Guattari - confrontações

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Guattari — CONFRONTAÇÕES © n-1 edições, 2016 © Kuniichi Uno © Laymert Garcia dos Santos

Embora adote a maioria dos usos editoriais do âmbito brasileiro, a n-1 edições não segue necessariamente as convenções das instituições normativas, pois considera a edição um trabalho de criação que deve interagir com a pluralidade de linguagens e a especificidade de cada obra publicada. Peter Pál Pelbart e Ricardo Muniz Fernandes assistente editorial Isabela Sanches projeto gráfico Érico Peretta revisão Roberta Amaral coordenação editorial

A reprodução parcial sem fins lucrativos deste livro, para uso privado ou coletivo, em qualquer meio, está autorizada, desde que citada a fonte. Se for necessária a reprodução na íntegra, solicita-se entrar em contato com os editores. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Uno, Kuniichi Guattari : confrontações / conversas com Kuniichi Uno e Laymert Garcia dos Santos. -São Paulo : n-1 edições, 2016 isbn 978-85-66943-29-0 1. Ciência 2. Deleuze, Gilles, 1925-1995 - Entrevistas 3. Estética 4. Félix, Guattari, 1930-1992 - Entrevistas 5. Filosofia Francesa I. Santos, Laymert Garcia dos. II. Título 16-07956

Índices para catálogo sistemático: 1. Filósofos franceses : Entrevistas 194

n-1 edições São Paulo | outubro de 2016 n-1edicoes.org

CDD-194




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NOTA DOS EDITORES Laymert Garcia dos Santos — Félix Guattari

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A entrevista como maquinação Setembro de 1982 Kuniichi Uno — Félix Guattari

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Isto não é uma lembrança

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SOBRE OS ENTREVISTADORES

Março de 1984 Janeiro de 1992


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FÉLIX GUATTARI


NOTA DOS EDITORES

O leitor encontrará neste livro a transcrição de três conversas com Félix Guattari. A primeira é de 1982, com Laymert Garcia dos Santos, feita durante trajetos de carro no Brasil. As outras duas foram realizadas com Kuniichi Uno, uma em 1984, na casa de Guattari perto da clínica de La Borde, na França, e a última em Ikeburo, no Japão, em 1992, ano da morte desse “inventor de conceitos selvagens”, nas palavras de Gilles Deleuze. Por que reuni-las numa única edição? Porque são inéditas entre nós, todas elas. Porque nos divertiu imaginar uma publicação de conversas feitas nas duas extremidades do planeta, Brasil e Japão, dois lugares que Guattari frequentou com gosto. Porque quis a sorte que elas caíssem em nossas mãos mais ou menos ao mesmo tempo, quando tínhamos condições e o desejo de publicá-las. Porque foram feitas com interlocutores que conhecemos e que ainda hoje se inspiram em seu pensamento. E, finalmente, porque elas nos servem, não como objeto de curiosidade, mas como matéria de pensamento. Não pudemos evitar uma forte emoção ao ler cada uma delas pela primeira vez. Não porque contivessem antecipações sobre o futuro, ou testamentos solenes para a posteridade (Guattari jamais se prestou a esse personagem do intelectual profético ou apocalíptico), mas pela atmosfera viva a que remetiam, de um Guattari alerta, inquieto, franco, sem pose, mordendo na carne do presente.

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Daí a surpreendente variação de tom ao longo das páginas, conforme é provocado à queima-roupa por uma questão política ou pessoal, teórica ou estética. Ao ver testada ou contestada a validade de seus conceitos no contexto brasileiro ou japonês, chama atenção a sua plasticidade micropolítica, mais preocupado em seguir os meandros da realidade que lhe apresentam do que “provar” o que quer que seja. Especialmente curiosas são as passagens em que é inquirido sobre sua parceria com Deleuze, e os detalhes saborosos a respeito da escrita a quatro mãos. Mais do que a uma “teoria”, o leitor tem acesso, aqui, a centelhas de um embate, para não dizer de uma confrontação, de Guattari com seu tempo, com seus interlocutores, com o seu próprio pensamento ou sua escrita — em todo caso, com inquietações várias, que eram as dele e talvez ainda sejam as nossas.

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Laymert Garcia dos Santos

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FÉLIX GUATTARI


Félix Guattari


[APRESENTAÇÃO]


A ENTREVISTA COMO MAQUINAÇÃO

Esta entrevista com Félix Guattari se deu por ocasião de sua primeira visita ao Brasil, a convite de Suely Rolnik, em setembro de 1982. Na época, quando eu estava voltando para o Brasil e me reacostumando com o país, me encontrava sob o forte impacto da leitura de Mil platôs, cuja edição francesa saíra dois anos antes. Por isso, tanto a experiência da leitura quanto a do contexto brasileiro são tão marcantes na formulação das perguntas. O leitor poderá verificar que o entrevistador aproveita para colocar suas dúvidas e para tentar problematizar as respostas — sem impertinência, mas com insistência, porque viu na entrevista uma oportunidade de fazer avançar seu entendimento e seu comprometimento com a lógica e o modo de pensar que caracterizam o pensamento de Deleuze e Guattari. O entrevistador se via como um leitor de um país periférico que precisava pensar os deslocamentos e diferenças que a própria fidelidade aos conceitos dessa filosofia exigiam, quando apropriados a partir do Brasil. Não conhecia o psicanalista pessoalmente, até então. Mas fiquei, de saída, muito impressionado com a abertura de seu espírito e com seu desejo de apreender o máximo que pudesse de seu contato com o Brasil e com os brasileiros. Um contato direto, sem pré-conceitos nem pré-julgamentos, fruto de uma curiosidade, cujo frescor, quase infantil, só vi se manifestar, posteriormente, no Dalai Lama, em sua visita à São Paulo. 13


Félix se interessava por tudo — pela cidade, cujo urbanismo e arquitetura caóticos se configuravam a seus olhos como um patchwork; pela comida; pelas manifestações culturais; pela paisagem; pelos encontros com jovens intelectuais e ativistas brasileiros; pela política de abertura; e, last but not least, pela liderança de Lula, que já despontara como figura maior no cenário brasileiro. Por isso mesmo, ele quis encontrá-lo e entrevistá-lo — para sentir a potência das forças que atravessavam o sindicalista, abrindo horizontes. (Daí meu aceite para escrever uma curta introdução ao livrinho Félix Guattari entrevista Lula, editado rapidamente pela Brasiliense, com tradução de Sonia Goldfeder e direitos do Partido dos Trabalhadores.) Até hoje fico comovido com a generosidade de Guattari ao conceder-me a entrevista sob uma condição: a de fazê-la enquanto eu o levava, em meu automóvel, entre um e outro compromisso. Ele não explicitou a razão dessa exigência, mas tenho a convicção de que pretendia neutralizar qualquer veleidade de intelectualismo e de academicismo que, de minha parte, pudesse perturbar nosso diálogo, em virtude da seriedade e do respeito com que eu o considerava. Félix montou, desse modo, um dispositivo que envolvia entrevistador, entrevistado, um gravador e um automóvel, um dispositivo de humanos e máquinas que pudesse liberar os afetos e fazer da entrevista um verdadeiro agenciamento maquínico. Quando penso nisso, vejo despertar minha gratidão pela lição ele que me deu.

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SOBRE OS ENTREVISTADORES

kuniichi uno nasceu no Japão em 1948. Viveu vários

anos na França, onde foi aluno de Deleuze e com quem fez uma tese sobre Antonin Artaud. Amigo de toda uma geração de dançarinos de butô, como Tatsumi Hijikata e Min Tanaka, Uno relacionou a pesquisa artística destes autores com a produção literária francesa de Artaud e Jean Genet, bem como com a filosofia de Deleuze. É autor de A gênese de um corpo desconhecido, publicado pela n-1 edições. Traduziu para o japonês obras fundamentais de Deleuze e Guattari, de Artaud e de Beckett. Desde 1993 é professor na Universidade de Rikkyo.

laymert garcia dos santos nasceu em Itápolis em

1948. Doutor em ciências da informação pela Universidade de Paris vii, foi professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp e professor visitante no St. Antony’s College (Universidade de Oxford) durante o ano letivo de 1992-1993. Atua na área de sociologia da tecnologia, particularmente nas relações entre tecnologia e sociedade, cultura e política. Escreve regularmente ensaios sobre arte contemporânea. É autor de diversos livros, incluindo Amazônia transcultural, publicado pela n-1 edições. Foi um dos diretores artísticos da ópera multimídia Amazônia e um dos diretores do filme Xapiri sobre o xamanismo Yanomami. 143


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FÉLIX GUATTARI




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