a clausura ante o vírus versus o desejo colonial por expansão, domínio, devassidão: Tatiana Nascimento
silêncio, quietude, recolhimento: o vírus pode significar também esse chamado pra dentro. inverte a lógica colonial, que é a lógica do capital, mesmo modo de vida que nos trouxe nesse pré-apocalipse que umas poucas elites assistem de camarote. o desejo colonial pede expansão, o vírus chama ao recolhimento. o desejo colonial quer exercer domínio, controle; o vírus confunde. subjuga. demanda submissão, quietude. o desejo colonial quer devassar y estraçalhar tudo, por isso se lança ao desespero das bravatas, aos discursos ignorantes, aos apelos conflituosos, faz ruído demais. fala sem sentido (aparente). o vírus exige da gente silêncio. voltar ao tempo da caverna, em alguma medida. a confusão midiática é uma das estratégias mais eficientes do bioterrorismo, política de estado que orbita o vírus. as notícias ruins chegam na velocidade do espirro por todos os canais: contaminam tudo. o pânico tem transmissão mais rápida que o vírus, repara... no fundo no fundo o vírus nos lembra que a morte há de chegar, sempre, y isso causa terror ao desejo colonial de imortalidade.
mas a história de tempo é que só realizou sua natureza, de passar, depois que o filho trovão decidiu terminar seu banquete: kronos devorava a prole pra nunca ser ancestro, ser sempre eterno. em sua aniquilação é que aprende a significar mudanças enormes. precisou a alegria intempestiva de júpiter, fé no futuro, levar o planeta-pai, pra dançar. o cronômetro do apocalipse talvez seja humano: tem muitas coreografias bonitas no caos. o planeta não é palco só de nossas danças “de gente”, civilização. hoje vi uma lagarta se recolhendo pra enclausurar... casulo: pequena. silente. quieta. ensimesmada. orgânica. rastejar, recolher, aprender a voar. pero o desejo colonial sonha uma máquina pesada y rígida demais, repara: o vírus parece um ponto de ferrugem. tem muito ar y muita água no planeta, ela logo se espalha...
Tatiana Nascimento, brasiliense, sapatão, é palavreira: poeta, compositora, cantora, tradutora, editora na padê editorial. Publicou entre outros 07 notas sobre o apocalipse, ou, poemas para o fim do mundo (2019).