Caderno de desenhos e cenรกrios
Em retrospecto imaginativo, multicolorido, e debruçado sobre a história, a cultura e a dinâmica social:
proposta de intervenção
Sob nossos olhos um extenso repertório simbólico, ideológico e imagético para, então, a prática: espaço de encontro, núcleo de memória e desenvolvimento artístico plural. Propor uma nova rua, uma nova possibilidade de ser e ocupar o bairro, recuperando conexões que se perderam ao longo dos anos. Físicas, afetivas, históricas. Trazer ambientes que ampliem a visão coletiva do espaço público e reservem ao térreo, a terra, a liberdade da apropriação. Praças, planos, bosques, aberturas e horizontes. Um novo mundo subterrâneo repleto de possibilidades e que, sobretudo trás como protagonista a natureza viva do Bixiga.
Oficina Tropical em perspectiva
“Três grandes praças.
Três nós na vida pública...
...que reconectam o bairro,
e abrem caminho para novas formas de apropriar-se dele.
Do artista que se propõe às novas trocas,
ao cinéfilo que, curioso, reencontra sua paixão de novo no meio da cidade, livre das grades...
Do mais rico ao mais pobre:
a possibilidade do encontro,
das experiĂŞncias urbanas, humanas.
A feira livre,
a comida de rua,
o espetĂĄculo a cĂŠu aberto.
O convite Ă s novas descobertas, novas linguagens.
o reencontro com o passado que revela,
sob a sombra, o presente.
Dos velhos sĂmbolos que ganham novas casas
Ă s velhas ruas que ganham novas aberturas.
A vivência da arte e da cultura que recebem
um novo lar. É sobre isso.”
Para efetivar necessária reconexão da região norte do Bixiga com o restante do bairro, o ideal seria voltar alguns anos na história e impedir a construção do viaduto que o cinde. Cabe-nos, no entanto, apenas o presente: transformar o polígono que cerca o Teatro Oficina em um grande espaço público é como uma espécie de convite. Sobretudo, para o pedestre, o transeunte. É fundamental, portanto, evidenciar a figura do pedestre como central. Para isso - e também como forma de atravessamento do Minhocão - a transformação da Rua Jaceguai em rua compartilhada: apenas para pedestres, transportes públicos e moradores.
Desvio no trajeto de carros particulares
O compartilhamento da Rua Jaceguai precede outra importante operação urbana: a remoção dos estacionamentos que ocupavam a quadra e descumpriam com a função social da terra. Decisão que permite que as praças sejam assentadas por entre os prédios e possibilitem um território, sobretudo, caminhável. Para o abismo topográfico que havia entre as ruas Santo Amaro e Abolição, uma proposta de transposição sútil, acessível e que permita mais do que a transposição em si, mas também a permanência. É na permanência que aflora a beleza deste bairro, a possibilidade da apropriação e da transformação efetiva do não lugar em lugar. Cada praça com sua característica, mas todas em diálogo com visão integradora e democrática de ampliação da rua, do espaço público.
mergulhe nos detalhes
Toda boa peça prescinde uma ambientação, uma atmosfera, um mundo onde a imaginação possa fluir e tornar tudo possível. Toda boa peça prescinde um bom cenário.
cenรกrios urbanos
a praรงa de eventos
Pensada para abrigar a múltiplas possibilidades que o centro da cidade de São Paulo oferece, a praça acontece ao longo de um grande deck de madeira formado por pátios e caminhos. Com uma arborização generosa, áreas de sombra e descanso, o espaço se desenha para abrigar atividades a céu aberto. Feiras livres, práticas esportivas, atividades culturais e manifestações de qualquer gênero ou espécie.
O dossel de รกrvores que emoldura, ao fundo, a Casa do Artista Visitante
A escolha do deck de madeira dá-se em função da manutenção da permeabilidade desta grande área que, junto à extensa arborização da praça, configura um microclima apropriado para atividades ao ar livre, inclusive em dias ensolarados. Em concreto, apenas rampas e escadas, revestidas por um piso antiderrapante. A praça dialoga diretamente com o Cinema Novo que, assim como no Auditório do Ibirapuera, se abre num palco externo por detrás da tela de projeção.
a praรงa jaceguai
A praça que recebe o mesmo nome da rua que a cerca - e que agora tem como protagonista o pedestre - funciona como prolongamento natural do passeio público e também como extensão ao ar livre do restaurante. São esses fatores, portanto, que justificam seu mobiliário: mesas fixas, áreas de descanso, e muita sombra.
nota: apesar de fundamentais enquanto ocupação territorial da quadra e dos programas que ampliam a democratização da cultura e da permanência, através da alimentação, Cinema e Restaurante são apresentados neste trabalho como diretrizes, sendo seus respectivos projetos desenvolvidos até a etapa correspondente ao plano de massas.
a casa do artista visitante
Mais do que ensinar. Trocar. Essa é a proposta do complexo cultural que se distribui ao longo da praça e que começa a se revelar desde o térreo, onde pousa a residência. Pensada para que artistas de outros lugares do estado - do país, do mundo - possam se abrigar no mesmo núcleo onde suas intervenções e atividades serão desenvolvidas, a casa e sua estrutura metálica, emolduram junto ao Oficina, a Praça Lina Bo Bardi.
Quem seria o primeiro a ocupar a residĂŞncia e, dela, poder observar e observar e observar?
“...quando o caminhar em um plano se liga, visualmente, ao outro. Quando determinado nível permite ver e ser visto.” São ideias fundamentais para este cenário, onde a busca se faz - mais uma vez - na experiência da troca. E desta forma descreve tão bem a autora do desenho ao lado. Uma perspectiva que atravessa a praça Lina Bo Bardi quase como se conectasse Oficina e residência num fio de olhar. E revela uma interpretação generosa de como a escala humana pode se manter protagonista mesmo num edifício que se desdobra ao longo de proporções verticais. Casa do Artista Visitante, por Luiza Baiochi
a reabertura da r. japurรก
Outro relevante gargalo urbano da quadra era justamente onde se encerrava, abruptamente, a R. Japurå. Agora, num contexto onde a rua pode se desenvolver enquanto praça, promove-se a abertura dos muros e, com isso, mais uma conexão aflora por entre os limites do bairro.
A reabertura da rua é pensada para que esta se alongue para dentro do complexo de áreas públicas e seja ela própria o eixo que aponta para a reconexão do bairro. Uma vez atravessada a praça Lina Bo Bardi, chega-se ao Minhocão. O viaduto recebe também uma nova diretriz: a remoção das grades e a instalação de um mobiliário fixo para melhor atender as atividades gastronômicas que já acontecem ali.
histรณria do bixiga
O pavilhão nada mais é do que um núcleo de memória. Um espaço dedicado ao compartilhamento da história de um bairro que, há pelo menos 100 anos, simboliza a grande miscelânea cultural que é São Paulo. Através de painéis, suspensos ou em cavaletes, o que se pretende é expor, sob curadoria da companhia Uzyna Uzona e de maneira rotativa, a relação intrínseca que existe entre arte, cultura e o Bixiga.
oficinas e debates
“...cresce o número de artistas interventores do espaço urbano interessados no formato do workshop pra elaborar sua trabalho de arte. Por que será? O artista da arte pública contemporânea, ele quer constituir espectadores que não são só espectadores com s. Eles são expectadores com x. Ou seja, interatores do processo todo.” Disse a professora Sylvia Furegatti em depoimento para este trabalho. Intensamente inspirado pelo pavilhão de oficinas do Sesc Pompéia e seu modelo rotativo de atividades, este espaço também se desenha por entre paredes de meia altura para que a curiosidade seja sempre o motor da troca. Projetado para atividades educacionais que atendam as demandas e necessidades da comunidade do Bixiga - e ampliem esses horizontes -, o conjunto é formado por 5 núcleos de atividades práticas, que podem abrigar 20 participantes em média, e 3 auditórios de 100 m², que abrigam cerca de 50 pessoas, cada. Externamente aos auditórios, grandes espelhos transformam o subsolo num grande pátio de ensaios e apresentações espontâneas, como no Centro Cultural São Paulo.
experimentação sob a cesalpina
Assim como a árvore cesalpina que protagoniza o palco do Teatro Oficina, o centro da praça Lina Bo Bardi recebe também seu grandioso pau-ferro. Uma espécie de irmã da primeira que, mais do que marcar a paisagem urbana, simboliza a reconexão do lugar com a terra e sua natureza fértil. Sob sua sombra: palco-rua, plateia-rua. Como num passeio de domingo pela Av. Paulista, bandas, cantores, dançarinos, atores, podem ver e ser vistos.
Como uma espécie do ponto focal urbano, a grande árvore poderá ser vista inclusive por sobre o viaduto, como quem diz: eu sou o centro deste lugar. E de fato é. Ao seu redor, encontram-se todos os principais programas do complexo cultural.
oficina tropical e teatro oficina
E o último cenário desta peça não poderia ser outro se não este, onde entra em cena aquele que motivou a conduziu a construção de todos os outros. O teatro projetado por Lina Bo Bardi ganha uma nova vizinhança, cheia de possibilidades que se abrem para que o próprio Oficina e sua companhia possam levar seu espetáculo para a rua, para o público, para todo o Bixiga.
O Teatro ganha como diretriz a abertura definitiva de sua fachada posterior, algo que já havia sido experimentado em ocasiões anteriores através do empréstimo do terreno. O teatro em forma de sambódromo pode agora ser efetivamente ser atravessado, assim como ele próprio atravessa os sentidos todos de seus espectadores. Oficina Tropical e Teatro Oficina, por Thays Guimarães
Como seriam as peças de Zé Celso se atravessar o teatro fosse uma opção?
E assim se encerra: a celebração e a defesa da arte, da vida urbana, do espaço público, da troca, da coletividade. Da pluralidade. Oficina Tropical e Teatro Oficina, por Dínamis Lara