Tabloide Ronaldo Fraga

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O primeiro registro de desenho de roupa que Ronaldo Fraga guarda na memória é com cerca de seis anos. Após assistir a um vídeo do patinho feio na escola a professora pediu para que os alunos fizessem uma ilustração daquilo que tinham acabado de ver. Naturalmente, ele desenhou um pato de cartola, terno e gravata - coisas que não existiam no impactada e perguntou de onde ele havia tirado aqueles elementos. Ronaldo logo pensou que tinha feito algo de errado, mas respondeu com espontaneidade típica de uma criança: “o pato virou cisne, ficou bonito; ganhou uma roupa nova”.

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“O DESENHO TE

LIBERTA, O DESENHO

TE FAZ, SE NÃO

DONO DA HISTÓRIA

INTEIRA, MAS DO

PONTO DE

PARTIDA.”

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GRADUADO EM ESTILISMO PELA UNIVERSIDADE FEDERAL de minas gerais no início dos anos 90, passou os anos seguintes especializando-se no exterior. Em Nova York, cursou a Parson’s School com a bolsa que recebeu por ter vencido um concurso da empresa têxtil Santista. Em Londres, aprendeu chapelaria na Saint Martins e, junto com o irmão, abriu uma pequena produção de chapéus, vendidos nas famosas feiras de Camden Town e Portobello. Com a renda do negócio, viajou toda a Europa. Em 1996, veio ao Brasil para participar do Phytoervas Fashion, em São Paulo, em uma das primeiras edições. O desfile “Eu Amo Coração de Galinha”, colorido e alegre, surpreendeu a todos numa época em que o espírito clean ditava a moda. Viriam mais duas participações e a volta em definitivo ao Brasil. No último Phytoervas Fashion, em 1997, com a coleção “Em Nome do Bispo”, inspirada na obra do artista Arthur Bispo do Rosário, ganhou o prêmio de estilista revelação. Em 1997, Fraga lançou a sua marca própria.

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“O que eu gosto da moda, é justamente a potencialidade que ela tem de estabelecer diálogo com outras frentes, inclusive com a arte.” 5


O MINEIRO RONALDO FRAGA, 48 ANOS TEM COM HUMOR, ousadia e crítica social constâncias em suas coleções que, temporada após temporada, dedica-se a contar “histórias absurdas do homem comum”, como ele próprio define. O estilista poderia morar em qualquer lugar do mundo, mas escolheu viver em Belo Horizonte. Segundo ele, a cidade preserva uma nuance provinciana que muitas metrópoles já perderam. “Aqui você tem tudo o que pode esperar de uma grande cidade: movimentos culturais, design, tecnologia, etc. Mas você tem também aquilo que se caracterizou como coisas de província e que no mundo moderno passou a ter muito valor: desde a relação entre as pessoas até as coisas mais prosaicas, como cheiro das magnólias na Savassi”, descreve. Ronaldo valoriza ainda a localização geográfica de BH e explica que com uma viagem de apenas 40 minutos é possível chegar a lugares onde vivem pessoas que nunca estiveram na capital.

Mas você tem também aquilo que se caracterizou como coisas de província: desde a relação entre as pessoas até as coisas mais prosaicas, como cheiro das magnólias na Savassi.” 6


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Com os filhos, Graciliano e Ludovico, na casa da família, em BH

“Eu sou o segundo morador de uma casa de 1930. Eu tenho uma jabuticabeira maravilhosa, eu tenho uma amoreira maravilhosa, eu tenho um ipê em casa. Eu preciso de mais?.”

Contrariando os amigos que sempre lhe aconselharam a viver em apartamentos localizados em condomínios fechados, Ronaldo vive numa casa, no bairro Floresta, a dez minutos do centro de BH. E tem um motivo muito específico para criar os filhos ali. “Moro a duas quadras de onde viveu Carlos Drummond de Andrade, de onde morou Guimarães Rosa e, nos fundos da minha casa, passa uma linha de trem. Eu sou o segundo morador de uma casa de 1930. Eu tenho uma jabuticabeira maravilhosa, eu tenho uma amoreira maravilhosa, eu tenho um ipê em casa. Eu preciso de mais?”, comenta sorrindo. O acolhimento mineiro é também uma das marcas que o belo-horizontino destaca. “Tenho projetos do Recife ao sul do Brasil e as pessoas sempre falam dessa nossa forma de acolher as pessoas. Dizem que sou da terra invejada, onde tudo termina numa mesa, numa cozinha. E isso é real. É uma herança cultural que temos de receber bem as pessoas e facilmente levá-las pra nossa casa”, diz o estilista. Como divide o tempo entre trabalho e família, Ronaldo descreve um dia perfeito como aquele em que acorda cedo para receber amigos ao longo do dia.

Coleção de uniformes do

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América-MG para 2016 desenhada pelo estilista


Ilustração Ronaldo Fraga para a matéria "Gastronomia em BH"

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Sacola retornável em homenagem a ícones arquitetônicos de Belo Horizonte

JÁ ERA COSTUME DA VELHA SENHORA, cega e acamada, acariciar a cabeça dos netos e filhos para saber quem era quem. Quando alguns dos pequeninos se aproximavam, ela dizia: “tenho um presente para você”. Retirava uma bolacha “Maria” do bolso do pijama, que era oferecida carinhosamente. O biscoito ia acompanhado de uma breve história. Havia sempre um Joaquim, uma Sebastiana, um Vicente e vários tantos que adoravam comer dessa bolacha. Essa seria apenas mais uma simples situação familiar se o neto dessa senhora, que morreu aos 111 anos, não fosse o estilista Ronaldo Fraga. Foi investigando a própria memória que surgiu a ideia de fazer uma coleção de moda com estampas dessa bolacha. Em 2010, o desenho da guloseima, muito comum nos recreios escolares de quem nasceu na década de 80, saiu das passarelas direto para estampar uma linha de itens da rede de lojas de decoração Tok Stock. Com nomes genuinamente brasileiros, do vestuário a itens decorativos, a coleção traz em cada peça a história do menino com a avó. Assim como no caso dos biscoitos, as coleções de Ronaldo levam para passarela muito mais que moda e estilo. Revelam história, cultura, diálogo e arte contemporânea. Obras de escritores como Carlos Drummond e Guimarães Rosa, canções como as de Nara Leão, movimentos como os da bailarina alemã Pina Bausch, entre tantos outros universos que encantam o estilista são retratados na passarela. “Quando eu pensei em fazer isso, eu lembro que um professor disse que eu ia morrer de fome porque falar de cultura é uma coisa difícil. Ainda mais cultura associada à moda. É natural eu falar pra você que eu li um livro lindo, um livro maravilhoso, um livro que me emocionou muito. Então, faço isso através do meu ofício que é a moda”, argumenta Fraga.

Produtos da linha “Biscoito” para a Tok&Stok

Almofada da linha "Dia de festa" para a Tok&Stok

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E não é apenas no cenário fashion que Ronaldo Fraga quebra estereótipos. Casado, pai de dois filhos, o estilista revela no perfil do seu blog que não teve mãe costureira ou irmãs provando vestidos em casa e nunca brincou de boneca. Começou pelo simples fato de saber desenhar. Adolescente na época da Ditadura Militar, ele gostava de participar de protestos (qualquer fosse o motivo) e lia muito sobre política. Jamais planejou seguir carreira no mundo da moda. Começou um trabalho por causa dos seus desenhos e acabou se envolvendo com esse setor. “Quando assustei, eu tinha ganhado um concurso em que o prêmio era uma pós-graduação em Nova Iorque. De lá eu fui pra Londres e depois voltei para o Brasil e participei do Phytoervas Fashion. Só em 2000, quando fiz a produção com a minha marca e vi a roupa saindo com a minha assinatura é que falei: olha, construí uma profissão e nem sabia”, conta. Com desfiles e exposições nos mais diversos estados brasileiros e no exterior, Ronaldo Fraga é atualmente um dos estilistas mais apreciados no

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São Paulo Fashion Week, uma das mais importantes semanas de moda do mundo. As roupas da confecção dele são vendidas em duas lojas próprias (uma em São Paulo e outra em Belo Horizonte) e em 30 multimarcas espalhadas em todo Brasil. Em todos os desfiles, estabelece diálogo da cultura brasileira com o mundo contemporâneo. O universo da obra de Carlos Drummond de Andrade, O sertão de Guimarães Rosa, a cerâmica das bonecas do Jequitinhonha, o legado da cantora Nara leão, foram temas em coleções – manifesto que sempre são citadas pela crítica como marcos do São Paulo Fashion Week e da história da Moda no Brasil. Além da marca própria, desenvolve projetos de geração de emprego e renda com reafirmação cultural em cooperativas e comunidades ligadas a indústria de confecção. É autor do livro “Moda Roupa e Tempo – Drummond Selecionado e Ilustrado por Ronaldo Fraga”, e tem biografia publicada pela editora Cosac Naify, dentro da coleção “Moda Brasileira”.


“Quando eu pensei em fazer isso, eu lembro que um professor disse que eu ia morrer de fome porque falar de cultura é uma coisa difícil. Ainda mais cultura associada à moda.” 13


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O mineiro Ronaldo Fraga forma-se pelo curso de estilismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com pós-graduação na Parson”s School of Design de Nova York e Saint Martins School de Londres. Lança sua marca no extinto Phytoervas Fashion em 1996 com a coleção EU AMO CORAÇÃO DE GALINHA, metáfora que colocava frente a frente o universo público e privado.

Em seguida apresentou “Álbum de família”, EM NOME DO BISPO (inspirada no universo do artista sergipano Artur Bispo do Rosário). Estas coleções lhe valeram o prêmio de Estilista revelação 1997, em evento promovido pela Phytoervas e MTV.

Em fevereiro de 2008, é selecionado junto a 100 designers do mundo para o Brit Insurance – Designs of the year, exposição organizada pelo Design Museum de Londres. Único representante da América Em agosto de 2007 desfila pela primeira vez em Tóquio, com a coleção homenagem a cantora NARA LEÃO. Em 2007, recebe comenda da ordem cultural, prêmio concedido a personalidades que dão corpo à Cultura Brasileira, pelas mãos do Ministro da cultura Gilberto Gil. Pela primeira vez a moda sendo tratada como instrumento de reafirmação cultural pelos órgãos do governo federal.

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do Sul, apresenta look completo e vídeo da coleção A CHINA DE RONALDO FRAGA, junto a nomes como o japonês Issey Myake, Jhon Galliano e Jil Sander.

No teatro, trabalha com o diretor Felipe Vidal, criando os figurinos dos espetáculos “Louise Valentina” e “Depois da Queda”, de Arthur Miller. Também desenvolve oc cenários e figurinos da peça FONCHITO E A LUA, adaptação teatral do livro do escritor peruano Mario Vargas Llosa, com dramaturgia de Pedro Brício e direção de Daniel Herz.


Em 1998 passa a desfilar suas coleções na semana de Moda - Casa de Criadores. Já nesta época, passa a ser considerado pela mídia especializada como um dos nomes mais importantes no processo de construção da identidade da Moda Brasileira.

A coleção para o inverno 2008, A LOJA DE TECIDOS apresenta o universo e a poética de uma loja de tecidos, comércio em extinção no Brasil.

Na área da dança, assina figurinos de produções como “Santagustin”, do Grupo Corpo; “Por Parte do Pai”, de Nathália Marçal, em homenagem à obra de Bartolomeu Campos de Queirós; e PASSANOITE, da São Paulo Companhia de Dança.

Em 2001, passa a fazer parte do grupo de marcas a desfilar no São Paulo Fashion Week. Estreia com RUTE SALOMÃO, história de amor fictícia entre um judeu ortodoxo e uma cristã. É aclamado como o estilista “Cult” da Moda brasileira. Na coleção seguinte desfila uma de suas coleções memoráveis,”Quem matou Zuzu Angel”, em homenagem à estilista morta pela ditadura militar.

Em junho de 2008 apresenta no São Paulo Fashion Week a coleção de verão SÃO FRANCISCO abordando o tema da transposição do Rio São Francisco e os problemas causados por essa transposição. Participa do projeto Talentos do Brasil coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, criado para estimular a troca de conhecimentos entre cooperativas e grupos de artesãs Norte Sul, Leste a Oeste, gerando emprego e agregando valor ao talento artesanal de cada grupo. Trabalhou com três grupos: Coxim, no Mato Grosso do Sul (Pele de Peixe), Paraíba (Renda Labirinto) e São Borja, no Rio Grande do Sul (Lã e crina de cavalo). Em setembro de 2008 foi selecionado para participar da I Bienal Ibero-Americana de Design organizada pela Associação de Desenhadores de Madrid (Dimad). De outubro de 2008 a janeiro de 2009, apresenta uma instalação no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio na exposição “When Lives Become Form”, que abrange o tema da criatividade brasileira.

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“A minha briga ĂŠ para que a moda seja entendida como cultura. Que seja entendida como um vetor cultural no Brasil.â€?

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