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para ler

carolina delboni – jornalista e escritora. Colunista do Estadão Digital, jornalista na editora Globo e revista TPM. Pedagoga com Especialização em Práticas Literárias, na Educação Infantil.

Diรกrio de uma diarista

A procura por aspiradores verticais aumentou segundo o Google. Ainda bem que eu já tinha o meu. Deu até pra me exibir no grupo de WhatsApp das amigas enquanto debatiam sobre o melhor modelo a comprar. O de casa está com a bateria arriando, mas salva uma família todo santo dia.

A gente tem recorrido muito aos Santos. Anézia, a diarista de casa, é católica. Crente das coisas que veem da Bíblia. Diarista é a figura brasileira que circula pela intimidade dos moradores. De onde tem acesso a esconderijos e abrigos. A única. É tão icônica que embrenhou a cultura brasileira, para além das casas da família brasileira. O que será que a diarista fala sobre a gente?

Não sei se é uma coincidência etimológica da palavra, mas autores de Diários, o gênero literário, são chamados de Diaristas, assim como nossas diaristas, mas com letra maiúscula. Passei o dia editando diários de mulheres periféricas, pra uma matéria que estou fazendo.

Mulheres escritoras, em sua grande maioria negras. Todas, sem exceção, escreviam diários na adolescência.

Diz que pra compreender o tempo a gente escreve. Os relatos da Guerra eram feitos em diários, por homens. Sabia-se das trincheiras pelos escritos. Escritos que parecem agora nos ser trincheiras. Dão abrigo a tanto desabrigo deste Brasil.

Conforta? Alguma coisa sempre.

Ainda que a gente deixe lacunas, os diários têm pegada humana e isso, de certa forma, nos aproxima do que deveria ser preceito.

Semana passada, assistimos Escritores da Liberdade. Está na Netflix. Uma história real de uma professora branca q vai dar aula numa escola pública de periferia americana, nos anos 90. Eles leem O Diário de Anne Frank, exatamente a mesma edição que tenho. Comprada em 93.

Alunos que não queriam ser alunos, porque não eram vistos como tal, passam a encontrar um lugar de pertencimento nas narrativas diárias.

Os relatos destapam lacunas de vidas tão fragmentadas. Em contrapartida, ampara. Preenche lacuna. Ajuda a gente a compreender o tempo das coisas diárias. Ah! As diaristas novamente.

Esse ser que flana com a vida, a arte e a literatura. Esse ser que passamos a admirar e respeitar profundamente no momento em que tivemos que molhar a barriga no tanque, diariamente – assim, pra não esquecer a origem da palavra.

E entre intimidades, a gente segue descortinando a casa. Varrendo cantos, limpando gavetas e cuidando das coisas que estavam no fundo dos armĂĄrios. Circulando pelas intimidades.

Pra tentar compreender um tempo que se mostra assustadoramente incompreensĂ­vel, a gente escreve.

Sobre as jornadas internas agora, nĂŁo mais as que foram da Guerra. Ainda que muita coisa se assemelhe aos sĂŠculos passados.

Diários. Exercendo a dupla função da palavra. Oras diarista, oras Diarista.

Assim, com as diferenças que fazem do Brasil um país de brasileiros.

Afinal é Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.

acéuaberto é um projeto de leitura pública iniciado na Ocupação 9 de Julho.

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