Réquiem para os estudantes Giorgio Agamben
Tradução Francisco Freitas
Como havíamos previsto, as aulas nas universidades a partir do próximo semestre serão online. Aquilo que para um observador atento já era evidente, a saber, que a assim chamada “pandemia” seria usada como pretexto para a difusão cada vez mais invasiva das tecnologias digitais, foi plenamente realizado. Não nos interessa aqui a consequente transformação da didática, em que o elemento da presença física, sempre tão importante na relação entre estudantes e docentes, desaparece definitivamente, como desaparecem as discussões coletivas nos seminários, que eram a parte mais viva do ensino. Faz parte da barbárie tecnológica que agora vivemos o apagamento da vida de toda experiência dos sentidos e a perda do olhar, permanentemente aprisionado numa tela fantasmagórica. Mas ainda mais decisivo é algo de que, significativamente, nada se fala: o fim da vida estudantil como forma de vida. As universidades nasceram na Europa das associações de estudantes – universitates –, e a elas devem seu nome. Ser estudante era antes de tudo uma forma de vida em que certamente eram determinantes o estudo e a escuta das aulas, mas não menos importantes eram o encontro e a troca constante com os outros scholarii, que frequentemente vinham dos lugares mais remotos e se reuniam em nationes segundo seu lugar de origem. Essa forma de vida evoluiu de diferentes modos ao longo dos séculos, mas era constante, dos clerici vagantes do medievo aos
movimentos estudantis do século XX, a dimensão social do fenômeno. Quem quer que tenha ensinado em uma sala de aula universitária sabe bem como, por assim dizer, sob seus olhos, se formavam amizades e se constituíam, segundo os interesses culturais e políticos, pequenos grupos de estudo e de pesquisa, que continuavam a se reunir mesmo após o fim do curso. Tudo isso, que durou quase dez séculos, agora termina para sempre. Os estudantes não viverão mais na cidade onde está sediada a universidade: cada um escutará as aulas fechado em seu quarto, separado às vezes por centenas de quilômetros daqueles que foram antes seus companheiros de estudo. As pequenas cidades, outrora sedes de universidades prestigiosas, verão desaparecer de suas ruas aquela comunidade de estudantes que constituía frequentemente sua parte mais viva. Pode-se afirmar que, em certo sentido, cada fenômeno social que morre merecia seu fim. É certo que nossas universidades chegaram a tal ponto de corrupção e de ignorância especializada que não há o que lamentar e que, por conseguinte, a forma de vida dos estudantes foi igualmente empobrecida. Contudo, dois pontos devem ficar claros: 1. Os professores que aceitam – como estão fazendo em massa – submeter-se à nova ditadura digital e manter seus cursos somente online são o equivalente perfeito dos docentes universitários que, no fim
da década de 1920 e começo da década de 1930, juraram fidelidade ao regime fascista de Mussolini. Como aconteceu à época, é provável que, a cada mil docentes, apenas doze recusarão, mas certamente seus nomes serão lembrados ao lado daqueles doze que também se recusaram a fazer o juramento fascista. 2. Os estudantes que amam verdadeiramente o estudo deverão se recusar a se inscrever nas universidades assim transformadas e, como em sua origem, deverão se constituir em novas universitates. É somente no interior delas que, face à barbárie tecnológica, a fala do passado poderá permanecer viva, e é somente aí que pode nascer, se é que chegará a nascer, algo como uma nova cultura. Revisão técnica de Pedro Taam Giorgio Agamben é filósofo Publicado originalmente no dia 23 de maio de 2020 no site do Istituto Italiano per gli Studi Filosofici. Foi traduzido ao francês por Florence Balique, publicado por Lundimatin #246, em 8 de junho de 2020.