"o que importa agora é a cultura da vida, não a cultura da morte" Zé Celso
por Eduardo Maretti
“É um momento de assassinato da vida, em todos os sentidos. Você tem um governo doente, analfabeto, ignorante”, diz dramaturgo O dramaturgo, ator, e diretor teatral José Celso Martinez Corrêa afirma ter certeza de que, após a atual pandemia de coronavírus, o mundo nunca mais vai ser o mesmo. “Tenho certeza que não. Não sei se vai ser pra melhor ou pior, mas não vai ser a mesma coisa. Eu torço para que a gente aproveite esta experiência e continue lutando por uma economia mais ecológica. Não só a economia, mas por uma estrutura baseada na saúde, na vida, na saúde da Terra”, diz. Em entrevista à Rede Brasil Atual, o artista, uma das principais vozes da resistência cultural do país, afirma que não tem problema com as limitações que ficar em casa impõe durante a quarentena. “Continuo criando, leio, estudo, estou fazendo um livro. Aqui em casa a gente está obedecendo todo o ritual necessário.” Zé Celso divide a moradia com outras três pessoas: o ator Marcelo Drummond, a “conselheira poeta” Catherine Hirsh e o assistente Beto Eiras. Ele faz um paralelo do “ritual” consequente do isolamento social, em que vê pontos de associação à atividade teatral. “Porque no teatro você ritualiza tudo. A situação do ator em cena é uma situação como se fosse lisérgica, você invoca energias. Acho que nesse momento a infraestrutura não é mais econômica, estamos entre a vida e a morte.” Para ele, o capitalismo “está agonizante e está destruindo tudo”. Por isso, em sua opinião, a urgência em se dedicar à vida, porque “a vida é o dínamo da cultura”. “A coisa mais importante agora é a cultura da vida, e agir de acordo com a cultura da vida, não com a cultura da morte”. No Brasil, o governo de Jair Bolsonaro representa a cultura da morte, diz. “Esse governo tem que
cair, cara! Bolsonaro tem um instinto de morte, de Tânatos, muito forte. Ele não sabe o que fazer a não ser destruir, destruir e destruir. Não tem nenhuma ação construtiva, nada, em todo o governo dele. A luta nesse momento é pela vida, nesse momento de vida e morte”, reforça o dramaturgo. Ele destaca também que, se consegue encarar a quarentena com naturalidade, o momento é de grande dificuldade para o teatro, enquanto atividade também econômica. Segundo Zé Celso, os patrocinadores abandonaram os artistas e a produção cultural desde o impeachment de Dilma Rousseff. “Estamos muito preocupados porque todo mundo que trabalha em teatro, em show, está completamente desamparado.” CONFIRA A ENTREVISTA: Como está a situação da cultura? E a Regina Duarte como secretária de Cultura? Ela vai sair agora, e não vai fazer nada, claro. O Bolsonaro está conciliando todo mundo a pedir que ela saia, se demita. Ela respondeu que é “zen”, mas não vai ficar, não. Estamos muito preocupados porque todo mundo que trabalha em teatro, em show, está completamente desamparado. Ontem caiu minha ficha, acho necessário fazer uma campanha forte em favor desses artistas todos. A Petrobras deixou de nos apoiar, tínhamos apoio da Petrobras, da secretaria de Cultura da prefeitura (de São Paulo) também. Não temos mais patrocínio nenhum, de nada, há muito tempo, desde o impeachment da Dilma. A bilheteria da peça Roda Viva estava ótima, o tempo todo lotada, mas a gente não pode mais fazer peça, neste momento.
Vê alguma luz no fim no túnel? Não (risos). É preciso fazer um movimento. No Rio de Janeiro é mais fácil, porque tem o apoio dos atores do Rio de Janeiro, que são ricos. Em São Paulo é dificílimo. A quem você vai recorrer? À avenida Paulista? (risos). É difícil, porque essa gente investe no desmatamento da Amazônia, apoia Ricardo Salles, que está no Meio Ambiente, uma coisa absurda. Ele é tão ruim quanto Bolsonaro. É terrível, porque não se fala dele, e, aproveitando o coronavírus, ele está mandando ver. Com o coronavírus, a Terra está dando um aviso, inclusive. Pra mim isso é uma espécie de espasmo da agonia da Terra. E assim mesmo ele continua incentivando o desmatamento da Amazônia, e agora da Mata Atlântica. É muito preocupante o cenário. Mesmo depois que a gente superar essa crise – não se sabe quando –, a situação de agonia da Terra é muito grave. Os polos estão descongelando, e os mares estão subindo. Tem muitos sinais terríveis. E ainda tem gente que acredita na terra plana… (Risos) Mas até a terra plana tem que cair, cara! Essa “terra plana” é a desgraça aqui no Brasil. O Brasil, especialmente, está sofrendo muito por causa dessa “terra plana”. Tem o pior governo que já teve em sua história. Como você está enfrentando essa pandemia? A quarentena, no sentido de ficar em casa, para mim não há problema, porque continuo criando, leio, estudo, estou fazendo um livro. Aqui em casa a gente está obedecendo todo o ritual necessário. A gente completa com uma coisa que faz muito no teatro, porque no teatro você ritualiza tudo. A situação do ator em cena é uma situação como se fosse lisérgica, você invoca energias. Acho que nesse momento a infraestrutura não é mais econômica, estamos entre a vida e a morte.
A grande preocupação nesse momento é a vida, e a vida é o dínamo da cultura. A coisa mais importante agora é a cultura, a cultura da vida, e agir de acordo com a cultura da vida, não com a cultura da morte, que é o capitalismo, que está agonizante, e está destruindo tudo. Algumas pessoas acreditam que, depois dessa pandemia, o mundo não vai ser mais o mesmo. Você acredita nisso? Tenho certeza que não. Não sei se vai ser pra melhor ou pior, mas não vai ser a mesma coisa. A gente vai mudar de era. Eu torço para que a gente aproveite esta experiência e continue lutando por uma economia mais ecológica. Não só a economia, mas por uma estrutura baseada na saúde, na vida, na saúde da Terra. Quando veio o golpe na Dilma, todos os órgãos de defesa do patrimônio cultural foram tomados pelo mercado. E todos passaram a servir ao mercado. O Parque do Bixiga, depois de aprovado duas vezes na Câmara Municipal, foi vetado (em março, pelo então prefeito em exercício Eduardo Tuma), sem examinar nada, sem olhar o projeto. Agora o Suplicy está lutando por essa causa. O que está em primeiro plano é o coronavírus, como em tudo, mas é um exemplo para a cidade o que queremos fazer lá. A metáfora que a gente tinha era “Oficina de Florestas”, um reflorestamento. Com essa tragédia, temos que aprender a lutar por um mundo em que a ecologia tem importância muito grande. Você diz que acredita que o mundo vai mudar. Mas e o Brasil, com esse governo? Esse governo tem que cair, cara! Está a perigo. Só não caiu por causa do coronavírus. Tem quase 30 pedidos de impeachment (na verdade, 31). Hoje mesmo o STF proibiu que o Bolsonaro botasse um amigo da família dele, do Carlos, na Polícia Federal.
Bolsonaro tem um instinto de morte, de Tânatos, muito forte. Ele não sabe o que fazer a não ser destruir, destruir e destruir. Não tem nenhuma ação construtiva, nada, em todo o governo dele. A luta nesse momento é pela vida, nesse momento de vida e morte. É preciso aprender nesse momento como retomar, depois que passar essa crise, e não se sabe quando, porque a crise da gripe espanhola, por exemplo, durou dois anos e meio, quase. Começou em 1918 e só terminou nos anos 20, no carnaval, um carnaval maravilhoso… Mas a ciência está mais avançada hoje. Está mais adiantada hoje, mas de qualquer maneira a ciência não sabe o que é isso. Estão tentando vacinas. Mas mesmo aqui em São Pauulo essa coisa de reclusão… Não se acredita nisso, está caindo muito. Olhando para a pandemia, você a vê de maneira totalmente racional, ou também por algum aspecto não racional, místico ou metafísico? Não acredito em metafísica. Eu sou concreto, mas no sentido que tenho uma visão de mundo que vai além de esquerda e direita. Vejo a política como cosmopolítica, que envolve não só a luta social, mas sobretudo pela Terra. A luta com os índios, que são a nossa vanguarda. Os índios são nossos grandes intelectuais como (Ailton) Krenak, Davi Kopenawa. Pode ser até que eu monte (um espetáculo teatral baseado no) livro dele, A queda do Céu. Essa “coisa desenvolvimentista” naufragou. O problema do coronavírus escancara a luta de classes, a diferença de classes, a situação dos semteto, dos que moram na rua, a situação das favelas, dos índios. Esse governo incentiva os madeireiros, os garimpeiros, eles levam a doença aos índios. É um momento de assassinato da vida muito grande, em todos os sentidos. Você tem um governo doente, analfabeto, ignorante, não sabe nada de nada.
Nesse cenário, não acha que a ciência tem tanta importância quanto a cultura? Mas é enorme a importância da ciência! A ciência e a arte são as duas coisas mais importantes na vida. A arte como a arte de viver, de criar, de criar com a natureza. Nunca fui por uma arte abstrata, uma arte pela arte, a arte é uma coisa vital, muito ligada à vida. Por Eduardo Maretti, da RBA Publicado em 29/04/2020