Kutuzov: por uma estratégia destituinte hoje Stéphane Hervé e Luca Salza Tradução Francisco Freitas
Contra a profusão vertiginosa de discursos decretando a urgência da ação. “E o conde Rostopchine, que tão depressa envergonhava os que fugiam assim como ordenava que se fechassem as repartições públicas; que umas vezes distribuía entre o povo embriagado armas que para nada serviam, organizando procissões pelas ruas, e outras proibia o metropolita Augustin de o fazer; que requisitava agora todos os carros particulares existentes na cidade e logo utilizava cento e trinta e seis carroças para transportar o famigerado balão de Leppich; que tanto declarava que poria fogo em Moscou como que incendiara a sua própria casa enquanto numa proclamação aos franceses os censurava solenemente por haverem saqueado o asilo de crianças por ele fundado; que ora se vangloriava do incêndio de Moscou, ora o reprovava; que ora dava instruções ao povo para pegar os espiões e trazê-los, ora o condenava por ter feito isso; que ora expulsava de Moscou todos os franceses, ora deixava em paz Madame Aubert-Chalmé, sob cujo teto se reunia toda a colônia daquele país, quando, sem qualquer motivo especial, mandava prender e deportar o velho e venerando diretor dos correios, Kliutcharev; que ora mandava convocar o povo para se reunir em Tri Gori e marchar contra os franceses, ora, para se ver livre da multidão, lhe entregava um homem para que ela o liquidasse enquanto ele próprio fugia pela porta dos fundos; que ora dizia que não sobreviveria às desgraças de Moscou, ora escrevia num álbum, em francês, uma quadra sobre o papel que estava a desempenhar, esse homem nada percebia dos
grandes acontecimentos que estavam a darse, apenas queria fazer alguma coisa, pôr-se em evidência, realizar um feito patriótico, brincando como uma criança enquanto se cumpria esse ato formidável e fatal que foi a evacuação e o incêndio de Moscou. Com os seus bracinhos de criança ora tratava de incentivar, ora de deter essa imensa torrente popular que tudo arrastava no seu curso.”1
Quando acaba de descrever a guerra – os russos abandonaram o campo de honra depois da Batalha de Borodino (7 de setembro de 1812) e os franceses, conduzidos por seu bravo Imperador, se encaminham para tomar Moscou –, Tolstói nos oferece um quadro impressionante do que essa guerra provoca na retaguarda. O conde Rostopchine, governador militar de Moscou, se empenha com fervor e abnegação na defesa da cidade. Há vários meses ele não cessa de produzir cartazes para alertar a população sobre os avanços do exército de Napoleão na Rússia. Quando os acontecimentos se precipitam, ele multiplica as ações. Embora se contradigam, o que conta é o movimento, a agitação, diríamos: é preciso dar a impressão de fazer, sobretudo não convém permanecer inerte face ao abandono de Moscou. Com efeito, Moscou está “deserta”, um “acontecimento inacreditável” ocorreu. Depois de Borodino, o exército russo decidiu não defender a cidade e se retirou para o interior do país. Os habitantes, logicamente, partiram. Ademais, incêndios começam a devastar Moscou. Quando Napoleão entra na cidade, não há nenhuma delegação a esperar por ele. Por quê? O que se passa? Nenhuma negociação é possível: “a 1 TOLSTOI. Guerra e Paz, vol III. Trad. João Gaspar Simões. Porto Alegre: L&PM POCKET, 2008, pp. 1021-2.
questão de saber se se estaria bem ou mal sob a administração francesa em Moscou não podia ser posta. Não se poderia viver sob a administração francesa”. Em nome deste inegociável, os moscovitas abandonam seus bens, se dispersam para fora da cidade, a desertam no sentido próprio do termo. Esta deserção em massa é comandada pelo marechal de campo Kutuzov, o inventor de uma estratégia de retirada face ao avanço do Grande Exército napoleônico. “Inventor” é provavelmente um exagero; Kutuzov, na realidade, quase não pronuncia palavra, não define nem esboça qualquer estratégia. Ele até zomba das estratégias. Kutuzov é apresentado justamente como o oposto de Rostoptchine. Se o governador prega a ação, Kutuzov se distingue pela inação. Se Rospotchine é vivo, enérgico, Kutuzov adormece durante os conselhos de guerra, anda com um passo incerto, não tem nenhuma compostura sobre um cavalo, não vê quase nada com seu único olho. Ele está sempre distraído, cansado. Um marechal de campo inativo é uma figura, admitamos, inabitual. Tolstói parece ter um prazer particular em descrever esse velho. Através dele, ele quer sobretudo nos fazer refletir sobre as atitudes a tomar face ao acontecimento. Quando um grande acontecimento se produz, quando a História se materializa, quando se a vê passar diante de nós, para retomar as palavras de um alemão célebre, o que fazer? No caso, trata-se de saber quem, entre Rostoptchine e Kutuzov, agarra o acontecimento. O narrador coloca a questão e dá a resposta. O ativismo do conde Rostoptchine não está à altura do que se passa: o conde se pensa como um homem que pode agir na história, pode intervir na história, pode fazer, ao passo que o abandono, a deserção, o não-fazer que Kutuzov “personifica”, nesse caso preciso, são, segundo o narrador, a única resposta possível face à História. “Paciência e tempo”: é respondendo nesses termos “inoperantes” à questão
“O que fazer” que Kutuzov elabora uma estratégia vitoriosa face a Napoleão. Confinados em casa há mais de dois meses, em outro tipo de “deserto”, em vez de Camus e de Agamben, preferimos ler Tolstói. Não pensamos que os acontecimentos recentes sejam apreendidos se nos atermos às angústias existenciais, se nos contentarmos em refletir sobre a emergência de um governo pela mentira consentida e sobre a perenidade, de todo modo detestável, do estado de emergência. Devido ao encadeamento cronológico fortuito com os movimentos sociais do inverno, este período nos coloca primeiramente muitas questões de estratégia política. A luta não acabou. Pois, por trás do narcisismo de diferentes blogs ou diários de confinamento, por trás das justificativas relativas às proibições e ao rastreamento para a salvação de todos, por trás dos dados pretensamente objetivos enumerados por especialistas em saúde pública, em epidemiologia, em virologia, em microbiologia, em infectologia, em seja lá o que for (se houve uma grande vítima durante esse período, é a própria ideia de objetividade – ninguém mais acredita nela), ainda se tramam disputas políticas. E quem são as pessoas que foram obrigadas a continuar a ir para o seu local de trabalho por um salário miserável? Então, é claro, prometeram-lhes gratificações, mas sob quais condições! Deram-lhes um reconhecimento social, dizem as mídias, como se um “obrigado” aplicado a um retrato sorridente, tal como apareceu na primeira página de um grande jornal do Norte, fosse suficiente para fazer deles cidadãos honorários. Aliás, eles já desapareceram. Tudo recomeça, finalmente, exclamam, aliviados, os comentadores. Mas o pesadelo da greve já desponta. Para nosso grande espanto, em uma conjuntura histórica favorável à paralisação do sistema, à
greve precisamente, pudemos ler os cartazes, os textos, as proclamações de diversos Rostoptchine da época moderna que nos incitavam a “agir”. Liberdade, liberdade... liberdade! Diziam eles. É preciso agir. Contrariar o estado de exceção. Manifestar, se manifestar. Sair. Não somos mais o “povo das varandas”? –se perguntavam eles, maravilhados. E a escola, esse grande lugar de emancipação, por que ainda está fechada? É o destino de nossos filhos que está em jogo. É necessário, urgente, vital recomeçar a vida, ainda que seja uma vida inútil, sem sentido, submetida à lei do valor, a vida que conhecemos antes da irrupção do vírus. Tivemos que ler quilômetros de linhas desses Rostoptchine indignados. Eles querem lutar – pela caneta, é claro, também não exageremos –, eles se agitam, nos convidam a nos mover para não afundarmos na inatividade, no deserto. Por todos os lados, uma agitação verbal, um excesso analítico, uma profusão vertiginosa de discursos decretando a urgência da ação. Aqueles mesmos que denunciam a anormalidade do poder, o estado de exceção permanente, não hesitam em repetir os mesmos slogans, os mesmos apelos dos “tomadores de decisões”, desse lado do planeta e do outro, que doravante trabalham, desavergonhada e descaradamente, em favor da “Grande Restauração”, a retomada e a aceleração do modelo econômico e social que dominava antes do confinamento.2 Será preciso retomar a “Bullshit Economy” [Economia de Merda]? – se interrogava há um mês David Graeber. Será preciso ainda se dedicar a “esse setor de merda” constituído por “todas essas pessoas [gerentes, consultores de RH e telemarketing, administradores, gestores...] 2 Alain Brossat, Alain Naze, L’épouvantable restauration globale. Disponível em: https://ici-et-ailleurs.org/contributions/actualite/ article/l-epouvantable-restauration
cujo trabalho, em suma, consiste em nos convencer de que seu trabalho não é uma pura e simples aberração?”3 Começou tudo de novo, é claro (Graeber não estava enganado), e os planos de recuperação, tão miraculosos quanto a multiplicação dos pães, vêm acompanhados de outros planos, sem dúvida elaborados por esses mesmos consultores há muito tempo ociosos, planos de demissão, de reorganização, de modernização... E as ameaças, as chantagens abundam. Será preciso realmente seguir as regras dessa economia de merda e promover sua própria agitação inútil? Estar à altura do acontecimento hoje, neste mundo humano que doravante já sabemos terminado, não será fazer como Kutuzov, ou seja, continuar a não fazer nada, radicalizar a nossa inatividade imposta? Deixemos Rostoptchine se agitar e os consultores serem aberrantes. Não podemos mais respirar neste mundo por causa de um vírus, por causa da poluição atmosférica, por causa da violência do Estado, por causa de um calor cada vez mais opressivo, por causa da explosão de algumas engenhocas ou de uma fábrica classificada Seveso4. Todas e todos nós sabemos disso. Nós vivemos neste fim, no prolongamento deste fim. Não é o assunto de alguns profetas. Todo mundo vê, todo mundo sabe. Talvez seja essa a novidade. A epidemia em curso nos ensina de uma maneira irreversível: nós vivemos na catástrofe. A catástrofe não é para amanhã, como nos repetem nossos dirigentes para exigir de nós o que chamam de “adaptações” (ganhar menos, trabalhar mais) ou para nos culpabilizar por nossos hábitos. Já chegamos nela. Desta vez, é um vírus que revela o 3 David Graeber, « Vers une bullshit economy », Libération, 27 mai 2020. 4 Seveso é o nome dado a um conjunto de diretrizes europeias para identificar e prevenir acidentes industriais graves. O nome é devido à catástrofe ambiental de Seveso, na Itália, em 1976, quando ocorreu o vazamento de produtos tóxicos de uma indústria química. [N.T.]
desastre. Na realidade, é todo um sistema, social, político, econômico, moral, que está em crise profunda, que nos “sufoca”. Por que então fazer como se nada estivesse acontecendo? Batalhar, lutar, fazer... Por quê? Pelo mundo de ontem? Pelos engarrafamentos nas cidades? Pelos metrôs lotados? Por um céu poluído de aviões? Por uma escola que há pelo menos trinta anos não é o ascensor de nada? Para morrer com a cara no chão sem ar nos pulmões? Por alguns centavos de esmola no salário daqueles que, entre nós, estiveram mais expostos ao vírus? Apesar de uma produção desacelerada, não nos faltou nenhum bem material durante a crise. O sistema “super-produz”, evidentemente. Face a esse Napoleão, avançando sempre em frente, produzindo sem cessar, nossa estratégia consistirá em lhe opor um outro ativismo? Havíamos convocado uma “greve Carlitos5” quando o movimento social explodiu na França antes da epidemia.6 Acreditamos na greve como gesto de paralisação total, paralisação do sistema, de sua máquina e maquinaria. Há ainda uma lição a tirar desses últimos meses (decididamente, a inação se revela rica em saberes): essa máquina, dita incontrolável, pode cessar de se mover, basta querer. O confinamento não reafirmou indiretamente a potência política da greve, na qual poucos ainda acreditavam? Continuar a não fazer nada, depois da epidemia, significa continuar essa greve, radicalizá-la, pois desta vez o acontecimento realmente diz respeito a todo mundo. Em vez de nos escandalizarmos com 5 Alusão ao personagem de Charlie Chaplin em Tempos modernos. [N.T.] 6 Pierandrea Amato, Luca Salza. Pour une grève-Charlot. Disponível em: https://revue-k.univ-lille.fr/cahier-special-2020.html
a perda da nossa querida liberdade, devemos aproveitar a oportunidade, aproveitar o tempo. “Tempo e paciência”. Este é um pensamento estratégico. Devemos transformar o confinamento em greve. Sabendo que só uma greve – paralisação total de tudo, paralisação de um mundo – pode nos salvar. Toda atividade a partir de agora é inútil, até mesmo criminosa. Retiremo-nos para não participarmos, à nossa revelia, mesmo contestando-as, das grandes reuniões que começam ou se aproximam, organizadas por todos os corpos instituídos (Estados, partidos, mídias) para refletir sobre o próximo mundo. Retiremo-nos, para não fazer parte involuntariamente do controle social, encontrando os famosos evasores, “perdidos” para a instituição escolar, que os percebe como sombras inquietantes irrecuperáveis. Retiremo-nos, para não perder terreno, das formas e momentos de vida, dos gestos sem valor de mercado, que o capitalismo de captação tentará pisar pouco a pouco. Retiremo-nos, para sair do hedonismo consumista que se tinge de convivialidade e de estarjuntos. Escutemos o presidente Macron e sigamos literalmente sua péssima metáfora belicosa. Ele não disse que, não fazendo nada na “retaguarda, ajudaríamos na vitória”? Pois bem, tomemos as palavras, mas invertamos as linhas. Lutemos através da inação. Não adianta nada imaginar atos positivos ou, pior ainda, heroicos, para contrariar a História. Defendemos muito mais o evitamento, a esquiva. Não lutamos por um contra-poder, mas para afirmar o vazio do poder. Como Kutuzov, nós recuamos. Nós recuamos pois o capitalismo continuará a avançar e os mercados à distância (ensino à distância, medicina à distância, consultoria à distância,
... à distância) estão se abrindo devido a essa epidemia. Mas não nos refugiamos em cabanas na floresta, como eremitas ou utopistas. Nós desaparecemos do jogo, mas estamos aqui, prontos para não fazer nada. Retirar-se faz parte da guerra, como aprendemos com outro grande general desertor, Spartacus. Foi porque ele não cessou de se retirar em sua errância inoperante, não querendo nada mas exigindo tudo, que o poder da oligarquia romana vacilou, e é porque ele foi convencido por seus companheiros à luta frontal que foi vencido, nos ensina Plutarco. A inação é perigosa, pois ela não é privativa, já que ela faz sentir a pulsação infinita do mundo. É na inação que se percebe a multidão das formas de existência, que se inventam outros mundos. A inação é intolerável para o poder. Ninguém quer isso, nem os Imperadores, nem os Estados Maiores, nem os Rostoptchine, nem os especialistas, nem a mídia. Contra eles, nos tornamos soldados do fracasso. Um fracasso no entanto vencedor. Quem deteve a marcha triunfal de Napoleão, sem contudo ganhar? Quem irá deter a pavorosa restauração em ato? Com efeito, a retirada se torna estratégia da vitória. Portanto, a paralisação da produção/ destruição é um gesto político, autônomo. Não é mais um poder morto que nos confina. Somos nós que decidimos parar tudo. Só retornam alegremente ao trabalho aqueles para quem viver significa preencher incessantemente uma falta, para quem a inação é uma potência privativa, é sinônimo de impotência, como esses criadores e estudiosos que sofreram por não produzir valor, à maneira de um gerente que não pôde produzir seus relatórios. Quanto a nós, continuamos a ler e a escrever, a fazer jardinagem, a jogar xadrez com nossas crianças, a tirar nossos velhos dos asilos.
Nós tecemos outros laços sociais, como aqueles criados pelas brigadas de ajuda popular, outras maneiras de existir. Enquanto o poder nos convida a fazer, a consumir, a ser como antes, escolhemos não fazer nada. Salvamos o mundo e nossas vidas. Imaginem a cara dos comentaristas políticos, imaginem a cara dos ministros, como a Ministra do Trabalho francesa, Sra. Pénicaud, que nos implora para gastarmos rapidamente o dinheiro economizado durante o confinamento, imaginem a cara dos patrões e de seus gerentes, consultores zelosos, administradores e contadores, se ninguém participa do esforço da “retomada”. Uma gigantesca greve da existência paralisando tudo, continuando a paralisar tudo. Imaginem a cara desses ricaços frequentadores dos restaurantes luxuosos, desses representantes do fantoche “nação start-up”, de todos os produtivistas, se continuamos a não fazer nada... Eles se parecerão com o coitado do Napoleão quando entrou em Moscou e não encontrou ninguém. Seu exército não pôde nem mesmo fazer sua bela marcha triunfal, como de costume. Uma terrível situação o dominou: o “ridículo”. Existe uma arma mais poderosa contra os poderosos? Um exército conquistador, após meses de combates ferozes, toma uma cidade, mas não tem ninguém! Seu chefe não tem direito a nenhum ato de submissão. Foi então que Napoleão perdeu todo o gênio militar que o tornou imortal, que o seu famoso exército deixou de ser uma horda compacta e se tornou um bando de salteadores. Do outro lado, ao contrário, os russos, nessa estratégia de evitamento, tornam-se novamente um povo. Um povo em luta. Com efeito, a estratégia de Kutuzov é a consequência da vontade feroz que emerge anonimamente, sem razão, sem declaração, das vísceras de todo um povo.
Nós também, continuando nosso exílio, radicalizando nosso não-fazer, nos tornamos novamente um povo, um povo-chevique7, um povo da insubmissão, não negociável, da recusa absoluta. Após os incêndios de Moscou e a retirada definitiva dos franceses, bandos se organizam para assediar o Grande Exército durante sua fuga. Denisov e Dolochov8 são silhuetas de antigos guerrilheiros. São os líderes de uma guerra partidária, os primeiros exemplos heroicos de uma guerra de libertação. Formas de “resistência” também se organizam hoje, face à estupidez e nocividade do poder. Mas, como Kutuzov, nós esperamos sair da dialética amigo/ inimigo, poder/contra-poder. Kutuzov nunca quer atacar, ele precisa brigar contra seus generais aspirantes à glória. Parem, não vale a pena. Não busquem a guerra. Estamos aqui. Isso basta. Kutuzov compreende que a vitória resultará dessa determinação. É uma determinação proveniente da vontade terrível de todo um povo: o povo se manifesta nessa recusa mesma. Mais precisamente: é essa recusa que cria o povo. A fim de caracterizar essa recusa, de explicar o gesto de retirada dos russos, Tolstói fala de um “ato negativo” que reuniu o povo e expulsou os franceses. É uma palavra admirável. Kutuzov é, apesar dele, apesar de suas insígnias, um nome dessa estratégia destituinte. 7 Esta expressão pode ser entendida de duas maneiras. Primeiro, como trocadilho irônico entre bolchevique (ala majoritária do Partido Socialista Russo, seguidora de Lenin) e menchevique (ala minoritária), portanto, um povo que não é nem maioria nem minoria. Do russo: bolshoi = grande, men-she = menos. Segundo, como referência ao personagem do romance satírico do escritor tcheco Jaroslav Hasek, As aventuras do bom soldado Svejk (nome transliterado em francês como Chveik), cujo carácter aparentemente ingênuo, idiota, detona bombas de riso contra o entusiasmo da guerra. 8 Personagens de Guerra e Paz.
Neste momento, há uma proliferação de “atos negativos” desse gênero, a despeito de todas as injunções do poder em favor da mobilização, apesar de todos os Rostoptchine. Um povo/não povo até está se esboçando. Ele não tem nenhuma intenção de participar das tentativas de restauração. Ele está pronto para se afastar, para desertar, para tentar viver ainda, verdadeiramente. Camaradas, continuemos a nos desmobilizar. Publicado em lundimatin, 29 de junho de 2020.