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para ler


pamina sebastião – é de Angola, crescidx um pouco em Portugal, vive em Luanda. Jurista sem o ser, é mestre em Direito Internacional e Relações Internacionais, dedicando-se ao activismo há vários anos. Fez parte de vários colectivos e organizações ligadas a questões de género e sexualidade, dentre eles : Ondjango Feminista, Arquivo de identidade Angolano e LINKAGES Angola. Hoje tem navegado mais no campo da consultoria de género e sexualidade e na academia, preparandose para dar aulas, finalmente. Está a aprender a escrever, contar histórias, a falar menos violentamente e a tentar encontrar a mansidão mas sempre numa tentativa de transformação.


Só belo mesmo

Só belo mesmo | PARTE III um entrelaçado sem tanto de ter nem cor Lhes percorri na rua esses seres de lugares e idades diferentes cujas expressões não tão do passado se lhes têm o mesmo significado Lhes percorri na rua num perguntar sobre cor, belo e classe


Num querer falar de um entrelaçado que existe mesmo só com cochitos de cor e ter mas não tanto E se fosse só, mesmo? esse entrelaçado? Um que nem sempre lhe vemos e quando vemos apenas um se nos fica na mente e nas vistas geralmente é o ter que nos invade e o tanto de cor se lhe desaparece


E se fosse só, mesmo? Lhes perguntei Eles, me falaram Me falaram de avanços que têm cor me sussurrando que afinal há um ter que tem cor e como se lhe não bastasse também tem tom de tonalidade de quem fala certo E esse certo acontece nas palavras caras


na afinação certa no olhar de quem é pensado mais esse mais, afinal não é de cor é de uma outra coisa que se entrelaça em si E se fosse só, mesmo? Esse só me falaram ,eles de belezas definidas por ventres que clareiam


uma claridão certa, assim das que permite um avançar é caminhar para se chegar lá numa branquitude e se não for se lá pelo caminho se perder e não lá chegar é atraso, certamente É ventre de quem outras vidas pode levar vidas boas, me falaram de acesso a lugares onde se pode ir Esse só


acontece também num lugar de ser mais em que mesmo não se sendo claro, se é são diferentes esse negros me falaram, eles são-no na tonalidade na finuria sem fusquidão na vestimenta de quem sabe estar num quem sabe falar e se não sabe, não mais muda lá na brusquidão permanece mudanças ditas impossíveis por quem


melanina certa não tem Me falaram assim, eles E se fosse só mesmo? Esse só? Só de uma cor imaginária de ontem Lhes percorri enquanto me falavam como se de contos fossem mas era mesmo um falar nas vestes de quem não se encontrou, ainda Me falaram de um negro que pode se vestir mas se entrelaça em dois


um que tem coração de negro e outro que tem coração de branco se o é branco seu lugar tão certo estará se o é negro sua finuria mostrará é um entrelaçar assim que se incorpora nas vestes de quem sabe estar de quem pode entrar de quem é Se lhes pensávamos com cor,


já isso mudou é seu coração que ali caminha mas essas vestes se esquecem, eles nos foram dadas, me atrevo a lhes dizer são vestes de ontem cujo cheiro permanece em nós se entranhando no que nos tornámos acontecem num pensar o claro tornado ponto para se ser essas vestes


delas nos vestimos muitas vezes em mudas diferentes umas de privilégio outras de alimentação do branco possível umas em pequenezes sentidas E se fosse só, mesmo? Eé! um só assim que está mesmo aqui mas que agora é outra coisa é mesmo um entrelaçado de um tanto de ter


é mesmo um entrelaçado de um tanto de cor Que afinal se alimenta de um imaginário do branco possível Que afinal se alimenta das pequenas falas dos nossos dias Que afinal se alimenta das nossas pequenezes sentidas não tão esquecidas é mesmo só um entrelaçado , só mesmo daí nosso não existir ***


Embora baseado nos debates dos atos até agora feitos, o texto é parte de um projeto maior, que tem como fonte principal as entrevistas realizadas com pessoas na rua em meados de Junho de 2019 sobre determinadas expressões coloniais e pós coloniais, utilizadas até hoje no nosso quotidiano Luandense. Estas expressões são: 1) O preto não muda; 2) Bom ventre; 3) vidas mulatas; 4) a cor é que lhe safa; 5) Preta/preto fina/fino; 6) preto por fora


Sobre o projecto Intitulado “Só belo mesmo”, com ensaios sobre o corpo negro, não binário e pensado gordo tem como fim principal abrir portas para uma conversa sobre a estrutura cishetero patriarcal capitalista racista, centrando se na coloniedade e a maneira como se apresenta hoje em diferentes locais, dentre os quais Angola, embora seja de facto uma conversa global. É sem dúvida uma leitura feminista que se propõe em simultâneo ser decolonial, identitária, vulnerável falando de saúde mental com bem estar e de amor próprio. P


acéuaberto é um projeto de leitura pública iniciado na Ocupação 9 de Julho.

jul_2020


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