porto Alegre, no mesmo ano, foi sequestrada em uma parada de ônibus e levada para o DOPS. Foi torturada por Pedro Seeling até entrar em coma. Ficou 8 dias no Hospital Militar e mandada para a OBAN. Quando saiu da prisão “estava debilitada, com distúrbios de memória e medo constante”, recebendo apoio de seus familiares para se recuperar das marcas do corpo e da alma. Reconstruiu sua vida como psicopedagoga e ingressou no Clínicas do Testemunho em 2015 e depois, em 2018 no Coletivo Testemunho e Ação. Foi anistiada em 2002, quando o Estado brasileiro reconhece o seu direito de resistência em prol da luta pelo restabelecimento das liberdades públicas e da democracia. Para que nuca se esqueça para que NUNCA MAIS aconteça. Nilce faleceu dia 22 de fevereiro de 2022. Lutou pela vida e compartilhou com todos nós suas alegrias e dores e fazemos nossa homenagem nas palavras de Galeano: “a memória sabe de mim mais que eu, e ela não perde o que merece ser salvo”. NILCE, presente!
Em Memória Derlei Catarina de Luca Nossa Homenagem a Derlei, falecida em novembro de 2017 atingida por um câncer. Sempre lutou contra o silenciamento da violência de Estado, que a marcou “no corpo e na alma”, título de um dos seus livros. Presa aos 22 anos como militante na Ação Popular pela OBAN (Operação Bandeirante) foi torturada e precisou abandonar o filho para tentar evitar nova prisão e torturas, exilando-se em Cuba. Volta ao Brasil em 1979 com a lei da Anistia. Em 1980 fundou o Coletivo Catarinense Memória Verdade e Justiça, e participou ativamente para localização dos corpos dos desaparecidos, entre eles de Paulo Stuart Wright, morto em 1973 e até hoje desaparecido. Foi uma das principais vozes a denunciar os horrores da ditadura civil militar no Brasil, fios deixados por Derlei como guia. DERLEI, presente!
NILCE presente!
EU TESTEMUNHO ELE TESTEMUNHA NÓS TESTEMUNHAMOS
EU TESTEMUNHO E TU TESTEMUNHAS? TESTEMUNHA EUELE TESTEMUNHO NÓS TESTEMUNHAMOS
ELE TESTEMUNHA NÓS TESTEMUNHAMOS E TU TESTEMUNHAS? E TU TESTEMUNHAS? EU TESTEMUNHO ELE TESTEMUNHA
Título: Coleção Clínicas de Borda Autor: Coletivo Testemunho e Ação Medidas: 14x21 Número de páginas: 32 Assunto geral do livro: Psicanálise de rua Palavras chave: Psicanálise; Clínica pública; Política; Clínica de borda ISBN: 978-65-81097-83-7
COLEÇÃO DE ZINES DAS CLÍNICAS DE BORDA BRASILEIRAS A Coleção de Zines das Clínicas de Borda Psicanalíticas Brasileiras, aberta a novos fascículos, nasce da experiência compartilhada de psicanalistas inconformadas e inconformados com a resposta clínica de seu fazer e de sua formação face à realidade nacional brasileira, exposta à brutalidade e à violência estrutural. Trazem experiências múltiplas e plurais, sem necessariamente criarem um mínimo comum, nas quais experimentam o vigor da práxis psicanalítica na transformação de sujeitos, processos, espaços públicos, modos de pertencimento e participação, meios de formação. Nasceram da resistência dos movimentos sociais, em reação a genocídios, suicídios, chacinas, feminicídios e homicídios, deslocamentos migratórios, nas periferias, praças, estações, ocupações, quilombos. Seu fazer é produto da rua e dos modos possíveis de cuidado a que o enlace transferencial na direção do tratamento psicanalítico dá visibilidade e nome a corpos apagados no cotidiano. Instituem elementos necessários na teoria e na prática, revisitando as clínicas públicas e populares, datadas dos tempos de fundação do campo psicanalítico com Sigmund Freud. Reviradas pela experiência do Sul Global, em elipse, olham o avesso do espelho e atravessam suas fronteiras. Marcam, em ato, o cinismo e a indiferença contemporâneos com novos modos de partilha e de presença. Saem definitivamente do modelo burguês do consultório individual. Recebem os analisantes, tanto online, quanto em cadeiras expostas ao sol, a fim de escutarem seu sofrimento. Colocam o pagamento em xeque, não mais no cheque. Trazem a marca de sua região, de sua língua, das ricas expressões dos dialetos brasileiros. Distribuem-se em cada canto do país e questionam o modo de circulação do capital e de resposta do inconsciente às violações cotidianas. Interrogam os fundamentos da própria noção de clínica psicanalítica e da lógica excludente da formação do psicanalista, enfim, sua presença na polis. Elas não estão todas reunidas aqui. A coleção, aberta, aguarda novas presenças nessa escrita histórica. A psicanálise mudou. A gente queria que você soubesse.