Zine Clínicas de Borda 08 - Coletivo Intervenção: por uma psicanálise clínico-política

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Por uma Psicanálise Clínico-Política


Zine Clínicas de Borda Coletivo Intervenção: por uma psicanálise clinico-política Coletivo Intervenção: por uma psicanálise clinico-política, 2023 Editora n-1, 2023 ISBN: 978-65-81097-61-5

Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagem e a especificidade de cada obra publicada. COORDENAÇÃO EDITORIAL Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandes DIREÇÃO DE ARTE Ricardo Muniz Fernandes CAPA E DRIAGRAMAÇÃO Fernanda Renaux, Laura Morosin e Thata Oliveros COMITÊ EDITORIAL DA COLEÇÃO CLÍNICA DE BORDAS Andréa M C Guerra Augusto Coaracy Daniel Mondoni Marta Togni Ferreira Pedro O. Obliziner

A reprodução parcial deste livro sem fins lucrativos, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio impresso ou eletrônico, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessário a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores. 1º edição | Junho, 2023. n-1edições.org


Zine Clínicas de Borda COLEÇÃO: 1. PsiMaré (Rio de Janeiro/RJ) 2. MOVE: Movimentos Migratórios e Psicologia (Curitiba/PR) 3. ClínicAberta de Psicanálise de Santos (Santos/SP) 4. Falatrans (Juiz de Fora, UFJF/MG) 5. Ocupação Psicanalítica (Belo Horizonte/MG; Rio de Janeir/RJ; Vitória/ES; Santo Antônio de Jesus/BA) 6. Estação Psicanálise (Campinas/SP) 7. Coletivo Margem Psicanálise (Fortaleza/CE) 8. Coletivo Intervenção: por uma psicanálise clinico-política 9. Rede Sur (São Paulo/ SP) 10. Roda de escuta/grupos flutuantes LGBTQI+ (Aracajú/SE) 11. Clínica Periférica de Psicanálise (São Paulo/SP) 12. Clínica do Cuidado Belo Monte (Altamira/PA; São Paulo/SP) 13. Coletivo Psicanálise e Política e Cotidiano Refugiado (Rio de Janeiro/RJ) 14. Projeto Gradiva (Porto Alegre/RS) 15. Museu das Memórias (In)Possíveis (Porto Alegre/RS) 16. Psicanálise na Rua (Cuiabá/MT) 17. Coletivo Testemunho e Ação/SIG (Porto Alegre/RS) 18. Margens Clínicas (São Paulo/SP) 19. Psicanálise na Praça Roosevelt (São Paulo/SP) 20. Psicanálise no Jacarezinho (Rio de Janeiro/RJ) 21. Mutabis (São Paulo/SP) 22. Clínica Aberta Casa do Povo (São Paulo/SP)


Intervenção

Experiência

"o inter-esse, isso que é entre os homens. Esse estar-entre, comum a todos e portanto concernente a cada um, é o espaço no qual a vida política tem lugar" (Hannah Arendt, p.86). Em 1931, dez anos depois da publicação de Psicologia das Massas e Análise do Eu por Freud (2011), o artista

modernista Flávio de Carvalho produziu uma experiência estética que ficou conhecida como uma das primeiras performances na arte brasileira. Essa experiência, publicada posteriormente em livro (e recentemente

reeditada pela editora Nau), foi também um ato político: Carvalho colocou uma boina na cabeça e caminhou na

contracorrente de uma procissão de Corpus Christi em São Paulo. Com olhares e atitudes irreverentes, minuciosamente relatadas pelo artista em seu livro, o ato foi interrompido pela fúria da multidão que tentou linchá-lo.

“me ocorreu a ideia de fazer uma experiência, desvendar a alma dos crentes por meio de um reagente qualquer que permitisse estudar a reação nas fisionomias, nos gestos, no passo, no olhar (...) palpar psiquicamente a emoção tempestuosa da alma coletiva (...), provocar a revolta para ver alguma coisa do inconsciente.”


No livro Experiência n. 2, em que o artista faz do ato uma obra de reflexão, o texto freudiano mostra sua força de interpretação e análise. Mais ainda: ele é a inspiração para que o artista produza sua performance, buscando provocar e romper a hegemonia identificatória e alienante da massa religiosa. O trabalho do Coletivo Intervenção parte de uma inspiração semelhante, incluindo o gesto político tal como o artista. Os laços sociais podem ter a homogeneidade alienante de algumas massas movimento e ousam questionar seus ídolos - religiosos,

Acolhimento

religiosas, perseguindo e excluindo àqueles/as que se lhes opõe o científicos, morais ou outros - direta ou indiretamente. O laço de um Coletivo, por outro lado, propõe-se a incluir de saída as

diferenças, constituindo-se por respeito à heterogenia. Dispersos

e desparelhados, propõe Lacan, acerca do que se pode esperar de melhor de um grupo de psicanalistas. Operar em grupo e com grupos é, portanto, intervir com a ética da psicanálise na ordem dos discursos. Trata-se de produzir um movimento em que se ande na contramão da lógica das exclusões que somos convocados a compartilhar na Moral Sexual Civilizada de nosso tempo.

Escuta


Movimento

Nosso estudo dedica-se a recuperar uma tradição que compartilha preocupações similares. No trabalho grupal em psicanálise, conforme Recalcati (2002), se faz necessário

Clínico-político

questionar os movimentos que colocam o sujeito em uma engrenagem de produção do discurso do “mesmo” e do “eu

também”. Para isso, é fundamental notar as manifestações do inconsciente que podem emergir e produzir seus efeitos de

surpresa. Segundo o autor, o trabalho do analista consiste em

descosturar o mesmo do Um, a partir da impossibilidade do eu de governar os efeitos de sentido que se produzem no encadeamento de significantes e que ultrapassa a intencionalidade egóica. Neste sentido,

prima-se pela introdução do equívoco e dos poderes de erosão da identidade no campo do mesmo para a ruptura aleatória do homogêneo.

O trabalho com grupos pode servir de estratégia de resistência à lógica de individualização e massificação do sofrimento (Sato e cols, 2017). Nosso intuito é desenvolver um aporte teórico-metodológico do fazer clínico com grupos, a partir da noção de intervenção clínico-política, já trabalhada por Miriam Debieux Rosa (2016).


A proposta da abordagem clínico-política nos contextos de trabalho com grupos consiste em estabelecer nuances em um fluxo que vai “da massa ao enodamento de subjetividades” (Sato e cols. 2017, p. 488).

Esse Coletivo busca ampliar o campo de pesquisa em psicanálise e trabalho com grupos propondo um fazer analítico e político que aponte a singularidade na encruzilhada das subjetividades. Tendo em vista que a singularidade não é sinônimo de individualidade, podemos pensar que também grupo não necessariamente significa massa e a produção dessa diferença é fundamental para “subverter os possíveis obstáculos, transformando-os em força viva, em resistência ao discurso de um grupo social que se quer fazer hegemônico” (Sato e cols. 2017, p.484). Nossa aposta clínico-política em nossas intervenções se interessa pela

emergência de uma heterogeneidade contra-hegemônica, ou seja, não se trata apenas de enfrentar a homogeneidade e a serialização das identidades, mas perceber as rupturas que descosturam a normatividade, deslocando o sujeito do lugar do diferente.


Partilha

É preciso, no entanto, considerar, acompanhando Espinosa-Miñoso (2007), importante voz do feminismo descolonial, quando afirma que a identidade tem desempenhado um papel fundamental na formação dos movimentos sociais contemporâneos, especialmente os

Laços

feministas, LGBT’s e anti-racistas. Esses movimentos tiveram que partir de uma recuperação positiva da diferença que lhes foi atribuída e pelas quais foram excluídos. Trata-se de uma forma de desconstruir as imagens negativas que carregavam sua diferença e de se encontrar entre pares, se construir e se identificar como pertencentes a um grupo com o qual a opressão e a exclusão são partilhadas. A questão é, contudo, ainda muito mais complexa: ao fazer qualquer tentativa de análise dos movimentos e lutas emancipatórias, é necessário voltar à questão das identidades, focando o olhar no papel que estas desempenharam e suas implicações na conquista da sociedade de liberdade, justiça e respeito pela qual trabalhamos.


Intervenção 1 Intervenção psicanalítica clínico-política às demandas da população LGBTQI

Este trabalho coletivo teve início em 2020, em um momento delicado no qual estávamos descobrindo como sobreviver, trabalhar, encontrar e acolher em um contexto de pandemia de um vírus que precisava ser enfrentado com isolamento e distanciamento social. De um lado, o Grupo Pela Vidda (GPV), uma organização não governamental que historicamente trabalha no atendimento e defesa dos direitos de pessoas vivendo com HIV, estava no processo de implementação do Projeto Transvida, que tinha por objetivo se dedicar ao enfrentamento da violência e ao atendimento interdisciplinar a travestis e transexuais. O projeto teve seu

Outro

lançamento oficial em 10 de março de 2020 e na semana seguinte as atividades presenciais foram suspensas, mas as demandas por acolhimento e atendimento de pessoas

Alteridade


trans e pessoas vivendo com HIV em situação de violência ou de extrema precariedade econômica não paravam de chegar. Os dados da Antra [1] (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) revelam um aumento de violência e morte de pessoas trans com a chegada da pandemia. De outro lado, no contexto acadêmico, as Universidades que a princípio suspenderam suas atividades para avaliar o contexto sanitário, no segundo semestre de 2020 foram retomando algumas atividades, inclusive estágios e projetos de atendimento ao público, de maneira remota. Na divisão de psicologia aplicada (DPA), do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), existem várias equipes que fazem atendimento clínico voltado à população em geral.

[1] E em referência aos meses de janeiro a abril, em 2017 tivemos 58 assassinatos de pessoas trans, 63 em 2018 e 43 ocorrências em 2019. Percebemos assim o aumento de 49% nos assassinatos em relação ao mesmo período de 2019, e acima dos anos anteriores – 2017 e 2018, com 64 casos em 2020. Cabe ressaltar que todas as pessoas trans assassinadas foram travestis e mulheres transexuais. No mesmo período tivemos ainda 11 suicídios, 22 tentativas de homicídio e 21 violações de direitos humanos. Além de 6 casos de mortes relacionadas ao COVID-19. Isolando os meses de março e abril como referência para observar o período inicial da pandemia, observamos um aumento de 13% de mortes de pessoas trans, em relação ao mesmo período de 2019. Conferir em https://antrabrasil.org/category/violencia/


Resistência

Uma destas, vinculada a este Coletivo, é destinada

especificamente à comunidade LGBTQIA+, não por deter um saber específico sobre esse público, mas por entender

Liberdade

que o campo psi/psicanalítico precisa reparar-se historicamente por corroborar com a cisheteronormatividade.

Outro braço do projeto dessa equipe específica na DPA é o Projeto de extensão “Intervenção Psicanalítica clínico-política às

demandas da população LGBTQI” que estabeleceu uma parceria com o GPV, onde são desenvolvidos grupos terapêuticos. Neste

sentido, quando estudantes são selecionados para essa equipe,

entram concomitantemente em duas atividades: os atendimentos clínicos individuais e de grupos. Após a experiência dos primeiros meses de acolhimento e acompanhamento individual de pessoas transexuais e de pessoas vivendo com HIV, avaliamos que algumas demandas apresentadas poderiam ser abordadas de maneira mais rica e efetiva no processo grupal. Trabalhos com grupos faziam parte do contexto da ONG antes da pandemia, porém haviam sido suspensos, e assim o processo de atendimento remoto de grupos foi uma reinvenção que sentimos a necessidade de fazer.


Apostamos em encontros onde as imagens projetadas nas telas em suas diferenças, presenças e ausências, assim como as vozes e sons que as compõem produzem efeitos nas pessoas que participam. O objetivo dos grupos é que as pessoas se conheçam e possam abrir um portal de expansão do imaginário, sendo este um lugar construído, que não é espontâneo, nem natural, mas que implica um deslocamento que permite coabitar imagens de diversas cores e morfologias, no qual podemos inscrever novas imagens, sem jamais poder esgotar a descrição de todas as que lá se encontram. Falar em “expansão do imaginário” deriva do termo lacaniano, desenvolvido a partir da conferência O simbólico, o imaginário e o real (LACAN, 1953), que apresenta o imaginário como a instância psíquica onde se encontra um material que está para além do analisável e que possibilita a reversibilidade dos sintomas. Também, é onde se inscrevem os gatilhos que perpetuam ciclos que movem os comportamentos sexuais, ou seja, os destinos da libido. Como o imaginário pode ser expandido quando iniciamos um grupo de pessoas que não necessariamente se afirmam transexuais, mas se sentem interpeladas pela transexualidade?

Conexão

Aberta

pulsionais. No imaginário, se registram e se deslocam as imagens


Palavra

Viva Partimos da premissa de que um grupo trans, e de maneira mais

ampla, um grupo LGBT acontece pelo reconhecimento político de identidades (JESUS, 2012). Isto não implica que as pessoas que compõem o coletivo sustentem certezas acerca de sua identidade, o grupo se pretende um espaço de acolhida e escuta

de modos de existir em fluxo. Na experiência do trabalho que nos conduziu a este projeto, por meio da palavra, das imagens das câmeras ligadas ou desligadas, da poesia e do desenho, foi se construindo uma espécie de sentimento comunitário, que se tornava tecido firme para sustentar histórias marcadas por discriminações raciais e de gênero que envolviam castigos físicos, exclusões de espaços, adoecimentos e atentados à vida. Apostamos na metodologia grupal como um dispositivo que pode operar na interrogação dos mandatos do sistema sexo/gênero e suas dinâmicas de poder (VIDAL, 2015) e que essa interrogação tensiona as fronteiras da diferença, em especial a diferença sexual, permeabilizando as fronteiras do inconsciente, redesenhando poder e verdade na dinâmica coletiva. Assim, podemos dizer que investimos em uma metodologia de trabalho que propõe um caminhar interrogativo, interpretativo e coletivo na promoção de grupos para pessoas LGBT’s, promovendo debates entre pesquisadoras/es, psicanalistas e ativistas de movimentos sociais.


Deste modo, nosso coletivo envolve diferentes atores sociais que ativam redes universitárias, organizações sociais, pesquisadoras e psicanalistas. Como os encontros se davam de forma online, contamos com debates estabelecidos entre grupos de trabalho de diferentes regiões do país. As trilhas se cruzam na tessitura de uma rede de pesquisa e debates sobre identidades sexuais e identificações no trabalho de grupo em psicanálise. O compromisso é a construção de saberes coletivos localizados e contra-hegemônicos. Durante os anos de 2020 e 2021, os atendimentos foram feitos na modalidade remota, assim como os grupos, supervisões e encontros da extensão. Nos encontros de extensão, discutimos textos teóricos que faziam um diálogo entre a psicanálise e a temática da grupalidade. Também era um espaço dedicado a contar sobre como os grupos na modalidade online estavam se dando: seus impasses, desafios e potencialidades. Com o avanço da vacinação no país, pudemos modificar esse cenário, voltando gradativamente às atividades presenciais, primeiro de forma híbrida, depois totalmente ao vivo e a cores. Hoje, seja na presença fisica ou remota, é a aposta na palavra viva que seguimos sustentando.


Caros Freud e Lacan, Esta carta é in memoriam. Em respeito à memória de cada um de vocês, cuja Obra e Ensino deixaram as marcas éticas que orientam nosso fazer em psicanálise, mas também para que não esqueçamos das pessoas que partiram sentindo o golpe de marcas sociais. Suas trajetórias reverberam nas vozes daqueles que estão aqui e podem se escutar em nossa presença. Falamos das pessoas vivendo com HIV/AIDS. Cada qual ao seu modo, resguardam em comum os efeitos do estigma de “não pertencer”. Vocês não conheceram a AIDS. Lacan, você faleceu no mesmo ano em que o primeiro caso desta doença foi registrado no mundo: 1981. Algo avassalador. Apenas dois anos mais tarde a ciência isolou o vírus HIV, causador da SIDA ou AIDS, síndrome que, se não for tratada, destrói a imunidade e culmina na morte. Ela é transmitida pelo contato com sangue, leite materno ou fluidos sexuais. É, portanto, ligada a trocas entre corpos, à intimidade, ao desejo. A sexualidade encarnando algo tão estranho quanto familiar? Pois é, Freud… Além de ameaçar o organismo, a AIDS perturbou a cultura trazendo à tona práticas que, em sua maioria, só podiam existir nas sombras da moral civilizada.


O mundo se estarreceu vendo o que queria esconder: olhou a cara da morte e ela estava viva – para parafrasear um artista brilhante que foi vítima da AIDS. Trata-se de Cazuza, brasileiro como nós. Um homem jovem, como a maioria das pessoas que recebem diagnóstico positivo para o HIV. O número de pessoas que morrem com AIDS, contudo, é maior entre as mulheres negras. Estes dados são do Relatório de Monitoramento Clínico do HIV - 2021, do Ministério da Saúde brasileiro. Eles ressaltam os impactos das questões de gênero e do racismo na saúde e nas subjetividades, como já denunciava Virgínia Bicudo, mulher preta cujo protagonismo de pensamento fica esquecido por trás do que se diz sobre a psicanálise brasileira. Os efeitos da colonização racista, predatória e genocida que a América Latina compartilha, tal qual um sintoma, retorna sob novas máscaras. Mudam as classificações, persistem existindo corpos vistos como indesejáveis. No Brasil, a epidemia da AIDS foi manejada pelo Estado, inicialmente, voltada para prevenir a proliferação da doença. Até então, ela era entendida como restrita aos “grupos de risco”: homossexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis. Noutros termos, a (qualidade de) vida das pessoas com HIV não era o foco das Políticas Públicas. Coube às Organizações Não Governamentais o acolhimento e incentivo a quem vivia com AIDS e seus entes queridos.


Um exemplo pode ser observado no caso de Herbert Daniel. Em 1984, o escritor recebeu o diagnóstico de AIDS. Segundo contou, a consulta para informar o diagnóstico durou 40 segundos. Foi um encontro com a morte. Porém, saindo de lá, ele decidiu que faria disso uma luta pela vida. “Uma coisa dentro de mim, contagiosa e mortal, perigosíssima, chamada vida, lateja como desafio”, escreveu Herbert. Cinco anos mais tarde, liderou a fundação do Grupo Pela Vidda – Valorização Integração e Dignidade do Doente de AIDS. Foi o primeiro grupo brasileiro fundado por pessoas convivendo com HIV/AIDS, localizando-se na cidade do Rio de Janeiro. A ênfase à vida foi a chave para reescrever essa história quando, então, as 3 letras da dor pareciam equivaler a outras 3 letras: HIV. Lacan, em seu passeio de avião ao Japão, você descreve a função da letra e da escrita ao vislumbrar, dos céus, o ravinamento das águas sobre as planícies siberianas. A depressão no solo era como uma grafia sobre a terra. O ravinamento, como explica a geografia, tem um efeito sem causa determinada. Assim ocorre com a letra, cuja causa de sua escrita não temos notícia, mas seu efeito aponta para um destino, um caminho, uma marca. Propomos pensar assim a irrupção dessas 3 letras, HIV, que ravinaram as terras do século passado.


O que restou desse processo ainda atormenta nossos relevos. Porém, se a psicanálise opera colocando o resto no lugar de causa, talvez seja possível produzir outros olhares para essa paisagem. O diagnóstico do HIV produz uma marca que não se apaga sobre a vida, mas a escrita nunca é fixa, ela traça o caminho da grafia. Qual grafia pode então ser feita a partir dessas letras? Como sair do efeito literal de 3 letras, que produzem o significado sem limites da morte, para ir rumo ao furo que a letra pode produzir no semblante? Já percorremos importantes caminhos na atualidade. Ainda não há cura, porém, as medicações são extremamente eficientes e permitem que as pessoas que convivem com o HIV não adoeçam com AIDS e sequer transmitam o vírus – se a carga viral estiver indetectável. O Brasil vem mudando com as lutas pela Diversidade e pela garantia dos Direitos Humanos. Hoje, nossas Políticas Públicas disponibilizam tratamento medicamentoso e acompanhamento multiprofissional pelo Sistema Único de Saúde, além de facilitar o acesso ao diagnóstico e fortalecer a ideia de combinar diferentes prevenções. Mas, claro, ainda há muito a avançar. De sentença de morte à valorização da vida, há uma virada que exige muito do sujeito – se esta for a sua escolha. Freud, aprendemos com você a importância da alteridade frente ao desamparo. Bom, se ter guarida ajuda a lidar com o traumático, trabalhar com a escuta no coletivo pode constituir uma estratégia clínico-política de dar tratamento ao mal-estar. Esta é uma aposta que sustentamos com grupos de acolhimento no Grupo Pela Vidda.


Para isso, é necessário reescrever a práxis da psicanálise tendo por horizonte os desafios de nossa época, como você orientou, Lacan. Podemos assim construir, pelo ravinamento dos semblantes impostos pelo estigma, novas paisagens? Esse tem sido nosso norte no tratamento desse terreno, talvez encarando as subjetividades com um olhar de arqueólogos, como você anunciava, Freud, no texto de 1937, “Construções em análise”. Buscamos, assim, que na escritura com o HIV cada um possa, a partir destas letras, produzir a grafia de seu caminho pela VIHda. Com afeto,

Coletivo Intervenção


Intervenção 2:

Encontros de Conversa & Bordado – intervenção psicanalítica com refugiados

Eles chegam intermitentemente e por vezes aos borbotões, num fluxo que nem os guardas de fronteira, nem a imprensa, nem os governos conseguem sempre contabilizar ou mapear. A única certeza que podemos registrar é que “há motivos para essas pessoas estarem aqui”[2] não estão aqui por uma vontade súbita de fazer aquela tão sonhada viagem de férias ou uma mudança brusca/aleatória de estilo de vida experimentando viver fora do seu chão. Migram, emigram, imigram em busca de algum tipo de refúgio. Fogem da fome, da pobreza, da guerra, da perseguição política ou religiosa. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial não se via hordas tão numerosas de pessoas sendo levadas a um deslocamento como neste início de novo século. “Mais de 70,8 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar suas casas. Entre elas estão 25,9 milhões de refugiados, metade dos quais são menores de 18 anos. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), a cada minuto, 25 pessoas são deslocadas à força em decorrência de conflitos ou perseguições. A agência aponta ainda que o número de pessoas que pediram refúgio no Brasil dobrou em um ano, chegando a cerca de 80 mil novos pedidos em 2018”.[3] [2] Trecho de relato no documentário “Human Flow – não existe lar se não há para onde ir” (2017) dirigido pelo artista Ai Wei Wei.

[3] http://caritas.org.br/programas-caritas/refugiados


No Rio de Janeiro, mas também em outros cantos do país, podemos ouvir os mais variados sotaques. São sírios, afegãos, paraguaios, tunisianos, congoleses, haitianos, venezuelanos, mas já estão aprendendo a língua do lugar que os acolheu. “De onde tu és?”, é a pergunta que invariavelmente surge. Para em seguida se ver acompanhada de um receio: como será ser identificado como estrangeiro, como aquele que acredita estar falando um português fluente mas os nativos sempre desmascaram? Não ser de onde se vive, não pertencer. Como será a vivência de tal desenraizamento? Nesse percurso entre a terra que passa a ser ameaçadora e o refúgio, que no sonho mais inebriante promete ser hospitaleiro, o que essas pessoas escolhem ou conseguem trazer consigo? Na sua cultura, que materialidades, que linguagens são utilizadas para guardar a memória? Com essas perguntas na nossa bagagem, [4] Este projeto de intervenção só foi possível porque tecemos uma parceria entre o Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura (NUPPEC-eixo2/UFRGS), o Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES-Caritas RJ) e o Coletivo Intervenção (UFRJ), que nasceu ao longo da realização das ações apresentadas neste zine.

fomos tecendo ao longo dos últimos quatro anos uma rede de parcerias [4], que culminou na apresentação de uma proposta de intervenção a imigrantes ainda em trânsito na sua chegada ao Brasil.


Habito o mundo quando me esqueço que existo. De nada vale a geografia: uma outra cidade me habita. Quando vierem demolir os bairros, não encontrarão a casa que foi minha. Essa casa mora em mim. Essa ruína sou eu.

Mas como oferecer uma disponibilidade de escuta para sujeitos que não demandaram uma análise? Como inventar diferentes dispositivos de trabalho que propiciem a ampliação das condições narrativas daqueles, em sua jornada de fuga, precisam silenciar suas dores, cuidando para não fazer uma forçagem na direção do que segue indizível, nem reforçar o silenciamento? As rodas de bordado livre nos pareceram uma metodologia possível para chegar numa instituição que não é a nossa, para nos aproximar dessas pessoas.


Coletiva O convite para bordar não pressupõe o ensino da técnica,

Expansão

mas antes remete ao resgate de alguma ancestralidade do gesto –

em grande parte feminino – de fazer o movimento da agulha sobre e sob o tecido deixando os rastros desse percurso marcados na superfície. O rememorar, o colocar o corpo em movimento nesta

forma de registro pode produzir um efeito de transmissão: o bordado livre também pode ser uma forma de testemunho. Artesania, essa modalidade de intervenção não se esgota em sua execução, mas produz algo – um tecido bordado entre vários – e se vê afetada por esse fazer. Pensar

[5] A partir do segundo semestre de 2022, este projeto passou a ser um projeto de extensão universitária, acolhendo alunos de graduação do curso de Psicologia da UFRJ.

sobre essa transmissão, que se dá a partir não de uma transferência de conhecimento, mas de um não-saber que convoca à invenção, pode ser uma importante contribuição para a formação do psicanalista [5] .

As rodas de conversa e bordado se propõem como um dispositivo que só é possível pelo entre-línguas e o entre-saberes que o constituem. Não se trata, portanto, de uma intervenção elaborada na academia e pronta para ser implementada no local.


Antes, oferece uma escuta e se deixa afetar pelos efeitos que possa produzir, sendo um trabalho que se faz à medida em que acontece. A parceria com uma instituição que abriga refugiados implica uma constante conversa, a intrincada costura de uma delicada rede, que sustenta essa intervenção. Os encontros só são possíveis porque acolhem esse “espaço- entre” na cartografia deste que é um novo campo de ação a ser ainda mapeado. Há muitas experiências clínicas com imigrantes, seja em grupos terapêuticos ou em dispositivos de escuta individual, diferentes do espaço que propomos. Este não pressupõe a existência de uma demanda prévia, oferecendo o bordado como um fazer em companhia que amplia as possibilidades de uma conversa acontecer. O desenho que a experiência vai formar será aquele que seus participantes – extensionistas, refugiados, professores, psicanalistas, supervisores –, a cada encontro, puderem dar lugar e se colocar a narrar.


Quando ampliamos o que se conhece como o enquadre/o setting clássico da psicanálise em sua prática clínica, nos deixamos também tocar por zonas fronteiriças com outros campos. Tomamos emprestados da clínica psicanalítica alguns preceitos – a escuta, a ética, o sujeito –, mas principalmente assumimos uma posição de analista-pesquisador, posição esta que precisa se afirmar num deslocamento de uma posição de saber. É desde um lugar de nãosaber que algo daquele sujeito com o qual trabalhamos, enquanto protagonista-autor de sua história, pode ser escrito. As conversas com a instituição que acolhe os refugiados tiveram início em 2018, mas apenas em maio de 2020, em plena pandemia do covid-19, demos início a encontros de bordado, primeiro online, pela exigência de distanciamento, depois presencialmente, a partir de agosto do mesmo ano, sob a sombra de uma amendoeira no jardim da casa. O bordado puxava a conversa num abrigo que acolhia temporariamente refugiadas venezuelanas e seus filhos.


Travessia

Eles não haviam demandado uma escuta, então precisamos pensar como chegar de leve, e o bordado nos pareceu um bom jeito de chegar assim, oferecendo uma disponibilidade de escuta, que falassem de si ou de sua vivência de desterro, histórias certamente repetidas à exaustão desde sua partida do país de origem. Sobre o que será que gostariam de conversar então? O bordar remete a essa ancestralidade, ao gesto de se

Trajetória

uma presença constante, sem necessariamente demandar deles

reunir em torno de tecidos, linhas, agulhas, tesouras. Ainda que

outros grupos bordadeiros já existam há tempos em vários lugares [6], era uma aposta nossa este modo novo de nos lançarmos à ação. Não estávamos em nosso dispositivo clínico familiar, não eram as pessoas que viriam até nós, mas nós que nos deslocávamos – tanto no sentido geográfico, quanto no sentido do lugar que costumamos ocupar.

[6] Somos parte da Rede Hilo_fio, que reúne gente bordadeira de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul no Brasil, e também grupos uruguaios. Por isso, o nome da rede inclui este entre-línguas que define seus contornos atuais.


Será que viriam bordar conosco? Como fazer o convite? Entendemos, com Aline Bemfica, que criou outros dispositivos de escuta com imigrantes e adolescentes em situação de abrigamento, “que seria preciso suportar a oferta de uma presença que nada espera” (Bemfica, 2020, p.21). Para nossa surpresa, mulheres foram chegando, contando que avós, tias, mães bordam ou costuram, com quem aprenderam ou com quem gostariam de ter aprendido a bordar. Mulheres que não se falavam começaram a conversar a partir do bordado. Adolescentes nos contaram que, nas escolas venezuelanas, são ensinados trabalhos manuais, artesanato, marcenaria, costura.


Sonho Tão diferente daqui... A conversa rolava num portunhol e, para Acolhida Papa Francisco [7] de encontros de charla & bordado. Charla significa bate-papo em espanhol. Dos pequenos quadrados de tecido nos quais cada uma bordava sozinha, costuramos o que elas escolheram definir como uma bandeira da amizade. Quando os encontros ganharam uma certa duração, uma certa constância, tornando-se uma referência, pois aconteciam há um tempo no mesmo dia da semana e no mesmo horário, estendemos uma imensa toalha em algodão cru, para, a partir de então, passarmos a bordar numa mesma superfície compartilhada. Era uma toalha de quatro metros de comprimento, na qual convidamos mulheres e crianças a inscrever uma marca da sua passagem neste que era um pouso provisório no território-refúgio. Encontros intermitentes, conduzidos por bordadeiros que iam e vinham cartografando um dentro-fora da casa, numa alternância rítmica, constante, neste refúgio-passagem para imigrantes ainda em trânsito. Nos pareceu importante convidá-los para deixar uma memória desse tempo passado ali.

[7] Nome do abrigo mantido pelo PARES/Caritas RJ.

Imaginário

marcar esse entre-línguas, nomeamos essas rodas na Casa de


Bordaram seus nomes, pequenas orações, as bandeiras brasileira e venezuelana, carros, aviões, pistolas, navios, âncora, muitos corações e flores. Bordamos (em) um tecido comum, desenhando possibilidades de laços, jeitos de escrever memórias que talvez possam ter ajudado cada um a seguir viagem, ajudá-los a passar de um lugar para outro. Mbembe (2017, p.248) nos diz que “aprender a passar constantemente de um lugar para outro deveria ser portanto o seu projecto, uma vez que este é, de todo o modo, o seu destino. Mas passar de um lugar para outro é também tecer com cada um deles uma dupla relação de solidariedade e de desprendimento. A essa experiência de presença e de diferença, de solidariedade e de desprendimento, mas nunca de indiferença, chamemos a ética do passante. É uma ética que diz que só quando nos afastamos de um lugar temos condições para nomeá-lo e habitá-lo”.[8] [8] Mantivemos a tradução portuguesa do original em francês. Por isso, as pequenas diferenças para o nosso português.

Em dezembro de 2021, o abrigo foi fechado, e o projeto ganhou outros contornos e novo destino. Essas in(ter)venções parecem mesmo carregar essa marca de serem ações passageiras, passadoras.


Construção transitórios, o dispositivo também passa. A grande toalha do abrigo, toda bordada, agora serve de estandarte no novo pouso do bordado migrante. Iniciamos em 2022 uma nova roda, desta vez, na sede do PARES/Caritas, lugar de passagem de imigrantes e refugiados de muitos outros lugares do mundo. Até montarmos nosso novo acampamento, muitos alinhavos interinstitucionais foram necessários. Embora fosse o mesmo, já era outro projeto. Não acolheria nas bordas de sua roda apenas mulheres, crianças e adolescentes venezuelanos. Parte da nossa experiência na Casa trouxemos conosco, mas todo um novo horizonte se apresenta. Novamente nos surgem perguntas: chegamos como neste novo lugar? Como vamos nos apresentar? Começamos direto com a toalha grande? Escolhemos fazer inicialmente algumas visitas, nos deixamos ficar no pátio coberto onde pensamos em fazer os encontros, conversamos com quem nos abordou, e a partir daí pensamos em aproveitar uma mesa já encostada ali, na paredejanela que divide o pátio da varanda - sempre nas bordas. Começamos bordando o convite inicial como nome herdado da intervenção anterior: encontro, conversa, bordado.

Diferença

As pessoas passam, o abrigo era temporário, os bordadeiros são


A primeira pessoa que veio bordar conosco, uma senhora que falava espanhol, entrando de primeira na proposta da roda, decidiu bordar “bem-vindo”, em português. Como nesses encontros chegam imigrantes de muitas diferentes paragens, nesta toalha, o convite é para bordar sonhos. Estamos apenas começando, mas seguimos apostando nos efeitos de acolhimento deste espaço que se propõe oferecer um tempo de escuta a essa gente muitas vezes invisibilizada em sua condição errante, costurando um laço que possa servir de bússola para a continuidade da viagem. Que, a partir deste fazer compartilhado, cada um possa bordar, escrever, desenhar a cartografia de sua trajetória singular é mais um dos propósitos desta intervenção.


Repartir Histórias

“Para minha mãe, contar e recontar a sua história foi uma filosofia que ela aprendeu com sua Madrinh’Ana. Uma filosofia tecida no trabalho doméstico, no cuidado ao outro, na experiência de vida e no sofrimento diante da morte.” (p. 9) “Danço no rastro do gesto tecido pelas ausências.” (p. 16) Tecelãs da existência, Ida Mara freire


Assim, em nossa trajetória enquanto coletivo/a seguimos alinhavando, construindo e atravessando bordas, produzindo experiências e intervenções com o outro que insistem na alteridade e partilha, escuta, acolhimento de histórias e laços em um processo de expansão do imaginário em torno do fazer psicanalítico, por um movimento clínico-político aberto e conectado a estratégias de resistência que cultivem liberdade, sonhos, respeito à diferença e a valorização da força da palavra viva.


REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Pensar sem corrimão. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021. BEMFICA, Aline. O real do abandono e vidas que resistem/insistem em não morrer. In: BEMFICA, Aline & POLI, Maria Cristina. Travessias adolescentes e ancoragens. Belo Horizonte: Cas"a, 2020 CARVALHO, Flávio. Experiência n. 2: uma possível teoria e uma experiência. 2. Ed. São Paulo: Irmãos Ferraz editores, 1931. COUTO, Mia. O mapeador de ausências. São Paulo: Companhia das Letras, 2021. DANIEL, Herbert. Vida antes da morte. Rio de Janeiro: ABIA, 2018. ESPINOSA-MIÑOSO, Yuderkys. No ser mujer o la disyuntiva lesbiana. VIII Jornadas de Historia de las Mujeres. III Congreso Iberoamericano de Estudios de Género. Córdoba. Octubre 2006. FREIRE, I. M. Tecelãs da existência. Revista Estudos Feministas, [S. l.], v. 22, n. 2, p. 565–584, ago. 2014. FREUD, S. Freud (1920-1923) - Obras completas volume 15: Psicologia das massas e análise do Eu e outros textos. [S. l.]: Editora Companhia das Letras, 2011. JESUS, Jaqueline Gomes. Identidade de gênero e políticas de afirmação identitária, VI Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e de Gênero. 2012. LACAN, Jacques. (1953). Le symbolique, l’imaginaire et le réel. Paris: Bulletin de l’Association freudienne n°1, novembre 1982. MBEMBE, Achille. Políticas da Inimizade. Lisboa: Antígona, 2017. RECALCATI, Massimo. Uma aplicação da psicanálise à clínica do grupo: o homogêneo e o aleatório. Mental (Revue Internationale de Santé Mentale et Psychanalyse Appliquée) nº 10, maio de 2002, p. 99-110. SATO, Fernanda Ghiringhello; MARTINS, Raonna Caroline Ronchi; GUEDES, Carina Ferreira e ROSA, Miriam Debieux. O dispositivo grupal em psicanálise: questões para uma clínica política do nosso tempo. Rev. psicol. polít. [online]., vol.17, n.40, 2017. VIDAL, Pilar Errázuriz. Grupo operativo: dispositivo de interrogación sobre los mandatos del sistema sexo/género y sus dinámicas de poder. Revista de Psicoanalisis y Psicología Social, ano 06, n. 04, Madrid, 2015.


Título: Coleção Clínicas de Borda Autor: Coletivo Intervenção: por uma psicanálise clinico-política Medidas: 14,8x21 Número de páginas: 36 Assunto geral do livro: Psicanálise de rua Palavras chave: Psicanálise; Clínica pública; Política; Clínica de borda ISBN: 978-65-81097-61-5

Equipe atual: Maria Cristina C. Poli (coordenadora) Thoya Mosena Luísa Escher Furtado Nelly Brito Mayana Freind Lorena Souto Fernanda Renaux Gabriella Cristelo Luiza Conde Laura Marosin Laura Nasciutti Luisa Daher Lucas Vinicius Rodrigues Natassia Rocha Gustavo Leal Julia Alves Mayara Monteiro Sophia Ferrão


COLEÇÃO DE ZINES DAS CLÍNICAS DE BORDA BRASILEIRAS A Coleção de Zines das Clínicas de Borda Psicanalíticas Brasileiras, aberta a novos fascículos, nasce da experiência compartilhada de psicanalistas inconformadas e inconformados com a resposta clínica de seu fazer e de sua formação face à realidade nacional brasileira, exposta à brutalidade e à violência estrutural. Trazem experiências múltiplas e plurais, sem necessariamente criarem um mínimo comum, nas quais experimentam o vigor da práxis psicanalítica na transformação de sujeitos, processos, espaços públicos, modos de pertencimento e participação, meios de formação. Nasceram da resistência dos movimentos sociais, em reação a genocídios, suicídios, chacinas, feminicídios e homicídios, deslocamentos migratórios, nas periferias, praças, estações, ocupações, quilombos. Seu fazer é produto da rua e dos modos possíveis de cuidado a que o enlace transferencial na direção do tratamento psicanalítico dá visibilidade e nome a corpos apagados no cotidiano. Instituem elementos necessários na teoria e na prática, revisitando as clínicas públicas e populares, datadas dos tempos de fundação do campo psicanalítico com Sigmund Freud. Reviradas pela experiência do Sul Global, em elipse, olham o avesso do espelho e atravessam suas fronteiras. Marcam, em ato, o cinismo e a indiferença contemporâneos com novos modos de partilha e de presença. Saem definitivamente do modelo burguês do consultório individual. Recebem os analisantes, tanto online, quanto em cadeiras expostas ao sol, a fim de escutarem seu sofrimento. Colocam o pagamento em xeque, não mais no cheque. Trazem a marca de sua região, de sua língua, das ricas expressões dos dialetos brasileiros. Distribuem-se em cada canto do país e questionam o modo de circulação do capital e de resposta do inconsciente às violações cotidianas. Interrogam os fundamentos da própria noção de clínica psicanalítica e da lógica excludente da formação do psicanalista, enfim, sua presença na polis. Elas não estão todas reunidas aqui. A coleção, aberta, aguarda novas presenças nessa escrita histórica. A psicanálise mudou. A gente queria que você soubesse.

C ole t iv o In tervenção


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