Zine Clínicas de Borda 11 - Clínica Periférica de Psicanálise (São Paulo/SP)

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A Territorialidade Nas Clínicas Periféricas

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Clínica Periférica de Psicanálise


COLEÇÃO DE ZINES DAS CLÍNICAS DE BORDA BRASILEIRAS A Coleção de Zines das Clínicas de Borda Psicanalíticas Brasileiras, aberta a novos fascículos, nasce da experiência compartilhada de psicanalistas inconformadas e inconformados com a resposta clínica de seu fazer e de sua formação face à realidade nacional brasileira, exposta à brutalidade e à violência estrutural. Trazem experiências múltiplas e plurais, sem necessariamente criarem um mínimo comum, nas quais experimentam o vigor da práxis psicanalítica na transformação de sujeitos, processos, espaços públicos, modos de pertencimento e participação, meios de formação. Nasceram da resistência dos movimentos sociais, em reação a genocídios, suicídios, chacinas, feminicídios e homicídios, deslocamentos migratórios, nas periferias, praças, estações, ocupações, quilombos. Seu fazer é produto da rua e dos modos possíveis de cuidado a que o enlace transferencial na direção do tratamento psicanalítico dá visibilidade e nome a corpos apagados no cotidiano. Instituem elementos necessários na teoria e na prática, revisitando as clínicas públicas e populares, datadas dos tempos de fundação do campo psicanalítico com Sigmund Freud. Reviradas pela experiência do Sul Global, em elipse, olham o avesso do espelho e atravessam suas fronteiras. Marcam, em ato, o cinismo e a indiferença contemporâneos com novos modos de partilha e de presença. Saem definitivamente do modelo burguês do consultório individual. Recebem os analisantes, tanto online, quanto em cadeiras expostas ao sol, a fim de escutarem seu sofrimento. Colocam o pagamento em xeque, não mais no cheque. Trazem a marca de sua região, de sua língua, das ricas expressões dos dialetos brasileiros. Distribuem-se em cada canto do país e questionam o modo de circulação do capital e de resposta do inconsciente às violações cotidianas. Interrogam os fundamentos da própria noção de clínica psicanalítica e da lógica excludente da formação do psicanalista, enfim, sua presença na polis. Elas não estão todas reunidas aqui. A coleção, aberta, aguarda novas presenças nessa escrita histórica. A psicanálise mudou. A gente queria que você soubesse.


Zine Clínicas de Borda Clínica Periférica de Psicanálise Clínica Periférica de Psicanálise, 2023 Editora n-1, 2023 ISBN: Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagem e a especificidade de cada obra publicada. COORDENAÇÃO EDITORIAL Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandes DIREÇÃO DE ARTE Ricardo Muniz Fernandes CAPA E DIAGRAMAÇÃO Thata Oliveros COMITÊ EDITORIAL DA COLEÇÃO CLÍNICA DE BORDAS Andréa M C Guerra Augusto Coaracy Daniel Mondoni Marta Togni Ferreira Pedro O. Obliziner A reprodução parcial deste livro sem fins lucrativos, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio impresso ou eletrônico, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessário a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores. 1° edição | junho, 2023. n-1edições.org


Título: Coleção Clínicas de Borda Autor: Clínica Periférica de Psicanálise Medidas: Número de páginas: Assunto geral do livro: Psicanálise de rua Palavras chave: Psicanálise; Clínica pública; Política; Clínica de borda ISBN:


Zine Clínicas de Borda COLEÇÃO: 1. PsiMaré (Rio de Janeiro/RJ) 2. MOVE: Movimentos Migratórios e Psicologia (Curitiba/PR) 3. ClínicAberta de Psicanálise de Santos (Santos/SP) 4. Falatrans (Juiz de Fora, UFJF/MG) 5. Ocupação Psicanalítica (Belo Horizonte/MG; Rio de Janeir/RJ; Vitória/ES; Santo Antônio de Jesus/BA) 6. Estação Psicanálise (Campinas/SP) 7. Coletivo Margem Psicanálise (Fortaleza/CE) 8. Intervenção Psicanalítica Clínico - Política às demandas da População LGBT (Rio de Janeiro/RJ) 9. Rede Sur (São Paulo/ SP) 10. Roda de escuta/grupos flutuantes LGBTQI+ (Aracajú/SE) 11. Clínica Periférica de Psicanálise (São Paulo/SP) 12. Clínica do Cuidado Belo Monte (Altamira/PA; São Paulo/SP) 13. Coletivo Psicanálise e Política e Cotidiano Refugiado (Rio de Janeiro/RJ) 14. Projeto Gradiva (Porto Alegre/RS) 15. Museu das Memórias (In)Possíveis (Porto Alegre/RS) 16. Psicanálise na Rua (Cuiabá/MT) 17. Coletivo Testemunho e Ação/SIG (Porto Alegre/RS) 18. Margens Clínicas (São Paulo/SP) 19. Psicanálise na Praça Roosevelt (São Paulo/SP) 20. Psicanálise no Jacarezinho (Rio de Janeiro/RJ) 21. Mutabis (São Paulo/SP) 22. Clínica Aberta Casa do Povo (São Paulo/SP)


Somos filhos da época e a época é política. Todas as tuas, nossas, vossas coisas diurnas e noturnas, são coisas políticas. Querendo ou não querendo, teus genes têm um passado político, tua pele, um matiz político, teus olhos, um aspecto político. O que você diz tem ressonância, o que silencia tem um eco de um jeito ou de outro político. Até caminhando e cantando a canção você dá passos políticos sobre um solo político. Versos apolíticos também são políticos, e no alto a lua ilumina com um brilho já pouco lunar. Ser ou não ser, eis a questão. Qual questão, me dirão. Uma questão política. Não precisa nem mesmo ser gente para ter significado político. Basta ser petróleo bruto, ração concentrada ou matéria reciclável. Ou mesa de conferência cuja forma se discutia por meses a fio: deve-se arbitrar sobre a vida e a morte numa mesa redonda ou quadrada. Enquanto isso matavam-se os homens, morriam os animais, ardiam as casas, ficavam ermos os campos, como em épocas passadas e menos políticas. (Wislawa Szymborska)


“SOMOS FILHOS DA ÉPOCA E A ÉPOCA É POLÍTICA”


História do Coletivo A Clínica Periférica de Psicanálise está implicada com a democratização da psicanálise e o desejo de ampliar o acesso, pensando em questões ligadas a São Paulo que é geograficamente ampla e economicamente privilegiada para determinado recorte da população, e que detém principalmente nos centros as clínicas de psicanálise até mesmo as que se propõem a um modelo de clínica pública. Nasce a Clínica Periférica de Psicanálise não nestes moldes, mas com a função de fugir de um caráter messiânico e disponibilizar em suas amplitudes e nuances, com inventividade dialética aquilo constitui o que carinhosamente apelidamos de O Coletivo. A Clínica Periférica de Psicanálise surgiu em 2018, com seus integrantes ainda estudantes, cursando psicologia, porém vai constituir sua nomeação somente em 2020 em meio a pandemia de coronavírus, em um momento delicado na história do Brasil, quiçá do mundo. A orientação do grupo é psicanalítica em sua base, portanto é embasada em uma ética linguística, considerando em sua atuação/relação os preceitos fundamentais da psicanálise, mas levando também em consideração uma perspectiva social que considera as opressões vigentes no território onde atua. Falar da clínica nos implica em contar desde o início nossas motivações, no final de 2018 intensificou-se os discursos de ódio, discursos esses validados por representantes políticos, em especial um que algum tempo depois vem a se tornar o atual presidente da república. Esta crise política que fora em dado momento um certo gatilho para que o coletivo comece a se reunir, dando continuidade a ideia inicial de tornar-se um grupo de estudos. Dando um salto temporal chegamos ao início de 2020, o ano que começou com os membros da clínica, ainda recém-formados e constituindo a Clínica Periférica de Psicanálise que vemos hoje, na


contramão das vivências ao longo destes dois anos de estudos, é decido por uma dinâmica onde os sujeitos analisantes não saem do seu território para receber atendimento, mas sim a clínica se instala na margem, nesse caso em Ermelino Matarazzo, zona leste paulistana. Outro ponto importante de ressaltar é uma subversão de lógica que o coletivo propõe, pois, além de instalar-se em um território onde originalmente as clínicas não existem é decidido pelo não intermédio do dinheiro, fazendo assim com que seja possível disponibilizar o acesso da psicanálise para os que não podem custear o valor e que historicamente no Brasil é uma população que não possui acesso a análise.


Assim iniciamos uma busca por locais que conversassem com o projeto e tivessem alinhamentos políticos similares, com possibilidade de realizar atendimento na periferia. O local escolhido foi na região do Ermelino Matarazzo, mas especificamente a Ocupação Mateus Santos, um local que além de ser uma ocupação cultural, abriga consigo um histórico de lutas, militância e até mesmo conflitos com os governos responsáveis pela cidade de São Paulo, planejando-se assim, para realizar os atendimentos na Ocupação tendo como objetivo criar um espaço simbólico e ocupar o território fisicamente. A atuação da clínica foi iniciada em meados de maio de 2020, momento onde a epidemia do Coronavírus estava em alta e o isolamento social extremamente restrito, devido a isto todo projeto migrou para um modelo online. Que nos possibilitou acolher analisantes da região do Ermelino, assim como profissionais da área da saúde e assistência social e tem seu funcionamento mantido até o atual momento neste molde, porém atualmente somente com a população da região, já que devido a amplitude geográfica de São Paulo a demanda tornou-se superior a comportada pelos analistas. Outras propostas, como por exemplo grupos de estudos, mantêm-se neste mesmo formatos. Além disto, neste período realizamos uma Live que aconteceu na Ocupação Mateus Santos. compomos a semana de psicologia da Faculdade Cruzeiro do Sul. Criamos um artigo para Revista de Desenvolvimento Social (RDS), contribuindo para um dossiê sobre movimentos sociais,recebemos o convite da UNB para compor a aula aberta sobre psicanálise e os extramuros da clínica e a matéria para revista periférica Desenrola sobre movimentos sociais periféricos. Nossa história conta também com encontros importantes para toda essa elaboração, já que vivenciamos significativas trocas com outros coletivos, um dos primeiros a realizar esta abertura foi o Margens Clínicas, através de intervisões, tal qual O Mutabis. Outro coletivo, o Perifanalise que tem função interessante nesta caminhada/troca, que inclusive gerou ótimos frutos, já que em Fevereiro de 2022 foi


possível através destas materializar a Jornada das Clínicas Periféricas. E daqui pra frente nossa história está sendo construída, reconstruída e refeita em todos os sinônimos da palavra já que ser coletivo é compartilhar motivações e angústias e ainda sim trabalhar juntos para um objetivo em comum.


f​ é em Deus! ​pá-pá, pá-pá ​pá-pá, pá-pá ​tu gosta, não gosta? ​pá-pá, pá-pá ​parapapapá [​ Refrão: Djonga & Don L] ​favela venceu ​a gente num enterra, a gente planta ​a gente num ganha, a gente vence ​a gente num pede, a gente manda ​favela venceu ​a gente num curte, a gente ama ​a gente num quer, a gente tem que ​a gente merеce, a gente banca ​favеla venceu [Verso 1: Don L] ​parapapapá ​a gente é o que a gente tem que ser ​a gente é respeito, eles têm medo ​a gente é saber chegar e sair desde cedo ​eles são vacilação e nós disciplina ​eles deixam furo e nós sapatinho ​mas tá todo mundo vendo (parapapapá) ​tão acostumado a ganhar sempre ​pra gente nada é fácil nunca ​a gente num ganha, a gente vence ​a gente é comunidade junta ​a gente é mutirão em dias ruins (bora que bora!) ​bailão em dias bons ​a gente é trabalho e faculdade ​eles são coach de virgindade em meia idade (ihhh) ​(parapapapá) ​a gente é justiça, eles polícia Marielle vive, eles milícia ​a gente é milícia também ​só que zapatista (vamo que vamo, porra! prrrá!) s​ e a gente tá mec, eles tão Donald (Trump) ​do nada nós Kim Jong, hmm… ​desculpa mas tem uma bomba ​[Refrão: Djonga & Don L] ​favela venceu ​a gente num enterra a gente planta ​a gente num ganha a gente vence ​a gente num pede a gente manda ​favela venceu​

a gente num curte a gente ama ​a gente num quer a gente tem que ​a gente merece a gente banca ​parapapapá ​favela venceu ​favela venceu [Verso 2: Don L & Djonga] ​ gente é horta comunitária a ​eles condomínio dentro do shopping ​a gente é subcomandante Marcos ​eles são cabo da Rota lambendo bota (vermes) ​a gente também sabe andar de Glock (prra!) ​a gente tem banca, eles banco ​ladrão foi Colombo, é tudo nosso (parapapapá) ​a gente merece a gente banca ​nós pega a visão eles propaganda ​se quem te alimenta te controla ​ninguém quer esmola a gente planta ​quem fecha com o bonde é sangue nosso (cria!) ​quem fecha com os bota é sanguinário (otário!) ​a gente quer xota e tirar uma onda ​e eles quando num força é celibato (tão decretado!) (​parapapapá) ​temos Dina Di e Marighella ​amamos Sabota' e Milton Santos ​tamo nos salões e nas vielas ​saudamos Comandanta Ramona ​a gente é pra sempre como Cidinho & Doca no funk ​e eles em pouco tempo ninguém vai lembrar o nome ​(fé em Deus!) ​ ​[Refrão: Djonga & Don L] ​favela venceu ​a gente num enterra a gente planta ​a gente num ganha a gente vence ​a gente num pede a gente manda ​favela venceu ​a gente num curte a gente ama ​a gente num quer a gente tem que ​a gente merece a gente banca ​favela venceu ​a gente num enterra a gente planta ​a gente num ganha a gente vence ​a gente num pede a gente manda ​favela venceu ​a gente num curte a gente ama ​a gente num quer a gente tem que ​a gente merece a gente banca

[Letra de "favela venceu / citação: Rap das Armas (MC Junior / MC Leonardo)" com Don L & Djonga]


Apresentação membros do coletivo João Sales, nascido e criado no bairro do Jardim São Carlos, localizado na Zona Leste de São Paulo, é graduado em Psicologia pela FMU e Psicanalista Periférico em constante formação. É um dos membros fundadores da Clínica Periférica de Psicanálise em 2018, trabalhador da Assistência Social e militante do SUS. Pesquisa a história da Psicanálise no Brasil e a descentralização da clínica, com foco na intersecção entre o campo político e o clínico. Entusiasta da cultura popular brasileira, especialmente o rap, o samba e o cinema, que influenciam diretamente na sua formação enquanto psicanalista.

Paloma Silva, 27 anos, nascida em Mauá- SP, desde a adolescência sempre foi envolvida com atividades culturais e até mesmo Grêmios estudantis, inclusive sendo membro por um período da UMES. Em 2015, deu início a graduação de Psicologia pela FMU encerrando o curso em 2019, neste período deu início a sua composição no coletivo de psicanálise, que era um interesse desde sua graduação onde conheceu a psicanálise mais profundamente. Além disso é menbra do Núcleo de Pesquisa em Clínicas Públicas pelo Instituto Gerar. Atualmente tem sua atuação voltada para Clínica Periférica de Psicanálise e o projeto Tamapsi que também é voltado para o atendimento a custo acessível. É psicóloga clínica e trabalhadora da saúde suplementar.


Pablo Godoi, 27 anos. nascido em São Roque, interior paulista por falta de capacidade do hospital da cidade natal, que é EmbuGuaçu, SP. Aos 10 anos mudou-se para a capital de São Paulo, com sua mãe e irmã, onde foram possíveis mais acessos às fontes de estudos, informações e diversidade cultural A adolescência e início da vida adulta foram marcadas por trabalhos voluntários, regime CLT e estudos. O caminho na psicologia começou aos 20 anos (2015), com o curso que se encerrou em 2019. O interesse pela psicanálise começou ainda durante a graduação, quando na mesma época formou-se o grupo que em 2020 fundaria o Coletivo Periférico de Psicanálise. Hoje Pablo é participante do Coletivo como Psicanalista, exerce também a profissão de psicólogo como coordenador em Centro de Acolhimento ao Deficiente Visual, e trabalha como analista de suporte, em uma empresa de monitoramento de banco de dados. Marília Magalhães, 27 anos, é Psicanalista, de Curitiba-PR, sapatão não-binárie, considera o campo analítico em torno das interseccionalidades de raça, gênero e classe, pesquisa branquitude e a noção do falo pelo PSILACS, faz especialização em Psicanálise e relações de gênero: ética, clínica e política, faz parte do coletivo de psicanálise periférica, e investiga a cisgeneridade como forma de contribuir para a decolonização da psicanálise, e produz música nas horas vagas.


Linnikar Glória de Castro Lima, é de Ijaci - Minas Gerais.Começou sua graduação em Psicologia em 2016/1 e concluiu em 2020/2 no Centro universitário de Lavras (UNILAVRAS) através do FIES - Fundo De Financiamento Estudantil. Estuda Psicanálise desde o início da graduação, é participante do Núcleo de Estudos vinculado a escola Laço Analítico, desde 2018. Atualmente é mestranda na UFMG na linha de estudos Psicanalíticos de PPGPSI. Iniciou seus trabalhos no coletivo Psicanálise Periférica em 2021, durante a pandemia da COVID e na modalidade online. Também sou cantora e poetisa, tenho duas poesias publicadas nos seguintes livros de Antologia Poética: “POESIS 2019 - concurso literário Brasil Novos Poetas” e ”Antologia de escritoras locais - Capim Limão Editora, 2021”. Como cantora faço parte de uma dupla que se chama “Uai, Sô!”, e temos um projeto em banda com o mesmo nome, tocamos Bossa Nova, Samba, Baião, Jazz Brasileiro e Choro.


História do bairro Ermelino Matarazzo

Segundo moradores mais antigos e pesquisas realizadas nos Arquivos Municipal e Estadual, os primeiros habitantes destas terras foram os Índios Guaianazes os quais viviam à margem esquerda do Rio Tietê, a chamada região do Ururaí - Tupi Guarani, Largato D’água ou Planalto de Baquirivu, terras doadas por carta de sesmaria datada 12 de outubro de 1580. Por volta do ano de 1600, foi criada a Aldeia de São Miguel Arcanjo com a capela do mesmo nome (Capela construída pelos Índios sob o comando dos Jesuítas) e reconstruída sob os encargos de João Álvares e Fernão Munhoz em 16 de junho de 1622. Com a chegada dos brancos e a colonização, São Miguel Arcanjo, ou Aldeia de Ururaí como era chamado, tem sua data oficial de fundação dia 21 de setembro de 1622. A expansão urbana da cidade de São Paulo, no início do século XX proporcionou a criação de bairros mais distantes do centro da capital. As antigas fazendas e chácaras sofreram um processo de loteamento, surgiram novos bairros ou adensaram aos mais antigos. A valorização da área central da cidade e o aceleramento dos loteamentos na região suburbana acabaram por expulsar a classe trabalhadora de menor poder aquisitivo para o subúrbio. O dia em que o trem chegou a Ermelino Matarazzo, na Zona Leste, 7 de fevereiro de 1926, marcou para sempre a história da região. Em virtude disso, a data de hoje foi escolhida para celebrar oficialmente o ‘Dia de Ermelino Matarazzo’.


Atualmente o perfil da região vem se transformando muito principalmente depois do processo de industrialização da região, passando a receber uma grande massa de trabalhadores. O bairro é caracterizado por uma região relativamente carente de empregos, saúde e educação. O que gera até hoje uma reivindicação da população do Ermelino por coberturas especializadas e que possam ampliar principalmente o acesso às questões de saúde. Apesar da problemática, um aspecto importante do Ermelino que pode ser exaltado é o movimento cultural intenso articulado pela Ocupação Mateus Santos,que abriga em sua estrutura diversos coletivos que trabalham artes, esporte, cultura e estudos principalmente para os jovens. Além de vários outros grupos, que se organizam no bairro a fim de suprirem a carência da população com relação ao conteúdo cultural e artístico, que muitas vezes se concentra no centro da cidade. Transformando o bairro em um grande centro cultural, com enorme potencial de crescimento.



História da Ocupação

A Ocupação Cultural de Ermelino Matarazzo é um movimento de ocupação de atividades culturais em um prédio público inativo e desativado há décadas. O movimento é proposto por agentes, coletivos e grupos culturais do bairro e de várias regiões de São Paulo, tendo como objetivo principal concretizar neste local a futura Casa de Cultura de Ermelino Matarazzo e Ponte Rasa, sendo esta também administrada por um conselho popular. No início com auxílio da subprefeitura de Ermelino e com o trabalho de muitas mãos de coletivos que assumem esta tarefa que com pouco mais de um mês conseguem sanar os problemas do prédio, ali constituiu-se os primeiros passos desse movimento. Algum tempo depois já na Gestão do Haddad, que passa a se posicionar


com uma postura de falta de diálogo e boicotes às ações culturais. Destacamos que as ações e atividades relacionadas à Ocupação Cultural, estão sendo desenvolvidas de forma autônoma e independente, não sendo financiada ou guiada por qualquer partido político ou gestão governamental. O movimento proporciona cultura através de aulas de música (instrumentos musicais como violão, baixo, pandeiro), skate, capoeira, cursinho popular, libras, ensaio de bandas, oficina de break, eventos musicais (quebrada instrumental, slam fluxo, recortando beats, batalha ocupa, Cia canto de Omiô), cinema, dança, parkour. Local: Av. Paranaguá, 1633 (antigo prédio da Subprefeitura) Coletivos, Grupos e Agentes envolvidos Neste Movimento: Coletivo “Muros Que Gritam …”; Slam da Guilhermina - Batalha de poesias; Deejay Neoum; Grupo doBalaio; Periferia invisível; Fórum de Cultura Zona Leste.



A criança é incitada a entrar na linguagem para vir a existir como sujeito da linguagem, fazendo a escolha forçada entre o prazer e a linguagem, entre o princípio do prazer e o princípio da realidade. Se constituir é se compor, como um quebra-cabeça, peça por peça, fragmento por fragmento, fazendo borda e compondo um corpo, um ser, um sujeito a vir-à-ser. Compor também envolve a arte, em que se cria o Um, como um traço, uma letra, uma melodia. Ainda que digam que nada se cria, mas tudo se transforma, é possível criar, desconstruindo o que um dia foi criado como seu, como seu eu.

Affonso Romano de Sant’Anna Ferreira Gullar


Fundamentos teóricos

Partindo da intersecção entre psicanálise e teorias sociais, especificamente autoras e autores que buscaram construir um pensamento epistemológico abrasileireirado, o Psicanálise Periférica fundamenta-se na elaboração de uma clínica psicanalítica que levese em conta os marcadores sociais, como classe, gênero e raça, que estão estritamente ligados na constituição subjetiva de uma pessoa. Escolher restringir os atendimentos somente para pessoas que residem na periferia, leva o coletivo a pensar que tipo de sofrimento é aquele que escutamos. Tem-se como base então, que o capitalismo é gerador do sofrimento psíquico, principalmente daqueles que são oprimidos e excluídos socialmente. As condições materiais, econômicas e psíquicas são totalmente diferentes em comparação com uma pessoa que reside em uma região mais abastada da cidade. Essa intersecção entre classe, raça e gênero, leva o coletivo a leitura de autoras como Lélia Gonzalez e Neusa dos Santos Souza, que através de seus textos buscam mostrar como é a racialização no Brasil. Além dessas autoras citadas, faz-se necessário apontar a importância de pessoas como Paul Preciado na discussão sobre os gêneros dissidentes, discussão esta que muitas vezes dentro do campo psicanalítico tem um manejo preconceituoso e excludente. Também vale ressaltar as teorias psicanalíticas brasileiras que


foram construídas ao longo da história. Os coletivos de clínicas públicas e periféricas também são referências teóricas fundamentais para pensar a Psicanálise Periférica. Coletivos como Margens Clínicas e PerifAnálise servem de inspiração e teorização das práticas existentes na Clínica Periférica de Psicanálise. Em resumo, temos dois pontos fundamentais na proposta teórica do Psicanálise Periférica: a criação de uma clínica periférica de psicanálise que tem como recorte de classe o atendimento aos periféricos do bairro do Ermelino Matarazzo; a construção de uma prática psicanalítica periférica, democrática e anticapitalista, que possa ampliar o acesso de pessoas interessadas na psicanálise e a elaboração desta em solo brasileiro.


Até Me Emocionei - Criolo Então, pra falar do que sinto cantei Cantei, me expus e até me emocionei (2x) É uma década, de várias A gente tarda mas não falha O pulso ainda pulsa, o coração ainda bate se emociona Quando eu vejo a filha do filho da dona Ana Felicidade, essa eu comparo O valor de uma vida é o valor do meu trabalho E o resultado, é inexplicável Rei Do Hip-hop não existe rei O suor, o sufoco, HÁ, inevitável E eu não fiz o rap mas o rap foi que me fez Mas tudo tem o seu pagamento Eu to falando Viver em harmonia, vai vendo Daquele que até a respiração sai rimando Vô na cadeia, no Morumbi Dá vontade de chorar me emociono não tem como Tocar na favela, pra eu ficar feliz Desperdício de talento feito água que foge do cano O beijo, o abraço, o carinho e a atenção Quem fez o buraco? Eu não sei mas o rap vai consertando O valor, o respeito pra minha nação Se fosse pra dar as mãos, AHAM, daria os manos Para os irmãos fica meu comprimento A cara a tapa pela paz vários lutando Que a coragem, seja seu sustento Isso aqui é um bolo grande fermento que vão jogando Para as garotas que estão no dia-a-dia Confeito sem sabor, tem rapper se equivocando Não abaixe a cabeça e nunca desista É num rosto, uma roupa, num glamour que não existe O rap na história por muitas vezes com final crise Se depender, da minha voz Amor que a gente dá nunca recebe do mesmo duvide Você nunca estará só, só, só, só, só.. Que já vi mulher feita se abrir por uma boneca da Hello Kitty Até então, muito obrigado Entenda o meu recado (5

Não tem como ser diferente Porque arte é arte, dor é alegria presente O homem é um animal que está sempre em conflito com a mente E pra quem é muito louco até o ardor do sol surpreende Pra falar do que sinto cantei Cantei me expus e até me emocionei Um microfone, um palco num momento de lucidez Se deus te deu o dom se cresce não mano...(hahaha) É que cê tá devendo por três Refrão Então pra falar do que sinto cantei Cantei me expus e até me emocionei (3x) Um microfone, um palco num momento de lucidez (roba a cena) Porque você não forja um MC.. Você nasce um MC Eu queria poder é fazer pra ti, coisas assim que lhe façam feliz Poder viajar a hora que quiser.. só pra te ver feliz Eu queria poder é fazer pra ti, coisas assim que lhe façam feliz Se viajasse o mundo inteiro iria perceber... que meu lugar é com você Eu queria poder é fazer pra ti, coisas assim que lhe façam feliz... Só pra te ver sorrir...


Fundamentos Clínicos Tecer sobre a clínica na contemporaneidade é pensar nas novas subjetividades que a permeiam, ao invés de recorrer aos pais da psicanálise como sempre fazemos, podendo atualizar e considerar o que Lacan (1953) pontuava, alcançar a subjetividade de nosso tempo e sermos críticos nós mesmos. Para isso, é preciso considerar a psicanálise nos seus contornos, nas suas bordas e nos seus limites, como traz Joel Birman (2011) em Borda e dobra em psicanálise: sobre o limite na experiência psicanalítica. Tendo em vista que existem as psicanálises hoje. O que se escuta na clínica ainda é o sujeito do inconsciente, atravessado pela linguagem e pelo significante, entretanto reconhecemos que existe um limite no meio disso tudo, ao passo de que esse sujeito é atravessado pelos aspectos sociais, ou seja, pela raça, pelo gênero e pela classe. A possibilidade de escutar esses sujeitos na clínica é um marco da abertura e atravessamento das fronteiras que a psicanálise permite fazer. Enquanto que, referências marcadas por sua origem, clássica e hegemônica vão sendo distinguidas, problematizando analistas que custam a sair desse lugar, que é estrutural dentro das opressões que permeiam a clínica, que justificam suas desconsiderações em torno das novas subjetividades por não existir essas questões na sua época, datando mais de um século.


Sobre isso, me refiro a um texto produzido recentemente, intitulado Dócil ao trans, de ninguém menos que Jacques-Alain Miller (2021), no qual descreve “A crise trans está sobre nós. Os trans estão em transe (façamo-la de uma vez, ela era esperada) (p. 1).” Ele mesmo brinca, faz trocadilhos e reconhece a importância do tema e que seria ‘indecência’ brincar com esse tipo de coisa. Essa foi a reação depois de receber Paul Preciado no evento da Causa Freudiana em Paris, em 2019, onde Miller é um dos fundadores.

Falamos aqui de um dos mais influentes no freudolacanismo, que foi escolhido para editar e lançar o restante das obras que Lacan deixou. Ele acusa inclusive o Lacan de abuso de autoridade, e se põe em comparação com as pessoas trans, se colocando como vítima também. Não gostaria de me deter aqui, até porque, como coloquei antes, precisamos reconhecer nossos limites a partir do fazer analítico, podendo ultrapassar esses modelos teóricos clássicos do dispositivo analítico. Logo, o que resta é apontar esses discursos de analistas que ainda não estão preparados para assumir o limite do campo analítico e suas mudanças epistemológicas, se prendendo à cisnormatividade patriarcal como traz Preciado na sua intervenção em Paris de 2019.


Há algo em que ressoa desses modelos teóricos em vista dessas novas subjetividades de nossa época, na qual se distancia o que é de ordem político social e de ordem psíquica, como se as opressões sociais não abrangessem o psiquismo. Para isso, a Isildinha Nogueira descreve no livro A cor do inconsciente (2021) sobre o racismo estrutural que atravessa não apenas sociologicamente, mas psiquicamente também as pessoas negras, pensando além da luta político-social, tratando de evidenciar a subjetividade da pessoa negra, a partir da dimensão de sua vivência psíquica, de um trauma psíquico.

Pensando ainda nas interseccionalidades, entre raça, gênero e classe, Isildinha contribui para abranger o que é classe, considerando a constituição do indivíduo na sociedade: “o termo classe identifica os grandes grupos humanos que lutam e se relacionam entre si para a produção do sustento próprio, criando relações de dominação, apropriando-se do excedente gerado para além do mínimo necessário para a subsistência” (p.50). Considerar a classe para uma escuta analítica é o que se pretende num coletivo de psicanálise periférica, onde existe a identificação do analisando nesse espaço, e com o analista periférico, pagando as sessões através da sua luta de classes, pela sua produção de sustento, ao sustentar o seu desejo enquanto sujeito, e não só, enquanto indivíduo, ser social, cidadã, pessoa que luta pelos seus direitos à vida. Com isso, se rompe com a base hegemônica que existe da psicanálise, descentralizando-a?


Contudo, consideramos que o objetivo da análise estaria em torno de uma economia libidinal, no qual se põe em jogo o desejo do sujeito em estar ali, cutucando sua ferida narcísica para que compreenda acerca do seu funcionamento psíquico, o seu inconsciente, em busca de administrar sua economia em torno do seu gozo, sabendo que há uma busca incessante em torno de uma satisfação da pulsão, mas que por si só, é sempre não-toda, tentando assim sofrer menos, gozar menos, e gozar da vida.


Sempre fui sonhador, é isso que me mantém vivo Quando pivete, meu sonho era ser jogador de futebol Vai vendo! Mas o sistema limita nossa vida de tal forma E tive que fazer minha escolha, sonhar ou sobreviver Os anos se passaram e eu fui me esquivando do círculo vicioso Porém o capitalismo me obrigou a ser bem sucedido Acredito que o sonho de todo pobre, é ser rico Em busca do meu sonho de consumo Procurei dar uma solução rápida e fácil pros meus problemas O crime Mas é um dinheiro amaldiçoado Quanto mais eu ganhava, mais eu gastava Logo fui cobrado pela lei da natureza Vish, catorze anos de reclusão O barato é louco, ó É necessário sempre acreditar que o sonho é possível Que o céu é o limite e você, truta, é imbatível Que o tempo ruim vai passar, é só uma fase Que o sofrimento alimenta mais a sua coragem Que a sua família precisa de você Lado a lado se ganhar pra te apoiar se perder Falo do amor entre homem, filho e mulher A única verdade universal que mantém a fé Olhe as crianças que é o futuro e a esperança Que ainda não conhece, não sente o que é ódio e ganância Eu vejo o rico que teme perder a fortuna Enquanto o mano desempregado, viciado, se afunda Falo do enfermo (irmão) falo do são (então) Falo da rua que pra esse louco mundão Que o caminho da cura pode ser a doença

Que o caminho do perdão às vezes é a sentença Desavença, treta e falsa união A ambição é como um véu que cega os irmãos Que nem um carro guiado na estrada da vida Sem farol no deserto das trevas perdidas Eu fui orgia, ébrio, louco, mas hoje ando sóbrio Guardo o revolver enquanto você me fala em ódio Eu vejo o corpo, a mente, a alma, o espírito Ouço o refém e o tio que diz lá no canto lírico Falo do cérebro e do coração Vejo egoísmo, preconceito de irmão para irmão A vida não é o problema, é batalha, desafio Cada obstáculo é uma lição, eu anuncio É isso aí você não pode parar Esperar o tempo ruim vir te abraçar Acreditar que sonhar sempre é preciso É o que mantém os irmãos vivos… (Racionais MC’s - A vida é desafio)


QUE A PERIFERIA POSSA SER O QUE ELA QUISER. QUE OS SONHOS SE MANTENHAM VIVOS. Paloma Silva


O que se inventa A descentralização da clínica dos centros urbanos e o recorte de classe na atuação do coletivo são as principais invenções que o Psicanálise Periférica propõe em suas práticas. A escolha por atender em um território periférico, o corpo clínico e os participantes também serem das periferias (seja da cidade ou da sociedade), resulta em um outro modo de acesso à escuta psicanalítica e elaboração de sua teoria. A interseccionalidade entre a epistemologia da psicanálise e teorias sociais permite que se pense o sofrimento psíquico enlaçado com os sofrimentos sociais. A política, a sociedade e as opressões adentram a clínica através do discurso dos pacientes que chegam ao coletivo. Essa interseccionalidade entre a dimensão social e singular do sofrimento tem como horizonte elaborar uma clínica que não responsabilize o sujeito pelo seu sintoma, mas sim que ele possa reconhecer, olhar e perceber as articulações da sua fala (e do seu sofrimento) com sua história e seus traumas, possibilitando deste modo, uma subversão da posição que o sujeito acaba ocupando na sociedade. Faz-se importante pontuar que mesmo com esse recorte de classe e limite territorial da atuação do coletivo, as sessões de análise não tem como objetivo uma espécie de empoderamento ou autoconhecimento, seja de raça, classe ou gênero. A clínica ainda fundamenta-se primordial na base psicanalítica da associação livre, então o que será trabalhado em análise é aquilo que a(o) analisante trouxer como conteúdo analítico. Ter como objetivo uma clínica do empoderamento traz como consequência a idealização de um sujeito periférico e assim sendo a criação de uma imagem de como este sujeito deve desejar e se posicionar no mundo.


Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravanha. Usar algumas palavras que ainda não tenha idioma. Manoel de Barros


Nossas novidades ou especificidades No coletivo Psicanálise Periférica o que se inventa e específica nossa práxis, são os modos de acesso à escuta psicanalítica, mesmo que outros coletivos também atendam gratuitamente, criamos esse acesso à nosso modo. E ao modo de cada um e uma que são escutades, seja na relação ume a ume na clínica, ou nos efeitos que cada atendimento, analisando e analisanda trazem ao coletivo. Nossa práxis foi construída a partir da clínica, embasando nela e tirando sustento dela, na aposta ao sujeito do inconsciente. O coletivo não aceita pagamento, investimento financeiro das pessoas atendidas, a clínica é o único lugar onde o dinheiro não opera em nossa prática. Ali, é um espaço que pagamento ou investimento são efeitos da análise, e é na análise que trabalhamos com cada analisande seu modo de investir na análise, e o modo não vêm das ou dos analistas, mas da e do analisande. Pensamos na clínica como o espaço em que todes são aceitos do seu modo, é o lugar que aponta para o singular, e um ponto singular que possibilitamos, é que as pessoas periféricas, dentro do recorte territorial que oferecemos atendimentos, elas podem ser aceitas a seu modo e no como podem estar ali. A possibilidade de encontrar um lugar que possamos estar como sujeites, é uma possibilidade que abre ao singular. E quais são esses modos de investimento que estamos colocando como singulares, como formas de pagamento, ao modo de cada ume? A própria conta de internet pode ser colocada como forma de pagar pelo atendimento, pois quando pensamos num Brasil, 2022 maior crise econômica, onde comer, pagar contas, morar, sonhar, têm se tornado fardos impensáveis. Viver a beira da incerteza, da possibilidade de não conseguir subsistência, uma simples conta em nosso imaginário, pode ser um pagamento de análise ou investimento. Pois, como em cada análise o processo é singular, o modo de pagar ou investir também é.


Então, para algumas pessoas que atendemos, isso serviria como pagamento. Em outros casos, ir até a ocupação Matheus Santos para ser atendide, também pode ser um pagamento, pegar metrô, ônibus, ou ir a pé, tirar um tempo para ir até a análise, em investir no processo de sair de casa, encontrar a cidade, muitas das vezes se deixar ser atravessade por ela, e levar isso até a análise, é pagamento ou investimento.


Nossas novidades ou especificidades Outros modos que aparecem, pequenos exemplos, é a questão da classe econômica, do território, de como essa pessoa vive o território, de quais são os espaços que ela pode ser aceita, ou pode ter a chance de poder ser aceita, como isso a subjetiva, e o que isso quer nos dizer, e isso só é possível de escutar na relação clínica. Outra questão é que o coletivo a partir dos movimentos dos atendimentos e dos efeitos, viu a necessidade clínica, de usar de instrumentos “extra clínicos”, o que seria isso? Não é fora da clínica, ou que extraclínico relacione a conteúdos a mais, fora do setting clínico, mas são ferramentas, pensamos numa espécie de “caixinha de ferramentas clínicas” para operadores clínicos. Numa clínica periférica, lidamos com questões como: de onde e como vêm as e os analisandes? O que fez com que se transferissem com o coletivo? Fazemos uso de filmes, músicas, livros, e às vezes até se preciso explicar algum conceito da psicanálise, se nós entendemos porque alguém não poderia em efeito na análise? Mas colocamos isso não como explicação de algo, ou no lugar do saber, mas pontuando em momentos que a pessoa traz isso a análise como intervenção. Depende de cada situação para pensarmos num operador que trabalhe com pessoa a questão que ela trouxe, um filme por exemplo pode trazer elementos de cenas de racismo que essa pessoa passou, a marcou, mas que ela ainda não consegue reconhecer como racismo, ou como traumático, tido às vezes no olhar de “normalidade”, e isso causar efeitos clínicos e subjetivos. O uso da linguagem artística faz diálogo direto com a cultura periférica, e como produtora de novas nomeações para direção do tratamento nos tem ofertado muito campo, alguns exemplos: Indicação de poema - onde foi indicado a leitura de “E agora José?” de Carlos Drummond de Andrade, após uma sessão onde a demanda trazia proximidade com enredo da obra


Abertura para escrita de cartas, com dizeres que insistiam em permanecer difíceis de expressar, mesmo na relação analítica Indicação de espaços públicos, culturais e diálogos sobre o território e suas interfaces de pertencimento, quando estes estavam para análise apresentados como elementos de transferência


Nas circunstâncias as quais vivemos, Sobrevivemos, "problemas que afetam o povo da periferia" O que se passa pela sua cabeça Quando se está desempregado, seus filhos passando fome, uma grande família E a necessidade pede, você põe na mira Pessoas que não tem nada a ver com o seu cotidiano de vida normal Lá se foi um dia, Nasce o outro então Snj como sempre visa tudo Um homem decadente, Parado em meio ao tempo Sem nenhum propósito de progresso consigo mesmo Esta só, esta só, você está só, Odiado pela maioria das Pessoas Vindo de má conduta, sem nenhum objetivo A sua mente pequena queimando por dentro, queima, queima, Eu lamento, só que não te entendo, Você anda tomando várias atitudes que não convêm E desde do o então o seu cotidiano de vida é anormal Se tu lutas, Tu conquistas, é tipo assim se tu lutas, Tu conquistas, é tipo essas Se tu lutas, tu conquistas, Vai vendo Povo brasileiro, sofredor, bom exemplo. (SNJ - Se tu lutas, Tu conquistas)


A FAVELA É UNIÃO

A FAVELA É TUDO NO GRAU

A FAVELA É POTÊNCIA

A FAVELA É CULTURA

A FAVELA É A MODA

A FAVELA É NOIS


Rotina e Prática O cotidiano do analista periférico é construído a partir de várias interfaces, entre as quais estão sua causa militante - que envolve seu trabalho enquanto analista dentro território -, o cenário geopolítico onde se propõe a atuar, e pode-se destacar suas necessidades fundamentais de sobrevivência - que são em síntese suas relações pessoais e seus vínculos provedores de rendas complementares. O que por vezes significa jornadas duplas ou triplas (diariamente), implicando pouco ou nenhum espaço de ócio em seus dias. Assim posto, é importante salientar que em algum nível, não se trata de uma escolha simples à aderência ao estilo de vida relatado, o analista periférico no recorte que aqui está sendo apresentado, foi formado pela margem, convivendo com o cerceamento de direitos em sua constituição como sujeito e sua posição política frente a está questão é subversiva, por luta, o que significa que sua atuação é consequência desses enlaçamentos, tornando assim sua posição intrinsecamente ligada a sua forma de resistir para existir. As rotinas destes analistas passam em primeiro plano por constituir uma agenda que lhe garanta posições econômicas de existência, vivendo com o paradoxo da luta de classes pautada em sua escolhas, onde se considera nas oportunidades de trabalho - o empregador e sua posições políticas - o que não necessariamente significa privar-se estar a cargo destes, pois o direito de escolha não é uma constante para sujeitos periféricos. Em segundo plano, as rotinas são construídas a partir de enlaçamentos com os iguais, que são feitos pelos mais variados meios de comunicação desta época, esses vínculos são fontes criativas de discussões para elaboração da prática e da teoria dessa psicanálise que vem se ressignificando em sua sua ocupação na e com a periferia/margens. À prática de psicanalistas periféricos em seu território é inscrita pela invenção através da intervenção, ainda distante de bordas que possam preencher todas as interrogações feitas pelos pares centrais


e mais ortodoxos, a teoria em discussão emergiu para causar furos em impossibilidades que antes pareciam se perpetuar, no entanto, com a grande escalada no volume de coletivos marginais e com todo espaço que esses passaram a ocupar também no cenário da transmissão da psicanálise a função deixa aos poucos de ser paliativa e ganha caráter de subversão.


Desta subversão, neste tópico cabe ressaltar o que à nortea, pois está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento destes analistas, que se formam e ajudam a formar outros pares em seus territórios. O fazer é pautado em não centralizar suas ações (no sentido territorial), também na busca por promover leituras marginais, daqueles que produzem a partir do mesmo ponto geopolítico. Além disso, nega-se o caráter privado presente na maior parte do centro escolares funcionando em capitais, busca-se a horizontalização de relações como promotora do sentido coletivo, conceito este que ainda está a voltas de conseguir ganhar uma conceituação que contemple o que é buscado, e nesta precariedade de sustentação está exatamente a essência deste movimento, que é fazer da falta de alicerce terreno de maior expansão, sem diretrizes que possam fazer tropeçar nos mesmos erros que hoje apontam como excludentes.


Alguém pode me ouvir? Será que alguém pode me ver? Alguém por acaso sabe que estou pairando sobre as ruas dessa cidade vazia, mas cheia de pessoas livres e presas em seus próprios mundos, alguém vê que eu estou aqui, buscando uma gota de esperança em cada pedaço de vidro quebrado. Paloma Silva


Atos, Casos e Efeitos da Clínica Atender gratuitamente em nosso coletivo se coloca como ato político, pois no discurso e na prática psicanalítica nos deparamos sempre com a questão fundamental do dinheiro como operador clínico. Paga-se para não dever o analista, paga-se com o sintoma, com o desejo, paga-se com a falta, paga para não dever ao sintoma, há inúmeras formas de pagamentos na clínica, cada uma articulada a singularidade de cada pessoa analisada e na singularidade da transferência. Podemos pensar que a posição de não recebermos enquanto analistas numa clínica pública, periférica, num coletivo de psicanálise é um tanto curiosa, e porque não assustadora? Já que vivemos num sistema capitalista que nos demanda trabalhar por dinheiro, e como foi colocado, a rotina de analistas periféricos não permite muitas das vezes que possamos ter tempo para deixar nosso desejo passar pelo coletivo, para apostar nos atendimentos gratuitos, mas seguimos arrumando tempo e modos de estar, e fazer a clínica periférica acontecer. Pois, acreditamos na questão do investimento, a palavra pagamento traz consigo o lugar de dívida face ao outro, e parece que sempre estamos nessa posição frente ao discurso. O que trabalhamos enquanto ato político é nossa aposta em escutar na territorialidade modos que rompam com essa gramática e posição da periferia no simbólico, de estar dentro de um paradigma da ausência, como aquilo que deu errado, como aquilo que fracassou, sem passar pela possibilidade de colocar as potências da periferia em questão. Falar da sua cotidianidade, suas contradições, elas são afetadas pela violência, não são violentas, há vida pulsante, saber, singularidade, tem dor, mas tem dignidade. A escuta passa por essas vias, como a pessoa vive o bairro, como ela vive a cidade, e as instituições. O que o território subjetiva nesse sujeito, e o que o sujeito exterioriza como resposta, como posição subjetiva, são linhas


invisíveis que emaranham corpos-afetações-discursos que marca a subjetivação do sujeito. É como Freud coloca na abertura do texto “Psicologia das Massas e análise do eu” (1921) que: o singular remonta ao coletivo e vice e versa.

Atos, Casos e Efeitos da Clínica Rompemos com essa gramática, e estamos em busca de outros olhares e posições na clínica que marquem a possibilidade de não operar com o dinheiro como forma de investimento, buscamos escutar a presença de outros operadores que podem fazer essa mesma função, a de sentir que estamos pagando, ou investindo no nosso desejo. Por isso temos como posição de escuta o recorte de classe, como marcador na nossa práxis. Pensamos que uma pessoa periférica, trazendo as questões colocadas acima, da dívida inefável diante do Outro, e podemos oferecer pelos menos na clínica, na escuta, um lugar que a pessoa possa investir no seu desejo de outra forma, que não mediado pelo dinheiro. O dinheiro como moeda de troca, é um aprisionador de possibilidades, de saídas, e acaba que no laço social a culpa recai sobre o sujeito que não soube o como (ter) disso, num discurso neoliberal. O que produzimos é a possibilidade de alguém ser aceito às suas próprias possibilidades, um lugar que o dinheiro não faça barreira ao desejo desse sujeito. Mas e nosso desejo enquanto analistas, não precisamos de dinheiro para sobreviver, apostas e investir no coletivo? Bem, nós construímos outras formas coletivas de pensar o dinheiro no coletivo, e deixá-lo circular sobre, essa questão é muito presente e importante de ser discutida e pensada nas nos coletivos de psicanálise periférica, às margens, e com isso, com o movimento dos próprios coletivos, supervisões institucionais, e de caso, reuniões do coletivo, pensamos em algumas possibilidades, pois isso que fazemos


é trabalho, não é caridade, nem coisa beneficente, nenhum desses significantes, como disse é trabalho, aposta e não cobrar na relação clínica é ato político. Pensamos então em possibilidades de recebermos por nosso trabalho, aceitamos pagamentos através de nossas palestras, eventos, convites de instituições e etc; existe a possibilidade de editais diversos que os coletivos podem submeter. Indicamos pacientes uns aos outros, como uma rede que se fortalece com a força que outro vão criando, e isso vai produzindo um movimento coletivo de possibilidades, e essa condição nos permite atender pessoas gratuitamente, ou seja, pessoas que possam pagar com dinheiro sustenta um lugar onde outras que não podem pagar com dinheiro também possam acessar a clínica.


Sofrimento, angústia ou desejo de viver Seja qual emerja destes corpos No campo do real é obstruído Apático Sem fundamento Produz indiferença Indiferença a morte A favela vive Sobrevive Por um mundo onde ninguém é silenciado Por uma vida de igualdade Paloma Silva


“Razoável o termo marginal Que aprendi na capital No entanto, com tal não partiria Sou caipira Nascido no Mato Seria eu ingrato negando O banho do cafezal e do canavial. A viola toca, me eterna materna. A bateria bate ao ponto que rebate Faz arder, não nego sinto ferver. O sertanejo é ensejo O resto é protesto! Aprendi tão quão um pardal Que no seu triunfal próximo salto No alto, aprende que nos nó da vida, há grande valida para o sujeito que não se sujeita a viver sem se deixar ser!” Pablo Godoi


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