William James, a construção da experiência

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DAVID LAPOUJADE

WILLIAM JAMES, A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA

TRADUÇÃO HORTÊNCIA SANTOS LENCASTRE REVISÃO TÉCNICA CASSIANO TERRA RODRIGUES



INTRODUÇÃO 09

A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA CAPÍTULO 1

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O EMPIRISMO RADICAL

Plano e material: a experiência pura O “monismo vago”: uma experiência sem “ego” A interpretação e as séries significantes Função e convenção (contra o hilemorfismo) CAPÍTULO 2 51

VERDADE E CONHECIMENTO

Como criar verdades? Linhas e pedaços O conhecimento deambulatório CAPÍTULO 3 85

CONFIANÇA E COMUNIDADE PRAGMATISTA

Confiar As convenções ou como escolher uma filosofia? A comunidade de interpretação CONCLUSÃO 117

ACREDITAR NESTE MUNDO

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EDIÇÕES UTILIZADAS

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SOBRE O AUTOR



INTRODUÇÃO



A CONSTRUÇÃO DA EXPERIÊNCIA

Tudo o que conservamos de William James é uma contribuição à psicologia — a célebre descrição do “fluxo de consciência” [stream of consciousness] — e a instauração doutrinal do pragmatismo, principalmente através de sua teoria instrumentalista da verdade: “Nossa explicação da verdade é uma explicação de verdades no plural […] que têm somente essa qualidade em comum, a de que elas pagam. […] Para nós, a verdade é simplesmente um nome coletivo para processos de verificação, do mesmo modo que saúde, riqueza, força etc. são nomes para outros processos ligados à vida e também perseguidos porque compensa persegui-los.”1 A verdade é aquilo que é rentável, aquilo que “paga”;2 é a ação vantajosa bem sucedida. Basta reverter a definição para ver no pragmatismo apenas a caricatura do símbolo do sucesso à moda americana: o lucro, a saúde e a força são as únicas verdades. A obra de James é vista com frequência como a filosofia do capitalismo selvagem, das ideias que “pagam”, das verdades que “vivem a crédito” — enfim, tudo aquilo que o senso comum entende hoje por “pragmatismo”, uma espécie de ready-made do capitalismo. É assim, por exemplo, que Horkheimer expõe o pragmatismo, de Peirce a 1. Pragmatism: a new name for some old ways of thinking, p. 104 [Ed. bras.: “Pragmatismo” in Pragmatismo e outros textos, trad. de Jorge Caetano da Silva e Pablo Rúben Mariconda. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 78. Aqui, como na grande maioria das vezes, a tradução foi modificada. Indicaremos tal mudança, a partir de agora, pela assinalação t.m.]. 2. Optamos por não utilizar o pronome apassivador (como em “aquilo que se paga”) porque, para James, os processos — a verdade, a saúde, a riqueza, a força etc. — valem, compensam, satisfazem, sem um caráter retroflexo, mas justamente porque levam a experiência adiante. [n.rt.]

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Dewey: “A filosofia deles reflete, com uma sinceridade quase ingênua, o espírito da cultura comercial predominante, a própria atitude de ‘ser prático’ sendo algo em relação a que a meditação filosófica como tal era tido como oposta.”3 Esforçamo-nos para estabelecer a imagem de uma filosofia propriamente americana — direta, inocente, mercantil — da qual o pragmatismo de James seria a mais forte encarnação. Curiosamente, quando se trata de James, invocamos, mais do que o fazemos em relação aos seus contemporâneos — Peirce ou Royce, por exemplo —, a ideia de uma filosofia propriamente americana. Nós o apresentamos como aquele que dá à América sua filosofia nacional, tal como o fazemos com Fenimore Cooper e Walt Whitman com relação à literatura. E, no entanto, nada está mais distante dele, por exemplo, do que as recentes teses ditas “neopragmatistas” de um Rorty, que propõe estabelecer um critério especificamente americano da Conversação democrática universal ou promover os Estados Unidos como fonte originária fundamental de valores. Nada menos pluralista, nada mais estranho ao pensamento de James ou de Dewey do que isso que Rorty, entretanto, reivindica. Os esforços de James para dissipar os contrassensos não acarretaram nenhuma mudança: o pragmatismo continuou sendo a filosofia do homem de negócios americano e o próprio termo nada mais designa a não ser um sentido de ação oportunista. Entretanto, é o próprio William James quem denuncia, em diversas ocasiões, as ambições imperialistas dos Estados Unidos, seu mercantilismo generalizado, seu culto do dinheiro e do sucesso financeiro.4 O pragmatismo de James também não é uma “filosofia da ação”, no sentido de que teria como objetivo, ao estabelecer a teoria, descrever os mecanismos para obter uma maior eficácia; ou, ainda, no 3. Max Horkheimer, Eclipse da razão, trad. bras. de Sebastião Uchoa Leite. São Paulo: Centauro, 2010, p. 57. Cf. igualmente o primeiro capítulo de La philosofie américaine, de Ludwig Marcuse (trad. fr. de Danielle Bohler. Paris: Gallimard, 1967, p. 845), no qual o autor destaca a frase de Russell: “Penso que o amor à verdade é obscurecido na América pelo comercialismo, do qual o pragmatismo é a expressão filosófica.” 4. James denuncia, numa carta de 11 de setembro de 1906 a H. G. Wells, a “flacidez moral nascida do culto exclusivo da deusa cadela chamada Sucesso. É esta — com o sórdido sentido monetário que atribuímos à palavra sucesso — a nossa doença nacional” in Henry James (org.), The letters of William James, v. 2. Boston: Little, Brown, and Company, 1920, p. 259.

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sentido em que apelaria constantemente à ação como um fim último. O pretenso “sejamos práticos” não quer dizer: “tem que dar certo” de qualquer maneira, sob qualquer condição, desde que se tire daí um rendimento satisfatório. A definição pragmatista da verdade também não se resume a uma validação pela própria ação, mesmo que James afirme que a verdade de uma ideia reside em parte nas suas “consequências práticas”. Continuamos a identificar o campo da prática com o domínio da ação. No entanto, em James, o termo “prática” não diz respeito necessariamente ao domínio da ação por oposição ao campo da reflexão teórica; ele designa antes de mais nada um ponto de vista: “prática” significa que consideramos a realidade, o pensamento, o conhecimento (e também a ação) enquanto eles estão se produzindo. De maneira ainda muito genérica, a filosofia de William James é uma filosofia do homem que se produz num mundo que está ele mesmo se produzindo. O que ele criticará nos racionalistas e nos absolutistas (particularmente os hegelianos, que no entanto foram os primeiros a introduzir movimento no conceito) é chegar tarde demais, depois do acontecido, “quando uma forma de vida envelheceu” e o mundo já deu tudo o que poderia dar. Como diz James, “aquilo que realmente existe não são as coisas feitas, mas as coisas se fazendo”.5 Temos que considerar toda realidade no momento em que ela se cria. Isso não significa no entanto que se trata de uma filosofia do self-made man (individualismo pelo qual foi muitas vezes criticado), pois é evidente que o indivíduo não poderia se produzir se não estivesse ao mesmo tempo tomado pelo imenso fluxo do mundo, atravessado pelo movimento incessante daquilo que está sendo feito. Um problema percorre toda a filosofia de James: como o conhecimento, a verdade, a crença podem se produzir se o mundo no qual vivemos está sujeito a uma perpétua novidade? Não basta dizer, por exemplo, que uma ideia é pensada pela mente ou que a mente faz uma representação da ideia. Uma definição como essa está privada de movimento e, em relação a isso, bastante incompleta; é ainda preciso mostrar como a ideia se produz na mente e como a mente é produzida através dela, introduzir nessa definição aquilo que James chama de “consequências práticas”, critério essencialmente 5. A Pluralistic Universe, p. 117.

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pragmatista. A ideia não é mais definida como uma representação ou uma modificação da mente, mas como um processo através do qual a mente se produz. Esse já era o tema dos avanços essenciais da psicologia, por volta dos anos 1880-1890.6 Nos Princípios de psicologia (1890), as realidades psicológicas são tratadas como fluxos que se cruzam e se interpenetram num verdadeiro “emaranhado”. A consciência não se define como uma realidade substancial, nem mesmo como um ato reflexivo; ela é o movimento daquilo que se torna consciente. Ali está demonstrado, na verdade, como a consciência não para de traçar seus limites no pensamento, como ela se estende ou se contrai fora do inconsciente que a contorna. O mesmo movimento é retomado mais tarde (por volta de 1904), porém bem mais amplificado, quando James instaura o “empirismo radical” e introduz a noção de experiência pura. Trata-se dessa vez de mostrar que existe um plano de pensamento que precede todas as categorias psicológicas ou filosóficas tradicionais e que estas últimas, longe de serem constitutivas, devem, pelo contrário, ser constituídas a partir desse plano. O sujeito, o objeto, a matéria e o pensamento são descritos não como dados ou formas a priori, mas como processos que se formam no pensamento ou fora dele. Tanto no plano psicológico como no plano filosófico, destacar o movimento daquilo que está sendo feito implica, a cada vez, uma crítica das formas nas quais costumamos distribuir com antecedência os fluxos de vida, de pensamento e de matéria. Se o empirismo radical é a filosofia de James propriamente dita, o que dizer então do pragmatismo? O pragmatismo não é uma filosofia. Como em Peirce, ele é um método, apenas um método, cuja máxima geral, tomada de empréstimo a este último, é a seguinte: “não há 6. James nasceu em 1842. Orientou-se primeiramente para os estudos de fisiologia e de medicina; mas, sob influência de Wundt e de Helmholtz, que admirava, voltou-se para a psicofisiologia. A partir de 1877, tornou-se professor, publicando seus primeiros artigos importantes. A maioria dos artigos desse período, reformulados, resultou, ao fim de doze anos de trabalho, na publicação de Princípios de psicologia (1890) ao qual se seguiram A vontade de crer (1897), Variedades da experiência religiosa (1902), Pragmatismo (1907), O significado da verdade e O universo pluralístico (1909). James morreu em 1910 em decorrência de problemas cardíacos, deixando uma obra inacabada (Alguns problemas de filosofia) e uma série de artigos reagrupados sob o título Ensaios em empirismo radical.

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qualquer distinção de significado tão sutil que consista em algo diferente de uma distinção de prática.”7 É verdade que James, a partir de 1907, dá uma dupla definição de pragmatismo que sugere que o pragmatismo seja outra coisa além de um simples método: “Esse, então, seria o escopo do pragmatismo — primeiramente um método, em segundo lugar, uma teoria genética do que se entende por verdade.”8 Mas essa teoria é um efeito do próprio método, e, por isso mesmo, é inseparável dele. Podemos, a partir de então, destacar esses dois aspectos do pragmatismo. Em primeiro lugar, ele é um método de avaliação prática. Ele examina as ideias, os conceitos, as filosofias, não mais do ponto de vista da sua coerência interna ou da sua racionalidade, mas em função da sua “consequência prática”. Devemos avaliar as ideias segundo seu objetivo de nos fazer agir ou pensar. É exatamente o mesmo que fazer a seguinte pergunta: o que é que faz a verdade das nossas ideias? Ou então: como uma ideia se torna verdadeira? Como se faz uma ideia verdadeira? Portanto, o método pragmatista é, em segundo lugar e inseparavelmente, uma ferramenta de construção (ou uma teoria genética daquilo que entendemos por verdade, segundo os termos de James). O pragmatismo responde assim à pergunta: como fabricar ideias para agir ou pensar? A única coisa que ele pode fazer, como método de avaliação, é nos ajudar a escolher, entre as filosofias, as religiões, os ideais sociais, aqueles que mais favorecem nossa ação ou nosso pensamento. 7. De acordo com Peirce, a regra para atingir o terceiro grau de clareza de apreensão: “Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter consequências práticas, concebemos ter o objeto de nossa concepção. Então, a concepção desses efeitos é o todo de nossa concepção do objeto.” Cf. C. Peirce “How to make our ideas clear” in Collected Papers of Charles Sanders Peirce, v. 5. Cambridge: Harvard University Press, 1934, parágrafo 402. Como é padrão em relação a Peirce, indicamos ao final de cada citação a numeração dos Collected Papers of Charles Sanders Peirce, editados pela Harvard University Press. Assim, cp 5.402 refere ao volume 5 dos Collected Papers, parágrafo 402. 8. Pragmatism, op. cit., p. 37 [p. 25 t.m.]. O termo humanismo era reservado à teoria da verdade (sob a influência de Schiller), como podemos ver em The Meaning of truth. Se James chega a falar de “filósofos pragmatistas” é apenas por razões táticas, para fazer do pragmatismo uma máquina de guerra contra correntes filosóficas rivais. Cf. Letters, p. 297, carta para Wilhelm Jerusalem de 15 de setembro de 1907: “Pragmatismo é uma palavra infeliz sob certos aspectos, e os dois significados que dou a ela são algo heterogêneo. Mas ela já estava na moda na França e na Itália, assim como na Inglaterra e na América, e era taticamente vantajoso utilizá-la.”

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Por exemplo, é curioso que a partir de um mesmo mundo possamos chegar à conclusão tanto de um determinismo generalizado quanto de um livre arbítrio soberano, como se isso não mudasse nada. Mas se podemos de maneira indiferente escolher teoricamente entre determinismo e livre arbítrio, o mesmo não acontece na prática. Nossa ação não é a mesma se formos partidários de um ou de outro. O pragmatismo não é uma filosofia, mas um método para escolher entre filosofias. Porém, o que ele tem que fazer — desta vez como ferramenta de construção — é nos ajudar a fabricar as ideias que possam servir à ação ou ao pensamento. Ele se torna, dessa maneira, uma ferramenta de criação. Como se fazem as ideias e o que fazemos com ideias, esses são os dois eixos do método pragmatista. De um ponto de vista muito geral, o pragmatismo, portanto, concebe as ideias como causa para a ação que nos permite criar e avaliar. Essa é a grande dificuldade: não um método da criação, mas um método para a criação. Esses dois aspectos inseparáveis remetem a duas formulações que se sobrepõem com frequência em James: a realidade se faz; a realidade está por fazer. É como se houvesse uma exigência moral do devir: o mundo não se faz sem estar ao mesmo tempo por fazer. Isso significa que a ação, longe de ser a solução universal, tornou-se um problema. Um problema porque, a partir de agora, agir e pensar tornam-se riscos. “É no decorrer do jogo da vida toda que a cada instante arriscamos a nós mesmos.”9 É claro que nem todas as nossas ações e nem todos os nossos pensamentos são arriscados; mas antes de se tornarem hábitos tranquilos, foram primeiro experimentações. Como dissemos, é esse o momento que interessa a James. De modo mais amplo, o pragmatismo se dirige àquele que, num domínio ou no outro, não consegue mais agir, àquele para quem justamente a ação constitui um problema ou um risco. Ora, só podemos nos arriscar se tivermos confiança. Esse tema não é propriamente de James. É a condição essencial já invocada pelo transcendentalismo.10 Ele apelava constantemente para 9. The Will to Believe, p. 78. 10. O transcendentalismo, sob a influência de Carlyle, Coleridge e Emerson, foi orientado para um pensamento de um Todo-Natureza inspirado no romantismo alemão (podemos ver isso no pai de William James, cuja filosofia é muito influenciada por Swedenborg). Todas as coisas se fundem, são absorvidas na grande unidade Deus-Natureza. A confusão entre os temas transcendentalistas da Fusão, da Supra-Alma (em Emerson) e a filosofia de

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a confiança. O indivíduo deve ser o pioneiro que tem confiança em si mesmo, nas suas próprias forças, no seu julgamento, tanto quanto confia na força da Natureza à qual se une num sentimento de fusão (mesmo desconfiando do conformismo da sociedade e da cidade, como é o caso de Emerson, e também de Thoureau quando conclama à “desobediência civil”). A confiança é inseparável de uma união romântica com um Todo. Como diz Emerson em Autoconfiança [Self-Reliance], a prece do lavrador que arranca as ervas daninhas se estende por toda a Natureza. Ele comunga com a grande unidade total da Supra-Alma [Over-Soul]. Logo, não se pode ter confiança em si mesmo sem confiar no homem, em todos os homens, na Natureza e em Deus. Aliás, essa é a grande trindade circular, a Divina-Natural-Humanidade de um outro grande transcendentalista, Henry James Sr., pai de William.11 Vemos que o pragmatismo prolonga, sob certos aspectos, o transcendentalismo: como este, ele também apela para a ação individual, para o risco, para a confiança. Entretanto, há uma ruptura essencial: não se pode mais conservar a grande harmonia fusional entre o Homem, a Natureza e Deus. Como diz James, quando observamos o desenvolvimento das ciências, seu pluralismo, a desordem e a indeterminação que elas revelam na estrutura do nosso universo — para ficar apenas com esse exemplo —, torna-se difícil acreditar que exista um Deus único cujos arquétipos copiamos. O pluralismo quebra Hegel facilitou a introdução deste último. O livro mais técnico de J. H. Stirling, O segredo de Hegel (1865), iria ter uma notável influência sobre a geração seguinte. Quase ao mesmo tempo, William T. Harris fundava The Journal of speculative philosophy. Através dele desenvolveu-se uma nova escola, da qual T. H. Green e os irmãos Caird foram os principais iniciadores. O uso que os americanos fazem de Hegel diz respeito principalmente à noção de totalidade — sob a influência do transcendentalismo — enquanto deixam de lado, com muita frequência, as progressões dialéticas. Será preciso esperar a geração de Royce (colega e amigo de James), com The world and the individual, e o inglês Bradley, com Appearance and reality, para ver um hegelianismo mais rigoroso se desenvolver, baseado, contudo, numa lógica das relações diferente da de Hegel. É neles que James mira diretamente quando critica o absolutismo. Sobre essas questões, cf. H. W. Schneider, Histoire de la philosophie amèricaine, trad. fr. de Cl. Simonnet. Paris: Gallimard, 1955, p. 343; Gérard Deledalle, La philosophie américaine. Bruxelas: De Boeck, 1992, pass.; e Emmanuel Leroux, Le pragmatisme, américain et anglais. Paris: Alcan, 1922, pp. 19 ss. 11. Sobre estas questões, cf. H.W. Schneider, op. cit., em particular capítulos iii e iv; G. Deledalle, primeira parte, iii, p. 36: “Emerson insiste neste último ponto: ter confiança em si mesmo é ter confiança no homem, em todos os homens”. Sobre Henry James Sr., ibid., pp. 43-45.

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a unidade fusional assim como o darwinismo quebrou a finalidade harmônica. Há uma inocência, um otimismo confiante do qual nós, modernos, não somos mais capazes. James faz a mesma constatação num outro plano, quando descreve, nas Variedades da experiência religiosa, numerosos casos em que a crença se desfaz, em que o indivíduo não consegue mais acreditar não apenas em Deus ou num ideal, mas nele mesmo e até mesmo no mundo que está diante dele. Quando atravessamos essas crises, o mundo de repente perde toda significação. As diversas conexões que nos ligam a ele vão se rompendo uma após a outra. Enfim, não podemos mais acreditar como antes; a ação se tornou impossível porque perdemos a confiança. O pragmatismo nasce dessa constatação. Ele não é um eco triunfante da América; pelo contrário, é o sintoma de uma ruptura profunda no todo da ação. Ele não segue o movimento daquilo que se faz sem lutar contra o movimento daquilo que se desfaz. É nesse sentido que afirmamos que a ação é um problema, e não, de forma alguma, a solução universal. O diagnóstico de James é vizinho do de Nietzsche: não acreditamos em mais nada. Nietzsche faz esse diagnóstico através do sintoma do niilismo, principalmente da “vontade do nada” do niilismo ativo. James o faz nessa profunda perda de confiança traduzida por uma profunda crise de ação. Aquele que não acredita mais, aquele que não confia mais permanece imóvel e sem reação, desfeito. É como se tivesse sido atingido por uma morte da sensibilidade.12 Continuamos agindo como sempre, e talvez até mesmo com um “rendimento” considerável, mas será que ainda acreditamos nisso? Com que intensidade? Será que ainda acreditamos no mundo que nos faz agir? Como confiar no outro, como confiar em si mesmo, e, inclusive, como confiar no mundo? Será que tal filosofia, tal doutrina nos dará confiança? Essas perguntas são as várias subdivisões do problema central. A tarefa da filosofia não é, portanto, procurar o verdadeiro ou o racional, e sim nos dar razões para acreditar neste mundo, assim como o religioso encontra razões para acreditar num outro mundo. 12. Podemos lembrar que James passou por uma crise semelhante, como ele confessa a O. W. Holmes numa carta de 17 de setembro de 1867: “minha história externa… parece a de uma anêmona marinha.” Na sequência, ele fala de uma “mortalidade do espírito produzida com isso” (Letters, p. 48).

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O método pragmatista é inseparável desse problema geral. Quando James pergunta “o que é uma ideia verdadeira?”, isso significa: “quais são os signos nos quais podemos confiar?” Pois é só em signos que podemos ou não confiar — mas em signos específicos que o método pragmatista deve permitir encontrar. Assim, por exemplo, o outro se manifesta através de signos, mas é preciso outros signos além daqueles manifestados explicitamente para saber se podemos acreditar naquilo que se diz. Os signos através dos quais compreendo o que o outro diz não são os mesmos através dos quais acredito naquilo que é dito. Da mesma forma, quando dizemos que não conseguimos mais acreditar neste mundo, isso significa na realidade que deixamos de acreditar em certos signos que fazem com que ele exista para nós. Nesse sentido, o pragmatismo precisa de uma nova teoria dos signos. O pragmatismo não é uma filosofia, mas exige com todas as suas forças uma filosofia que torne nossa ação novamente possível — não uma filosofia na qual possamos acreditar, mas uma filosofia que nos faça acreditar. Não nos faltam ideias em que acreditamos e que nos levam a agir — Deus, Eu, a Revolução, o Progresso —, mas alguma coisa se quebrou no nosso poder de acreditar. A menos que o método de avaliação pragmatista revele exatamente o seguinte: que o pluralismo, mais do que qualquer outra filosofia, nos dá motivos de ação. Então, a pergunta passa a ser: qual é a particularidade do pluralismo que nos faz agir? E, em correlação: o que é que falta às outras filosofias para produzir esse mesmo efeito? O paradoxo é que James vê no pluralismo a forma mais capaz de restaurar essa crença, enquanto outros, pelo contrário, veem ali um puro e simples relativismo — e, no relativismo, a forma que engendra todos os ceticismos. Não seria a pluralidade dos espaços em geometria que nos faz duvidar da verdade dos axiomas, a pluralidade das filosofias que nos faz duvidar da verdade de cada doutrina etc.? Por que a forma do pluralismo? Aquele que afirma a existência de uma verdade única, de uma ciência única, de um dogma único, aquele que James chama de “absolutista”, esse também acredita. Ele acredita tão firmemente quanto o pluralista. Então, por que dizer que o pluralismo é mais capaz de nos fazer acreditar quando, pelo contrário, ele nos dá mais razões para duvidar do que o absolutismo? Precisamos tentar resolver essa questão: em que o pluralismo do empirismo

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radical favorece a confiança (se ele supostamente engendra a dúvida e a desconfiança)? Ou melhor, como fazer da pluralidade em geral um objeto de confiança? Não vamos supor, porém, que a filosofia de James foi para ele um meio de “sair” da psicologia. O pragmatismo também precisa de uma psicologia. O pensamento de James sempre se definiu como um pluralismo, e esse pluralismo como um perspectivismo. É para cada consciência, tomada em si mesma, que se faz a pergunta: como acreditar e agir? Nesse sentido, o método pragmatista pode ser definido legitimamente como “democrático”.13 Ele não pode ditar nenhuma regra universal. É aí que vemos em que o pragmatismo precisa de uma psicologia, já que ele examina o efeito produzido pelas ideias em uma consciência. Essa ligação é ainda muito vaga; ela não diz respeito especificamente a essa psicologia. Em que o problema da consciência exige uma psicologia da consciência concebida como um fluxo? Por definição, o fluxo não para de variar, de passar por subidas e descidas, e os campos da consciência que correspondem a essas variações não param de se ampliar ou de se estreitar. Logo, uma consciência acredita, age, quando as variações que a afetam ultrapassam um certo limite; daí uma psicologia que estude as variações do campo de consciência, uma psicologia da intensidade. Nas Variedades da experiência religiosa, James mostra que um campo de consciência se amplia, estende suas conexões, em função da extensão da confiança. Isso significa que as variações de intensidade da consciência não são outra coisa senão as variações de seu sentimento de confiança. É uma psicologia da confiança ou, se preferirmos, para o problema da confiança. Nesse caso, longe de ser independente do pragmatismo, ela é a única psicologia possível para o problema geral que James coloca e para o qual é preciso encontrar a solução: do que uma consciência necessita para que os signos tenham um sentido, ou seja, para que eles a façam agir, ou, ainda, para que eles a levem a produzir outros signos, ações ou pensamentos, ligados aos primeiros? Sob essa forma condensada, encontramos três eixos distintos: o pragmatismo, cujo problema consiste em determinar quais são os signos ou as ideias 13. Pragmatism, p. 44 [p. 30]: “Vê-se desde já, porém, quão democrático [o pragmatismo] é.”

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segundo as quais podemos agir ou aumentar nossa potência de agir; o empirismo radical, cujo problema consiste em determinar como se constituem os signos e de acordo com que regras eles se organizam; e, em menor escala, a psicologia, cujo problema consiste em determinar aquilo que permite à consciência dar sentido aos signos que ela percebe e como ela reage a eles através das variações do seu fluxo. São esses três problemas que precisamos tentar resolver.

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