Livro - O Poder da Escrita

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Ladislas Mandel & Natรกlia Boska



O Poder da Escrita


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O Poder da Escrita Ladislas Mandel & Natália Boska

Tradução José Revisa Erico Leitor Maria Leitura

5ª impressão


Título traduzido: O Poder da Escrita Copyright © 2015, Ladislas Mandel Projeto Gráfico: Natália Boska Revisão: Natália Boska Indexação: Natália Boska Capa: Natália Boska Orientação: Claudio Ferlauto

Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98) Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa cip-Brasil. Catalogação na publicação Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ ISBN 9788562154007 5ª edição, 2015 44 páginas Copyright da edição brasileira © 2015 Editora Rosari Rua Apeninos, 930 Paraíso, São Paulo - SP 04104-020 São Paulo, SP


“ Às pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo são aquelas que o mudam.” (autor desconhecido, 1997)



Ao meu esposo, Elcio, junto a você, sinto cada vez mais a graça de Deus por nós. Natália



SU MÁ RIO APRESENTAÇÃO

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O MUNDO

INDUSTRIAL E O LIVRO

AS SEM SERIFA E A GLOBALIZAÇÃO

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O ESPÍRITO E A MATÉRIA

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INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ÍNDICE REMISSIVO CÓLOFON

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APRE SEN TAÇÃO O Poder da Escrita declara que a escrita representa à semelhança do homem em sua história, vista e contada pela cultura, linguistica e formas de comunicação. Conforme o autor, passa de ferramenta de poder a suporte da partilha do saber. Sobre o autor, Ladislas Mandel (1921-2006) notório designer, tipográfo, conviveu com Adrian Frutiger na tradicional fundidora francesa Deberny&Peignot e destacou-se por diversas família tipográficas que desenhou, especificamente para listas telefônicas. Esta publicação é um segundo ensaio, da sua obra “Espelho dos Homens e das Sociedades”, também publicado pela Editora Rosari - abordando o processo de criação da escrita. Em suas primeiras formas a escrita pode ser vista como registro de acontecimentos gravando uma contação de histórias em seus fenômenos e importâncias, também como uma propriedade do poder e um instrumento de governo, depois ao se disseminar tornou-se o suporte gráfico universal, veiculando o conhecimento e o saber.


A invenção do alfabeto pelos povos do Oriente Médio é considerado um ato de humanismo mediterrâneo. Após o primeiro milênio d.C, cada cultura refletia sua semelhança e imagem por meio da escrita. Os povos se identificavam e articulavam suas ideias e conhecimento entre si, até mesmo se diferenciavam entre os povos por meio da escrita. Para Ladislas, a escrita sob todas as formas é sobretudo uma linguagem completamente à parte, criação do espírito. Hoje em dia, com as técnicas digitais a escrita assumiu um caráter universal, imergindo na globalização que por sua vez se representa em inumeras famílias tipográficas. Dentro desse contexto, o autor se interroga sobre a razão da escrita dentro de sua diversidade. Veremos nesta copilação, três importantes destaques como: O Mundo Industrial e o Livro, As Sem Serifa e a Globalização e o Espírito e a Matéria.


O MUN DO INDUS TRIAL EO LIVRO


fundamentalmente o livro, o público leitor continuou quase inalterado. A Revolução Industrial se interessando mais pela educação do cidadão do que pela instrução, a difusão do pensamento por meio do livro era relegada ao segundo plano das preocupações da sociedade naquele momento. O reinado da nova burguesia industrial no poder privilegiará a maquinaria, a produção e a distribuição dos novos produtos industriais. As cidades serão estimuladas por intermédio da contribuição da população operária, nas manufaturas dos subúrbios. A tipografia livresca em declínio, a irrupção de material de propaganda tipográfica farão surgir escritas de um novo gênero, distintas da livresca para ler e da atuária usual: a escrita para «ver». Os caracteres desse tipo de propaganda não possuem um estilo particular: as «egípcia» com pesadas e espessas serifas, as «antiques» (capitulares) encolhidas, pretas e emboladas, as «florestais» e outros caracteres «zoomórficos» etc., estimulados pelos novos processos litográficos, têm apenas em comum o choque visual que eles provocam. A escrita para «ler» e a escrita para «ver» muitas vezes se interpenetram tão intimamente que fica difícil demarcar uma fronteira entre elas. Sabemos que, às vezes, uma escrita destinada à leitura pode, por meio de uma troca de função e de escala, se transformar em escrita para ver. No entanto, não é sempre evidente que um caractere de publicidade ou de titulação de jornais, concebido como uma imagem em si, possa ser reproduzido em uma escrita de texto contínuo. Em relação ao livro, negligenciado desde o início do século, retraindo-se diante das necessidades da indústria nascente, as numerosas variantes gravadas e regravadas das didots magras e apertadas, com uma legibilidade corretamente contestada, dominavam completamente a tipografia livresca até a metade do século e degeneraram a cultura tipográfica. Entretanto, as necessidades crescentes da indústria e do comércio em pleno desenvolvimento, com operários e empregados alfabetizados, assim como as novas reivindicações do direito ao A REVOLUÇÃO FRANCESA NÃO MODIFICOU

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O MUNDO INDUSTRIAL E A MATÉRIA


saber e à informação, com o surgimento da imprensa cotidiana, suscitaram um interesse cada vez maior pelas escritas mais legíveis e mais agradáveis aos olhos. Os novos caracteres «Augustaux» de Louis Perrin e os «elzevirianos» de Beaudoire, na metade do século XIX, marcam um retorno às escritas tipográficas humanísticas com eixo oblíquo do século XVI; todavia, sem igualá-las. Na França, a derrota de Sedan colocou a indústria tipográfica em grande dificuldade. Todos os produtos industriais, incluindo os caracteres tipográficos, vinham do exterior, da Alemanha, Inglaterra e dos Estados Unidos. Uma forte reação ocorreu contra estes estilos tipográficos rígidos vindos do Norte, expressa no estilo orgânico da «art nouveau». Essa arte foi marcada por um maneirismo barroco aliando o gosto da natureza e do artesanato com um exotismo fantasioso - influência dos japonismos, caracterizada por formas completamente arredondadas de uma sensualidade posta à mostra, imagem de uma ávida burguesia em seu apogeu. No entanto, as nobres tentativas de Grasset e de Auriol, no início do século XX, equivalentes as dos «elzeverianos», não conseguiram bloquear a mecanização progressiva tanto da escrita manuscrita quanto da tipográfica. No campo da escrita usual, o desenvolvimento sem precedentes da indústria e do comércio encontrou na «máquina de escrever» um meio revolucionário para satisfazer essa extraordinária procura por quantidade, com uma escrita padrão internacional para uso administrativo, que progressivamente substituiu a bela Cooperplate. De qualidade medíocre, com caracteres mal espaçados, a máquina de escrever (de tipos mono espaçados) nunca pretendeu substituir a tipografia livresca. A mecanização dos processos tipográficos, no final do século XIX, criou monopólios através do mundo, para o livro e para a imprensa. Muito rapidamente, transformadas em verdadeiros impérios, a Monotype e a Linotype, partilharam a quase totalidade da produção tipográfica: a Monotype dominando

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Caracteres gótico

“ na escrita gótica, não havia capitulares, mas somente «iniciais» um pouco mais altas que os caracteres de texto caixa-baixa”


em toda produção editorial de livros, e a Linotype, em toda a imprensa nos cinco continentes. Infelizmente, essa mecanização da produção teve efeitos desastrosos sobre as fundições tipográficas. Lentamente, as fundições francesas e outras tiveram que reduzir a fabricação dos caracteres para textos corridos e voltar-se para produzir os caracteres de titulação, presente nos cartazes e na publicidade. Do mesmo modo o quase desaparecimento da criação acarretou igualmente a lenta degradação da cultura tipográfica na França. Atualmente, com a multiplicação sem precedentes das funções do texto, graças às novas técnicas de produção, o homem nunca foi tão solicitado pela leitura. Ele está preso às redes da comunicação cultural, da informação, administrativa, da prática diária de produção e de consumo, nas ruas, nos transportes públicos, nos centros comerciais e até na intimidade do seu lar. Nas grandes épocas da tipografia dos séculos XVI ao XIX, cada cultura tinha sua escrita adaptada às diferentes funções dos textos, que, como um espelho, refletia seu pensamento e sua psicologia. Com a explosão da produção industrial dos caracteres, a escrita com finalidade universal é alijada de qualquer particularidade cultural, para uma difusão mais ampla. Duas grandes tendências se afirmaram nesse campo. Em vez de um caractere particular para cada cultura, houve de um lado, uma espécie de obsessão em criar o caractere do século, neutro, que nivelaria todas as culturas específicas e de outro lado, a produção anárquica de uma abundância incrível de caracteres, sem elos com as culturas e nem com as funções do texto. É certo que a busca do «caractere do século» tinha um vestígio da universalização da cultura, que na verdade correspondia a uma racionalização da produção industrial e da distribuição, em um mercado internacional tenso pelo desejo de uniformização do pensamento e dos conceitos de felicidade de todos os consumidores potenciais da Terra.

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A mรกquina Linotipo, compositora de linhas de tipos

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AS SEM SERIFA EA GLOBA LIZA ÇÃO


APÓS A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL (1914-1918),

a Alemanha alijada de suas colônias direcionou sua produção industrial por uma nova via, o gótico se revelou não exportável e mesmo um obstáculo para a expansão da indústria alemã. A racionalização obsedava os espíritos até na Bauhaus, na qual se pregava a integração de todas as artes, banindo qualquer estetismo e adotando formas funcionais minimalistas e mecânicas, confundindo arquitetura modular e gesto escritural. Era a invenção das sem serifas de texto. A Alemanha, em busca de novos mercados mundiais, ao procurar romper a carapaça «gótica» de sua reclusão nacional, não demorou a se orientar pelas «antiques» (letras de serifas quadradas, slab serif) despojadas do século XIX, traduzindo um espírito mais universal e mais moderno. No inicio do século XIX, as sem serifas de larguras regulares (bastonadas) ao extremo, quase exclusivamente capitulares, não tinham outra pretensão a não ser a de serem compostas nos textos curtos publicitários, a fim de chamar a atenção do leitor. E elas correspondiam perfeitamente a essa função. A adoção das capitulares «caixas-altas» sem serifas «construídas», herdadas dos gregos e reinventadas 100 anos antes, não apresentava nenhum problema em particular. Quanto às «caixas-baixas», elas serviam para completar essa necessidade de unidade estilística despojada das novas formas industriais. Foi assim que as pesquisas na Bauhaus, de Herbert Bayer, de J. Albers, de Jan Tschichold, assim como de Paul Renner, para «construir» a partir do modelo das capitulares monumentais uma tipografia para texto corrido, imobilizando-a em módulos geométricos, culminaram na negação de 2 mil anos de evolução da escrita latina, desde as capitulares cerimoniais estimuladas pelos gestuais da mão, para chegar às minúsculas de nossa escrita livresca atual. As «sem serifas para texto», imobilizando o gesto escritural em elementos geométricos simples e modulares, substituíram lentamente as góticas, da qual guardaram, no entanto, as características principais. O nascimento das «sem serifas para texto» nessa Alemanha de forte tradição gótica pode surpreender. Na

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verdade, a ruptura com a tradição gótica era apenas aparente e relevava somente o alinhamento sobre o novo contexto econômico social. A linguagem publicitária que essas escritas veiculam, se disfarça insidiosamente em uma «pseudoneutralidade informacional», instrumento ideal de conquista do mundo que alguns, como Tschichold, chegaram a taxar de «totalitário». Pois o que é realmente novo nas sem serifas modernas para texto em relação à gótica, é que contrariamente à gótica contida no interior de uma zona cultural delimitada, sem proselitismo, multiplicando as versões tentaculares, as sem serifas pretendem responder a todas as necessidades tipográficas em qualquer lugar do mundo, sem levar em consideração nem as identidades específicas, nem a legibilidade, dentro de um espírito de imperialismo cultural. Isso transparece perfeitamente nas designações megalomaníacas desses caracteres. Após o tipo Universal, de H. Bayer e antes da Univers, de Adrian Frutiger —que hesitou durante muito tempo entre os nomes de Galaxie que a Intertipo reservou para sua versão e Monde—, Paul Renner, autor da Futura —na França chamada de Europa—, primeira sem serifa para texto, escrevia em 1931, falando de seu caractere na Mechanisierte Grafik: E qual poderia ser nosso caractere de imprensa, senão a expressão da verdadeira, da autêntica alma alemã, ao mesmo tempo jovem e idosa, caída em desuso e cheia de futuro? (citado no livro L’Effet Gutenberg, [O efeito Gutenberg] por Fernand Baudin). Podemos, portanto, constatar que as sem serifa para texto, dentro de suas características essenciais de rigor e de rigidez não são uma etapa na evolução da escrita latina, mas dependem diretamente dos tipos góticos. Nas sem serifa para de texto modernas —que os americanos nunca deixaram de chamar de gothics—, encontramos, como nas góticas, a uniformidade mais ou menos pesada da espessura dos traços estáticos e repetitivos; dos elementos geométricos modulares simples, idênticos na maioria das letras, a supressão dos ataques e finais ou serifas ligando uma letra a outra;

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a tendência para a uniformidade das larguras «cadenciadas» das letras, mas sobretudo a redução da altura das «capitulares romanas» grandes, que corriam o risco de «manchar» a página em substituição às iniciais góticas um pouco mais altas do que as caixas-baixas. Esse esmagamento das capitulares (e das ascendentes e descendentes), reduzindo naturalmente a silhueta das palavras-ideogramas muitas vezes mais longas em alemão, é prejudicial à legibilidade, para os leitores de cultura latina. Na verdade, na escrita gótica, não havia capitulares, mas somente «iniciais» um pouco mais altas que os caracteres de texto caixa-baixa, nas quais elas ficavam sufocadas; (Herbert Bayer, queria suprimir completamente as capitulares/maiúsculas). A escrita de cada língua, além de suas características formais exprimindo uma cultura particular, tem suas próprias exigências. Assim, em último caso, não se poderia compor impunemente um texto francês e alemão com o mesmo caractere. A escrita gótica refletia a ordem, o rigor ao mesmo tempo que uma certa mística da Alemanha tradicional, enquanto as sem serifa modernas, nascidas na Alemanha industrial, querendo se abrir parao mundo, são emblemáticas de uma nova ordem mecânica e materialista. Os grandes movimentos de ideias do início do século não são talvez estranhos ao advento destas novas formas escriturais. Originalmente teorizadas na Bauhaus, estas escritas refletiam perfeitamente a mecanização geral da sociedade e a integração do Homem e da Máquina, que a pintura de Fernand Léger e os Tempos Modernos de Chaplin ilustram primorosamente. A grande escola da Bauhaus se apoiou fortemente sobre uma ideologia racionalista, materialista e funcionalista dentro de um espírito generoso de «internacionalismo». Estas ideias, simbolizando certa modernidade e progresso, foram veiculadas pelos diversos movimentos de vanguarda, como os futuristas, os dadas, os construtivistas, os surrealistas e outros. As escritas sem serifa, construídas, livres de qualquer vestígio particularista, refletiam bem estas ideologias, nas quais uma grande parte da humanidade queria se reconhecer: uma cul-

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tura proletária «internacionalista» e «progressista», em oposição à uma cultura burguesa «nacionalista» e «conservadora». Curiosamente, a dura afirmação de ordem e de rigor que se desprende das sem serifas impessoais provocou sua adoção para as obras de propaganda política, tanto na Rússia soviética como na Itália fascista. A Alemanha tradicionalista e conservadora, em oposição a estes «revolucionários», conseguiu desmantelar a Bauhaus. No entanto, recuperando as ideias da Bauhaus após a eliminação de seus protagonistas, por uma ironia da história, foi com grande pompa que a Alemanha abandonou a gótica, símbolo forte de sua identidade. De fato, foi em fevereiro de 1941 que Hitler, por decreto oficial, suprimiu a escrita gótica para construir a europa nazista sob o pretexto falacioso e grotesco segundo o qual o schwabacher (caractere gótico mais usado) teria sido um caractere judeu imposto à Alemanha há cinco séculos.

Renner futura abcdefghij klmnopqrst uvwxyz ABCDEFGHIJ KLMNOPQRST UVWXYZ 1234567890

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Mapa feito por tipografia sem serifa e serifada


Surpresa da história, os movimentos de liberação da ocupação nazista durante a última guerra na Europa, seguidos dos movimentos de descolonização pós-guerra, provocaram uma mudança de posição radical das duas grandes tendências no mundo: de fato, os internacionalistas que combateram pela independência nacional e pela reapropriação de sua identidade, tornaram-se de uma certa maneira nacionalistas, defensores de sua identidade cultural, enquanto os ex-nacionalistas, abraçando os interesses da grande indústria e da economia, se apropriaram das ideias internacionalistas abandonadas por seus adversários. Pela aparente neutralidade, essas escritas mecânicas, construídas e monossêmicas, sem odor nem cor, não demoraram aparecer sobre um terreno recentemente cultivado, como um instrumento ideal de publicidade, para acompanhar os produtos industriais em um mercado sem fronteiras. O poder industrial e financeiro que se esconde por trás dessa neutralidade não é inocente, pois essas escritas, liberadas de qualquer especificidade cultural e que circulam sem impedimento através do mundo, são destinadas para formar um pensamento único globalizado, asséptico, suscitando desejos e propondo símbolos de felicidade comuns a todos os consumidores potenciais da Terra. Essas extraordinárias variações gráficas em torno de um tema central já neutralizado, respondiam evidentemente mais a uma necessidade de ocupação do espaço da página publicitária, que casava texto e imagem, do que aos problemas de legibilidade de um texto. (Daí uma teoria muito difundida em certa época pós-guerra da «linha cinza», criando a homogeneidade dos «tons cinzas» do bloco de texto, sem preocupação com a legibilidade.) O que levou P. M. Handover a escrever sobre uma plaqueta da Monotype que «a rigidez geométrica e o efeito monótono (dos tipos sem serifa) não conduzem a nenhuma solução de continuidade no desenrolar harmonioso do texto. O gráfico dispõe os parágrafos de texto da mesma maneira que ele organiza em uma página seus chichês em meio-tom. O objetivo deste elaborado trabalho de criação não é a legibilidade, mas um delicado arranjo de formas e superfícies regulares»

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O primeiro olhar sobre uma obra literária qualquer é sempre cultural. A escrita, mesmo a mais funcional na aparência, possui uma dimensão cultural, denominada por alguns de «estética» que, quando está ligada a uma língua, é uma verdadeira função que subentende todas as outras. Uma escrita refletindo a identidade cultural do leitor para textos ligados a sua língua é muitas vezes um fator capital para a boa legibilidade. Existe uma dimensão nacional de escrita, que não poderá desaparecer enquanto pensarmos e falarmos o idioma nacional. (Na tipografia das listas telefônicas, ferramenta de comunicação funcional por excelência, constatou-se que os assinantes rejeitam os caracteres que, nos seus nomes de família, não refletem a imagem que eles se fazem de sua identidade cultural, considerando-os como ilegíveis.) Do mesmo modo, o surgimento das «sem serifa para texto» despojadas e sem alma, na primeira metade do século XX, representava certa ameaça à herança cultural. Nossa escrita humanística é o indício da cultura humanística. Da expressão dessa cultura, as escritas sem serifa fizeram um símbolo da palavra nua, rejeitando qualquer expressão, à semelhança de um esquema eletrônico ou de um eletrocardiograma. A psicologia da percepção reduzida à mecânica da percepção. Porém, isso não é suficiente para contestar o lugar que elas ocupam na tipografia contemporânea. Vimos que as escritas possuem suas funções próprias e que elas não são intercambiáveis. Seria tão ilógico e injusto querer eliminar as sem serifa do repertório da tipografia (sua legibilidade não é inferior a das góticas) quanto pretender, ao contrário, substituí-las em toda tipografia tradicional. As motivações comerciais da indústria da fotocomposição e da informática priorizam naturalmente e privilegiam uma tipografia de tendência universalista. No entanto, se em suas funções técnicas, industriais, informacionais e publicitárias que motivaram sua invenção, as sem serifa são tão contestáveis quanto a própria produção industrial, sua introdução no campo literário, rico em sutilezas de uma língua e de uma cultura particular, seria intolerável.

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Oficina tipográfica de Adrian Frutiger

Uma língua falada e escrita com aspiração universal empobrece o pensamento simplificando-o, abandona os conceitos e os mitos dos povos, desenraiza e pode levar à morte uma cultura, enquanto a multiplicidade de formas escriturais, associadas a diversas línguas e culturas, alimenta as diversas correntes de pensamentos, reflexos de psicologias particulares, e garante a liberdade de expressão das identidades culturais, opondo-se ao «ideal» de uniformização do mundo e ao centralismo opressivo. Apesar das fantásticas mudanças pelas quais passa o mundocontemporâneo e a retomada dos valores tradicionais, devemos constatar a busca de um ideal absoluto por intermédio da permanência das garaldinas, reflexo de nosso pensamento humanístico, fundamento de nossa cultura e de nossas sociedades democráticas modernas. Em princípio, a estrutura geral da escrita latina não mudou fundamentalmente desde suas origens: a capitular que utili-

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zamos atualmente nas manchetes de nossos jornais e em nossos títulos literários é a mesma há 2 mil anos, dentro de sua função monumental e solene. Igualmente as minúsculas, cuja trajetória funcional provocou mutações importantes, conservaram o essencial de sua estrutura, desde sua cristalização em «carolíngia» no século VIII, à semelhança das culturas do Ocidente cristão. A única modificação notável ocorreu com a ruptura Norte-Sul, após a desagregação do Império de Carlos Magno – entre a «gótica» e a «humanística» que até hoje assumimos o prolongamento. Após o banimento da escrita gótica por Hitler em 1941, essa ruptura Norte-Sul, que perdurou cinco séculos, deu lugar atualmente a uma divisão que vai além da Europa e se espalha de forma tentacular por todo o planeta. Essa ruptura nova diz respeito hoje em dia, de um lado às escritas de «tradição humanística», respondendo aos textos literários das culturas ocidentais, e de outro, às «escritas sem serifa» modulares, suportes dos textos neutros e informacionais.

Oficina tipográfica de Adrian Frutiger

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O ES PÍRITO EA MA TÉRIA


de uma escrita a ser delineada possibilita a escolha entre duas grandes orientações estruturais; entre uma escrita com tendência humanística, gestual, com serifas ou elzeviriana; e uma escrita com tendência universalista, tubular, impessoal, sem serifas. A utilização do texto e seu modo de leitura nos leva naturalmente à escolha do suporte e dos instrumentos de realização da escrita.Essa escolha é importante, pois a ignorância das exatas adaptações das escritas aos suportes e técnicas selecionados pode provocar contraperformances muitas vezes lamentáveis. Para uma utilização «intemporal», religiosa ou política, é conveniente escolher um suporte duro, pedra, metal, madeira, cerâmica etc., a ser tratado segundo sua ductilidade e segundo a situação da exposição perante o olhar do leitor. Para uma utilização livresca de «partilha dos conhecimentos» ou de difusão do pensamento, a escolha deverá ser de preferência por um suporte facilmente manejável, para um diálogo interativo com o texto. Depois do papiro e do pergaminho, atualmente, é o papel que corresponde melhor a essa função, que aceita as mais diversas ferramentas, desde o cálamo e a pena de escrever dos escribas, as matrizes gravadas sobre madeira ou sobre metal, os caracteres tipográficos mais ou menos mecanizados, a partir da fotocomposição até as técnicas dos tubos catódicos e do laser. A DEFINIÇÃO DO «PORQUÊ» E DO «PARA QUEM»

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O ESPÍEITO E A MATÉRIA


Quanto aos escritos do cotidiano, apesar dos teclados dos computadores e da internet, nós não podemos (ainda) nos privar da escrita manual, sobre os mais diversos suportes, com lápis, caneta tinteiro ou esferográfica. Se, conforme a utilização dos textos, as formas escriturais podem passar de um suporte a outro sem alteração, é somente a habilidade dos escribas e dos gravadores que autoriza tanto os instrumentos de traçado quanto as técnicas adequadas para o domínio da matéria, objetivando uma boa leitura. No Egito, as inscrições expostas diretamente à luz solar (que esmagaria os «baixos-relevos») eram sempre gravadas no «oco», ao contrário daquelas em «alto-relevo» na sombra, nos espaços fechados, apenas iluminadas por luz indireta. Foi assim que as escritas «cuneiformes», inventadas segundo alguns historiadores para facilitar o traçado dos sinais sobre a argila fresca, foram encontradas intactas nos muros de pedra talhada dos palácios de Persépolis. Do mesmo modo, sobre o mármore gravado da Coluna Trajano, encontramos os traços grossos e finos das capitulares escritas sobre o papiro com o cálamo dos escribas.

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Os livreiros em Portugal, no século XVI.

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Igualmente, reconhecemos as belas caligrafias árabes dos manuscritos sagrados, sobre os mais variados suportes; pintadas nos muros das mesquitas, tecidas em tapeçaria, figurando em cerâmicas e bronzes, assim como gravadas com perfeito domínio nos mármores das paredes do Taj-Mahal, algumas vezes incrustadas de pedras coloridas, com todas as sutilezas do cálamo, intactas, sem a menor concessão ao suporte escolhido. Assim, é importante prevenir o designer tipográfico sobre uma ideia amplamente difundida, segundo a qual os suportes de escritas, bem como os instrumentos de traçado determinariam as formas escriturais. Essa ideia é muitas vezes proposta para justificar a pobreza de certas escritas digitais, deslavadas em seus pequenos corpos ou desarticuladas «explicando-as» como o tributo obrigatório a ser pago ao «progresso». Ora, constatamos que os suportes e ferramentas nunca foram as causas das formas, mas os meios escolhidos que pudessem melhor corresponder às diversas funções do texto. A linguagem escritural é uma criação do espírito, independente do suporte material. A teoria da influência determinante da ferramenta sobre a forma de nossa escrita acentua um materialismo simplista. Ora, a escrita, como conjunto de símbolos gráficos abstratos, traduzindo o pensamento expresso, é o resultado de um processo mental muito complexo. É inimaginável que a forma visível deste pensamento aos olhos do leitor seja ditada por uma ferramenta ou máquina qualquer. Se as invenções das diferentes formas escriturais nunca foram motivadas por inovações tecnológicas (a exemplo da «carolíngia», das góticas, das humanísticas, das itálicas, das didots, das sem serifa e mesmo os mais fantasiosos caracteres da publicidade), por sua vez as novas técnicas nunca foram geradoras de novas escritas. Chamadas sempre a atenderem às questões da demanda de massa (produzir em grande quantidade e com o menor custo), as revoluções tecnológicas sempre quiseram garantir a continuidade, imitando as qualidades técnicas abandona

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das, menos rentáveis. Em vez de revolucionar a escrita, as novas técnicas —sempre «tranquilizadoras», consolidadas, fortalecidas—, são sempre «conservadoras». Ocorreu o mesmo com a invenção da impressão com Gutenberg —que imitava os manuscritos dos escribas— da mesma maneira com as máquinas eletromecânicas como a Monotype e a Linotype, assim também com as técnicas modernas desde a fotocomposição até ao laser, que se empenham em perpetuar as tradições herdadas da era do chumbo. No entanto, se não há relação direta de causa e efeito entre técnicas e formas de escrita, não é menos evidente que as novas técnicas modelam o espírito e a psicologia do homem, em uma lenta evolução, que lhe obrigará a fazer outras escolhas, das quais encontramos a expressão em todos seus gestos e em todas as novas formas de criação, tanto nas formas escriturais quanto nas pictóricas, arquiteturais, no vestuário, entre outras. O homem sempre expressará suas relações de subordinação com a matéria e o espírito segundo critérios em conformidade com os valores da época. As motivações das formas escriturais são sempre culturais e não seguem nem as dos progressos técnicos, nem aquelas dos interesses dissimulados. Atualmente, a criação de caracteres [design tipográfico] está liberada das obrigações enfadonhas impostas pela gravura dos buris e a fundição, e mesmo liberada da intervenção da mão graças à tela criadora: a letra se tornou totalmente imaterial. O poder expressivo da escrita, sob todas suas formas, sobre a formação do pensamento do homem moderno, investe o designer de caracteres de uma responsabilidade da qual ele muitas vezes não tem consciência. Ele não pode mais opor ao seu pensamento criador uma dependência qualquer alheia a sua vontade. Assim, livre de qualquer imposição, o designer, encostado na parede, é forçado, enfim, a considerar a escrita como uma linguagem completamente à parte e buscar a inspiração nele próprio, no seu espírito e na memória de seu corpo.

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BI BLIO GRA FIA MILLMAN, Debbie. 21 grandes designers e suas mentes criativas. São Paulo, Rosari, 2011. BRINGHURST, Robert. Elementos do estilo tipográfico. São Paulo, Cosac Naify, 2005. FUENTES, Rodolfo. A prática do design gráfico. São Paulo, Rosari, 2006. HASLAM, Andrew. O livro e o designer II. São Paulo, Rosari, 2007. LUPTON, Ellen. Pensar com tipos. São Paulo: Cosac Naify, 2006. –––––––––, Design, writing, research, Nova York, Kiosk Book, 1996. WEINGART, Wolfgang. Como se pode fazer tipografia suíça?. São Paulo, Rosari, 2004. HOCHULI, Jost. Designing books. Londres, Hyphen Press, 1996. POYNOR, Rick. Tipographica. Londres, Laurence King. 2002. KINROSS, Robin. Modern Typography: an Essay in Critical History, Londres, Hyphen Press, 1992. ________. Unjustified texts, perspectives on typography, Londres, Hyphen Press, 2002.

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IN DI CE [remissivo] A

H

Alemanha - 17,22,24,25 Antiques - 22 Art noveau - 17 Auriol - 17

Handover, P.M. Handover - 28 Herbert, H.Bayer - 22,23,24 Hitler - 25,31 Humanística - 17,29,31,34

B

I

Bauhaus - 22,24 Bayer, H - 10,15,16

Industrial - 16,19 Inglaterra - 17 Instrução - 16

C

J

Capitular, capitulares - 22,24,29 Caracter, caracteres - 16,19 Carlos, Magno - 29 Carolíngia - 29,37 Coluna, Trajano - 29 Comunicação - 19 Construtivista - 24 Cooperplate - 17 Cultura, cultural - 19,24,25,26,29 Chaplin - 24

Jornais - 16

L Leitura, leitor - 19,37 Linotype - 16,19 Livresca - 17,34 Livro - 16,17,19

M

D

Máquina - 24 Modernos, tempos - 24 Monotype - 17,28

Dadas, dadaísmo - 24

P

E

Paul, Renner - 22,23 Poder - 28 Propaganda - 16 Psicologia - 19,29 Publicidade - 16,19,28

Elzeverianos, elzeveriana - 17,34 Escrita, escritas 16,17,19,23,24,29, 30,34,35,37 Escribas - 34 Estados, Unidos - 17 Europa - 24

F

R Revolução - 16,17 Rússia - 25

Fernand, Léger - 24 Francesa, francesas - 19 França - 17,19,23 Fundidoras, fundirores - 19 Futura, tipografia - 24

S

G

T

Gotica, gotico - 22,23,31,37 Guerra - 22 Guttenberg - 23 Grasset - 17 Gregos - 22 Grotesco, grotescos - 25

Tipográfica, tipografia - 17,19,29 Tendência, tendências - 19,28,34 Tschichold - 23

Serifa, serifas - 17,22,31,34 Surrealista - 24 Schwabacher - 25

U Universal, Bayer - 23 41


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ESTE EXERCÍCIO FOI COMPOSTO COM AS TIPOGRAFICAS BASKERVILLE E UNIVERS E IMPRESSA EM IMPRESSÃO DIGITAL PELA GRÁFICA CASA SOBRE PAPEL OFFSET 90G / 120G PARA O CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESIGN GRÁFICO - FAAP EM AGOSTO DE 2015.


Para Ladislas Mandel, a escrita sob todas as formas é sobretudo uma linguagem completamente à parte, criação do espírito. Hoje em dia, com as técnicas digitais a escrita assumiu um caráter universal, imergindo na globalização que por sua vez se representa em inumeras famílias tipográficas. Dentro desse contexto, o autor se interroga sobre a razão da escrita dentro de sua diversidade. Veremos nesta copilação, três importantes destaques como: O Mundo Industrial e o Livro, As Sem Serifa e a Globalização e o Espírito e a Matéria


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