Na cuia #14

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Ano II, Edição 14 | Dezembro de 2016

patrimônio


sumár EXPEDIENTE

A quem pertence o patrimônio?

Uma discussão com o pessoal do Pixo Belém sobre os parâmetros de reconhecimento do patrimônio.

O que é patrimônio para você?

A Na cuia foi às ruas para perguntar às pessoas o que elas entendem por patrimônio.

AINDA SEM POESIA EPISDERMOLOGIA, POR FILIPE SANTOS DAS MERCÊS

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EDITORIAL

infogrĂĄFIco: como funciona?

entenda o processo de registro de um bem cultural imaterial.

quando a imaterialidade se materializa entrevista com a arquitera e professora da ufpa, thaĂ­s sanjad.


expediente expediente NA CUIA REVISTA CULTURAL Para contatar qualquer departamento da revista: Site: nacuia.com.br Email: nacuiarevistacultural@gmail.com REDAÇÃO Ana Paula Castro, Matheus Botelho, Rodrigo Avelar EDITORA-CHEFE Vitória Mendes. CHEFE DE REDAÇÃO Matheus Botelho DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO Audiovisual: Lucas Ribeiro e Neil York Mídias Sociais: Lívia Fialho Planejamento: Matheus Botelho DEPARTAMENTO DE ARTE & DESIGN Diagramação: Lívia Fialho Direção de Arte: Lívia Fialho Direção de Criação: PSRodrigues DEPARTAMENTO DE FOTOGRAFIA Direção de Fotografia: Bianca Brandão Fotógrafa: Madylene Barata COLABORAÇÃO: Diagramação: Catarina Nefertari Fotografia: Raíssa Lisboa Foto de capa: Cintia Macêdo Ilustrações: Igor Oliveira REVISÃO E FINALIZAÇÃO Madylene Barata e Vitória Mendes


EDITORIAL Eu estava na zona rural de Breu Branco, no nordeste paraense, conversando com o sr Carlito pra minha pesquisa de TCC. Papo vai, papo vem, ele despretensiosamente me conta que encontrou nas terras de sua roça um punhado de objetos de cerâmica de tempos muito antigos. Pegou as sacolas em que guardou os achados, os espalhou sobre a mesa e posso dizer que a coleção impressiona. Pela quantidade e pela mágica de ver tão de pertinho uma parte misteriosa de nossa história. Seu Carlito recebeu pessoas do Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional (IPHAN) na sua roça há alguns meses e elas ficaram de voltar com um grupo de arqueólogos num futuro próximo para escavar essas terras e descobrir quem deixou esses vestígios ali e há quanto tempo isso aconteceu. Perguntei o que ele achava que significava tudo aquilo e ele responde de uma forma maravilhosamente sintética: “Que viveu gente aqui”. Onde vive gente há cultura, há história e há memória. Eis o patrimônio: aquilo que testifica e ajuda a lembrar de que vivemos e construímos, cultivamos, transformamos. Nessa edição temos uma matéria assinada pelo repórter convidado Rodrigo Avelar que entrevistou o pessoal do Pixo Belém e discutiu os parâmetros de reconhecimento do patrimônio. Também temos um infográfico explicativo sobre o processo de registro realizado pelo Iphan, além da entrevista com a arquiteta e professora da UFPA Thaís Sanjad, que desenvolve pesquisas na área de restauração e conservação arquitetônica. Outra novidade é que a Juliana Araujo foi viver novas aventuras, deixou a gente com saudades e essa que vos fala assume a editoria da revista, orgulhosa do trabalho que fizemos. Por fim, nossa edição sobre Patrimônio marca uma conquista que nossa equipe sempre almejou: fazer uma revista multimidiática. Pela primeira vez, temos videos nas nossas páginas e estamos muito felizes com o resultado. Boa leitura! Vitória Mendes Editora-Chefe


A QUEM PERTENCE

O PATRIMÔNIO? A palavra ‘'patrimônio" vem de origem greco-latina e etimologicamente se refere à ancestralidade cultural de um povo. Os saberes que foram passados de geração em geração, os bens, a noção de pertencimento de um indivíduo em um certo grupo. O primitivo que se torna identidade e que levamos em nossas interações, afetos e posicionamentos. Patrimônio é pertencimento. O Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional (IPHAN), com base nos artigos 215 e 216 da Constituição de 1988, reconhece dois tipos de patrimônio: o material e o imaterial. O

primeiro diz respeito a imóveis, cidades históricas, acervos, documentos, e o segundo, às práticas como celebrações, ofícios, formas de expressão que precisem de uma realização material para se desenvolverem. Embora haja essa divisão para o reconhecimento burocrático, o imaterial impera sobre a noção de patrimônio, já que, até mesmo o que reconhecemos por material, advém de uma prática imaterial de fazer algo. Mas quais são os parâmetros de reconhecimento desse patrimônio?


Texto: Rodrigo Avelar | Fotos: Madylene Barata


O PATRIMÔNIO EM BELÉM Belém, em seus 400 anos de existência, desde a colonização portuguesa, é considerada uma cidade histórica. Basta andar pelas ruas e reconhecer os esqueléticos prédios seculares tombados pelo Iphan - muito mal preservados, diga-se de passagem -, ou participar de datas comemorativas da cidade e presenciar manifestações como o carimbó, reconhecido como patrimônio imaterial brasileiro em 2014. Em Belém, o patrimônio é visível, e o que se tem por “violação” dele também. O carimbó não é de Belém, surgiu no Nordeste do Pará pelo sincretismo das culturas de pretos e índios. O ritmo vem dos saberes ancestrais das pessoas africanas escravizadas, mas o nome é indígena. Os escravos sequestrados de diversas regiões da África trouxeram seu patrimônio, os índios que viviam há milênios nessas terras também. Mas essa cultura sincrética, tal como as religiões afro-brasileiras, era feia, era a mazela de uma sociedade desigual, que incomodava os algozes. Assim como o pixo nos dias de hoje.

O PIXO E A OCUPAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO Recentemente, na cidade, uma das vacas do evento “Cow parade”, nas alturas do cruzamento da Quintino com a Nazaré - uma das áreas mais elitizadas da cidade - foi pixada com a palavra “Náufrago”. A ação foi filmada por câmera de celular e repercutiu negativamente na mídia local. O que esqueceram de dizer é que a inscrição tinha um contexto muito bem situado: o naufrágio do porto de Vila do Conde em 2015, de um navio que carregava 5000 cabeças de gado vivo e 700 toneladas de óleo combustível, um dos maiores desastres ambientais da história do estado do Pará. Até hoje, os responsáveis descumprem com acordos de indenização e de manutenção da área afetada.


Outro caso que repercutiu na cidade recentemente, foi a denúncia de um professor de história à página no instagram chamada “Pixo Belém”, por conta de uma foto replicada pela página contendo um pixo em um monumento da praça da República, no centro da cidade. Dois moderadores da página foram entrevistados, os quais preferiram manter suas identidades sob sigilo. Eles serão identificados, então, como A. e B., o que não tem referência alguma com seus nomes reais, desconhecidos também por quem os entrevistou. Ambos contam que a página foi criada com uma necessidade de divulgar o que eles chamam de “arte proibida” de Belém, por congregar gangues do pixo da cidade. O atual público da página, que é referência no meio, são pessoas da cidade, de outros estados e até de outros países, a maioria pixadores e entusiastas. Eles contam que já conseguiram fazer encontros na cidade e conexões entre pixadores daqui e de outros estados, por conta da página. “O que eu acho legal sobre a pixação de Belém é o estilo. A galera vem aí de outros estados, principalmente de São Paulo, que é referência da pixação no Brasil, e ficam admirados:’Égua, como vocês conseguem fazer isso? Vocês desenham na 'tela'*. A pixação de vocês é um desenho, já é uma arte’. E o pessoal daqui não dá muito valor, sabe?, relatou B.

POR QUE NÃO ARTE? As principais vanguardas da arte moderna e contemporânea surgiram como protesto ao academicismo estético imposto pelas belas artes que, como o próprio nome indica, buscavam o “belo”. Um século se passou e ainda podemos fazer essa mesma pergunta: que belo é esse? O entrevistado B conta que “A população só vê um garrancho e eu entendo a pixação sim como uma obra de arte, porque pra tu chegares naquele desenho, naquela letra, existe muito estudo por cima. Primeiro o cara estuda, depois treina, treina, treina. Alguns pegam influências de outros mais antigos e vão tentando criar a sua pichação.” *A “Tela” que ele se refere é o lugar que vai ser pixado


Quando perguntados sobre o que o pixo representa para eles, A. conta que vê o pixo como um protesto, mas B. discorda e relata: “Tudo começa na juventude. Tem o garoto que sabe jogar bola, o que é bom de videogame, um cara que tem um talento e se destaca no meio da turma. E tem aquele que tem o talento de desenhar e quer se destacar em um grupo social, então, alguns pixadores entram por isso, para pegar fama mesmo. Na verdade, pixador pixa para pixador, quem entende a pixação é a galera que pixa. E eu vejo mais ou menos assim como uma válvula de escape. Pra mim funciona como uma válvula de escape.

.. DEFENDER DENÚNCIA DA PÁGINA O PATRIMÔNIO DE QUEM? Sobre a recente denúncia que a página sofreu por um professor de história secundarista, eles contam que o pixo divulgado pela página, alvo da denúncia, não foi de autoria deles como declarado na mídia. Vale lembrar que o pixo fica em um monumento da praça da República, planejada no boom do ciclo da borracha na cidade, outra área elitizada do centro de Belém e alvo dos “defensores do patrimônio”. É salutar ser prolixo e perguntar novamente: que patrimônio que precisa ser defendido? “Tudo isso aconteceu por uma foto que eu divulguei em referência ao monumento da praça da República que foi pixado. Eu divulguei, uma pessoa comentou, não gostou daquela foto, e as pessoas começaram uma campanha no instagram para que a nossa página viesse a ser desativada, só que eles esqueceram que a gente só divulga


as imagens. Eu sou apenas um divulgador das artes proibidas, não fui eu que pixei e acho que até mesmo por isso a polícia não levou em frente esse caso”, conta A. Quando pensamos em patrimônio, inconscientemente nos remetemos àquela etimologia greco-latina do pertencimento, da posse. Mas a quem pertence de fato o patrimônio? O pixo é um habitante da cidade e, como tal, ocupa ela. O patrimônio é público. Não adianta tentar inserir o pixo em uma esfera moral de certo ou errado, coerente ou não. O pixo não é causa de nada, é uma consequência de uma sociedade colonizada de suas várias formas, que exclui alguns e inclui outros. O pixo não é feito para agradar os olhares mais esteticamente refina-

dos, é resultado de uma vontade, de uma noção de patrimônio que, assim como o carimbó, é diferente da que era hegemônica em sua época. Talvez não seja unanimidade entre A. e B. que o pixo seja uma forma de protesto, mas me parece que mesmo que não intencional, mesmo que apenas como uma “válvula de escape”, como me relatou B., o pixo cumpre uma função: “Podem acabar com a conta, mas não com a galera que pixa. Pixação é amor, muita gente é apaixonado por isso. Deixa família, deixa o emprego pra tá pixando”, conclui. O pixo ocupa o patrimônio, mesmo que de uma forma não consensual. O pixo é arte em sua expressão mais prática e reflete a experiência sensível de quem o deixa como marca registrada em uma “tela”, que também são ocupantes da cidade. O pixo não invade, ocupa.


COMO FUNCIONA? Entenda Entenda oo processo processo de de registro registro de de um um bem bem cultural cultural imaterial: imaterial: PATRIMÔNIO IMATERIAL Os bens culturais de natureza imaterial dizem respeito àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas culturais coletivas). Esses bens são geralmente transmitidos de geração a geração, constantemente recriados pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) define como patrimônio imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." Esta definição está de acordo com a Convenção da Unesco para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ratificada pelo Brasil em março de 2006.

NA LEI A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, reconhece a inclusão, no patrimônio a ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, dos bens culturais que sejam referências dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Para atender às determinações legais e criar instrumentos adequados ao reconhecimento e à preservação desses bens imateriais, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) coordenou os estudos que resultaram na edição do Decreto nº. 3.551, de 4 de agosto de 2000 - que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI) - e consolidou o Inventário Nacional de Referências Culturais (INCR).

QUAIS AS ETAPAS PARA UM BEM CULTURAL IMATERIAL SE TORNAR PATRIMÔNIO?

PASSO 1

O pedido de Registro precisa ser encaminhado à Presidência do Iphan, datado e assinado. Ele será feito por uma pessoa jurídica (associação ou sociedade civil) que represente um grupo, segmento ou comunidade, ou ainda pelo Ministro(a) da Cultura, ou titular de alguma de suas instituições vinculadas, ou de Secretarias estaduais, municipais ou do DF.

PASSO 2

Todo pedido deve conter documentação e informação mínimas para que o Iphan analise a sua pertinência. Essa documentação está prevista na Resolução do Iphan n°001/2006. Entre os principais documentos, está a declaração formal de consentimento e anuência da comunidade detentora.

PASSO 3 A pertinência do pedido é avaliada por uma Câmara do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, tendo como base a análise feita pela equipe técnica do Iphan.

PASSO 4 Caso seja considerado pertinente, a próxima etapa será de instrução técnica, em que se aprofundará a mobilização comunitária em torno do Registro, assim como o conhecimento sobre o bem imaterial por meio de estudos, mapeamentos, entrevistas, pesquisas bibliográficas. o resultado será o dossiê para Registro e documentação audiovisual e fotográfica.

PASSO 5 Os produtos da instrução técnica serão avaliados pelas equipes da Superintendência e do Departamento de Patrimônio Imaterial antes de ser submetida ao Conselho Consultivo.


PASSO 6 Caso aprovado o Registro pelo Conselho Consultivo, o bem imaterial será inscrito em um dos 04 Livros de Registro do Iphan: de Celebrações, de Lugares, de Saberes ou de Formas de Expressão.

PASSO 7 Todas as etapas relativas ao Registro são realizadas em articulação e sempre com base na anuência das comunidades detentoras do bem imaterial. Após o Registro, o Iphan, junto com as comunidades e demais atores interessados, passam a atuar para a sustentabilidade da produção e reprodução do bem imaterial

Fonte: www.iphan.gov.br | Ilustrações: Igor Oliveira e Lívia Fialho | Projeto gráfico: Lívia Fialho


O que é patrimônio

O que é patrimônio para você? Devido à amplitude desse var essa discussão para a população, a Na Cuia foi às ruas entendem por patrimônio. Buscamos conhecer o que pen que entendem sobre o assunto. Assista ao vídeo.


o para vocĂŞ?

conceito e com o objetivo de les perguntar Ă s pessoas o que elas nsam e como elas expressam o


Entrevista: Ana Paula Castro ! Fotos: Raíssa Lisboa

QUANDO A IMAT SE MATERIALIZ

Especialista em conservação e restauro arquitetônico, T do patrimônio e da relação dele com as pessoas.


Círio de Nazaré, Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

TERIALIDADE ZA

Thaís Caminha Sanjad explica questões conceituais


NC: Por que não podemos dissociar o patrimônio material do imaterial?

Arquiteta, Thaís Sanjad tem uma ligação particular com o patrimônio cultural da Amazônia. Ela é professora da Universidade Federal do Pará e se especializou em conservação e restauro do patrimônio arquitetônico. Para ela, o patrimônio é testemunha de como nós vivemos ao longo da nossa história e forma um conjunto de significados que faz com que as pessoas se identifiquem como pertencentes a um local. Ela também explica que há uma relação direta entre o material e o imaterial, sendo impossível dissociá-los. Na entrevista, ela explica conceitos e processos do patrimônio cultural, relacionando-os aos seus aspectos t: materiais e enfatizando a relação dele com as pessoas.

NC: Qual o conceito de patrimônio para você?

t: Patrimônio é um conceito bastante amplo. Ele é tudo aquilo que tem uma relação cultural, uma identidade cultural com determinada sociedade. Hoje trabalhamos sob o ponto de vista do conceito de “patrimônio cultural”, porque abrange não só as questões vinculadas à História ou à arte, mas também ao que isso representa para as pessoas que se relacionam com esse patrimônio.

t: A questão da materialidade está vinculada a essa ideia de patrimônio cultural. O patrimônio cultural envolve tudo, o material e o imaterial. E nesse conjunto de coisas, uma não pode viver sem a outra. Então se eu trabalho sob o ponto de vista dos bens materiais, as edificações, as obras de arte, as obras do fazer humano (que não necessariamente estão vinculados às obras de arte, mas a uma série de outras coisas que são muito especiais), eu preciso entender como as pessoas se relacionam com isso, e assim eu me aproximo da questão imaterial. Mas ao mesmo tempo, quando eu trabalho com as questões imateriais, todas elas estão relacionadas a um bem material, existe alguma coisa física, alguma coisa palpável a que essa imaterialidade faz referência. É uma coisa só, tudo está interligado. Eu preciso entender o que é importante para as pessoas, em termos de patrimônio, sendo que esta importância pode ter vários enfoques. Existe aquela pessoa mais especialista, um arquiteto, por exemplo, que estuda história da arquitetura, e que tem um conhecimento muito específico, que outros profissionais não têm, a relação dele com determinado tipo de edifício, determinado patrimônio, é diferente daquela pessoa que cuida do patrimônio, que mantém o patrimônio, por exemplo. Mas a visão do arquiteto é tão importante quanto a visão da pessoa que cuida, então é preciso entender esse conjunto de relações para entender a importância do edifício em questão. O patrimônio é importante por si só, pelo que ele apresenta, pelos seus bens materiais, mas também é importante pelo que ele representa para cada uma das pessoas que se relacionam e que se identificam culturalmente com ele.



NC: Em termos da relação do patrimônio com as pessoas, o que mudaria, por exemplo, para aqueles que têm uma relação com algo, se aquilo se tornasse um patrimônio?

t: A questão do reconhecimento de alguma coisa enquanto patrimônio vem da própria sociedade também. Os órgãos encabeçam esse processo de reconhecimento, mas só após ver um anseio da própria população. O Círio, por exemplo, é patrimônio imaterial. Para que isso acontecesse foi feito todo um estudo pelo IPHAN, mas antes disso existia uma demanda querendo que ele tivesse esse reconhecimento. O IPHAN teve que fazer todo um estudo para mostrar o que é esse patrimônio e como ele se manifesta, como ele se relaciona com as pessoas, ou seja, ver a abrangência dele, colocar isso no papel e defender essa ideia. Há um anseio que vem da população e um reconhecimento posterior. É uma questão de identificação mesmo. Às vezes essa identificação parte de um núcleo pequeno, dos que estão mais vinculados a essa manifestação, a esse bem cultural. Mas quando isso se espalha e envolve outros grupos, aí é quando isso se torna uma coisa representativa de uma determinada sociedade, permeando os diversos segmentos dela. A importância de um patrimônio precisa ser abrangente, ela não pode ser de um só núcleo de pessoas.

NC: Você acha que hoje existe essa abrangência?

t: Acho que temos um avanço muito grande na discussão patrimonial. De certa maneira, isso é discutido em várias áreas do conhecimento, não só a arquitetura ou a História, mas envolve diversos outros campos do conhecimento e, à medida que isso ocorre, a discussão se torna muito mais rica e muito mais completa. Então eu considero que hoje a importância do patrimônio é mais ampla no sentido de abranger aqueles que de fato têm uma identidade, uma relação com um determinado bem. Muitas manifestações e bens culturais fazem parte de um determinado grupo social e, quando isso começa a ser estudado e repassado como fonte de conhecimento, há uma divulgação e outras pessoas começam a conhecer, seja porque assistiu a uma palestra, seja porque participou de uma oficina, enfim, porque teve contato com uma dessas diversas ferramentas de valorização e de divulgação do patrimônio. Então, as pessoas que não tinham conhecimento daquilo passam a ter, começam a se interessar e a olhar aquilo com outros olhos. Temos diversos exemplos desse processo, um deles é o Carimbó, que era algo muito restrito, e começou a ser mais valorizado nas décadas de 80 e 90, depois isso foi ampliando até ele se tornar patrimônio também, sendo uma das coisas mais representativas da nossa cultura.



Foto: Cíntia Macêdo

NC: Como você enxerga a política institucional que trata da conservação e da restauração dos patrimônios?

t: Hoje uma das principais instituições que trabalham na preservação do patrimônio cultural brasileiro é o IPHAN, que tem um trabalho fundamental. Ele está prestes a completar 80 anos e precisa ser cada vez mais valorizado. Nós sofremos recentemente uma situação que colocava em risco toda a história do instituto, que é a criação de uma nova secretaria, com o

IPHAN ficando submetido a ela. O instituto não precisa disso, ele por si só já tem uma grande importância, como vemos nos vários casos que ocorrem Brasil afora. Com certeza há uma necessidade de melhorar cada vez mais a legislação, a atuação do próprio órgão, a começar pela valorização dos seus funcionários. Não só no IPHAN, mas em todos os órgãos que trabalham com a questão do patrimônio, os trabalhadores precisam ser mais reconhecidos e melhor valorizados, os salários muitas vezes são baixos, e eles ficam em uma situação de vulnerabilidade quando


se trata de pressão do mercado imobiliário, Eles precisam de uma atenção um pouco maior em relação a isso. Mas se hoje temos alguma coisa preservada, isso se deve muito à atuação dos órgãos de preservação, em especial do IPHAN. NC: Existe alguma coisa na cidade que, em sua opinião, deveria se tornar um patrimônio? t: Sim, tem muitas coisas que deveriam

ter maior importância. Como arquiteta, eu vou citar a arquitetura modernista que está desaparecendo. Toda aquela arquite-

tura e as coisas que vieram em função dessa transformação de pensamento do fazer arquitetônico, os próprios painéis do “Raio que o parta”, os painéis do Ruy Meira e do Alcyr Meira também. Isso poucas pessoas conhecem, nós arquitetos e os profissionais das artes têm um conhecimento mais específico porque diz respeito à nossa área, mas isso precisa ser mais difundido e melhor divulgado, para que as pessoas possam despertar essa valorização.


ainda sem Episdermologia Honra a todas nossas mentiras Já que em tempos onde todo amor é próprio É fácil fortalecer fronteiras Enrijecer a pele Trancar a cosmoverdade Sob o peito Assim, pouco pode ser dito E o sentido das coisas paira sem norte, Entre minhas vísceras, Coração, intestinos Entre tudo que (des)conheço Sob a pele


m poesia Simplicidade, sazonal Prova cabal contra os artistas da cura Contra as descobertas da anatomia E pequenas incisões Assertivas da autopsia Sem alma Eu sei que está por aqui Nem tudo me é estranho nem me é comum Ainda assim é bem mais fácil, Enrijecer a pele, Trancar o cosmo amor Fora do peito Filipe Santos das Mercês



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