OGRITODOMUNDO
Dizem-nos,ehádeserverdade,quetudoandadesregrado,desnorteado,amortecido,enlouquecido,osangueeovento.Éoque vemosevivemos.Maséomundointeiroquefalacomvocê,por meiodetantasvozesamordaçadas.
Paraondequerquesevolte,vocêencontraadesolação.E aindaassimvocêsevolta.
Semdúvida,pois,aonosesforçarmosporcompartilhá-lo,trazemosaoencontrodetodooconhecimentoaquiloquehátempos cadaumdenósmeditouoususcitou,e,deminhaparte,aqueles poucospressentimentosquemelevaramaescreverequeeu,na escrita,incessantementetranscreviou,porincapacidade,traí.
Opensamentodamestiçagem,dovaloroscilantenãoapenas dasmestiçagensculturaismas,antesaté,dasculturasdamestiçagem,quepossivelmentenospreservamdoslimitesoudas intolerânciasquenosaguardamequenosabrirãonovosespaços derelacionamento.
Oimpactorecíprocodastécnicasoudasmentalidadesdooraledo escrito easinspiraçõesqueessastécnicasinsuflaramemnossas tradiçõesdeescritaeemnossastransmissõesdevoz,degestose degritos.
OlentoesfacelamentodosabsolutosdaHistória,àmedidaque ashistóriasdospovos,desarmados,dominados,porvezesem viasdeextinçãopuraesimples,masque,contudo,irromperam emnossoteatrocomum,porfimseencontraramecontribuíram paramudaraprópriarepresentaçãoquefazíamosdaHistóriae deseusistema.
Aobracadavezmaisevidentedaquiloquechameidecrioulização, sublime,imprevisível,tãodistantedastediosassínteses,járefutadasporVictorSegalen,1 àsquaisumpensamentomoralizante nosconvidaria.
AspoéticasdifratadasdesteCaos-Mundoquecompartilhamos, assimcomoeparaalémdetantosconflitoseobsessõesdemorte, edecujasconstantesseránecessárioquenosacerquemos.
Asinfoniae,igualmentevivazes,asdisfoniasquegeraemnóso multilinguismo,estanovapaixãodasnossasvozesedosnossos ritmosmaissecretos.
Sãoessesalgunsdosecosquefizeramcomqueaceitássemos agoraescutarjuntosogritodomundo,sabendotambémque,ao escutá-lo,percebemosque, doravante, todosoouvem.
Nãoésemprequevemoseécadavezmaisfrequentequenão nosesforcemosparaveramisériadomundo,adasflorestasde RuandaeadasruasdeNovaYork,adasfábricasclandestinas daÁsia,ondeascriançasnãocrescem,eadassilenciosasaltitudesandinas,eadetodososlocaisdehumilhação,degradaçãoe prostituição,eadetantosoutrosquefulguramdiantedenossos olhosarregalados,masnãopodemosdeixardeadmitirqueisso façaumruído,umrumorinfatigávelquemisturamossemsaber comamusiquinhamecânicaefastidiosadosnossosprogressose dosnossoslegados.
1.VictorSegalen(1878-1919),médico,escritoreantropólogofrancês,célebreporseu estudosobreoexotismoeaexperiênciaestéticadodiverso. [n.t.]
Cadaumtemsuasrazõesparabuscaressaescuta,eessas maneirasdistintasservemparamudaresseruídodomundoque todosaomesmotempoouvimosaqui-lá [ici-là] . 2
Eessasrazões,queextraímosnumaárduapaixãodeescrever edecriar,deviveredelutar,tornam-sehojeparanóslugares-comunsqueaprendemosacompartilhar;maslugares-comuns preciosos:contraosdesregramentosdasmáquinasidentitárias dasquaistãofrequentementesomosfeitospresa,como,por exemplo,dodireitodesangue,dapurezadaraça,daintegralidade, senãodaintegridade,dodogma.
Nossoslugares-comuns,sehojenãotêmnenhumaeficácia,absolutamentenenhumaeficáciacontraasopressõesconcretasque estarrecemomundo,mantêm-seaindaassimcapazesdemodificar oimagináriodashumanidades:épeloimaginárioque,nofundo, sobrepujaremosessasderreliçõesquenosatingem,sendoqueele jánosajudaacombatê-las,redirecionandonossassensibilidades.
Estaseráminhaprimeiraproposição:aliondeossistemas easideologiasfalharam,esemrenunciardemodonenhumao repúdioouaocombatequevocêdevetravaremseulocalespecífico,projetemosaolongeoimaginário,pormeiodeumaruptura infinitaedeumarepetiçãoinfindáveldostemasdamestiçagem, domultilinguismo,dacrioulização.
2.Anoçãode ici-là écaraaopensamentodeGlissant,queapropõepararepresentar asimultaneidadeouacoexistênciadediferenteslugares,contextos,temporalidades erealidades,invocandoamultiplicidadedeperspectivas,identidadeseexperiências queatodosconstitui,bemcomoaomundoquetodosintegram,nacondiçãodeseres interconectadoseinter-relacionadosemmeioàpluralidadedehistórias,geografiase culturas.Representaumarupturacomaleiturabináriaedicotômicadotempoedo espaço,invocadanaexpressão“bi”arroladaanteriormente,emfavordaabordagem aberta,inclusivaeplural.Aexpressãoestápresentenovolumeimediatamenteanteriora este TratadodoTodo-Mundo (quecorrespondeao Poétique iv)natetralogiadasPoéticas, em Poétiquedelarelation–Poétique iii (Paris:Gallimard,1990,p.204).Paraumadiscussão sobreadifusãodessaterminologianopensamentocaribenhofrancófono,verMary Gallagher,“Between‘here’and‘there’,orthe‘hyphenofunfinishedthings’”,in____. (org.), Ici-là:PlaceandDisplacementinCaribbeanWritinginFrench.Amsterdam:Rodopi, 2003,p.xiii-xxix. [n.t.]
a
Aquelesqueseencontram aqui vêmsempredeum“lá”,davastidãodomundo,eeisqueestãodecididosatrazeraesteaquio frágilsaberquearrastaramconsigo.Umsaberfrágilnãoéciência imperiosa.Intuímosqueestamosaperseguirummerorastro.
Eisaquiminhasegundaproposição:
Queopensamento dorastro secoloque,poroposiçãoaopensamentosistêmico,comoumaerrânciaqueorienta.Sabemosque orastroéoquenoscolocaatodos,deondequerquevenhamos, emRelação.
Ouorastrofoivividoporalguns,lá,tãolongetãoperto,aqui eali,sobreafaceocultadaTerra,comoumdoslugaresdasobrevivência.Porexemplo,paraosdescendentesdosafricanos escravizadosedeportadosparaoquelogosepassouachamarde NovoMundo,elefoinomaisdasvezesoúnicorecursopossível.
(Todaumaparceladoreal,subtraídadeumpassadoinsubmisso, redistribuídaemcadacantodavida,reditaemcadalivro:)
Orastroestáparaaestradacomoarevoltaparaainjunção,o júbiloparaogarrote.
EssesafricanostraficadosparaasAméricastrouxeramconsigo,de alémdasÁguasImensas,orastrodeseusdeuses,deseuscostumes, desuaslínguas.Confrontadoscomadesordemimplacáveldocolono, tiveramagenialidade,atreladaaossofrimentosquesuportaram,de fecundaressesrastros,criando–maisquesínteses–resultantescapazes desurpreender.
AslínguascrioulassãorastrosabertosnaságuasdoCaribeoudo OceanoÍndico.Ojazzéumrastrorecompostoquecorreuomundo. AssimcomotodasasmúsicasdesteCaribeedestasAméricas.
Quandoessesdeportadosseaquilombarampelasflorestas,abandonandoasfazendas,osrastrosqueseguiramnãoacarretavamoabandonodesimesmosnemodesespero,tampoucooorgulhoouasoberba. Enãopesaramsobreaterranovacomosefossemestigmasirreparáveis.
Quandopremimosemnós,querodizer,osantilhanos,essesrastros denossashistóriasofuscadas,nãoéparadesdelogoevitarummodelo dehumanidadeque,demaneira“todarastreada”,oporíamosaesses outrosmodelosquenossãoimpostos.
Orastronãofiguraumasendainacabadaouumtropeçosemvolta, nemumaaleiaencerradaemsimesma,quedemarcaumterritório.O rastropenetraaterra,quenuncamaisseráterritório.Orastroéa maneiraopacadeabarcarogalhoeovento:serasimesmo,inclinado aooutro.Éaareianagenuínadesordemdautopia.
Opensamentodorastropermiteiràsdistânciasdosestrangulamentossistêmicos.Porissoelerefutatodocúmulodepossessão.Elefendeo absolutodotempo.Eleseabreparaessestemposdifratadosqueashumanidadesdopresentemultiplicamentresi,porseusconflitosemaravilhas.
Eleéaerrânciaviolentadopensamentoquecompartilhamos.
(Degritoemfala,decontoempoema,do Soldaconsciência à Poéticadodiverso, 3 tambémparamimessamesmaoscilação.)
aSerenunciamosaospensamentossistêmicos,éporquesabemos queelesimpuseram,aquielá,umabsolutodoSer,quefoiaum sótempoprofundidade,magnificênciaelimitação.
aQuantascomunidadesameaçadasatualmentedispõemapenas daalternativaentre,deumlado,odilaceramentoessencial,a anarquiaidentitária,aguerradasnaçõesedosdogmas,e,do
3.Ambosdalavradoautor: Soleildelaconscience.Paris:Gallimard,1997; Introductionà unepoétiquedudivers.Paris:Gallimard,1996. [n.t.]
outro,uma paxromana impostapelaforça,umaneutralidadeoca quefazrepousarsobretodasascoisasumimpériotodo-poderoso, totalitárioebenevolente.
Estaremostodosreduzidosaessasimpossibilidades?Não teremosodireitonemosmeiosdeviverumaoutradimensãode humanidade?Mascomo?
Maisdoquenunca,massasdenegrossãoameaçadaseoprimidasporseremnegras,deárabesporseremárabes,dejudeuspor seremjudeus,demuçulmanosporseremmuçulmanos,deindígenasporseremindígenas,eassimpordianteaoinfinitodas diversidadesdomundo.Essaladainha,naverdade,nãotemfim.
Aideiadaidentidadecomoraizúnicadáamedidaemnome daqualessascomunidadesforamsubjugadasporoutraseem nomedaqualmuitasdelastravaramsuaslutasdelibertação.
Masemcontrapontoàraizúnica,quemataoqueestáàsua volta,nãoousaremosproporporextensãoaraizemrizoma,que estabeleceRelação?Elanãoédesenraizada,masnãousurpao seuentorno.
Arremessemossobreoimagináriodaidentidaderaiz-única esseimagináriodaidentidade-rizoma.
Aoserqueseimpõe,apresentemosoentequeseapõe.
Rejeitemosaomesmotempooretornodorefugonacionalista eaestérilpazuniversaldospoderosos.
Nummundoemquetantascomunidadesveemfatalmente impedidoseudireitoaqualqueridentidade,éparadoxalproporo imagináriodeumaidentidade-relação,deumaidentidade-rizoma. Creioqueaíseencontra,noentanto,umadaspaixõesdessascomunidadesoprimidas:suporessasuperação,trazê-laaoencontro deseussofrimentos.
Nãoéprecisobradarumavocaçãohumanistaparasercapaz decompreenderisso.
a
Chamode Caos-Mundo ochoqueatualdetantasculturasque seinflamam,sedesprezam,desapareceme,contudo,subsistem, seaplacamousetransformam,lentamenteoucomvelocidade fulminante:esseslampejos,essasexplosõescujoprincípioecuja economiamalcomeçamosaapreenderecujoímpetonãotemos comoprever.OTodo-Mundo,queétotalizante,não(nos)étotal.
Echamode PoéticadaRelação essapossibilidadedoimaginárioquenoslevaaconceberaglobalidadeinabarcáveldeumtal Caos-Mundo,aomesmotempoquenospermitevê-loemalgum detalhee,sobretudo,denelecavaronossolugar,insondáveleirreversível.Oimaginárionãoéosonho,tampoucoovaziodailusão.
Partimosdopressupostodequeumdostraçosdessapoética passapelolugar-comum.Quantaspessoassimultaneamente, sobauspícioscontráriosouconvergentes,pensamasmesmas coisas,sefazemasmesmasperguntas.Tudoestáemtudo,sem necessariamenteseconfundir.Vocêsupõeumaideia,elesaabocanhamvorazmente,elalhespertence.Elesaproclamam.Elesa reclamam.Éoquedesignaolugar-comum.Elecongreganossos imagináriosmelhorquequalquersistemadeideias,massobacondiçãodequevocêestejaalertaparareconhecê-lo.Eisaquialguns quesereferemàrelaçãoentreasculturasnaRelaçãomundial.
–Pelaprimeiravez,asculturashumanasemsuaquasetotalidadeestãointeiraesimultaneamenteemcontatoeemefervescênciadereaçãoumascomasoutras.
(Masaindaexistemespaçosfechadose tempos distintos.)
–Aglobalidade,outotalidade,dofenômenodelineiaacaracterística:astrocasentreasculturascarecemdenuance,asadoções easrejeiçõessãoselvagens.
(Aleidafruiçãoelementar,individualoucoletiva,reforçada oumantidapelosmecanismosdepoderedepersuasão,preside tantoaadoçãoquantoarejeição.)
–Tambémpelaprimeiravez,ospovostêmtotalconsciência datroca.Otelevisionamentodetodasascoisasexasperaesse tipoderelação.
(Sehárepercussõessubliminares,elaslogosãodetectadas.)
–Asinter-relaçõessereforçamouseabatemaumavelocidade dificilmenteconcebível.
(Cabedizerqueessavelocidadelançaluzparanóssobrea assustadoraimobilidadedetantastransformaçõesvertiginosas domundo.)
–Braçadasdeinfluências(asdominantes)ganhamcorpo,as queconduzemporcaminhosquelevamaumapadronização generalizada.
(Nãoacrediteestarsecontrapondoaissounicamentepor meiodoexasperodoseuisolamento.)
–ARelaçãonãoimplicanenhumatranscendência legitimadora. Seosespaçosdepodersãobeminvisíveis,oscentrosdedireito nãoseimpõememlugarnenhum.
(ARelaçãotampoucopossuimoral:elanãodecide.Damesma forma,nãolhecabeassinalaroqueseriaseu“conteúdo”.ARelação,sendototalizante,éintransitiva.)
–Asinter-relaçõesprocedemprincipalmenteporfraturase rupturas.Chegamtalvezatéaserdenaturezafractal:donde decorrequenossomundoéumcaos-mundo.
Suaeconomiageralesuaindefiniçãosãoasda crioulização. a Apartirdestesarquipélagosquehabito,erguidosemmeioatantos outros,eulhesproponhoquepensemosessacrioulização.
a Processoimparável,queenvolveamatériadequeéfeitoomundo, quecombinaealteraasculturasdashumanidadesdopresente. AquiloqueaRelaçãonosdáaimaginar,acrioulizaçãonosdáaviver.
Acrioulizaçãonãoculminanaperdadeidentidade,nadiluição doente.Elanãoimplicarenunciarasimesmo.Elasugerea distância(oir-se)emrelaçãoàsperturbadorascoagulaçõesdoser.
Acrioulizaçãonãoéaquiloqueperturbaumadeterminada culturaapartirdedentro,pormaisquesaibamosquemuitas culturasforameserãodominadas,assimiladas,levadasaolimite daanulação.Oqueelafaz,paraalémdessassituaçõesnomaisdas vezesdesastrosas,émanterrelaçãoentreduasoumais“zonas” culturais,convocadasaumpontodeencontro,domesmomodo comoumalínguacrioulaoperaapartirde“zonas”linguísticas diferenciadasparadaíextrairseuconteúdoinédito.
Rapidamentesepercebequeespaçosdecrioulizaçãosempre forammantidos(asmestiçagensculturais),masqueacrioulizaçãoquenosinteressahojeserefereàtotalidade-mundo,umavez consumadaessatotalidade(principalmentepelaaçãodasculturasocidentaisemexpansão,istoé,porobradascolonizações).A Relaçãoalimentaoimaginário,sempreaserimaginado,deuma crioulizaçãoquedaquiemdiantesegeneralizaenãoarrefece.
Acrioulizaçãoéimprevisível,elanãoteriacomosecoagular, sedeter,seinscrevernasessências,nosabsolutosidentitários. Aceitarqueoentemudeaoperdurarnãoéseaproximardeum absoluto.Oqueperduranatransformação,namudançaouna trocaétalvez,acimadetudo,apropensãoouaaudáciademudar.
Eulhesofereçootermocrioulizaçãoparasignificaressaimprevisibilidadederesultadosinauditosquenosimpedemdesermospersuadidosporumaessênciaoudenoscimentarmosemexcludentes.
Essacintilaçãodoenterespingaemminhalinguagem:nossa condiçãocomumaquiéomultilinguismo.
Escrevodaquiemdiantenapresençadetodasaslínguasdo mundo,napungentenostalgiadeseufuturoameaçado.Seique évãotentarconheceromaiornúmeropossíveldelas;omultilinguismonãoéquantitativo.Éumadasformasdoimaginário. Nalínguaquemeserveàexpressão,emesmoassimeunãome serviriaunicamentedela,jánãoescrevodemaneiramonolíngue.
“Preservar”aslínguas,contribuirparasalvá-lasdodesgaste edodesaparecimento,consistenesseimagináriodequetanto falamos.Nãoacreditemosqueumalínguapossaserdeumdia paraooutro,esemmaioressobressaltos,universal:elalogopereceria,sobomesmocódigoaqueseuusogeneralizadodesse lugar.Aquiloqueosabirnorte-americanoameaça,antesdemais nada,sãoassurpresas,ossaltos,avidaorgânicaeenérgica,as debilidadespreciosaseasreentrânciassecretasdaslínguasinglesa,americana,canadense,australianaetc.Asimplificaçãoque facilitaastrocaslogoasdesnatura.
aAprimeirareuniãodoParlamentoInternacionaldosEscritores, emEstrasburgo,em1993,nãofoidemodoalgumpoliglota,mas certamentemultilíngue.
Nãofoiaúnicavezqueescritoreseintelectuaistentaramse reuniremcongressoouemassembleia.Ahistórianosoferece ilustresexemplos.
Talveznãotenhasidoaprimeiravezqueseprocurourestituir aotermo parlamento seusentido,nãodelugarparaoqualseé eleitoeondesevotaesedecide,masdelugarondesefala.
Masfoiaprimeiravezqueumparlamentodessestambémse propôsapuraesimplesmente escutar –comodissemos–ogrito domundo.
Nãoasteorias,asideologias,ospoderes–nãoumsistemaou umaideiademundo–,masoimensoenredamento,noqualnãose
tratanemdeseentregaràlamentaçãoprimordialnemdeselançar aesperançasirrefreadas.Apalavragritadadomundo,comaqual contribuiavozdecadacomunidade.Oamontoadodelugares-comuns,degritosdeportados,desilênciosmortais,emquese verificaqueopoderdosEstadosnãoéoquegenuinamentenos move,aceitandoquenossasverdadesnãocomungamdopoder.
(Eisque,tendoevocadoaslínguasameaçadas,aslínguassustadas, retornoaquiaoutrademinhasafliçõeseeisquerepitominhas palavras,comoumecoestriadonumagretaque,porsuavez,grava umcalcáriofrágil.Éparaampliarosescapesqueoexercícioda traduçãorealizaentrelínguaselinguagens:)4
Atraduçãoécomoumaartedafuga,istoé,tãolindamente,uma renúnciaqueseconsuma.
Hárenúnciaquandoopoema,transcritoemoutralíngua,deixou escaparumaparcelatãograndedeseuritmo,desuasestruturas secretas,desuasassonâncias,dessascoincidênciasquesãooacasoea permanênciadaescrita.
Éprecisoconsentiresseescape,eessarenúnciaéapartedesique emtodapoéticaseabandonaaooutro.
Aartedetraduzirnosensinaopensamentodaesquiva,aprática dorastroque,acontrapelodospensamentossistêmicos,nosindicao incertoeoameaçado,queconvergemenosreforçam.Sim,atradução, artedaaproximaçãoedoquasetoque,éumafrequentaçãodorastro.
Contraalimitaçãoabsolutadosconceitosdo“Ser”,aartedetraduziramealhao“ente”.Rastrearaslínguaséamealharoimprevisíveldo mundo.Traduzirnãochegaareduziraumatransparência,tampouco aconjugardoissistemasdetransparência.
Porisso,estaoutraproposiçãoqueousodatraduçãonossugere: oporàtransparênciaosmodelosdaopacidadeabertadasexistências irredutíveis.
4.Naterminologiadoautor,adistinçãoentre língua e linguagem apontaparaelementos objetivosesubjetivos,respectivamente,noempregodoidioma. [n.t.]
a
Pleiteioparatodosodireitoà opacidade,quenãoéareclusão. Éparareagirassimcontratantasreduçõesàfalsaclarezados modelosuniversais.
Nãomeénecessário“compreender”quemquerqueseja–indivíduo,comunidade,povo–,“levá-locomigo”aocustode, dessemodo,sufocá-lo,perdê-lonumatotalidadeentedianteque eugeriria,paraquepossaaceitarcomeleviver,comeleconstruir, comelearriscar.
Que,umavezencontrada,aopacidade–anossa,emsetratandodooutro,eadooutroparanós–nãosefechesobreo obscurantismoouo apartheid,quesejaparanósumafesta,não umterror.Queodireitoàopacidade,pormeiodoqualseriapossível,namelhordashipóteses,preservarodiferenteereforçara aceitação,vele,óluzes!,pornossaspoéticas.
aTudoisso,contadosumariamente,temporúnicoméritoabriro rastroparaoutrosditos.Éàspoéticasconjuntasqueapeloneste momento.Nossasaçõesnomundosãoeivadasdeesterilidadese nãomodificamos,namedidadenossaspossibilidades,oimagináriodashumanidadesqueconstituímos.
TomoporfiadoresopovoqueMattareuniunaentradadesse ParlamentodeEscritoresem1993,emEstrasburgo.5 Fosteacolhidoportodoumcorodevozesqueseerguianumclamor.Povo deestátuas,cujochapéuincacobriaatogaegípcia,cujosáriafricanovestiaaposeinuíte,cujoscondõesdebronzeoudecobre, amareloquerespiraevioletaquesofre,davamsuporteatodotipo deformasestilizadas,reconhecíveisemescladas,vindasdetodos oscantosdomundo,germinadasdetantasbelezasdomundo.
5.RobertoMatta(1911-2002)foiumpintorsurrealistachileno. [n.t.]
Essasobraserammestiças,suaarquiteturadavaaveradiversidade,recolhidaporumartistanumresultadoinesperado.Sim. Esseestatuárioseassemelhavaaesseclamor.
Umpovoqueassimfalaéumpaísquecompartilha.
Opensamentoarquipelágicoconvémaoritmodosnossosmundos.Elelhetomadeempréstimooambíguo,ofrágil,oderivado. Admiteapráticadodesvio,quenãoéfuganemrenúncia.Reconheceadimensãodosimagináriosdorastro,queeleratifica.Seria issoumarecusaasegovernar?Não,échegaraumacordocom aquilodomundoqueestádifusojustamenteporarquipélagos, essasespéciesdediversidadenaimensidão,que,nãoobstante, juntamasmargenseconjugamoshorizontes.Damo-nosconta doquenelehaviadecontinental,deespesso,equepesavasobre nós,nossuntuosospensamentossistêmicosqueregematéhoje ahistóriadashumanidadesequejánãosãoadequadosanossasrupturas,anossashistóriasouanossaserrânciasnãomenos suntuosas.Opensamentodoarquipélago,dosarquipélagos,nos abreessesmares.
Dopontodevistadaidentidadepropriamentedita,oalcancedo poemaresultadabusca,erranteenãoraroinquieta,dasconjunçõesdeformasedeestruturasgraçasàqualumaideiadomundo, emitidaemseulugar,encontraounãooutrasideiasdomundo. Aescritasubmeteoslugares-comunsdorealaumexercíciode aproximaçãoquesebaseianumaretórica.MichelLeirisrealizou-oemsuaobra.MauriceRochetambém,deumaoutraforma.A identidadenãoéproclamatória.Nessedomíniodaliteraturaedas formasdeexpressão,elaéoperatória.Aproporçãodosmeiosde dizeredesuaadequaçãosãomaisfortesqueaproclamaçãopor sisó.Areivindicaçãodeidentidadenãopassadeproferimento senãofortambémmedidadeumdizer.Quando,inversamente, designamosasformasdonossodizereasinformamos,nossa identidadejánãosebaseianumaessência,masconduzàRelação.